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Justiça gaúcha reconhece o direito de criança ter dois pais no registro de nascimento
No último dia 8 de maio, a juíza Carine Labres, da 3ª Vara Cível de Santana do Livramento (RS), decidiu que um menino de cinco anos terá na certidão de nascimento o nome do pai biológico e do pai que o registrou e convive desde o nascimento. A decisão da juíza leva em consideração o aspecto da multiparentalidade, reconhecendo a verdade biológica e a realidade afetiva, priorizando a melhor resolução para a criança sobre as normas do direito.
No caso, o pai biológico ajuizou ação de investigação de paternidade e argumentou que manteve relacionamento íntimo e afetivo com a ré, do qual resultou no nascimento do menino, que foi registrado em nome do atual companheiro. Com a conclusão do exame de DNA, foi confirmada a paternidade biológica. Durante a audiência, foi dispensada a produção de prova testemunhal, pois o pai biológico reconheceu o vínculo existente entre a criança e o pai afetivo. Com isso, os pais concordaram quanto à inserção de seus respectivos nomes, em conjunto, na certidão de nascimento do garoto, sem qualquer objeção da mãe.
Segundo a juíza, a decisão exige atentar para a multiparentalidade e o afeto como valor jurídico. Nesse intuito, debruçar o olhar conservador do direito registral sobre a questão levaria à desconstrução do vínculo jurídico formado entre o filho e o pai afetivo, pois o registro civil deve refletir a verdade dos fatos. Assim, o raciocínio simplista não pode mais ser aceito pelos operadores do direito, eis que o afeto, verdadeiro laço formador de entidades familiares, deve dar base ao desfecho de demandas desta espécie.
Multiparentalidade- O Direito de Família vem passando por várias mudanças, levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, a afetividade, a solidariedade e a idéia de família contemporânea plural para assegurar direitos constitucionalmente protegidos.
A paternidade socioafetiva, como modalidade de parentesco civil, tem origem no art. 1.593 do diploma civilista, que se traduz na convivência familiar, solidariedade e no amor nutrido entre pai e filho, sem que exista essencialmente vínculo biológico ou jurídico entre eles. A juíza Carine Labres explica que a paternidade socioafetiva apresenta-se em situações de adoção legal, adoção à brasileira, nos filhos de criação e provenientes de técnicas de reprodução assistida heteróloga.
Em casos singulares, a maternidade ou a paternidade natural e a civil podem ser reconhecidas cumulativamente, coexistindo sem que uma exclua a outra, sendo denominada pela doutrina multiparentalidade ou pluriparentalidade, explica a julgadora.
A Lei 11.924/2009 regulamentou a possibilidade de o enteado ou enteada adotar o sobrenome da família do padrasto ou da madrasta, porém a questão da multiparentalidade vai além, e questiona a possibilidade de alguém ter em seu registro civil o nome de duas mães ou de dois pais. De acordo com o advogado Flávio Tartuce (SP), segundo vice-presidente da Comissão de Direito das Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a multiparentalidade é um caminho sem volta na modernização do direito de família e representa uma consolidação da afetividade como princípio jurídico em nosso sistema.
Ainda que não haja jurisprudência consolidada acerca da multiparentalidade, em agosto de 2012 a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente a apelação cível 0006422-26.2011.8.26.0286, introduzida em ação declaratória que adotou a maternidade socioafetiva simultaneamente à maternidade biológica.
“Penso, todavia, que a jurisprudência sobre o tema está em crescente e intensa construção. O julgamento futuro do Supremo Tribunal Federal sobre a prevalência do vínculo biológico ou socioafetivo parece ser uma ótima oportunidade de uma manifestação superior sobre a categorização jurídica da multiparentalidade”, explica Flávio Tartuce.
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