Artigos
Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de união estável: reconhecimento da família multiespécie?
Sumário: Introdução; 1. Notas sobre a natureza jurídica dos animais de companhia; 2. Animais são “filhos de quatro patas” ou bens semoventes em copropriedade ou composse? 3. Da aplicabilidade das normas que regem a guarda de filhos e o melhor interesse do animal. Considerações Finais. Referências.
Resumo: Nos últimos anos, os animais de companhia têm assumido um papel importante dentro das famílias nas sociedades ocidentais, incluindo-se o Brasil. Entretanto, a análise da situação jurídica dos pets depois de uma ruptura de união estável ou dissolução do vínculo matrimonial sempre passou ao largo da doutrina familiarista e só agora passou a chamar a atenção dos tribunais brasileiros. Baseando-se no campo emergente do Direito dos Animais e na recente evolução no Direito das Famílias norte-americano, a ideia do presente artigo é evidenciar que os animais de companhia não devem ser considerados como meras coisas. A forma como o animal de estimação é encarados pela sociedade, tratados pelas pessoas e vistos dentro das próprias entidades familiares são indicativos da necessidade de uma tutela jurídica distinta da que existe hoje.
Palavras-chave: Animais de companhia; guarda; posse; propriedade; direito de família; direito das coisas
Abstract: In recent years, pets have assumed an important role within families in Western societies, including Brazil. However, the analysis of the legal status of pets after a stable union rupture or marriage dissolution always went off the family law doctrine and only now started to draw the attention of Brazilian courts. Based on the emerging field of Animal Law and recent developments in North-American Family Law, the idea of this article is to show that pets should not be considered as mere property. The manners, in which animals are regarded by society, treated and seen by people within their own family entities are indicative of the need for a legal protection different than the one that exists nowadays.
Key words: Pets; custody; possession; ownership; family law; property law
Introdução
Em tempos mais remotos, os animais já foram compreendidos como objetos de direitos. Esse resultado, entretanto, não dependeu de uma compreensão limitada das suas capacidades para cognição e sensação, mas repousava no forte sentido de que, sem a domesticação, os seres humanos não poderiam assegurar seu próprio avanço. Partindo desta premissa, afirma-se que as reivindicações atuais para direitos dos animais deveriam assentar na alegação de que o que os animais compartilham com os seres humanos é mais importante do que aquilo que os separam. Esses elementos comuns justificariam, portanto, algum nível de proteção animal.[1] Mais recentemente, os fortes movimentos em favor dos direitos humanos que dominaram a cultura ocidental após a 2ª Guerra Mundial terminaram por pavimentar uma estrada para a defesa de direitos básicos aos animais também.[2] Diversos ordenamentos, como da Áustria, da Alemanha e da Suíça indicam expressamente que os animais não são coisas.[3] Outros, como da França e da Nova Zelândia, vão mais além, indicando que os animais são seres sencientes.
Os animais de companhia ou pets desempenham um papel significativo na vida de várias pessoas, pelos mais variados motivos: acarretam benefícios econômicos aos médicos veterinários, donos de pet shops, indústria alimentícia e de outros produtos voltados aos animais; promovem engajamento social entre as pessoas, além de melhora no bem-estar físico e mental destes indivíduos; terminam por invocar uma ética de responsabilidade e cuidado, traço distintivo das relações familiares.
Os movimentos em prol dos direitos dos animais foram historicamente baseados em ideais de bem-estar. Por volta de 1800, as organizações dedicadas à proteção dos animais começaram a se formar, e as legislações para protegê-los da crueldade passaram a ser amplamente disseminadas. As plataformas filosóficas dessas organizações, usualmente, não se estendiam à consideração do estatuto jurídico dos animais. Hodiernamente, grande parte da discussão sobre estas questões deslocou-se da abordagem tradicional – que se concentrava apenas em um grupo – para uma consideração mais abrangente de animais, incluindo a análise dos usos de espécimes em experimentos científicos e agrícolas, além dos animais de companhia.[4]
Em um episódio ocorrido recentemente nos EUA, um casal, que teve o seu cachorro erroneamente submetido à eutanásia, ajuizou um processo contra o abrigo responsável.[5] Em primeira instância a corte condenou o responsável pelo abate do cão à reparação do preço de mercado do animal, como se o mesmo se tratasse de um mero objeto que pudesse ser substituído por outro. Em segunda instância, a Corte de Apelação do Texas decidiu que os donos do “Avery” teriam direito a uma indenização por valor “sentimental” ou “intrínseco” pela perda do seu companheiro, o que no Brasil implicaria a uma indenização por danos patrimoniais (o valor do animal perdido) mais danos morais (a dor sofrida pela sua perda).[6]
De maneira análoga, no caso Petco Animal Supplies, Inc. v. Schuster, onde a dona da Schnauzer miniatura “Licorice” processou a empresa de tosa por permitir que ela fugisse e morresse atropelada, tendo sido a ré foi condenada em danos materiais (o valor de mercado do animal, ressarcimento da implantação de chip, ressarcimento dos gastos com adestrador, reembolso pelos gastos com as buscas quando ela se perdeu, reembolso dos gastos com terapia) e danos imateriais.[7]
Os animais de companhia, portanto, passaram a ser enxergados, inclusive pelo Judiciário, de outra maneira na ocorrência de perdas por companhias aéreas, hipóteses de crueldades, e também por lesões ou morte ocasionada por terceiros, ainda que de maneira culposa. Note-se, entretanto, que as discussões se cingiam ao âmbito do direito penal e da responsabilidade civil. Mas foram a partir dessas situações que os aspectos legais da relação entre humanos e animais de companhia passaram a ser analisados com maior profundidade.
Discussões e questões relacionadas aos direitos dos animais – de maneira genérica e especificamente relacionadas aos animais de companhia – cresceram drasticamente nos últimos anos.[8] Respondendo aos esforços de ativistas da causa animal, de promotores e de membros da academia jurídica, se vê um movimento de reforma legislativa, para que as normas passem a coincidir com a percepção da sociedade sobre os animais. Dito de outra maneira, a sociedade, em sua constante mutação, vem pavimentando o caminho e criando fundações para que o sistema legal sofra uma transformação qualitativa, que irá redefinir os tratamento dado pelos tribunais aos animais. Tanto no contexto penal como no civil, alterações doutrinárias impulsionaram a expansão da tutela jurídica e o alargamento dos direitos concedidos aos animais.[9]
Existe um consenso doutrinário e social de que um sistema legal em qualquer sociedade civilizada deva refletir e trabalhar no sentido de proteger o bem-estar de animais não humanos[10], na generalidade, aí incluídos os animais de companhia ou pets. Tal ideia pode ser depreendida de uma breve análise da economia dos países ocidentais e também pela forma como as pessoas se referem aos seus animais domésticos, frequentemente referidos como verdadeiros membros da família.[11]
Em 1994, a Associação Americana de Fabricação de Produtos para Animais[12] relatou em sua primeira pesquisa sobre “economia pet”, que os americanos gastaram naquele ano 17 bilhões de dólares com seus animais de estimação. Em 2007, esse número alcançou a marca de 41 bilhões de dólares. Não apenas o volume monetário, mas também a natureza dos gastos marcam a importância dos bichos domésticos, indicando seus lugares nas famílias.[13]
A exemplo dos EUA e de outros países ao redor do mundo,[14] a cada dia o número de animais de estimação cresce em todo o Brasil.[15] Seja “adotado” em abrigos, associações ou nos canis públicos, seja encontrado em flagelos em uma rua, um presente de um ente querido ou comprado em um caro pet shop, os animais hoje fazem parte de grande parcela das famílias brasileiras. E mais: são considerados, em sua maioria, como genuínos membros da família. Em muitos lugares do mundo, o número de lares com animais de estimação – nomeadamente cachorros e gatos – ultrapassa o número de lares com filhos. Tal dado reforça ainda mais a ideia de que a relação entre pessoas e animais de companhia mudou substancialmente.[16]
Em 2012, o Brasil teve 1.041.440 casamentos, 1.719 separações judiciais, 268.867 divórcios judiciais e 78.949 divórcios extrajudiciais.[17] Logo que os procedimentos de divórcio ou dissolução de união estável[18] se iniciam, quando não há acordo dos ex-cônjuges ou ex-companheiros relativo à guarda dos filhos menores, tem início a batalha para determinar-se qual dos progenitores será detentor da guarda ou se ela será compartilhada.
Como supramencionado, o número de lares com “filhos de quatro patas” ou “filhos de pelo” supera o número de filhos humanos. Nessa lógica, muitas vezes a pergunta “quem ficará com o Júnior?” será substituída ou acompanhada do questionamento “quem ficará com a Fifi ou com o Mingau?”. E essas indagações e as consequentes disputas só existem em virtude dos vínculos emocionais e as relações afetivas edificadas entre pessoas e animais de companhia dentro das famílias.[19] No caso Arrington v. Arrington julgado pela Corte de Apelações do Texas, o magistrado que determinou a custódia partilhada do cãozinho “Bonnie Lou”, o chamou de “sortudo” ressaltando que os animais, atualmente, recebem um amor que não raras vezes não é recebido pelas crianças dos seus pais divorciados.[20]
Assim, a ideia do presente trabalho é analisar se o estatuto fático de “filho” dos animais domésticos poderia se traduzir em um estatuto jurídico, consagrando-se a ideia de entidade familiar multiespécie. Ainda que a resposta não esteja absolutamente clara, as demandas envolvendo animais de companhia já começaram à bater as portas do Judiciário[21], nomeadamente nas varas da família e alguns tribunais vem permitindo que os donos compartilhem a custódia dos seus bichinhos como fariam se prole humana fosse.
