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Algumas considerações sobre a lei que disciplina os alimentos gravídicos
Resumo
A Lei 11804/2008 disciplina o direito aos alimentos gravídicos, possibilitando à gestante o pleito judicial de uma pensão para custeio das despesas adicionais decorrentes da gravidez em face do suposto pai de seu filho, bastando para tanto apresentar no pedido inicial indícios de paternidade.
Palavras:
Alimentos. Dever de sustento. Alimentos gravídicos
1. Introdução
Por imperativo constitucional a criança e o adolescente tem direito de receber da família, do Estado e da sociedade, a proteção à vida, á saúde, à dignidade e à convivência familiar. A alimentação, educação, lazer, profissionalização e cultura também foram previstos como direitos constitucionais (art. 227, CF).
Em outras palavras, podemos dizer que os absolutamente incapazes e os relativamente incapazes, sujeitos portanto ao poder familiar, tem direito de receber da sua família, preferencialmente de seus genitores, meios de subsistência, educação e formação. À sociedade e ao Estado impõe-se um dever de desenvolvimento de programas assistências de inclusão e suprimento das necessidades, de forma supletiva, diante da omissão familiar.
A norma constitucional impõe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (art. 229). Essa obrigação de sustento, guarda e educação dos filhos menores é ratificada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 22.
O Código Civil, por sua vez, estatui que compete aos pais a criação e a educação dos filhos menores (art. 1634, I).
Apresentados os dispositivos legais, resta evidenciado que os pais tem o dever de sustento em relação aos filhos menores, consubstanciado no dever de prestar alimentos.
O nosso Código Civil não definiu a abrangência da palavra alimentos. Os alimentos podem ser definidos, segundo o artigo 2003, do Código português, como "por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Os alimentos compreendem também a educação do alimentando no caso de este ser menor"[2].
Milton Paulo de Carvalho Filho traz elucidativa definição: "Alimentos são prestações fornecidas, em dinheiro ou em espécie, a uma pessoa para o atendimento das necessidades da vida. Compreendem o sustento, o vestuário, a habitação, a assistência médica e, em determinados casos, até mesmo instrução daquele que deles necessita. Abrangem também agora, por força da Lei n. 11.804/2008, as necessidades da genitora no período da gestação, tutelando os direitos do nascituro. São dos denominados alimentos gravídicos"[3].
O Código Civil em seu artigo 1694 distinguiu duas modalidades de alimentos, definidos pela doutrina como alimentos naturais ou necessários e alimentos civis. No caput do referido artigo estão previstos os alimentos civis, que abrangem as despesas concernentes a alimentação, vestuário, moradia, mas que se estendem a garantir meios de suprir as necessidades oriundas da condição social do alimentado, inclusive as despesas com sua educação.
Já os alimentos naturais, previstos no §2º, do artigo 1694, do Código Civil, destinam-se somente ao atendimento das necessidades prementes de subsistência. Esses alimentos fundam-se na culpa de quem os vindica. Assim, a lei não deixa ao desamparo, por exemplo, aquele considerado culpado na separação, mas o priva dos alimentos civis, garantindo apenas os alimentos para sua mantença.
2. Dever de sustento e obrigação alimentar: uma distinção necessária
O dever de sustento oriundo do poder familiar, da obrigação que os pais tem em relação aos filhos menores e incapazes, de criação, educação e formação, não se confunde com a obrigação familiar, advinda da relação de parentesco.
O dever de sustento cessa, em regra, com a maioridade civil, uma vez que essa faz cessar o poder familiar. A maioridade civil não tem efeito automático para desobrigar o alimentante, conforme disposição da Súmula 358, do STJ: " o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos".
Assim, o menor não será surpreendido com o cancelamento unilateral da prestação alimentícia, poderá inclusive demonstrar que os alimentos ainda são necessários para a conclusão dos seus estudos. Vale dizer, a referida Súmula possibilita o exercício da ampla defesa. Não obstante a Súmula dispor que o pedido de cancelamento poderá ser feito nos próprios autos, não há impedimento para que se formule um pedido autônomo de exoneração de alimentos.
