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Liberdade sexual e direitos humanos
Indispensável que se reconheça que a sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a liberdade da livre orientação sexual.
Ao serem visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, é de se reconhecer que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade, pois compreende o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independente da tendência sexual. Trata-se assim de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, sendo, como todos os direitos de primeira geração, inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza.
Também não se pode deixar de considerar a livre orientação sexual como um direito de segunda geração, por dar origem a uma categoria social que deve ser protegida, sendo considerada hipossuficiente. A hipossuficiência não deve ser identificada somente sob o viés econômico. É pressuposto e causa de um especial tratamento dispensado pelo Direito. Também devem ser reconhecidos como hipossuficientes o idoso, a criança, o deficiente, o negro, o judeu e também a mulher, porque ela, como as demais categorias, sempre foi alvo da discriminação social.
Assim sendo, a hipossuficiência é social e, por reflexo, é jurídica. Trata-se de deficiência de normação jurídica, deixando à margem ou à míngua do Direito uma certa categoria social, tão-somente por algum preconceito ou discriminação, cujo critério nem sempre é o econômico.
Não se pode, portanto, deixar de incluir como hipossuficientes os homossexuais. Pois, mesmo quando fruam de uma condição econômica suficiente, eles são socialmente e, por reflexo preconceituoso, juridicamente hipossuficientes.
Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da natureza humana, mas não tomados individualmente, porém genericamente, solidariamente, a fim de realizar toda a humanidade, integralmente, abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dignidade humana. Entre eles não se pode deixar de incluir e enxergar a presença do direito de todo ser humano de exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito de todos e de cada um, que deve ser garantido a cada indivíduo por todos os indivíduos, solidariamente. É um direito de solidariedade, sem cuja implementação a condição humana não se realiza, não se integraliza.
A sexualidade é, assim, um elemento integrante da própria natureza humana, seja individualmente, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem o direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o indivíduo humano – e, mais amplamente, o próprio gênero humano – não se realiza, do mesmo modo quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.
Por isso, é totalmente descabido continuar pensando a sexualidade com preconceitos, isto é, pré-conceitos, ou seja, com conceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o presente e o futuro. As relações sociais são dinâmicas. Não compactuam com preconceitos que ainda se encontram encharcados da ideologia machista e discriminatória, própria de um tempo já totalmente ultrapassado pela história da sociedade humana. Necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura de nosso tempo. Para isso, é imprescindível pensar novos conceitos. Se não, o nosso pensamento já será velho, quando ainda não deixamos de ser moços.
Daí o papel fundamental da doutrina e da própria jurisprudência. Ambas necessitam desempenhar sua função de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. Veja-se o que ocorreu com o concubinato, antigo e discriminado modo de viver substituído pelo conceito moderno de união estável. A alteração do conceito das chamadas relações concubinárias foi provocada pelos operadores do Direito. Estes, ao extraírem conseqüências jurídicas de ditos relacionamentos, fizeram com que eles chegassem à sede constitucional, ao texto da própria Constituição, sendo reconhecidos como entidade familiar pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal.
Não há dúvida de que da mesma responsabilidade não pode agora abrir mão a Justiça com referência às uniões homossexuais. Tal qual as relações heterossexuais, as homossexuais são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento mútuo, devendo-se reconhecer a união estável como um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma proteção, e, enquanto não surgir legislação que trate especificamente da união estável homossexual, é de aplicar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares e, sobretudo, à união estável heterossexual, que por analogia é perfeitamente aplicável a uniões homossexuais.
Nesse sentido, é mister que se ressalte o enorme significado da recente positivação de tais direitos que acaba de ocorrer na esfera administrativa. Em face da decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que se estendessem os benefícios previdenciários aos pares do mesmo sexo, vem o INSS a normatizar a concessão de benefícios aos parceiros homossexuais. Esse, com certeza, é o primeiro passo para enlaçar tais relacionamentos na esfera da juridicidade e, especialmente, do direito positivo.
Indispensável é reconhecer que os vínculos homoafetivos são muito mais do que meras relações homossexuais. Em verdade, configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito, mas deve ser cuidada pelos conceitos científicos do Direito. Sob pena de o Direito falhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça.
Que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça e, para tanto, albergue no direito legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos. Esses novos conceitos a doutrina já os está elaborando, como o conceito de união estável homoafetiva como uma outra espécie de união estável, ao lado da união estável heterossexual.
Está na hora de o Estado – que se quer democrático e que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana – deixar de sonegar o timbre jurídico – a juridicidade – a tantos cidadãos que têm direito individual à liberdade, direito social a uma proteção positiva do Estado e, sobretudo, direito humano à felicidade.