1. Notas sobre a natureza jurídica dos animais de companhia
No decurso da reflexão sobre os animais, sejam eles domésticos ou não, o primeiro pensamento direciona no sentido da celeuma sobre a natureza jurídica deles. Uma das lutas mais apaixonadas e persistentes do nosso tempo se revela na investigação sobre o status dos animais.[22]
Há quem os defenda ferrenhamente, a ponto de se opor a qualquer tipo de discriminação baseada na espécie animal e promover o veganismo, indo contra toda exploração e crueldade contra o reino animal. Há quem os vislumbre como propriedade e não como sujeitos de direito. Há ainda quem sustente que se deve outorgar aos animais em processo de extinção um estatuto básico e aqueles que enxergam a necessidade de que eles devem possuir um status jurídico próprio, que não seriam simples res, mas tampouco sujeitos, caracterizando, assim, um tertium genus.[23]
Alguma doutrina que abraça a modificação do status jurídico dos animais vale-se de uma analogia, no mínimo, interessante. Alegam que a manutenção do status dos animais de companhia como propriedade se vincula à consideração de uma inferioridade em relação aos humanos e, portanto, a ilegitimidade para uma igual proteção legal. Ponderam, entretanto, que apesar de serem humanos, a lei já considerou negros, mulheres e crianças como propriedade no passado e a legislação foi transformada e adaptada de forma a proteger esses grupos até hoje considerados vulneráveis.[24]
Nesse sentido, há um precedente curioso nos EUA. Em 1874, não existia qualquer legislação que protegesse crianças e adolescentes de abuso e maus tratos por parte de seus pais. Naquele ano, a justiça de Nova Iorque retirou uma criança vítima de maus tratos do seu lar, com base no trabalho da Sociedade para a Prevenção da Crueldade com Animais (Society for the Prevention of Cruelty to Animals). À época, a SPCA foi a única alternativa legal para prevenir que a criança sofresse abusos futuros. Após o caso, um precedente legal foi estabelecido na seguinte lógica: se uma criança não possui direitos legais como um ser humano, pelo menos ela terá o direito à justiça de um vira-lata de rua.[25] Em outras palavras, naquele tempo, a única forma de ajudar uma criança a escapar da sua família abusiva era procurar o judiciário, no interesse da criança, com base nos direitos dos animais. Apenas em 1875, mais de uma década depois que a SPCA foi criada, surgiu em Nova Iorque a Sociedade para Prevenção da Crueldade com Crianças (SPCC).[26]
Analogamente a muitas crianças, mormente aquelas de tenra idade, os animais de companhia possuem necessidades complexas, que são incapazes de expressar. Para defender o reconhecimento da personalidade dos animais, alguma doutrina norte-americana[27] sustenta que os tribunais já reconheceram outras entidades não humanas, como possuidoras de personalidade jurídica, tais como os navios[28] e corporações, muitas vezes denominadas de pessoas jurídicas. Obviamente, os tribunais limitaram o alcance dos direitos dessas entidades não humanas, não equiparando-os aos direitos das pessoas naturais. Contudo, a possibilidade de se tratar essas entidades como pessoas em alguns aspectos mas não em outros, sugere que os tribunais poderiam outorgar estatuto de pessoa ou personalidade aos animais, para determinados fins.
Há ainda uma outra corrente doutrinaria que propõe a criação de uma nova categoria, denominada de “propriedade viva”,[29] que leva em consideração o interesse próprio do animal em sua sobrevivência e felicidade. Em algum ponto, essa categoria iria se expandir para incluir todos os animais, além dos animais de companhia. A longo prazo, uma categoria ainda mais expansiva poderia envolver os animais como suas próprias entidades legais, completamente separados dos interesses de propriedade tradicionais com direito a personalidade jurídica. Essa doutrina também utiliza do argumento que se a uma corporação é reconhecida a personalidade jurídica, aos animais também deveria ser dada a mesma prerrogativa. Ressalta-se, entretanto, que essa nova categoria incluiria invariavelmente alguns conceitos de propriedade tradicionais, mas que seriam adaptados pelo legislativo ou pelos aplicadores da lei, de forma a assegurar o melhor interesse do animal.[30]
O que não se pode é insistir em uma classificação perene, imutável e arraigada em ideias passadas, sem atentar para a própria evolução da sociedade. Ademais, note-se que, como bem explicitou Helena Telino,[31] a qualificação do animal como mera res esbarra em três limites basilares. O primeiro deles seria a manifesta incompatibilidade entre o direito de propriedade e a proteção da sensibilidade animal: sendo protegido autonomamente, o animal é inclusive protegido contra o seu possuidor. A habilidade do animal em sentir prazer e dor, pode atribuir-lhes interesses e, nesse caso, a restrição da propriedade decorreria do próprio interesse do animal em salvaguardar sua integridade física e própria vida. Ninguém jamais cogitou que o direito de propriedade pudesse ser moderado em favor da própria coisa.
O segundo ponto limitante se revela no reconhecimento legal decorrente da capacidade de sentir: não existe qualquer outra coisa que imponha ao seu possuidor uma obrigação legal de proporcionar uma existência digna, desviando qualquer sofrimento prescindível.
A última barreira para uma classificação dos animais como coisas seria a percepção pós-moderna do animal pelo Direito, que englobaria novos dados e fatores, antes desconsideradores: o valor mercantil e financeiro do animal, agregado do seu valor afetivo, como já foi referido na primeira parte deste texto.
2. Animais são “filhos de quatro patas” ou bens semoventes em copropriedade ou composse?
O status que os pets ocupam dentro das famílias é facilmente perceptível, da análise de estatísticas. O lugar dos animais como membro das entidades familiares vem paulatinamente crescendo. Em 1995, 55% dos norte-americanos consideravam-se “pais” dos seus bichos de estimação. Em 2001, 83% das pessoas se declaravam como “pai” ou “mãe” do seu animal de companhia. Em 2007, uma pesquisa da Associação Americana de Medicina Veterinária revelou que 70% dos norte-americanos consideram a ideia de ter o animal “como um filho/membro da família” fulcral para uma eventual posse ou “adoção”. Portanto, inúmeros exemplos de como os donos de animais os consideram como componentes do grupo familiar são cada vez mais frequentes.[32]
Há casais que se unem e simplesmente não desejam procriar, não desejam possuir descendência humana. Mas “adotam” cachorros, gatos e outros tipos de animais domésticos a quem carinhosamente chamam de “filhos” e tratam como se sua prole fosse.[33] Em seu íntimo, sentem-se exercitando a parentalidade em relação a seres que não são humanos. Estar-se-ia “humanizando” os animais ou “coisificando” as relações humanas?[34] Não nos parece. O fato de os animais a cada dia se tornarem elementos mais importantes dentro do ambiente familiar onde se encontram inseridos não os torna humanos e o reconhecimento da importância das relações entabuladas entre humanos e seus animais de companhia não nos torna coisas e, em última análise, menos dignos.[35]
Ainda que os estudos sobre as relações entre humanos e animais (ou Antrozoologia) tenha se desenvolvido enormemente nas últimas décadas, apenas há alguns anos foi despertado um interesse sociológico sobre a significação familiar dos animais de companhia. Tal interesse passou a existir depois que diversas pesquisas ao redor do mundo indicaram que as pessoas tratam seus pets como membros da família, os enxergam como filhos, inclusive celebrando seus aniversários ou ofertando-lhes presentes de Natal, lhes inserindo em rituais sociais.[36] Resta verificar, no entanto, se essa relação seria meramente metafórica e sentimental ou se poderia refletir algo mais significativo.[37]
Um fato interessante parece oferecer essa resposta, pelo menos no caráter intrafamiliar. Há alguns anos atrás, era comum que os animais domésticos – por mais amados que fossem – estivessem limitados a circular no exterior de suas residências, a viver em canis ou casinhas de cachorros, ou em espaços bem delimitados, no caso de apartamentos. Hodiernamente, é comum que os pets possuam acesso a toda a casa, transitando livremente pelo espaço doméstico, inclusive pelos quartos de dormir, quando não dormem com seus donos.
Esse simbolismo precisa ser enfatizado. Os quartos são considerados espaços altamente privados, o santuário interior das sociedades pós-modernas. Desta forma, quando as pessoas afirmam que o seu animal de estimação é um membro da família e permitem que ele adentre em seu quarto de dormir, tal fato indica que o animal não é apenas um componente da entidade familiar, mas um membro íntimo, próximo. Tal realidade revela uma grande mudança em relação ao status e posição dos animais relativamente aos humanos e à sociedade humana. Portanto, o acesso à habitação termina por ser uma evidência concreta de que os animais de companhia não são membros da família apenas no sentido figurado.[38]
A ideia de um animal como uma cadeira, como móveis, como um automóvel em uma disputa judicial, a tradicional percepção legal de animais de companhia como mera res não coincide mais com o sentimento social pós-moderno.[39] Essa ideia coaduna com os já referidos limites para uma classificação dos animais como meras coisas.[40] Sendo considerado como um membro da família, especificamente como um “filho” (ainda que apenas socialmente)[41], é natural que existam demandas judiciais relativas à custódia de animais de companhia, tal e qual aconteceria na hipótese de dissolução da união estável ou do vínculo conjugal.
Nos EUA, estima-se que as disputas judiciais relativas à guarda de animais domésticos tenham crescido 23% apenas em 2011. Há, inclusive, indicação doutrinária de que recorrentemente o ex-casal consegue entrar em acordo relativamente aos bens[42], aos filhos menores, mas não se ajustam relativamente a quem ficará com os animais, iniciando sofridos, longos e dispendiosos litígios.[43]
Uma questão singela emerge dessa situação em território brasileiro: sendo competentes as varas de família, é possível a aplicação da legislação de família relativa à guarda de filhos, apenas a legislação concernente à propriedade ou um pouco de cada, em uma espécie de regime híbrido? Atualmente, a questão depende do arbítrio do juiz, como se observa na análise dos dois casos a seguir.
O primeiro caso, relativo ao cãozinho “Dully”, chegou à 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em Janeiro de 2015, em sede de apelação contra decisão da 5ª Vara de Família do Fórum Regional do Meier que, em demanda de dissolução de união estável c/c partilha de bens, movida pela apelada em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a união estável havida entre os litigantes e determinou, ainda, que a mulher ficasse com a posse do cão de estimação da raça Cocker Spaniel, “Dully”, por ter comprovado ser a sua legítima proprietária. [44]
Irresignado, o ex-companheiro apelou em relação à guarda do cachorro de estimação, não se manifestando em relação aos outros bens. Aduziu na contestação que era o proprietário do animal, tendo sido o responsável exclusivo pelos seus cuidados durante a convivência com o animal e a ex-companheira. Sustentou o recorrente que o cãozinho “Dully” havia sido adquirido para si, ressaltando que sempre zelou pelo seu bem-estar, levando-o para passear e para consultas ao veterinário, destacando, ainda, que sempre arcou com os seus custos, inclusive com a vacinação. Afirmou ainda que os recibos juntados aos autos processuais teriam sido emitidos em nome da apelada por mera liberalidade do apelante, entendendo ainda que o documento disponibilizado pela Confederação Brasileira de Cinofilia, emitido em Junho/2014 não constituiria prova suficiente para legitimar a propriedade de “Dully”.
O relator do processo declarou, logo ao começar a enfrentar a questão, de que se trata de um tema extremamente “desafiador” e que não pode ser ignorado. Aduziu ainda que o assunto requer que “o operador revisite conceitos e dogmas clássicos do Direito Civil”, já que o problema navega por “caminhos que, reconheça-se, ainda não foram normatizados pelo legislador”.[45]
Refletiu ainda o julgador que, a partir da nova Era inaugurada pela Constituição de 1988, a dignidade da pessoa humana é postulado que espraia e deve pautar todos os tipos de relações jurídicas, sendo necessário enfrentar, nesse novo contexto sociojurídico trazido pela Carta Magna, a posse, a guarda e um eventual direito de convivência com o animal de companhia, quando finda a união estável ou o casamento das partes. Invocou ainda a irrefutável importância que os pets vêm ostentando em nossa sociedade.[46]
Apontou ainda o incremento de dissoluções de sociedades conjugais e uniões estáveis, onde muitas vezes se constata situação em que os cônjuges ou companheiros logram solucionar as questões envolvendo os bens adquiridos pelo casal, mas, de forma curiosa e sui generis, divergem de forma beligerante acerca da posse, “guarda” do animal de estimação com o qual ambos conviveram ao longo da relação. De certa maneira, pode-se opinar no sentido de que esse tipo de altercação se assemelha imensamente aos conflitos relacionados à guarda de crianças e adolescentes.
