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STJ recusa pedido de danos morais e materiais por abandono afetivo
Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negaram recurso especial de servidora pública que buscava indenização de seu pai devido à falta de assistência afetiva e material em sua criação. Ao analisar o recurso, os ministros não identificaram ato ilícito ou culpa na conduta do genitor da autora, que teve a paternidade confirmada somente 38 anos após o nascimento da filha.
Durante a ação de indenização por danos morais e materiais, a autora, nascida em 1968, afirmou que obteve reconhecimento judicial da paternidade em 2006, mas que nunca recebeu assistência material ou afetiva de seu pai. Depois do registro de paternidade, de acordo com a requerente, o genitor adquiriu vários imóveis para os demais filhos, inclusive com a utilização de terceiros nas transações comerciais. O pedido de indenização da autora, no valor de cinco mil salários mínimos, foi baseado na falta de amparo paterno durante toda a sua vida e no tratamento diferenciado demonstrado pelo pai entre ela e os demais filhos.
Conforme a sentença de primeira instância, o pedido foi negado com a fundamentação de que a decretação tardia de paternidade e a ausência de prestação afetiva não geravam obrigação indenizatória ao pai. Pelos mesmos fundamentos, o julgamento primário foi confirmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
A autora não se conformou com as decisões das instâncias paulistas e, por meio de recurso especial dirigido ao STJ, defendeu que havia demonstrado nos autos as boas condições econômicas de seu pai, mas que, apesar disso, apenas seus irmãos desfrutavam do patrimônio paterno. A servidora pública também insistiu na tese do abandono afetivo desde o nascimento.
Para o ministro relator, Villas Bôas Cueva, a ausência de afetividade no ambiente familiar, normalmente, não configura dano a ser reparado por meio de indenização pecuniária. O ministro também registrou que a demora de quase quatro décadas para que a autora ingressasse com ação de paternidade contribuiu para o agravamento do caso.
Ele afirmou, ainda, que o ordenamento jurídico não prevê a obrigatoriedade de sentimentos que, normalmente, vinculam um pai a seu filho. E não há lei que gere tal dever, tendo em vista que afeto é sentimento imensurável materialmente e essa circunstância, inclusive, foge do âmbito jurídico, não desafiando dano moral indenizável à suposta vítima de desamor. Villas Bôas Cueva ressaltou que o dever de sustentar financeiramente o filho pode ser proposto por meio de ação de alimentos, desde que concreta a necessidade do auxílio material. O ministro sustentou que o fato de o pai da autora adquirir bens em nomes de outros filhos não caracteriza abandono afetivo e material, pois ainda fica ressalvada a possibilidade da recorrente buscar a proteção de seus direitos sucessórios quando da morte do seu genitor.
Para o advogado Charles Bicca, membro do IBDFAM, este tema sempre deve ser analisado com cautela, pois não é qualquer descontentamento que configura o ato ilícito. Segundo ele, a decisão parece estar fundamentada no fato de que o filho não pode ser “vítima de desamor” e que “afeto é sentimento imensurável”. “Vale frisar que não estamos pleiteando isso nas ações de indenização por abandono afetivo. Os deveres decorrentes do Poder Familiar estão expressamente regulamentados nos artigos 227 e 229 da Constituição, artigo 1.634 do Código Civil e artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sendo assim, o dever é de cuidado, e abandonar filhos é ato ilícito indenizável como qualquer outro”, diz.
De acordo com Charles Bicca, o artigo 229 da Constituição Federal determina expressamente aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Dessa forma, o descumprimento desse dever legal impõe a condenação decorrente do abandono. Para ele, desde que tenha sido devidamente comprovado nos autos que o pai jamais teve conhecimento daquele filho menor, o entendimento dos tribunais foi correto. “É provável que esse fato tenha sido determinante na decisão”, afirma.
Quanto às divergências presentes em decisões relacionadas à indenização por abandono afetivo no STJ, o advogado explica que a partir de 2012, no julgamento do Recurso Especial 1.159.242-SP, ficou definida a obrigação legal de cuidar dos filhos e a imposição de indenização nos casos de infração a esse dever.
“Em outras decisões, tenho notado uma tendência de restringir um pouco as hipóteses de indenização, sem deixar de reconhecer esse direito. O entendimento majoritário é que não existe qualquer restrição na aplicação das regras de responsabilidade civil no Direito de Família. Existe ainda alguma resistência, mas aos poucos tudo está sendo devidamente esclarecido, ressaltando, ainda, que em breve teremos legislação específica sobre o tema. É mais do que evidente que o abandono é ato ilícito, e assim devem ser proferidas as mais severas condenações judiciais contra pais que abandonam seus filhos”, conclui.
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