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Os alimentos são devidos durante a pandemia do coronavírus?
Os alimentos são devidos durante a pandemia do coronavírus?
Delma Silveira Ibias[1]
Diego Oliveira da Silveira[2]
A pandemia do coronavírus atingiu o mundo inteiro e desde meados de março/20 as atividades profissionais de grande parte da população brasileira foram restritas pelos governos estaduais e municipais, com exceção das atividades essenciais.
Assim, cabe questionar como fica o dever de pagar alimentos? Será que a pandemia do coronavírus isenta a responsabilidade do alimentante? O devedor dos alimentos pode ser preso? E o que poderá ser cobrado após o término da pandemia?
Esses são questionamentos práticos relativos ao coronavírus e o Direito de Família Contemporâneo e por isso estamos trazendo alguns apontamentos para contribuir com essas questões controvertidas.
A relação obrigacional aponta que o devedor de alimentos é responsável pelo pagamento da verba alimentar fixada judicialmente, cujo arbitramento é realizado em consonância com o binômio: possibilidade do alimentante x necessidade do alimentado, sendo que a alteração nesse binômio, como por exemplo: a diminuição da capacidade econômica do alimentante, deve ser demonstrada em uma ação de revisão de alimentos e enquanto não for modificada a obrigação alimentar o alimentante continua sendo devedor do valor fixado pelo Poder Judiciário.
Claro que não podemos fechar os olhos para essa situação excepcional que estamos vivendo e que é público e notório que muitos alimentantes reduziram sua capacidade financeira, eis que estão impossibilitados de trabalhar por razões que vão além da sua vontade.
Inclusive, em face disso o STJ concedeu em parte o Habeas Corpus 566.897/PR para determinar que o devedor de alimentos deixasse a prisão em regime fechado para cumprir a sanção em prisão domiciliar, em face da circunstância excepcional que estamos vivendo e até como uma medida de contenção ao próprio Covid-19.
Todavia, a decisão de transformar a prisão do devedor de alimentos em prisão domiciliar não tem o caráter coercitivo que essa medida exige, até porque todas as pessoas devem ficar em casa (excetuadas as pessoas das atividades essenciais), conforme orientação do Ministério da Saúde e da OMS, logo, a prisão domiciliar do devedor de alimentos não possui qualquer eficácia.
Ademais, o alimentado (geralmente filho menor do devedor dos alimentos) não diminui suas necessidades, muito pelo contrário, estas permanecem as mesmas ou pode ter até aumentado e o devedor da obrigação alimentar não pode, simplesmente, alegar que não pode pagar os alimentos e empurrar toda a obrigação para o outro genitor.
Em face disso, entendemos que a posição jurisprudencial emanada do STJ deve ser revista e deve ser mantida a coercitividade necessária para que sejam adimplidos os alimentos e a mera prisão domiciliar não cumpre essa finalidade.
Cabe referir, que mesmo que não seja possível a prisão civil do devedor dos alimentos pelo regime estabelecido na legislação, conforme julgado do STJ, o alimentante continuará sendo devedor dos alimentos pelo período impago ou pago a menor.
Como o ingresso do cumprimento de sentença pelo regime de prisão civil, pois o mesmo é ineficaz neste momento, entendemos que a regra que estabelece o manejo do cumprimento dos últimos três meses anteriores ao ingresso do processo (art. 528, § 7º do CPC) deve ser revista ou flexibilizada para permitir que o credor dos alimentos possa cobrar todo o período relativo ao coronavírus e as demais parcelas eventualmente devidas durante a tramitação do feito e não limitar-se aos 03 meses anteriores, eis que não sabemos quanto tempo vai durar essa pandemia.
Afinal, limitar aos três meses anteriores é beneficiar o devedor dos alimentos duplamente, em detrimento do credor, o qual necessita da verba alimentar para sua subsistência.
Reitera-se, que se o devedor dos alimentos não tiver condições de pagá-los, o mesmo deve utilizar a ação revisional cabível e enquanto não for modificada a obrigação alimentar, ele é devedor da referida verba fixada judicialmente.
Portanto, deve-se ter um olhar atento a essa situação e enfatizar que a verba alimentar continua sendo devida e que devemos ter uma interpretação favorável ao credor para dar a maior eficácia possível a percepção dos alimentos que são necessários à subsistência do alimentado.
[1] Delma Silveira Ibias, Advogada, Sócia da Ibias & Silveira - Sociedade de Advogados, Mestre em Direito, Vice-Presidente do IBDFAM/RS e Julgadora do TED da OAB/RS.
[2] Diego Oliveira da Silveira, Advogado, Sócio da Ibias & Silveira - Sociedade de Advogados, Mestre em Direito, Diretor Executivo do IBDFAM/RS e Professor Universitário.
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