O Desembargador Marcelo Buhatem alegou que um primeiro grande desafio reside na ausência de disciplina específica do assunto em nosso sistema jurídico, de modo a regulamentá-lo sob todos os seus aspectos. Nesse sentido, apontou não ser suficiente que se trate o animal de estimação, como simples animal tutelado sob a perspectiva do direito ambiental ou transindividual, devendo ser salvaguardado da caça indiscriminada ou do tratamento cruel e tampouco sob a ótica do Direito Civil clássico, onde o animal será tratado como res, novilho, cria, enfim semovente.[47] Trata-se, portanto, de ensinar “ao velho direito novos truques”[48], enquanto não se cria uma legislação adequada à nova realidade social.
Depreende-se dessa decisão que o Judiciário está despertando para a necessidade de que essas questões sejam analisadas com empatia e sensibilidade, já que – frequentemente e mais ainda nos casos que batem às portas do Judiciário – os animais são considerados como membros família, de forma que não parece ser razoável e coerente com as diretrizes pós-modernas do direito das famílias, que em sede de partilha de bens, os animais de companhia sejam vistos sob a limitada qualificação de bens semoventes que, em uma eventual partilha, devam ficar com somente uma das partes, sem qualquer tipo de contato com a outra.[49]
A decisão terminou por prestigiar a parte autora, que comprovou a ser a responsável pelos cuidados de “Dully”, através do Atestado de Vacinação no qual figura como proprietária, assim como pelos receituários e laudos dos médicos veterinários juntados aos autos, ao passo que o apelante não conseguiu contestar tais provas nem juntar documentos que inferissem ser o responsável pelo animal. Entretanto, o julgador não ignorou a relevância que o cachorrinho possuía para ambas as partes.
Desta maneira, com fundamento no macroprincípio da dignidade da pessoa humana, que irradia os seus efeitos a todos os ramos do direito e leva à solução de muitos “hard cases”, terminou por indicar que se faz necessário que o julgador – ainda que inexista previsão legal – proponha uma solução razoável e plausível à questão, de forma a harmonizar e atender os interesses contrapostos. Nas palavras do relator do caso, tratou-se de “homenagem ao princípio que veda o non liquet, a proibir que se deixe de entregar a jurisdição por obscuridade da demanda ou norma que lhe discipline”.[50]
Assim, tendo em consideração todos os elementos e singularidades do caso concreto (como, por exemplo, a idade avançada do animal), o julgador terminou por conceder o direito ao recorrente de estar na companhia de “Dully”, ainda que se tenha reconhecido a propriedade da recorrida. Enfatizou o magistrado que o direito deveria ser exercido no interesse e em atenção às necessidades do cãozinho.[51] Desta forma, foi concedida a possibilidade de o apelante ficar com o cachorro em fins de semana alternados, exercendo nesses momentos a sua posse provisória.[52]
Em outro caso, também no Rio de Janeiro, uma disputa sobre um buldogue francês foi bater às portas do Judiciário. Em Março de 2014, já com o casamento marcado, um advogado comprou o cãozinho “Braddock”, escolhido junto com a noiva, e que teria vivido com ele até Julho do mesmo ano, quanto se casou com a então namorada. O casamento findou em Dezembro daquele ano e a ex-esposa voltou a viver com seus pais, levando o cão. A partir daí, o ex-marido afirmou ter sido impedido de ter contatos com o animal, o que teria lhe causado enorme sofrimento e angústia, refletindo negativamente em sua vida pessoal e profissional.
Ao se deparar com a questão, a juíza da 2ª Vara de Família do Rio de Janeiro determinou a “guarda alternada” de “Braddock”, que deverá passar metade do mês com o “pai” e a outra metade com a “mãe”. A decisão é de Março e pode, inclusive, dar ensejo a ato de busca e apreensão na hipótese de uma das partes não devolver o cãozinho. Por ter sido adquirido durante o noivado, o homem alegou ter o direito de conviver com o cachorro, anexou fotos publicadas em redes sociais para comprovar os laços afetivos com o animal e aludiu a já mencionada decisão da 22ª Câmara Cível do TJRJ.
Tais alegações foram recepcionadas pela magistrada que considerou ser “inegável a troca de afeto entre o animal e seus proprietários e a criação de vínculos emocionais”.[53] Desta forma, ainda que considere os animais bens semoventes, a julgadora terminou por conceder a posse alternada do buldogue.
Da análise dos precedentes trazidos à baila conclui-se facilmente pela necessidade urgente de uma legislação específica, um estatuto jurídico próprio, que regule a matéria. Nesse panorama lacunoso, constata-se uma área emergente do direito que, definitivamente, não possui padrões ou resultados definitivos ou sequer presumíveis. O assunto vem ganhando atenção judicial, o crescente número de demandas e a ausência de cânones orientadores evidenciam a emergência de regulamentação, sob pena de chancela de decisões arbitrárias, com fundamentos aleatórios e inconsistentes e, quiçá, injustas.
Ao contrário do que se pretende em alguma doutrina que afirma que “o regramento jurídico dos bens, e da posse, é mais do que suficiente e adequado para disciplinar uma disputa de posse de um semovente”[54], uma nova realidade jurídica, uma remodelação legislativa parecem ser necessárias.[55]
É imperioso ressaltar a dificuldade da aplicação pura e simples do direito de propriedade em casos de animais que não tenham sido comprados ou não tenham pedigree. Não é incomum que as pessoas hoje, ao invés de comprar, “adotem” animais em abrigos e feiras, sem que nessa transação haja qualquer tipo de documento ou termo de responsabilidade relativamente ao animal.[56] E até mesmo na hipótese de compra, um eventual recibo ou contrato não deve ser prova cabal da propriedade. Usualmente, os animais são adquiridos para ser presenteados, portanto não é incomum que aquela pessoa que assinou o cheque ou cujo recibo esteja em seu nome, não seja a mesma a quem o animal se encontra vinculado ou a figura primária de cuidado do pet. Ademais, é imperioso ressaltar que – no ordenamento brasileiro, diferentemente do norte-americano, italiano, português, polonês e francês[57] – a transferência da propriedade se dá pela tradição da coisa móvel. Mais uma vez, importa referir: se estivéssemos diante de um mero objeto inanimado e não senciente, a situação seria facilmente equalizada com o direito da propriedade e o instituto da posse. Não parece ser o caso.[58]
Como referido, a quantidade de animais domésticos, juntamente com a projeção crescente de divórcios no território brasileiro, faz com que discussões e ações judiciais relativas à residência de animais de estimação sejam inevitáveis. Alguma doutrina[59] afirma que se as leis continuarem a considerar os pets como mera propriedade, não irá demorar muito até que os animais de estimação, como as crianças, tornem-se peões usados por seus “pais” durante um processo de divórcio para causarem dano emocional um ao outro.
Assim, já se mostra possível se defender uma solução baseada no Direito das Famílias ao se utilizar, com as devidas adaptações, a legislação referente à guarda de filhos enquanto uma legislação específica não for editada.[60] Nos dois casos supramencionados, ainda que tenham por base a ideia dos animais como bens,[61] os magistrados terminaram por se afastar do rigor e da injustiça de uma consideração estritamente positivista da questão, vinculando a questão da guarda (ou posse) do animal ao título ou prova de propriedade.[62]
Em um primeiro momento, a aplicação das normas relativas à crianças e adolescentes pode chocar e causar alguma reticência. Mas uma breve análise da História das famílias pode nos indicar que essa analogia[63] não é tão absurda quanto parece a priori. Há alguns séculos atrás, crianças e animais eram tratados exatamente da mesma forma, todos eram propriedades dos seus donos (no caso dos infantes conhecidos como pais ou progenitores), que deles poderiam dispor da forma que lhe aprouvesse, sem qualquer consequência legal. Os tempos mudaram e hoje a tutela e os mecanismos de proteção da criança – que agora são considerados pessoas e sujeitos de direito – são implacáveis.[64]
3. Da aplicabilidade das normas que regem a guarda de filhos e o melhor interesse do animal
As varas de família, diante da percepção pós-moderna do conceito de família[65], ao lado da evolução do status legal dos animais de companhia, podem resolver as contendas com base no melhor interesse do ser não humano ou animal[66], em clara referência ao melhor interesse da criança, harmonizado com o melhor interesse dos humanos.
A aplicação do critério do melhor interesse do animal tem se mostrado factível, como se indica na doutrina norte-americana. Analogamente ao melhor interesse da criança, o melhor interesse do pet é um conceito jurídico indeterminado, que deverá ser materializado pelo juiz na análise dos elementos do caso concreto, sempre em busca do bem-estar do animal em causa. Entretanto, pode-se indicar, ainda que genericamente, alguns vetores para a sua concretização, como: condições de vida; frequência que a pessoa irá interagir com o animal, presença de outros animais ou crianças no lar, e a afeição dirigida ao animal. O melhor interesse do animal será alcançado levando-se em consideração o seu bem-estar, em duas vertentes: o físico e o psicológico.[67]
O critério do melhor interesse do animal possui três justificativas. A primeira reside no fato de que, como os humanos, os pets possuem inteligência e sensibilidade, sendo capazes de experimentar e retribuir o afeto recebido dos donos. A segunda justificativa está na circunstância de que o número de lares que possuem animais supera o número dos que possuem crianças. Assim, jurisdições que reconhecem e salvaguardam as necessidades de crianças indefesas e a outro giro se recusam em proteger animais igualmente indefesos e amados, estão em descompasso com a realidade. A terceira motivação se encontra na conjuntura de que a relação entre donos e pets possui uma estreita relação[68] com o vínculo paterno-filial. Destarte, os tribunais deveriam considerar os animais de companhia mais do que um mero objeto inanimado com um algum ou grande valor sentimental.[69]
Certamente, diante da ausência de um estatuto jurídico ou regulação específica, a decisão de aplicar o direito das famílias ou o direito das coisas se definirá pela corrente que se filiar o magistrado, relativamente ao status jurídico dos pets. Desta forma, as variações e heterogeneidade nos fundamentos das decisões podem ser enormes, com sentenças com bases indiscutivelmente arbitrárias.[70]
Ainda que inexista previsão legal na maior parte dos Estados norte-americanos, muitos precedentes judiciais estão reconhecendo que determinados animais possuem um valor subjetivo único que os diferencia de outros tipos de propriedade privada.[71] Nos recentes e amplamente noticiados casos disputas judiciais relativas à posse de animais de companhia no Brasil, restou claro o significativo vínculo existente entre os animais e os litigantes, evidenciando a importância social dos pets no país. Diante deste panorama, questiona-se sobre a aplicabilidade ou não das normas relativas à guarda de filhos às disputas de custódia relativas aos animais de companhia.
Diante da amplitude atual do conceito de família, do princípio da pluralidade familiar, da evolução dos direitos dos animais e do lugar que os bichos passaram a ocupar dentro dos grupos, com papéis tipicamente familiares bem definidos, entende-se que é possível a aplicação dessas regras, com as devidas adaptações. Impende, entretanto, ressaltar que é indispensável a criação de um estatuto próprio, diante de todas as peculiaridades[72] que revestem a relação entre humanos e animais de companhia.
