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Doação dissimulada é nula apenas quanto à parte que excede a que doador poderia dispor livremente
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Marco Buzzi, reconheceu que a irmã de uma mulher que se suicidou deve permanecer com 50% de um imóvel, alvo de disputa entre ela e o ex-cunhado.
Buzzi entendeu que a doação dissimulada é nula somente quanto à parte que excede àquela que o doador poderia dispor livremente. Ele apontou que a compra e venda do imóvel realizada entre as irmãs encobertou uma doação inoficiosa da legítima, ou seja, a doação é considerada nula na metade que corresponde à herança cabível ao ex-marido da suposta vendedora, herdeiro do filho menor, que faleceu poucas horas depois da mãe.
O defensor público Varlen Vidal, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), explica que a doação dissimulada é aquela que se faz objetivando causar prejuízo a terceiro. “Concluiu-se que a intenção era transferir; ocorre que, externamente, as irmãs fizeram transparecer que era uma transferência onerosa, quando, na verdade, era uma doação”, disse.
A consequência, segundo Vidal, é que o artigo 549 do Código Civil torna nula a doação quanto à parte que exceder à que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.“Mais à frente, já no artigo 1.789, o Código determina que, no caso de existência de herdeiros necessários, o testador somente poderá dispor da metade da herança. Importante observar que tal restrição não está presente na transferência onerosa, como a compra e venda. Portanto, no caso em análise, lhe era permitido doar apenas 50% do imóvel, já que a outra metade, por direito sucessório, deveria ser reservada ao seu filho, herdeiro necessário. Em situação de normalidade, falecendo a mãe, seu filho herdaria por inteiro o imóvel, o qual somente passaria ao pai ocorrendo o óbito do filho”, explica.
Varlen Vidal destaca que o negócio jurídico, ainda que tenha sido simulado, ou seja, doação revestida de compra e venda, tem validade a parte do negócio jurídico que não exceder à legítima. “Como explicado acima, a ex-mulher poderia doar apenas 50% do imóvel, já que os outros 50%, por direito sucessório, deveriam ser reservados ao filho. Se o filho morresse antes da mãe, nenhum direito teria o pai, vez que, nessa situação, o imóvel não seria transferido por direito sucessório da mãe ao filho. No sentido inverso, sim. Falecendo a mãe primeiro, o imóvel foi transferido ao filho em razão da sucessão hereditária; logo, vindo o filho a falecer pouco tempo depois, também por sucessão hereditária, o imóvel é transferido ao pai. No entanto, como o Código Civil permite a doação de 50% do imóvel, considerando ser este o único patrimônio, a doação desta fração é válida, sendo inválida a outra metade, que deveria ser reservada ao filho”.
Conforme o defensor público, sendo o pai herdeiro necessário do filho, tem direito à metade do imóvel. “Como bem demonstrado no acórdão, entendeu o relator a presença da dissimulação relativa, ou seja, as irmãs buscavam a transferência do imóvel, mas simularam um meio falso para tal”, completa.
Entenda o caso - O casal se divorciou em 2004, quando concordaram que o apartamento ficaria integralmente com a mulher. No ano seguinte, por meio de escritura pública, a mulher transferiu o imóvel para sua irmã pela quantia de R$ 85 mil. Um mês depois, a ex-mulher se matou após disparar um tiro contra o próprio filho, que morreu na sequência.
Com isso, o pai da criança ajuizou ação pedindo a declaração de nulidade da venda do apartamento, e como a criança morreu poucas horas depois da mãe, o pai invocou sua condição de único herdeiro do filho, o que lhe daria direito à herança. O homem sustentou que o intuito do negócio feito entre as irmãs era ocultar uma doação, o que representou ofensa à legítima. Por isso, ele pediu a reintegração de posse do imóvel.
Em primeiro grau, o juiz entendeu que a mãe faleceu antes do filho e, por isso, foi declarada a nulidade parcial da doação do imóvel, atingindo os 50% que representam a legítima, ou seja, a parte não disponível do patrimônio.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) sustentou a sentença, esclarecendo que os cunhados seriam condôminos, o que não afastaria a irmã da falecida da posse do apartamento. Ao julgar recurso do pai da criança, o ministro Marco Buzzi reconheceu a nulidade da operação apenas na fração que corresponde à legítima, distinguindo os conceitos de simulação absoluta e relativa.
Na simulação absoluta, as partes na realidade não realizam nenhum negócio e apenas simulam, para criar uma aparência, uma ilusão externa, sem que na verdade desejem o ato, ou seja, o negócio simulado é realizado para não produzir nenhum efeito. Em geral, a simulação absoluta destina-se a prejudicar terceiro, subtraindo os bens do devedor à execução ou partilha.
Já em relação à simulação relativa, também chamada de dissimulação, o negócio tem a finalidade de encobrir outro de natureza diversa, destinando-se apenas a ocultar a vontade real dos contraentes e, por conseguinte, o acordo de fato almejado.
O ministro Buzzi esclareceu que, tratando-se de simulação relativa, o Código Civil, artigo 167, determina que subsista o negócio dissimulado, se for válido. O magistrado explicou que o negócio jurídico dissimulado apenas representou ofensa à lei e prejuízo a terceiro na parte em que excedeu ao que a doadora, única detentora dos direitos sobre o bem imóvel objeto do negócio, poderia dispor.
Acesse a decisão: RESP 1102938/SP
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