Insta salientar que embora a Súmula 358 do STJ disponha da impossibilidade de cancelamento automático da prestação alimentícia diante da maioridade civil, o fundamento da obrigação alimentar altera-se. Os alimentos pagos em virtude da menoridade fundamentam-se no dever de sustento, já os alimentos que o pai continuar pagando após a maioridade tem como causa a relação de parentesco. Tecnicamente, o certo seria, em caso de pagamento coercitivo de alimentos, uma nova ação de alimentos, tendo como causa de pedir a obrigação alimentar decorrente da relação de parentesco entre pai e filho. É certo que tudo isso só será necessário se não houver espontaneidade no pagamento dos alimentos, já que o pai pode simplesmente continuar contribuindo com o sustento e educação dos filho por conta dos laços de amor e afeto que os une.
Em muitos casos a situação melhora com a maioridade do filho alimentando, já que ele passa a ser plenamente capaz para a prática dos atos da vida civil e os problemas que o pai tinha com a genitora desaparecem, já que o titular de eventual ação de execução de alimentos será o filho. Eventual ação porque os valores da prestação alimentícia passam a ser apreciados exclusivamente pelo pai e pelo filho, sem a intervenção da mãe, até então representante legal do menor. Sem sombra de dúvida uma apreciação mais simples e objetiva que dispensa o ajuizamento de ação judicial. É certo que se os pagamentos estiverem sendo pagos mediante desconto em folha de pagamento, a ação judicial será necessária para alterar o valor da prestação ou cancelar o desconto em folha.
Insta consignar que embora a maioria das ações de alimentos tenha no polo passivo da ação o pai, nada impede que a mãe figure no polo passivo e seja a devedora dos alimentos, aplicando os mesmos comentários apresentados acima.
Em relação aos que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, absolutamente e relativamente incapazes, respectivamente, o poder familiar não cessa quando se completa 18 anos de idade, já que continuam incapazes e o dever de sustento permanece inalterado (arts. 3 e 4 do Código Civil).
Em ação de alimentos baseada, por exemplo, na menoridade e, portanto, no dever de sustento decorrente do poder familiar, não se questiona a necessidade do alimentando, já que esta é presumida. Deve-se discutir somente sobre o quantum da prestação alimentícia, considerando-se para tanto a possibilidade do alimentante em suprir os alimentos civis e não simplesmente os naturais, já que não há que falar em imputação de culpa a um menor.
Os filhos menores e os incapazes tem direito aos alimentos na sua plenitude, inclusive tem direito de continuar com o mesmo padrão de vida que detinham antes, por exemplo, da separação dos pais. Se estudava em escola particular, tem direito de continuar estudando em rede particular de ensino, salvo se houver alguma alteração econômica nas possibilidades do progenitor alimentante. Do contrario tem direito de continuar vivendo de modo compatível com a situação financeira dos pais.
É comum diante da separação dos genitores o alimentante pleitear o pagamento de uma pensão ínfima para o menor, impossibilitando a continuidade dos estudos e das atividades extracurriculares as quais estava habituado. A criança fica impossibilitada de continuar nas aulas de natação, futebol, música, não porque o alimentante perdeu a condição financeira de custeá-las, mas porque houve uma separação.
É certo que algumas distorções práticas fazem com que os pais enveredem-se por esse caminho, como no caso de uso indevido da prestação alimentícia do menor por parte da genitora-guardiã ou do genitor-guardião. Insta consignar que os alimentos pagos pelo pai ou pela mãe ao menor devem ser utilizados exclusivamente com ele, e em caso de eventual recurso excedente, deve este ser aplicado em nome do menor para uso futuro pelo próprio menor.
Já na ação de alimentos cujo fundamento seja a obrigação alimentar decorrente do parentesco, casamento e união estável (artigo 1694, C.C.), deve-se demonstrar a necessidade do alimentado, além é claro da possibilidade do alimentante.
Para essa obrigação alimentar não há previsão de tempo para o seu fornecimento, podendo nunca cessar[4]. È reciproca entre os parentes, podendo os pais pleiteiá-las em relação aos filhos e vice-versa, diferentemente do que ocorre com o dever de sustento, onde não há reciprocidade.