A aplicação das normas constantes nos Arts. 1.583 e seguintes do Código Civil deverá levar em consideração e como critério decisório o melhor interesse do animal, tal como ocorre com o melhor interesse da criança, na guarda de filhos. Entretanto, esse melhor interesse do animal – diversamente do melhor interesse da criança – não constituirá um critério absolutamente preponderante em relação ao interesse dos “pais”.[73] Dito de outra forma, o interesse do cão, do gato ou do animal de companhia em questão, deverá – na maior medida do possível – ser compatibilizado com o interesse de seus “pais”.
O Art. 1.583 do Código Civil estabelece que a guarda será unilateral ou compartilhada. O § 1o do mesmo dispositivo estabelece que a guarda compartilhada se configura pela responsabilização conjunta e pelo exercício de direitos e deveres dos pais que não coabitem, relativos ao poder familiar da prole comum. O dever de ter os filhos em sua companhia é um dos efeitos da filiação e o instituto da guarda é aplicável aos filhos menores como decorrência do poder familiar.
Certamente não se está a defender a relação entre humanos e animais como uma espécie de parentesco e nem que o dever de cuidado se origine em uma espécie de poder familiar advindo de uma relação de filiação. Mas ao adquirir ou “adotar” um animal de companhia, há de se ter em mente – tal como um filho – de que se trata de um ser vivo que não poderá ser descartado. E ao contrário das crianças, os animais de companhia jamais alcançarão autonomia, sendo dependentes dos humanos com quem conviverem, do instante do nascimento até o momento da sua morte. É uma relação pautada pelo afeto que ambos os seres experimentarão, mas também vinculada a uma conduta responsável por parte dos humanos, que se exprimirá através de um dever de cuidado.
O § 2º do Art. 1.583 do Diploma Civil estabelece que na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada entre os pais, levando em consideração as condições fáticas e o interesse da prole. Curiosamente, esse dispositivo parece estar mais adequado à realidade animal do que à realidade das crianças e adolescentes. Parece o legislador ter confundido a ideia de guarda compartilhada com guarda alternada. Na guarda alternada há uma repartição equânime do tempo de convivência entre o filho e ambos os progenitores.
Se, no caso de crianças e adolescentes, a guarda alternada não é aconselhável, essa modalidade será a mais adequada no caso dos animais de companhia, na hipótese em que a convivência seja desejada por ambos ex-consortes ou ex-conviventes. O pet, assim como os filhos humanos, necessita de afeto, atenção e cuidado, mas não será prejudicado pela alternância constante de residência. Até mesmo em virtude da praticidade para o ex-casal, a guarda alternada se mostra mais razoável, com uma divisão equilibrada do tempo de contato. A mudança, para os animais, não irá gerar grandes conflitos, pois não deverá ser compatibilizada com horários das atividades escolares e extracurriculares, e tampouco irá acarretar suscitar distúrbios como a falta de raízes, que a guarda alternada impõe nas crianças e adolescentes que vivem como nômades, com uma mochila nas costas.[74]
Não sendo a relação entre animais e humanos derivada do poder familiar, não pode o juiz determinar de ofício o estabelecimento de uma guarda compartilhada em relação a um animal. Certamente, a determinação de guarda unilateral ou compartilhada/alternada deverá suceder a iniciativa de obtenção da custódia por ambas as partes. Dito de outra maneira, se um dos “pais” do animal não quiser mais com ele conviver, não será a justiça que o obrigará.
O § 3º do Art. 1.583, estabelece que na guarda compartilhada, a cidade considerada como base de moradia da prole será aquela que melhor entender aos interesses dos filhos. Mais uma vez, por critérios de comodidade, ainda mais em se tratando de animais cujos donos passaram a viver em cidades distintas, se mostra mais razoável a concessão de uma guarda alternada, sendo a fixação do tempo dependente de vários fatores, como a distância entre as cidades. Pode-se, por exemplo, determinar que o pet passe 15 dias de cada mês com cada “progenitor” ou metade do ano com cada um, na hipótese de países diferentes.[75]
O § 5º do Art. 1.583 estabelece que a guarda unilateral obriga aquele que não a detenha supervisione o interesse dos filhos em relação ao genitor guardião. Na hipótese de não ser reconhecido um direito à guarda alternada do animal, mas apenas a guarda unilateral a um e um mero direito de visita ou convivência ao outro, conjugado com um dever de prestar alimentos,[76] nada impede que esse direito de fiscalização seja exercido – com parcimônia e razoabilidade – por aquele que não convive habitualmente com o animal.
Nos termos do Art. 1.584, I, a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser requerida por consenso pelos ex-cônjuges ou ex-companheiros com quem o animal convivia, em ação de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. O inciso II do mesmo artigo, poderá ser decretada pelo magistrado, em atenção às necessidades especificas do filho. Parece-nos, nesse caso, mais uma vez, que uma eventual guarda alternada de animal doméstico só poderá ser decretada se ambos os donos desejarem conviver com o pet. Não parece atender às necessidades específicas e ao melhor interesse de um animal compelir quem não deseja a se relacionar e ter contatos com ele.
Aliás, essa ideia parece estar articulada com a redação do § 2º do mesmo dispositivo que determina que quando não houver acordo entre os pais quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, exceto se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da prole. De igual maneira, não havendo ajuste entre as partes que desejam a guarda do animal, o magistrado poderá determinar a guarda compartilhada ou alternada, encontrando-se ambas as pessoas aptas a cuidar do animal, de forma afetiva e efetiva.
O § 3º do Art. 1.584 determina que para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência, o juiz, de ofício ou a requerimento do promotor poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo entre os progenitores. Mais uma vez, observa-se na legislação uma confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada. De toda sorte, já se ressaltou que ambas as modalidades se mostram adequadas para o convívio com animais, mostrando-se a modalidade alternada ainda mais aconselhável, levando em consideração questões de logística e o interesse das partes. Na hipótese de dúvida sobre qual modalidade guarda escolher, o magistrado sempre poderá se socorrer de laudos de médicos veterinários ou especialistas em psicologia animal, por exemplo.[77]
O parágrafo seguinte do Art. 1.584 do CC estabelece que a modificação não autorizada ou o descumprimento injustificado da cláusula de guarda compartilhada ou unilateral poderá implicar a redução de prerrogativas conferidas ao seu detentor. Seria o caso, por exemplo, de recusa injustificada de uma das partes de entregar ou devolver o animal depois de findo o período estabelecido para a convivência. Tal tipo de conduta pode, inclusive, ensejar uma ação de busca e apreensão.
O § 5o do mesmo dispositivo da lei civil determina a possibilidade de o juiz deferir a guarda a terceiro, quando for verificado que o filho não deve permanecer sob a guarda dos pais. Nesta hipótese, a legislação afirma que a guarda será concedida a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
No caso de animais, certamente o último elemento é que realmente possui relevância. Verificado que o animal não deve permanecer com nenhuma das duas pessoas que o criaram e pleiteiam a sua custódia em juízo, o magistrado deverá verificar se há alguma pessoa que também tenha convivido com o pet e que deseje responsabilizar-se por ele. Nesta hipótese, deverá deferir a guarda a essa pessoa. Caso contrário, deverá encaminhar o animal para ser “adotado” por outra família. Tome-se como exemplo, o caso de um jogador de futebol americano, que tinha 48 pitbulls em sua fazenda. Após determinar que os animais não deveriam permanecer sob a guarda do jogador, o magistrado requereu que experts em comportamento animal analisassem individualmente cada um dos cachorros, para que pudessem ser encaminhados para viver com novas famílias. Na investigação, foram levadas em consideração a potencial qualidade de vida que os animais teriam e também foram estabelecidos standards mínimos para que uma família pudesse ficar com um dos cachorros. Essa foi a materialização do melhor interesse do animal, naquele caso concreto.[78]
O Art. 1.586 do Código Civil estabelece que na hipótese de graves motivos, o juiz poderá, no melhor interesse dos filhos, regular de maneira distinta a situação deles com os pais. Parece residir aí o amparo legal para qualquer modalidade híbrida de guarda, que pode perfeitamente ser aplicável ao caso dos animais. Como, por exemplo, guarda com alternância por períodos variáveis, de acordo com a rotina das partes (15/15 dias; 3/3 meses; 6/6 meses), inclusive em países diferentes, o que não seria indicado no caso de crianças e adolescentes, mas que no caso de animais não se mostra uma situação problemática.
Por fim, o Art. 1.589 do Diploma Civil assevera que o pai ou a mãe que não tenham a guarda dos filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, de acordo com o que for pactuado com o ex-cônjuge ou companheiro, ou determinado pelo magistrado. Estabelece ainda que poderá fiscalizar a sua manutenção e educação.
Ainda que não seja determinada uma guarda compartilhada ou alternada do animal de companhia do ex-casal, aquele que não ficar com a guarda poderá ter direito de visitá-lo, como aliás já foi decidido em um dos precedentes apresentados neste estudo. Tendo estado a manutenção do animal a cargo de ambos, durante a vida em comum, nada impede que o magistrado, além do direito de convivência, estipule que o pagamento de alimentos ao animal, de preferência in natura, já que em regra, pets se alimentam única e exclusivamente à base de ração.
A possibilidade de suporte financeiro para animais já possui diversos precedentes na jurisprudência norte-americana.[79] Nos EUA, tal cenário ganhou o nome de petimony, em clara alusão a alimony, terminologia usada para pensão de alimentos em inglês. Por exemplo, no caso Dickson v. Dickson, as partes acordaram partilhar a custódia do seu cãozinho, além disso o marido foi obrigado a pagar uma pensão mensal de US$ 150 para cobrir os gastos de cuidados com o animal, sua alimentação, além das despesas com saúde. [80] Portanto, ainda que não seja a regra, já não é tão incomum se ver tribunais ao redor do mundo adaptando a legislação relativa às crianças para determinar guarda compartilhada, direito de convivência e obrigação de sustento em disputas relativas a animais de companhia em famílias desfeitas.
Considerações finais
Os relacionamentos entre pessoas e animais de companhia sofreram uma grande mutação nos últimos anos. Atualmente, existem lugares no mundo em que os lares possuem mais cães e/ou cachorros do que crianças e adolescentes. Entretanto, apesar dessa metamorfose social, os pets ainda são classificados como mera propriedade.
Muito embora a legislação apresente um fosso abissal em relação à visão da sociedade sobre os animais de companhia na atualidade, pode-se dizer que, paulatinamente, o judiciário vem aceitando a ideia de que os animais de companhia merecem uma proteção legal mais “humana” e digna. Ainda que essa comparação deva ser vista com alguma cautela, pode-se dizer que, em linhas gerais, o crescimento dos direitos dos animais de companhia seguiu caminho similar ao desenvolvimento do direito das crianças, que deixaram de ser vistos com objetos, propriedade dos pais e passaram a ser sujeitos de direito. A relação entre um humano e seu pet está muito mais próxima da relação de um pai com seu filho, do que da relação entre uma pessoa e o seu computador ou a sua câmera fotográfica.