(*) Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
Ao serem visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, é de se reconhecer que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade, pois compreende o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independente da tendência sexual. Trata-se assim de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, sendo, como todos os direitos de primeira geração, inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza.
Também não se pode deixar de considerar a livre orientação sexual como um direito de segunda geração, por dar origem a uma categoria social que deve ser protegida, sendo considerada hipossuficiente. A hipossuficiência não deve ser identificada somente sob o viés econômico. É pressuposto e causa de um especial tratamento dispensado pelo Direito. Também devem ser reconhecidos como hipossuficientes o idoso, a criança, o deficiente, o negro, o judeu e também a mulher, porque ela, como as demais categorias, sempre foi alvo da discriminação social.
Assim sendo, a hipossuficiência é social e, por reflexo, é jurídica. Trata-se de deficiência de normação jurídica, deixando à margem ou à míngua do Direito uma certa categoria social, tão-somente por algum preconceito ou discriminação, cujo critério nem sempre é o econômico.
Não se pode, portanto, deixar de incluir como hipossuficientes os homossexuais. Pois, mesmo quando fruam de uma condição econômica suficiente, eles são socialmente e, por reflexo preconceituoso, juridicamente hipossuficientes.
Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da natureza humana, mas não tomados individualmente, porém genericamente, solidariamente, a fim de realizar toda a humanidade, integralmente, abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dignidade humana. Entre eles não se pode deixar de incluir e enxergar a presença do direito de todo ser humano de exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito de todos e de cada um, que deve ser garantido a cada indivíduo por todos os indivíduos, solidariamente. É um direito de solidariedade, sem cuja implementação a condição humana não se realiza, não se integraliza.
A sexualidade é, assim, um elemento integrante da própria natureza humana, seja individualmente, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem o direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o indivíduo humano – e, mais amplamente, o próprio gênero humano – não se realiza, do mesmo modo quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.
Por isso, é totalmente descabido continuar pensando a sexualidade com preconceitos, isto é, pré-conceitos, ou seja, com conceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o presente e o futuro. As relações sociais são dinâmicas. Não compactuam com preconceitos que ainda se encontram encharcados da ideologia machista e discriminatória, própria de um tempo já totalmente ultrapassado pela história da sociedade humana. Necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura de nosso tempo. Para isso, é imprescindível pensar novos conceitos. Se não, o nosso pensamento já será velho, quando ainda não deixamos de ser moços.
Daí o papel fundamental da doutrina e da própria jurisprudência. Ambas necessitam desempenhar sua função de agente transformador dos estagnados conceitos da sociedade. Veja-se o que ocorreu com o concubinato, antigo e discriminado modo de viver substituído pelo conceito moderno de união estável. A alteração do conceito das chamadas relações concubinárias foi provocada pelos operadores do Direito. Estes, ao extraírem conseqüências jurídicas de ditos relacionamentos, fizeram com que eles chegassem à sede constitucional, ao texto da própria Constituição, sendo reconhecidos como entidade familiar pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal.
Não há dúvida de que da mesma responsabilidade não pode agora abrir mão a Justiça com referência às uniões homossexuais. Tal qual as relações heterossexuais, as homossexuais são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento mútuo, devendo-se reconhecer a união estável como um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma proteção, e, enquanto não surgir legislação que trate especificamente da união estável homossexual, é de aplicar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares e, sobretudo, à união estável heterossexual, que por analogia é perfeitamente aplicável a uniões homossexuais.
Nesse sentido, é mister que se ressalte o enorme significado da recente positivação de tais direitos que acaba de ocorrer na esfera administrativa. Em face da decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que se estendessem os benefícios previdenciários aos pares do mesmo sexo, vem o INSS a normatizar a concessão de benefícios aos parceiros homossexuais. Esse, com certeza, é o primeiro passo para enlaçar tais relacionamentos na esfera da juridicidade e, especialmente, do direito positivo.
Indispensável é reconhecer que os vínculos homoafetivos são muito mais do que meras relações homossexuais. Em verdade, configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito, mas deve ser cuidada pelos conceitos científicos do Direito. Sob pena de o Direito falhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça.
Que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça e, para tanto, albergue no direito legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos. Esses novos conceitos a doutrina já os está elaborando, como o conceito de união estável homoafetiva como uma outra espécie de união estável, ao lado da união estável heterossexual.
Está na hora de o Estado – que se quer democrático e que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana – deixar de sonegar o timbre jurídico – a juridicidade – a tantos cidadãos que têm direito individual à liberdade, direito social a uma proteção positiva do Estado e, sobretudo, direito humano à felicidade.
(*) Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM
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