3. Alimentos gravídicos e indícios de paternidade
A Lei 11804/2008 disciplina o direito aos alimentos gravídicos, assim definidos (art. 2º) como "os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período da gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do medico, alem de outras que o juiz considere pertinentes"
Com o advento da referida lei os alimentos podem ser exigidos durante a fase gestacional, não em nome do nascituro, mas em nome da própria gestante. O nascituro já tinha seus direitos ressalvados pelo artigo 2º do Código Civil, podendo inclusive através da sua representante legal pleitear alimentos. Neste sentido:
"FAMILIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E ALIMENTOS. NATUREZA PERSONALÍSSIMA DA AÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITO DO NASCITURO. São legitimados ativamente para a ação de investigação de paternidade e ALIMENTOS o investigante, o Ministério Público, e também o nascituro, representado pela mãe gestante" (TJMG, processo 10024.04.377309-2/001, Des. Rel. Duarte de Paula, D.J. 10/03/2005, D.P. 10/06/2005)
Insta consignar que está legitimada à propositura da ação a mulher gestante e não o nascituro, assim a ação deverá ser proposta em nome da gestante, figurando esta como autora e não como representante do nascituro.
"A lei buscou assegurar a responsabilidade parental desde a concepção - paternidade responsável -. Tutelando os direitos do nascituro, já protegidos no art.º 2º do Código Civil, portanto, antes do seu nascimento"[5].
O intuito da lei é a proteção do estado gestacional, possibilitando o desenvolvimento integral do nascituro, ser concebido, mas ainda não nascido, intuito este louvável. Todavia, a critica que se faz é acerca da exigência da lei apenas a indícios de paternidade para que a obrigação alimentar seja imposta . Neste sentido, dispõe o artigo 6º: "Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré".
A lei não define em que consistem esses indícios de paternidade que o juiz deverá considerar para a fixação dos alimentos gravídicos.
Uma simples fotografia apresentada pela gestante ao lado do requerido na ação de alimentos gravídicos poderá ser considerada como indicio de paternidade? Um e-mail trocado fazendo menção ao encontro que tiveram numa boate poderia já ser considerado indicio?
São questionamentos que só serão respondidos pelos tribunais. Os juizes com base no principio do livre convencimento motivado deverão ter a cautela e o discernimento necessário para refutar o uso desse instrumento para a obtenção de vantagem indevida por parte da gestante de má-fé, que por vezes poderá se valer da fragilidade dos indícios para exigir alimentos de quem não seja realmente o pai do seu filho.
Ademais, em alguns casos, a decisão que concede os alimentos gravídicos quando agravada de instrumento tem sido convertida em agravo retido, por não ser considerada urgente, postergando o reexame da matéria e mantendo a obrigatoriedade do pagamento dos alimentos gravídicos:
" No caso em tela, não se verifica a necessidade urgente de analise da decisão recorrida, se considerado que o agravante não comprovou a impossibilidade de prestar os alimentos, assim como não provou que não é pai do nascituro.
A reforma de decisões de primeira instância, mediante agravo de instrumento, é exceção, devendo ser aplicada estritamente nos casos em que a situação for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.
...
Desse modo, ausente exceção legal que justifique a análise imediata do presente recurso, converto o agravo de instrumento em agravo retido, fulcro no inciso II do art. 527 do CPC, determinando seu apensamento aos autos da ação principal" (TJRS, Agr. de instrumento, nº 70031487085, 8. Câmara Cível, Rel. Claudir Fidélis Faccenda)
No momento da análise do deferimento ou não dos alimentos gravídicos os juizes enfrentam a difícil tarefa de interpretar o sentido dos denominados indícios de paternidade. O desembargador Rui Portanova, nas razões apresentadas em decisão monocrática, analisa a concessão dos alimentos gravídicos sob a ótica do risco:
"Risco. Para além dos termos da lei, não se pode perder de vista que está na base do novel instituto, um certo grau de risco que o juiz deve correr. Não se vá exigir tanta prova que o instituto fique inviabilizado.
O risco de erro judicial, bem sopesado, deve elevar em conta um juízo de proporcionalidade. Com efeito, menor será o dano ao se punir, num eventual erro, o agravado com o ônus de uma obrigação que não é sua. Por outro lado, maior será o dano se o futuro mostrar que o agravado é o pai."(TJRS, Agravo de instrumento nº 70029315488, 8º Câmara Cível).