É inegável a importância alcançada pelos animais de companhia e a sua figuração entre os atores que compõem as entidades familiares pós-modernas. Assim, parece que o Direito das Famílias, se socorrendo de elementos de outros ramos do direito, deve começar a estender o olhar para além das suas protagonistas familiares humanos usuais (cônjuges, companheiros, pais e filhos), e a acomodar e proteger os interesses do bem-estar dos pets que compartilham suas vidas com a família humana e também são de alguma forma afetados pelo fenômeno da fragmentação do vínculo conjugal ou convivencial.
O reconhecimento social da família multiespécie é irrefutável. A partir do momento em que se for criado uma legislação especial com elementos do Direito das Famílias ou aplicados – explicitamente – por analogia dispositivos desse mesmo ramo do Direito, esse reconhecimento passará para o mundo jurídico. Como foi mencionado no referido texto, de nada adianta afirmar que animais não são coisas e lhes aplicar o regime jurídico das coisas, a exemplo dos ordenamentos da Alemanha, Áustria e Suíça. Os nomes outorgados às realidades fáticas não tem o condão de lhes atribuir nova natureza jurídica. Ao revés, uma nova disciplina jurídica, ainda que inominada ou sem alusão ao nome “família”, mas que trouxesse fundamentos do Direito das Famílias, teria autoridade para indicar a verificação de uma família multiespécie formal, efetiva juridicamente. Por hora, parece que essa constatação se restringe ao mundo social e intrafamiliar.
Ainda que situações relativas à custódia de animais de companhia e guarda de crianças e adolescentes possam ser muito similares em alguns aspectos, as disputas relativas a animais são inerentemente diferentes. Destarte, é imperiosa a criação de um estatuto jurídico próprio, que atenda especificamente a essas demandas e seja adequado às singularidades da relação entre humanos e pets.
É preciso que se construa um regime de tutela dos animais de companhia verdadeiramente animal-friendly, onde os interesses dos animais não sejam meramente periféricos às necessidades e interesses dos seus donos humanos, muito embora devam ser com eles harmonizados, de forma a tornar a relação funcional. Seja com foco em elementos do direito das famílias, seja com a tônica no direito das coisas, o mais importante é que a “guarda” ou a posse do pet seja outorgada à pessoa que revele maior habilidade e intenção em genuinamente cuidar do animal, de forma afetiva e responsável.
Mesmo quem propõe a permanência dos animais na categoria de coisas, deve aceitar que são necessárias regras mais ajustadas à realidade do animal (mormente o animal de companhia) na sociedade hodierna e harmonizadas com a relação afetiva entabulada entre humanos e animais, cuja feição já não é a mesma de outrora. Não se pode pregar a suficiência de legislações conservadoras e desatualizadas, quando há um movimento mundial em prol do reconhecimento dos direitos dos animais como, no mínimo, seres sencientes (ou seja, dotados de capacidade de sentir dor, amor, prazer, felicidade, alegria, tristeza, etc.), como fizeram a França, em 2014, e a Nova Zelândia, em 2015.
Ainda que se insista na aplicação do direito das coisas aos animais companhia, é preciso que os magistrados passem a considerar – explicitamente – o bem-estar do animal em suas decisões, procurando atender o melhor interesse do animal. É preciso que se reconheça – ao menos – que os pets não configuram meros bens semoventes, mas seres vivos sensíveis, que dependem de seus donos para certificação do seu bem-estar. A exemplo das crianças, são seres vulneráveis e, por isso, necessitam de uma proteção jurídica especial e de um olhar atento dos operadores do direito.
De qualquer maneira, parece que a criação de um regime jurídico próprio, de forma a promover a coerência e garantir o bem-estar dos animais pós separação ou divórcio, seja o caminho mais interessante. A criação de uma legislação nessa matéria poderá ter, em regra, duas fontes legais de onde partirá a construção do regramento específico: os estatutos anti-crueldade presentes na legislação de proteção animal e a legislação que regula as relações parentais. Não se busca, como referido, se outorgar aos animais de companhia um estatuto equivalente às crianças e adolescentes, mas direitos limitados como aqueles outorgados a corporações e entidades não humanas, que muito embora estejam sujeitas ao domínio humano, são vislumbradas como pessoas para determinados propósitos, nos termos da lei. Desta maneira, o animal de companhia teria interesses legais reconhecidos, que poderiam ser provocados pelo tutor, no melhor interesse do animal.
Por fim, é importante ressaltar que uma eventual legislação sobre o tema deverá fomentar a auto-composição das partes através da mediação ou a solução através da arbitragem. O Novo Código de Processo Civil que entrará em vigor em 2016 estimula fortemente o recurso aos métodos alternativos de resolução de litígios e as novas leis devem acompanhar esse movimento civilizatório e democrático, de forma a desafogar o Judiciário e também deixar a decisão nas mãos de pessoas mais habilitadas a decidirem sobre situação tão singular. Não há quem saiba mais sobre os interesses daquele animal que seus próprios donos, que o cuidaram e amaram durante toda uma vida. Na impossibilidade de auto-composição, um árbitro especializado na matéria certamente estará mais preparado que um juiz. O recurso aos tribunais deverá ocorrer em ultima ratio.
Espera-se, portanto, que em um futuro não distante, as relações entre as pessoas e os membros não humanos das entidades familiares possam ser tuteladas pelo Direito de forma específica e coerente, tecnicamente precisa e harmonizada com a atual feição dessas vinculações. A proposta é um afastamento da ideia de propriedade pura e simples, mas também se levando em consideração todas as idiossincrasias e originalidades de uma relação entre animais e seres humanos.
Marianna Chaves
Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Coimbra;
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa;
Secretária de Relações Internacionais do IBDFAM;
Advogada.
Referências
BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, em Griffith Law Review, Vol. 19, n. 2, pp. 197-237, 2010.
“Cachorro é o animal de estimação em maior número no país”. Disponível em: www.rankbrasil.com.br Acesso em: 13/05/2015.
CHAVES, Marianna. “Venda de Navios: Panorama Luso-Brasileiro e Internacional”, em Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, vol. 31, Fev./Mar., pp. 51-80, 2010.
EPSTEIN, Richard A. "Animals as Objects, or Subjects, of Rights", em John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper n. 171, 2002. Disponível em: http://www.law.uchicago.edu/files/files/171.rae_.animals.pdf Acesso em: 05/05/2015.
______. “Animals as Objects, or Subjects, of Rights", em Animal Rights: Current Debates and New Directions/ Cass R. Sunstein; Martha C. Nussbaum (Eds.). New York: Oxford University Press, pp. 143-161, 2004.
GREGORY, John Dewitt. “Pet Custody: Distorting Language and the Law”, em Family Law Quarterly, Vol. 44, n. 1, pp. 35-64, Spring 2010.
“Groundbreaking Court Ruling Takes Dogs Beyond "Property" Status; Major Pet Industry Groups Not Happy”. Disponível em: http://www.dogster.com/the-scoop/groundbreaking-court-ruling-takes-dogs-beyond-property-status-major-pet-industry-groups-not-happy Acesso em: 13/05/2013.
HUSS, Rebecca J. “Valuing Man's and Woman's Best Friend: The Moral and Legal Status of Companion Animals”. Disponível em: http://www.animallaw.info/articles/arus86marqlr47.htm Acesso em 13/05/2013.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes/ Paulo Quintela (trad.). Lisboa: Edições 70, 1986.
KOEPSEL, Kirsten M. “A Public Policy Argument for Mediation of Pet Custody Disputes”, em Mid-Atlantic Journal on Law & Public Policy, vol. 2, n. 1, pp. 83-100, 2013.
Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, em Villanova Law Review, vol. 55, pp. 447-474, 2010.
LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo. “Decisão comentada – Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ”, em Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, Vol. 9 (maio/jun.), pp. 159-177, 2015.
MCLAIN, Tabby. “Adapting the Child´s Best Interest Model to Custody Determination of Companion Animals”, em Journal of Animal Law, Vol. 6, pp. 151-168, 2010.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, t. II: Bens. Fatos jurídicos/Ovídio Rocha Barros Sandoval (atualizador). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
NEVES, Helena Telino. “A controversa definição da natureza jurídica dos animais”, em Animais: Deveres e Direitos/ Maria Luísa Duarte; Carla Amado Gomes (coords). Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, pp. 81-89, 2015.
SHUFFIELD, Lacy L. “Pet Parents - Fighting Tooth and Paw for Custody: Whether Louisiana Courts Should Recognize Companion Animals as more than Property”, em Southern University Law Review, Vol. 37, n. 1, pp. 101-125, 2009.
SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, em Texas A&M Law Review, Vol. 1, Fall, pp. 253-285, 2013.
VARSI, Enrique. “Mi hirro ... Mi perro: la naturaleza jurídica de las mascotas”, disponível em: http://www.enriquevarsi.com/2009_10_01_archive.html Acesso em: 13/05/2013.
VELOSO, Zeno. “Na separação quem fica com o cachorrinho?”, em Jornal O Liberal. Belém, 18 de julho de 2015.
VILLAS BOAS, Regina Vera. “Perfis dos conceitos de bens jurídicos”, em Doutrinas essenciais, vol. 4: Direito civil – parte geral/ Gilmar Ferreira Mendes; Rui Stoco (Orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp. 1313-1344, 2011.
WHARTON, T. Christopher. “Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, em Journal of Law and Family Studies, Vol. 10, n. 2, pp. 433-441, 2008.
WHITE, Steven. “Companion animals: members of the family or legally discarded objects?”, em University of New South Wales Law Journal, Vol. 32, n. 3, pp. 852-878, 2009.
[1] Neste sentido, Cfr. EPSTEIN, Richard A. "Animals as Objects, or Subjects, of Rights", em John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper n. 171, 2002. Disponível em: http://www.law.uchicago.edu/files/files/171.rae_.animals.pdf Acesso em: 05/05/2015.
[2] Cfr. MCLAIN, Tabby. “Adapting the Child´s Best Interest Model to Custody Determination of Companion Animals”, em Journal of Animal Law, Vol. 6, pp. 151-168, 2010, p. 153.
[3] Importa referir que, explicitamente inspirado nesses ordenamentos, foi apresentado no Congresso Nacional o PLS n. 351/2015 de autoria do Senador Antônio Anastasia, que visa incluir um parágrafo único no Art. 82 do Código Civil brasileiro, expressamente determinando que “os animais não serão considerados coisas”. Note-se que, ao contrário dos ordenamentos que serviram de inspiração (onde os animais passaram a uma categoria inominada, sendo determinado que não são coisas, mas sem explicação do que – de fato – seriam), o legislador brasileiro pretende que os animais deixem de ser “coisas” e passem a ser “bens”. Nas palavras do Senador Anastasia, na justificativa do PLS, “isso porque partimos da premissa que no Brasil, juridicamente, “bem” está ligado à ideia de direitos sem, necessariamente, caráter econômico, ao passo que “coisa” está diretamente ligada à ideia de utilidade patrimonial”. Note-se que, no Brasil, essa diferenciação não faz qualquer sentido, principalmente prático. Ademais, os animais, já estão abrangidos dentro da noção de bens móveis, que engloba os bens materiais, incorpóreos e semoventes, entrando nesta última categoria. Importa ainda referir que o CC brasileiro não particulariza coisas de bens, interessando, apenas que possam ser objeto de uma situação ou relação jurídica, integrando o patrimônio do indivíduo. O termo bens termina por abranger direitos e coisas, como indica VILLAS BOAS, Regina Vera. “Perfis dos conceitos de bens jurídicos”, em Doutrinas essenciais, vol. 4: Direito civil – parte geral/ Gilmar Ferreira Mendes; Rui Stoco (Orgs.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp. 1313-1344, 2011, p. 1315 e p. 1320. Também inclui os animais na categoria dos bens móveis, MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, t. II: Bens. Fatos jurídicos/Ovídio Rocha Barros Sandoval (atualizador). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 100.