A lei não exige prova da paternidade, bastam indícios, que podem ser obtidos através de fotografias, segundo decisão proferida pelo citado Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Estou em que, de certa forma essas fotografias fornecem indícios suficientes a ensejar algum convencimento de existir alguma "intimidade" entre as partes. Não há negar que as provas acostadas não são inequívocas. Mas não é isso que a lei exige. Como dito, o que se apresenta aqui, com as fotos acostadas, são apenas indícios de que as partes tiveram uma relação como informado pela agravante. Ou seja, ao se cotejar o que se alega no agravo com o que se apresenta nas fotos infere-se acerca de uma "possível" paternidade do agravado. Enfim, não custa reconhecer: é claro que estou correndo o risco de errar contra o réu. Contudo, se o pedido for indeferido, estarei correndo o risco de errar contra os interesses do feto"( Agravo de Instrumento nº 70029315488, 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador Rui Portanova).
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, no voto proferido pelo, Desembargador Grava Brazil, no agravo de instrumento nº633.573-4/0-00, afastou as fotografias apresentadas como indícios suficientes a ensejar a concessão dos alimentos gravídicos: "A decisão deve ser confirmada. Com efeito, embora a petição inicial afirme que o agravado residiu em companhia da agravante por mais de um ano e meio, as únicas provas do relacionamento que instruíram a inicial foram fotografias do casal (fls.46), que pouco podem dizer a respeito do direito a se comprovar, bem como o Boletim de Ocorrência".
Ainda que mínimos, deve a gestante-pleiteante apresentar indícios de paternidade capazes de formar a convicção do julgador, do contrário os alimentos serão negados, já que o ônus da prova compete `a autora, conforme artigo 333, I, do CPC. Não há que se cogitar em inversão do ônus da prova. Neste sentido:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO.ACAO DE ALIMENTOS GRAVIDICOS. LEI 11.848/08. AUSENCIA DE INDICIOS DE PATERNIDADE. O deferimento de alimentos gravídicos à gestante pressupõe a demonstração de indícios de fundados indícios da paternidade atribuída ao demandado, não bastando a mera imputação da paternidade. Exegese do art. 6 da Lei 11.848/08. Ônus da mulher diante da impossibilidade de se exigir prova negativa por parte do indigitado do pai. Ausente comprovação mínima das alegações iniciais, resta inviabilizada, na fase, a concessão dos alimentos reclamados, sem prejuízo de decisão em contraio diante das provas nos autos. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO" (TJRS, Ag. de instrumento, nº70028646594, 7 Câmara Cível, Rel. Dês. André Luiz Planella Villarinho).
Douglas Phillips Freitas sobre ônus probatório ensina: :
"Salvo a presunção de paternidade dos casos de lei, como imposto no art. 1597 e seguintes, o ônus probatório é da mãe. Mesmo o pai não podendo exercer o pedido de exame de DNA como matéria de defesa, cabe a genitora apresentar os "indícios de paternidade" informada na lei através de fotos, testemunhas, cartas, e-mails, entre tantas outras provas licitas que puder trazer aos autos, lembrando que ao contrário do que pugnam alguns, o simples pedido da genitora, por maior necessidade que há nesta delicada condição, não goza de presunção de veracidade ou há um inversão do ônus probatório ao pai, pois este teria que fazer (já que não possui o exame pericial como meio probatório) prova negativa, o que é impossível e refutado pela jurisprudência"[6].
Na exordial, deve a gestante demonstrar ainda a necessidade em receber os alimentos, assim como a possibilidade do suposto pai em custeá-los, preenchendo-se assim o binômio clássico necessidade/possibilidade. Do contrário, a concessão dos alimentos gravídicos será negada. Neste sentido:
"EMENTA: ALIMENTOS GRAVÍDICOS - Ausência de provas da necessidade da alimentária e das possibilidades do alimentaste - Recurso não provido" (TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumentos nº 637.370-4/2-00, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves)
Como dito anteriormente, a legitimidade ativa para a ação de alimentos gravídicos é da gestante, devendo o suposto pai figurar no polo passivo da ação. Alguns doutrinadores tem admitido inclusive litisconsórcio passivo quando a gestante não puder indicar apenas um suposto pai.
Discute-se a possibilidade de se ingressar com ação de alimentos gravídicos contra os avós, em caso do suposto pai ser morto ou sem condições financeiras de contribuir com a prestação alimentícia.
A obrigação alimentar prevista no artigo 1694, do Código Civil, reclama a demonstração da relação de parentesco, casamento ou união estável.