[4] Cfr. HUSS, Rebecca J. “Valuing Man's and Woman's Best Friend: The Moral and Legal Status of Companion Animals”. Disponível em: http://www.animallaw.info/articles/arus86marqlr47.htm Acesso em 13/05/2013.
[5] O cachorro Avery fugiu de casa e foi recolhido pela “carrocinha” e levado para um abrigo. Os donos o encontraram, mas não tinham à época dinheiro para pagar as taxas referentes ao animal e fizeram um acordo para buscá-lo quando tivessem o montante para saldar a dívida. Todavia, antes do prazo avençado, o cachorro foi abatido.
[6] Essa mudança de uma instância para a outra mostra que, no mínimo, o animal deixou de ser considerado um objeto qualquer para, pelo menos, ser considerado um objeto de “valor inestimável”. Para uma análise completa do caso, veja-se “Groundbreaking Court Ruling Takes Dogs Beyond "Property" Status; Major Pet Industry Groups Not Happy”. Disponível em: http://www.dogster.com/the-scoop/groundbreaking-court-ruling-takes-dogs-beyond-property-status-major-pet-industry-groups-not-happy Acesso em: 13/05/2015.
[7] 10.000 dólares pela angústia mental e estresse emocional; 10.000 dólares de compensação pela perda da companhia; e 10.000 dólares em danos punitivos. Além de quase 7.000 dólares em custas processuais e honorários advocatícios. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, em Texas A&M Law Review, Vol. 1, Fall, pp. 253-285, 2013, pp. 265-266.
[8] Somente em 1986 houve o primeiro curso de direito dos animais nos EUA. Em 2008 há havia quase 100 Faculdades de Direito dos Estados Unidos já ofereciam cursos de direito dos animais ou grupos de pesquisa voltados a essa matéria, inclusive segmentos com foco na guarda de pets. WHARTON, T. Christopher. “ Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, cit., p. 441.
[9] Cfr. Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, em Villanova Law Review, vol. 55, pp. 447-474, 2010, p. 448.
[10] “O Reino Animal (Reino Metazoa ou Animalia) é composto por seres vivos multicelulares, heterotróficos (buscam seu alimento no meio onde vivem), geralmente dotados de locomoção e capacidade de responder ao ambiente. O homem (Homo sapiens) é classificado como pertencente ao Reino Animalia”. NEVES, Helena Telino. “A controversa definição da natureza jurídica dos animais”, em Animais: Deveres e Direitos/ Maria Luísa Duarte; Carla Amado Gomes (coords). Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, pp. 81-89, 2015, p. 81. Portanto, pelo fato de o homem ser cientificamente classificado como animal, é possível a utilização da terminologia “animal não humano” para referir-se aos outros animais.
[11] Em 2005, em pesquisa feita pela Princeton Survey Research Associates International, 85% dos entrevistados (em um universo de 3014 pessoas contactadas por telefone) afirmaram considerar seu cão ou cães membros da entidade familiar. Resultado disponível em: http://www.pewresearch.org/question-search/?keyword=dogs&x=-471&y=-349 Acesso em: 04/05/2015.
[12] Tradução livre de American Pet Products Manufacturing Association.
[13] Na análise do que se chama de “pet parents” (pais de animais, em tradução livre), aponta-se que 63% dos lares norte-americanos possuem animais de companhia, sendo 44 milhões de lares com pelo menos um cachorro e trinta e oito milhões de lares com pelo menos um gato. 80% dos donos de cachorros compram presentes de aniversário ou de Natal para seus cães, assim como 66% dos donos de gatos. Cfr. GREGORY, John Dewitt. “Pet Custody: Distorting Language and the Law”, em Family Law Quarterly, Vol. 44, n. 1, pp. 35-64, Spring 2010, p. 37-38.
[14] A título de informação, em 2009, a Agência Australiana de Estatísticas (Australian Bureau of Statistics) revelou em pesquisa que cerca de 63% dos 6,6 milhões de lares australianos possuem algum tipo de animal de companhia, sendo essa uma das maiores taxas do mundo. Cfr. WHITE, Steven. “Companion animals: members of the family or legally discarded objects?”, em University of New South Wales Law Journal, Vol. 32, n. 3, pp. 852-878, 2009, p. 852, nota 1.
[15] Estima-se que no Brasil haja mais de 35 milhões de cachorros, 25 milhões de peixes e quase 20 milhões de gatos. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). Cfr. “Cachorro é o animal de estimação em maior número no país”. Disponível em: www.rankbrasil.com.br Acesso em: 13/05/2015.
[16] Cfr. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 254.
[17] Números extraídos de www.ibge.gov.br . Acesso em 12/05/2015.
[18] Muito embora não faça parte do objeto do presente estudo, é imperioso ressaltar que, em virtude da EC 66/2010, entende-se que a separação judicial deixou de existir no ordenamento jurídico brasileiro.
[19] Sociólogos indicam uma série de ocorrências que indicam que os animais de companhia galgaram o status de verdadeiros membros da família: existe um crescente número de casamentos e uniões que terminam pelo fato de um dos membros do casal não gostar de como o outro trata o animal de companhia; as pessoas demonstram a cada dia mais disposição em arcar com altos custos financeiros com veterinários e tratamentos com seus pets; a prática de pessoas deixarem heranças substanciais para os seus animais de estimação em seus testamentos ou para alguém sob a condição de cuidarem dos animais; a benção de animais por padres e pastores; a prática de enterrar os animais da família em cemitérios de animais; o crescente número de psicólogos e terapeutas que atendem pacientes em extremo sofrimento, vivenciando o luto pela perda do seu animal de estimação. Cfr. neste sentido, BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, em Griffith Law Review, Vol. 19, n. 2, pp. 197-237, 2010, p. 208.
[20] Cfr. WHARTON, T. Christopher. “ Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, em Journal of Law and Family Studies, Vol. 10, n. 2, pp. 433-441, 2008, p. 435.
[21] Nos EUA, esse tipo de demanda está a se tornar tão comum que alguns Estados e cidades criaram varas especializadas para solucionar apenas esse tipo de litígio, as chamadas “pet courts”. Afirma-se que, como o sistema de proteção de menores, as varas de animais de companhia dão algum tipo de proteção aqueles que não podem proteger a si próprio. Cfr. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., pp. 258-259.
[22] Cfr. EPSTEIN, Richard A. “Animals as Objects, or Subjects, of Rights", em Animal Rights: Current Debates and New Directions/ Cass R. Sunstein; Martha C. Nussbaum (Eds.). New York: Oxford University Press, pp. 143-161, 2004, p. 143 e ss.
[23] Consultar VARSI, Enrique. “Mi hirro ... Mi perro: la naturaleza jurídica de las mascotas”, disponível em: http://www.enriquevarsi.com/2009_10_01_archive.html Acesso em: 13/05/2013.
[24] Cfr. em igual sentido, SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 256.
[25] Tradução livre de “cur on the streets”.
[26] Cfr. em igual sentido, SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 259.
[27] Como indica, SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 281. RANKIN apud WHARTON, T. Christopher. “Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, cit., p. 441, afirma em igual sentido que “if corporations can be persons in the eyes of law, if ships can be persons in the eyes of the law, then the law should be able to figure out something for animals”.
[28] Como afirmamos em artigo relacionado a navios, os navios individualizam-se pela sua identidade, ou seja, nome, tonelagem, arqueação, porto de inscrição, e também pelos papéis de bordo, classe e nacionalidade. As peculiaridades de identificação do navio fizeram emergir na doutrina (em especial, a anglo-saxônica) uma comparação entre o navio e uma pessoa, no sentido de atribuí-lo personalidade. Os que perfilham desse juízo, argumentam que se individualiza o navio pelo nome, da mesma maneira que ocorre com as pessoas. Sustentam, ainda, que existiria uma certa similitude entre o estado civil das pessoas e o registro dos navios.
Entretanto é entendimento majoritário que, apesar de tais semelhanças, não se deve proceder, no âmbito jurídico, a tal comparação, uma vez que, para todos os efeitos jurídicos, o regime do navio é de um bem e não de um indivíduo. Desta forma, o navio deve ser considerado como objeto de direito e não sujeito de direitos. Cfr. CHAVES, Marianna. “Venda de Navios: Panorama Luso-Brasileiro e Internacional”, em Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, vol. 31, Fev./Mar., pp. 51-80, 2010, p. 53.
[29] Tradução livre de: “living property”.
[30] Cfr. MCLAIN, Tabby. “Adapting the Child´s Best Interest Model to Custody Determination of Companion Animals”, cit., pp. 161-162. O melhor interesse do animal tem servido de argumento, inclusive, para disputas que não se originam em relações familiares (pelo menos não reconhecida pela maioria, muito embora exista quem fale de “família de amigos” ou “fraternidade socioafetiva”). Veja-se o curioso caso do gato “Grady”, que era disputado por dois amigos, ex-colegas de quarto (roomates). Depois de uma análise do caso concreto, a Corte decidiu – no caso Zovko v. Gregory – que o interesse de “Grady” deveria preponderar sobre os interesses de propriedade de ambas as partes. Assim, ao contrário do que determinaria uma leitura fria da legislação aplicável, terminou determinando que o gato deveria ficar com a parte que não era o seu legítimo proprietário. WHARTON, T. Christopher. “ Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, cit., p. 437.
[31] NEVES, Helena Telino. “A controversa definição da natureza jurídica dos animais”, cit., pp. 87-88.
[32] Cfr. GREGORY, John Dewitt. “Pet Custody: Distorting Language and the Law”, cit., p. 39
[33] Neste sentido, assevera Dimitre Braga Soares que “paralelamente à mudança na arquitetura dos ambientes familiares, um outro elemento passou a fazer parte cada vez mais forte da família moderna: os animais de estimação. Mas não simplesmente os animais de estimação nos seus papéis tradicionais, mas agora como legítimos membros da família. É cada vez mais comum encontramos pessoas que tratam os seus cães e gatos como parentes. O caráter afetivo das relações que eram totalmente preenchidas com filhos tem sido trespassado para cães e gatos”. SOARES, Dimitre Braga. “Animais de estimação e Direito de Família”. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/531 Acesso em: 13/05/2013.
[34] Neste sentido, consultar LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo. “Decisão comentada – Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ”, em Revista IBDFAM Famílias e Sucessões, Vol. 9 (maio/jun.), pp. 159-177, 2015, p. 167.
[35] Já que seres humanos possuem dignidade e meras coisas, não. Como bem afirma Kant, com a sua doutrina racionalista, “no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade”. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes/ Paulo Quintela (trad.). Lisboa: Edições 70, 1986, p. 70
[36] Esses rituais ocorrem, inclusive, quanto o animal morre. Hoje é comum nos depararmos com cemitérios de animais de estimação. Diferentemente de outros tipos de “propriedade”, não jogamos os nossos pets simplesmente em uma lixeira quando eles partem. Não é incomum que se façam rituais e velórios antes dos enterros dos animais de companhia, tal e qual acontece com os humanos.
[37] Cfr. em igual sentido, WHITE, Steven. “Companion animals: members of the family or legally discarded objects?”, cit., pp. 855-856.
[38] Como indica Adrian Franklin citado por WHITE, Steven. “Companion animals: members of the family or legally discarded objects?”, cit., p. 860.
[39] Na ocasião da batalha judicial, na Suprema Corte de New Jersey, para determinação de quem ficaria com o cachorrinho “Love”, o juiz John Tomasello afirmou que cachorros seriam cadeiras, móveis, carros, pensões, que cães não eram crianças. Cfr. Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., p. 447.
[40] A título ilustrativo, pode-se trazer à colação a disposição do Código Civil alemão. O BGB, em seu §90a que os animais não são coisas, que são protegidos por leis especiais e que são regulados pelo direito de propriedade, com as necessárias adaptações, exceto nos casos previstos em contrário. (No original: § 90a Tiere - Tiere sind keine Sachen. Sie werden durch besondere Gesetze geschützt. Auf sie sind die für Sachen geltenden Vorschriften entsprechend anzuwenden, soweit nicht etwas anderes bestimmt ist). Tomando em consideração a singularidade dos animais, o BGB ainda estabelece na segunda parte do § 903 que o proprietário de um animal deve, ao exercer seus poderes, levar em consideração as disposições especiais relativas à proteção dos animais. (No original: § 903 Befugnisse des Eigentu?mers - Der Eigentu?mer einer Sache kann, soweit nicht das Gesetz oder Rechte Dritter entgegenstehen, mit der Sache nach Belieben verfahren und andere von jeder Einwirkung ausschließen. Der Eigentu?mer eines Tieres hat bei der Ausu?bung seiner Befugnisse die besonderen Vorschriften zum Schutz der Tiere zu beachten.). Helena Telino critica a solução dada no ordenamento germânico. A jurista afirma que as modificações realizadas no BGB, a exemplo do Código Civil Suíço e do Código Civil Austríaco revelam uma tendência no sentido da não permanência dos animais na categoria de coisas, em prol de uma melhor proteção. Entretanto, como indica, não são mais considerados coisas, mas lhes foi aplicado – ainda que com adaptações – o regime jurídico da propriedade. “A desqualificação dos animais como coisas, sem qualificá-lo como pessoa e sem classificá-lo como terceiro gênero criou uma incógnita jurídica. Novamente: não são os nomes dados às realidades que as transformam juridicamente, mas o regime que lhes é dispensado. E o regime jurídico continuou sendo o das coisas”. NEVES, Helena Telino. “A controversa definição da natureza jurídica dos animais”, cit., p. 88. No mesmo problema incorrerá o Brasil, se aprovar o referido PLS n. 351/2015. O ZGB suíço, em seu artigo Art. 641a (Introduzido por Lei Federal de 04 de Outubro de 2002 – Animais – e em vigor a partir de Abril de 2003) estabelece: II. Animaux: 1- Les animaux ne sont pas des choses; 2- Sauf disposition contraire, les dispositions s'appliquant aux choses sont également valables pour les animaux. De igual maneira, o ABGB austríaco estabelece em seu § 285a que, “Tiere sind keine Sachen; sie werden durch besondere Gesetze geschützt. Die für Sachen geltenden Vorschriften sind auf Tiere nur insoweit anzuwenden, als keine abweichenden Regelungen bestehen”, analogamente à legislação suiça e alemã. Aliás, ambas foram inspiradas no Allgemeines bürgerliches Gesetzbuch, já que o diploma austríaco é de 1811, tendo esse dispositivo entrado em vigor por reforma legislativa no ano de 1988.
[41] A relação entre o animal de companhia e o(s) dono(s) é bastante similar à relação parental. A maioria das pessoas adquire, ganha ou adota o seu animal de companhia quando ele ainda é filhote, criando-o e educando-o como faria com o seu próprio filho humano. Os donos dão banhos, alimentam, pagam despesas médicas para manter os seus bichinhos saudáveis. Ensinam os seus animais a socializarem e serem simpáticos com outros animais e com outros humanos, a comer toda a sua comida e a saberem diferenciar o certo do errado. Neste sentido, consultar SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., pp. 264-265.
[42] Ou ao resto dos bens, se considerarmos os animais de companhia como bens semoventes. A doutrina já se manifesta no sentido de que manter os animais de companhia nessa classificação legal de semoventes de pouco ou nenhum valor econômico não mais se sustenta pois não coaduna com a realidade social do papel dos pets nas famílias contemporâneas, como indica BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, cit., p. 229.
[43] Cfr. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 271.
[44] Direito Civil - Reconhecimento/dissolução de união estável - Partilha de bens de semovente - Sentença de procedência parcial que determina a posse do cão de estimação para a ex-convivente mulher – Recurso que versa exclusivamente sobre a posse do animal – re?u apelante que sustenta ser o real proprietário – conjunto probatório que evidencia que os cuidados com o cão ficavam a cargo da recorrida - Direito do apelante/varão em ter o animal em sua companhia – animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal e? tema que desafia o operador do direito – Semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo- se abruptamente o convívio ate? então mantido com um dos integrantes da família – Cachorrinho “Dully” que fora presenteado pelo recorrente a? recorrida, em momento de especial dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta – vínculos emocionais e afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos – Solução que na?o tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, expressando-se, por outro lado, como mais uma das variadas e multifárias manifestações do principio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente – Parcial acolhimento da irresignação para, a despeito da ausência de previsão normativa regente sobre o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o principio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão dully, exercendo a sua posse provisória, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, das 10:00 hs de sa?bado a?s 17:00hs do domingo. Sentença que se mantém. 1. Cuida-se de apelação contra sentenc?a que, em demanda de dissoluc?a?o de unia?o esta?vel c/c partilha de bens, movida pela apelada em face do apelante, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer e dissolver a unia?o esta?vel havida entre as partes e determinou, ainda, que a autora ficasse com a posse do ca?o de estimac?a?o da rac?a cocker spaniel. 2. Insurge-se o re?u unicamente com relac?a?o a? posse do animal de estimac?a?o, sustentando, em si?ntese, que o cachorro foi adquirido para si, ressaltando que sempre cuidou do ca?o, levando-o para passear e para consultas ao veterina?rio, destacando, ainda, que sempre arcou com os seus custos, inclusive com a vacinac?a?o. 3. De fato, da ana?lise do conjunto probato?rio infere-se que a parte autora logrou comprovar que era a responsa?vel pelos cuidados do ca?o dully, 4. Contudo, na?o se pode ignorar o direito do apelante de, ao menos, ter o animal em sua companhia. Questa?o envolvendo animais de estimac?a?o cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal e? tema que desafia o operador. 5. Semovente que, por sua natureza e finalidade, na?o pode ser tratado como simples bem, a ser herme?tica e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convi?vio ate? enta?o mantido com um dos integrantes da fami?lia. 6. Cachorrinho “dully” que fora presenteado pelo recorrente a? recorrida, em momento de especial e extremo dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta. Vi?nculos emocionais, afetivos construi?dos em torno do animal, que devem ser, na medida do possi?vel, mantidos. 7. Soluc?a?o que, se na?o tem o conda?o de conferir direitos subjetivos ao animal, traduz, por outro lado, mais uma das variegadas e multifa?rias manifestac?o?es do princi?pio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente. 8. Recurso desprovido, fixando-se, pore?m, a despeito da ause?ncia de previsa?o normativa regente o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princi?pio que veda o non liquet,permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do ca?o dully, exercendo a sua posse proviso?ria, devendo tal direito ser exercido no seu interesse e em atenc?a?o a?s necessidades do animal, facultando-lhe buscar o ca?o em fins de semana alternados, a?s 10:00h de sa?bado, restituindo-lhe a?s 17:00hs do domingo. Nega-se provimento ao recurso. Aco?rda?o em Segredo de Justic?a. (TJRJ, 22ª C. Cível, AC 0019757-79.2013.8.19.0208, Rel. Des. Marcelo Lima Buhatem, j. 27/01/2015).
[45] Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/posse-compartilhada-cao-estimacao.doc Acesso em: 05/05/2015.
[46] Em suas palavras: “Além da sempre operante sociedade protetora dos animais há um sem número de programas e séries de televisão, publicações especializadas, sítios virtuais, comunidades em redes sociais, pet shops, todas especializadas no tema. Uma miríade de interfaces todas voltadas a tratar dessa cada vez mais imbricada relação homem x animal de estimação”. Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, cit.
[47] Nas palavras do Desembargador Buhatem: “Neste sentido, é preciso mais justamente por ser de estimação e afeto, destinado não ao abate ou ao trabalho, mas ao preenchimento de necessidades humanas emocionais, afetivas, que, atualmente, de tão caras e importantes, não podem passar despercebidas aos olhos do operador. Não custa dizer que há animais que compõem afetivamente a família dos seus donos, a ponto da sua perda ser extremamente penosa”. Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, cit.
[48] Tradução livre de “teaching an old Law new tricks”, tópico de um artigo sobre o tema, onde o autor afirma que há uma insatisfação generalizada com aplicação do direito das coisas, puro e simples, na solução de casos relacionados à guarda de animais de companhia. Desta forma, afirma-se que, na ausência de uma legislação específica sobre o tema, o direito aplicável deve ser considerado de forma mais moderna e harmonizado com o papel crescente que os animais de companhia possuem nas estruturas familiares. Neste sentido, ver Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., p. 457.
[49] Ainda nas palavras do julgador: “Com efeito, a separação é um momento triste, delicado, dissaboroso, envolvendo sofrimento e rupturas. Em casais jovens ou não, muitas vezes o animal “simboliza” uma espécie de filho, tornando-se, sem nenhum exagero, quase como um ente querido, em torno do qual o casal se une, não somente no que toca ao afeto, mas construindo sobre tal toda uma rotina, uma vida ...”. Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, cit.
[50] Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, cit.
[51] A doutrina especializada assevera que o magistrado deverá sempre identificar e analisar o “melhor interesse do animal” na hora de decidir sobre a custódia do animal de companhia. Como indica Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., p. 457.
[52] Buscando-lhe às 08:00h do sábado, restituindo-lhe às 17:00h do domingo, na residência da ex-companheira. Cfr. Acórdão do processo 0019757-79.2013.8.19.0208, cit.
[53] Cfr. “Justiça carioca fixa guarda alternada de cachorro após dissolução conjugal”. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5593/Justiça+carioca+fixa+guarda+alternada+de+cachorro+após+dissolução+conjugal Acesso em: 05/05/2015.
[54] LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo. “Decisão comentada – Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ”, cit., p. 174.