Com base no artigo 1696 do Código Civil, podem os netos pleitear alimentos aos avós, quando seus progenitores não possuírem condições de arcar de forma suficiente com os alimentos. A obrigação alimentar, com fundamento na relação de parentesco, estende-se, aos ascendentes:
"A obrigação de prestar alimentos, segundo a lei, deverá alcançar todos os ascendentes, recaindo sobre os mais próximos em grau, uns em falta de outros. Assim, o filho deverá pedir alimentos primeiramente a seu pai e sua mãe, e, na seqüência, na ausência destes, a seus avós paternos ou maternos, a seus bisavós, e deste modo sucessivamente. O ascendentes de grau mais próximo preferirá ao de mais remoto. Sobre este último só recairá a obrigação á falta ou impossibilidade do primeiro de prestá-la. Assim, ajuizada a ação de alimentos em face do ascendente de um grau, há que ser comprovado, de forma irretorquível, a impossibilidade de assumir a obrigação do ascendente de grau mais próximo"[7].
Mas em relação aos alimentos gravídicos, a legitimidade para a propositura da ação é da gestante que não guarda com os parentes do suposto pai de seu filho nenhuma relação a ensejar o deferimento do pleito.
Se houver demonstração de casamento a situação fica mais fácil, já que existe, em princípio relação de parentesco, por conta da presunção de paternidade prevista no artigo 1597, do Código Civil.
Flavio Monteiro de Barros sustenta que nesse caso deve a ação de alimentos ser proposta pelo nascituro e não pela gestante, afastando-se assim a aplicabilidade da lei
"A legitimidade passiva é exclusiva do suposto pai, não se estendendo aos avôs paternos ou outros parentes eventuais do nascituro, cuja obrigação alimentar é sustentada na comprovação do vínculo de parentesco e não apenas em indícios. Nada obsta, porém, que o próprio nascituro, e não sua mãe, mova ação de alimentos contra os avôs paternos e outros parentes, nos moldes do art. 1.698 do Código Civil, mas, nesse caso, impõe-se que o vínculo de parentesco seja comprovado, de preferência por exame de DNA, na própria ação de alimentos, mas estes alimentos não são gravídicos, pois o destinatário não é a gestante e sim o próprio nascituro"[8].
4. Conversão dos alimentos gravídicos
O parágrafo único do artigo 6º, da lei que disciplina os alimentos gravídicos, dispõe que: após o nascimento com vida os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite sua revisão".
A personalidade inicia-se com o nascimento com vida e assim a titularidade dos alimentos gravídicos altera-se, passando para o menor.
Nascendo a criança e reconhecendo o pai espontaneamente a paternidade, os alimentos ficam convertidos por disposição legal ao menor, não apresentando maiores problemas já que os alimentos estão sendo pagos pelo pai constante da certidão de nascimento do menor. Nesse caso, a obrigação alimentar existe, já que decorre do dever de sustento do poder familiar, ainda que tenha havido uma conversão da titularidade, podemos entender como um meio de facilitação proposto pela lei. Importante dizer que existe um elo de ligação entre aquele que paga os alimentos e aquele que os recebe, ou seja, existe uma certidão de nascimento comprovando a filiação e justificando a manutenção dos alimentos.
O problema surge quando após o nascimento a criança é registrada somente com o a filiação materna, já que o pai não reconhece a paternidade. É certo que isso poderá ser resolvido através de um exame de DNA realizado na ação exoneratória, mas o problema é a demora em se obter um provimento jurisdicional, ainda mais se se depender de exame de DNA fornecido pelo Estado. Ou seja, o indigitado pai continuará pagando ao menor os alimentos fixados anteriormente em "indícios de paternidade".
Oportuno trazer à colação os ensinamentos de Flávio Monteiro de Barros:
"Vale lembrar que a ação de alimentos gravídicos visa fixar a relação de filiação com base em indícios de paternidade, não se exigindo a certeza, conferindo para o suposto filho uma tutela jurisdicional provisória, similar à concedida nas ações cautelares e possessórias, porquanto após o nascimento o vínculo de paternidade pode ser desconstituído mediante ação de exoneração na qual se poderá realizar o exame de DNA.
Todavia, ainda que o suposto pai não ingresse com esta ação de exoneração, o vínculo parental, que se fixou na ação de alimentos, é restrito ao objeto desta ação, sujeitando-se apenas à coisa julgada formal (efeito endoprocessual), de modo que o reconhecimento pleno, com força de coisa julgada material (efeito pan processual), deve ser buscado em ação autônoma de investigação de paternidade"[9].
Como a lei determina que os alimentos são obrigatórios até que sejam revistos, a obrigação alimentar persistira até que se tenha uma decisão judicial determinando, se for o caso, a cessação.
Como fica a situação do alimentante que tiver negada a paternidade diante da realização do exame de DNA?
Como os alimentos obedecem ao principio da irrepetibilidade, segundo o qual "não há direito à repetição dos alimentos pagos, tanto os provisionais como os definitivos. Desse modo, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprimindo-os ou reduzindo seu montante"[10], não há que se falar em devolução da quantia paga.
O artigo que dispunha sobre a responsabilidade da gestante foi vetado. Assim dispunha o artigo 10: " em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responder, objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu".
Indicou-se como razões de veto: " Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, mediada que atenta contra o livre exercícios do direito de ação".
A responsabilidade objetiva prescinde do elemento volitivo, ou seja, não se questiona culpa, para a responsabilização basta o preenchimento dos seguintes requisitos: autoria, resultado danoso e nexo de causalidade entre a autoria e o dano.
Diferentemente do que ocorre na responsabilidade civil subjetiva, regra do nosso ordenamento jurídico, onde se exige além dos requisitos acima expostos, a demonstração do elemento volitivo, dolo ou culpa, como preceitua o artigo 186, do Código Civil.
Silvio de Salvo Venosa assegura ao indigitado pai o direito de pleitear perdas e danos, em caso de má-fé da gestante[11].
Nesse caso se a gestante não agir com o fim deliberado de causar prejuízo ao suposto pai, mas simplesmente teve dúvida ou equivocou-se na indicação do pai, não há que se falar em perdas e danos, já que não restará configurada a má-fé.
Assevera Flávio Monteiro de Barros: "A meu ver, somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização"[12].
Por outro lado o citado professor apresenta a possibilidade do indigitado pai que pagou alimentos indevidamente ingressar com ação para cobrar do verdadeiro pai as verbas alimentares : "É, no entanto, cabível ação "in rem verso" contra o verdadeiro pai, desde que este tenha agido com dolo, silenciando intencionalmente sobre a paternidade, locupletando-se indiretamente com o pagamento dos alimentos feito por quem não era o genitor da criança"[13].
5. Considerações finais
Tratando-se de uma lei que inova o conteúdo e a abrangência da obrigação alimentar, a possibilitar o pleito de alimentos pela gestante, com base em apenas indícios de paternidade, polêmicas e dúvidas são suscitadas quando da aplicação ao caso concreto.
Caberá, uma vez mais, aos operadores do direito, a cautela necessária na aplicação da lei ao caso concreto para evitar a utilização dessa lei como instrumento de locupletamento indevido e dispersão do sentimento de injustiça.
Referências bibliográficas
1. BARROS, Flávio Monteiro de. Alimentos gravídicos. Disponível em http://www.cursofmb.com.br/. Acesso em 15/09/09
- 2. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
- 3. FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravidicos e a lei n. 11804/08. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/. Acesso em 08/09/09
- 4. LOBO, Paulo. Famílias. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009
- 5. PELUSO, Cezar (Coord.) Código Civil Comentado. 3ª edição. Barueri: Manole, 2009
- 6. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2009.
[1] Advogada. Mestre em Direito Ambiental pela UNIMEP. Professora de Direito Civil e Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Ambiental pela UNIMEP. Professora Responsável pelo Setor de Conciliação Pré-Processual das Varas de Família da Comarca de Piracicaba
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de família. 2009. p. 352
[3] Código Civil Comentado. 2009. p. 1842
[4] PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil Comentado. 2009. p. 1843.
[5] Ibid p. 1844
[6] Alimentos gravidicos e a lei n. 11804/08. disponível em http://www.ibdfam.org.br/. Acesso em 08/09/09
[7] PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil Comentado. 2009. p. 1856.
[8] Alimentos gravídicos. Disponível em http://www.cursofmb.com.br/. Acesso em 15/09/09
[9] Alimentos gravídicos. Disponível em http://www.cursofmb.com.br/. Acesso em 15/09/09
[10] VENOSA, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 2009. p. 360
[11] Ibid p. 366
[12] Alimentos gravídicos. Disponível em http://www.cursofmb.com.br/. Acesso em 15/09/09
[13] Ibid
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