[55] Até mesmo a doutrina que defende a permanência dos animais na categoria das coisas defende a necessidade de alterações. Neste sentido, Helena Telino afirma que “Sendo o animal objeto de transações, poderia, sem negar sua natureza, deixá-lo figurar no direito das coisas, mas criando uma nova categoria específica: as coisas comportariam as coisas insensíveis (inanimados) e as sensíveis (os animais), baseada no critério da exteriorização do sentimento (...).
A criação desta dualidade reconheceria as particularidades do animal em relação às outras coisas e recordaria o dever de respeitá-los, sem dotá-los de personalidade jurídica.
Deve haver uma mudança da concepção do significado de “coisa”. O animal, por ser vivo e capaz de sofrer, seria protegido por si, admitindo que possa ter alguns interesses em manter seu bem-estar. Mesmo classificados como coisas e objetos de relações jurídicas, esta mudança de paradigma traria uma maior conscientização da condição de ser vivo do animal”. NEVES, Helena Telino. “A controversa definição da natureza jurídica dos animais”, cit., p. 88.
[56] Em regra, a propriedade do animal, se transfere – seja na hipótese de doação, seja na hipótese de uma compra e venda – pela tradição. Em um eventual litígio pelo animal, para fazer prova dessa tradição, os recibos e contratos podem ser grandes aliados das partes, ou grandes inimigos.
[57] No ordenamento brasileiro, a translatividade dominial se aperfeiçoa apenas pela tradição, em se tratando de bens móveis. Já em Portugal, o art. 408º do Código Civil dispõe em seu n. 1 que, “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei”. Portugal, assim como Itália e Polônia, seguiu o sistema adotado pelo Código francês, onde a compra e venda é contrato de transferência da propriedade, de efeito real instantâneo, onde o domínio se transfere ao adquirente pelo simples consentimento, sem a necessidade da tradição. A troca de consentimentos que figura no contrato por si só é suficiente para converter o comprador em proprietário. Assim, no Código Civil português é atribuído efeito real à compra e venda. Daí a importância dos recibos e, principalmente, dos contratos nesses ordenamentos.
[58] Nesse sentido, inúmeros tribunais norte-americanos tem atribuído a “guarda” dos animais de estimação de família às partes que não eram os titulares legais daquela “propriedade”, revelando uma abordagem de tratamento da custódia do animal que coloca uma maior ênfase no bem estar do pet do que nos direitos de propriedade das partes. Cfr. BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, cit., p. 217.
[59] SHUFFIELD, Lacy L. “Pet Parents - Fighting Tooth and Paw for Custody: Whether Louisiana Courts Should Recognize Companion Animals as more than Property”, em Southern University Law Review, Vol. 37, n. 1, pp. 101-125, 2009, p. 101.
[60] O PL n. 1058/2011, de autoria do Dep. Marco Ubiali, que dispunha sobre a guarda de animais de estimação nos casos de extinção do casamento e união estável foi arquivado em Janeiro de 2015.
[61] Denotada pela utilização da expressão bens, posse, propriedade.
[62] Como se adverte na doutrina norte-americana, outorgar a guarda ou a posse do animal apenas àquele que conseguir provar de forma mais contundente o direito de propriedade através de pagamentos de contas relativas ao sustento do animal pode ser pouco razoável e injusto. Cfr. neste sentido Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., p. 455.
[63] Também parece concordar com o recurso à legislação familiarista o Prof. Zeno Veloso. Nesse sentido, afirma que “penso que um juiz sabido, inteligente, humano, usando os princípios gerais de direito ou a analogia, pode, sim, estabelecer a guarda de animais domésticos, seja a guarda unilateral, seja a compartilhada, tomando por base o princípio da afetividade, que, a cada dia mais, cada vez mais, deve reger a vida familiar e definir as questões de família”. VELOSO, Zeno. “Na separação quem fica com o cachorrinho?”, em Jornal O Liberal. Belém, 18 de julho de 2015.
[64] Sobre as crianças como propriedade nos EUA dos século 18, consultar SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 255.
[65] Alguma doutrina indica que o reconhecimento dos animais de companhia como membros da entidade familiar poderia acarretar, em algum futuro, por exemplo, na conformação de um vínculo conjugal entre uma pessoa e seu animal de estimação. Neste sentido, ver LEAL, Adisson; SANTOS, Victor Macedo. “Decisão comentada – Reflexões sobre a posição jurídica dos animais de estimação perante o direito das famílias: TJRJ”, cit., p. 171. Data venia, no afã de crítica a ideia da família multiespécie, parece haver o esquecimento de uma das mais elementares noções dentro do direito matrimonial e pressuposto para a validade do casamento: a capacidade. Diante da impossibilidade de um animal manifestar a sua vontade, ainda que lhes fosse reconhecida personalidade jurídica, seriam totalmente incapazes de manifestarem o seu consentimento, de modo inequívoco, para o que quer que fosse. Portanto, o casamento celebrado entre um animal e uma pessoa, não seria válido.
[66] Aliás, o melhor interesse do animal foi especificamente apontado como elemento de consideração, no TJRJ, para a concessão do direito de convivência, em finais de semanas alternados, do cãozinho “Dully”, com aquele que não foi considerado o seu legítimo proprietário.
[67] Como se indica na doutrina norte-americana, qualquer determinação de melhor interesse de um ser vivo estaria incompleta sem o componente físico. Relativamente aos animais de companhia, as necessidades físicas são relativamente óbvias até para o mais inexperiente dos guardiães (ainda que existam necessidades não consideradas inevitáveis por alguns, como esterilização e castração). Grosso modo, em termos físicos, os animais necessitam de água, comida, tratamento adequado, cuidados de saúde e um ambiente apropriado para o seu tamanho e espécie. O bem-estar psicológico do pet também deverá ser considerado na análise do seu bem-estar global. Pesquisas indicam que existem métodos científicos para determinação do estado emocional do animal, que utilizam processos comportamentais e biológicos. Standards comportamentais e hormonais servem para indicar se o bem-estar animal, em termos psicológicos, está sendo alcançado. Existem algumas sugestões de comportamento cuja presença ou ausência podem servir como indicadores de estados emocionais positivos ou negativos nos animais, como: comportamento brincalhão, aproximação de outros animais, automutilação, vocalização, comportamentos de coleta ou exploratórios, etc. Em termos biológicos, flutuações hormonais são indicativas de determinadas emoções. A presença, ausência ou nível de concentração de certos hormônios ou a medição de certos processos psicológicos podem caracterizar estados emocionais de um animal que é incapaz de comunicar verbalmente essas emoções. Cfr. MCLAIN, Tabby. “Adapting the Child´s Best Interest Model to Custody Determination of Companion Animals”, cit., pp. 153-154.
[68] Estreita relação não significa, no entanto, relação equivalente ou igual.
[69] Consultar neste sentido, SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 272.
[70] Como também ocorre nos EUA. Neste sentido, cfr. Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., p. 447.
[71] Já existem legislações locais, nomeadamente em cidades da California, do Colorado, de Arkansas e de Rhode Island que se referem aos cuidadores dos animais de companhia como “guardiões” e não como “donos”. Cfr. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 272. Em 2007, o Wisconsin se tornou o primeiro Estado a aprovar uma legislação que permite que casais estabeleçam em acordo um regime de guarda e visitação do seu animal de estimação. Na hipótese de não chegarem a um consenso, o estatuto permite que o juiz determine a guarda ou ainda determine que o pet seja alocado em um abrigo local e quem lá chegar primeiro fica com o gato, cachorro e até mesmo com o peixinho dourado. Em 2008, o Estado do Michigan aprovou lei parecida, que determina que todos os pedidos de divórcio devem incluir uma lista dos animais de estimação do casal, suas espécies e quando foram comprados ou “adotados”. Os divorciandos devem apresentar quaisquer acordos ou pactos relativos à guarda dos animais, caso contrário o juiz decidirá com quem e como ele deve ficar. WHARTON, T. Christopher. “Fighting Like Cats and Dogs: The Rising Number of Custody Battles Over the Family Pet”, p. 441.
[72] Só para apontar uma dessas singularidades, com a emancipação ou a chegada da maioridade, extinto estará o poder familiar e a obrigação dos pais de terem os filhos em sua companhia (na lógica de custódia). Os animais de companhia jamais serão “emancipados” dos seus “pais”, cuja responsabilidade persistirá até a morte do pet.
[73] Como muitos estudos revelam, não dá para se reivindicar uma concordância absoluta e perfeita entre os interesses dos seres humanos e dos animais. A outro giro, nada impede que esses interesses sejam compatibilizados, não existindo forçosamente conflitos entre proprietários e seus animais domésticos.
[74] Como afirmamos em outra oportunidade. Cfr. “Justiça carioca fixa guarda alternada de cachorro após dissolução conjugal”, cit.
[75] Por exemplo, no caso Houseman v. Dare, julgado pela Suprema Corte de New Jersey, as partes exercem a posse alternada do seu cão de treze anos por períodos de 5 meses. No caso Myers v. Myers, julgado em Maryland, muito embora a lei do Estado determine que em caso de desacordo sobre o destino de um animal o mesmo seja vendido e seu produto partilhado entre as partes, o juiz da disputa afirmou que havia apelado para o bom senso ao verificar o amor equiparável das duas partes pelo cachorro. Assim, determinou que cada um tivesse com ele por períodos alternados de 6 meses. Cfr. KOEPSEL, Kirsten M. “A Public Policy Argument for Mediation of Pet Custody Disputes”, em Mid-Atlantic Journal on Law & Public Policy, vol. 2, n. 1, pp. 83-100, 2013, pp.91-92.
[76] Já há precedente judiciais, inclusive no Brasil, no sentido de pagamento de prestação alimentícia in natura (ração de boa qualidade) a cachorros.
[77] Em uma interessante e dispendiosa disputa de custódia sobre um animal adotado em um abrigo, um casal norte-americano, ao dissolver seu casamento concordou que "guarda compartilhada" ou a posse partilhada após o divórcio não teria estaria de acordo com o melhor interesse de sua cadela “Gigi”. Durante o julgamento de três dias, a ex-esposa produziu um vídeo chamado “Um Dia na Vida de Gigi”, com a cadelinha dormindo debaixo de sua cadeira no trabalho, brincado em casa e jogando com bolinhas na praia. A ex-esposa também encomendou e apresentou como prova na corte, em São Francisco, um “estudo de vínculo canino”, de autoria de um especialista em comportamento animal para mostrar ao tribunal que seu estilo de vida era mais adequado para Gigi e que ela tinha atuado como cuidadora principal de Gigi. Depois de levar em consideração o status quo, bem como o papel da mulher como principal cuidadora durante o casamento, o tribunal concordou que Gigi ficaria melhor com a ex-esposa e outorgou-lhe a “guarda” permanente de Gigi. Cfr. BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, cit., p. 217.
[78] Cfr. Kotloff, Eric. “All Dogs Go To Heaven... Or Divorce Court: New Jersey Unleashes a Subjective Value Consideration to Resolve Pet Custody Litigation in Houseman v. Dare”, cit., pp. 459-460.
[79] Nesse sentido, afirma-se na doutrina que, não raras vezes, os tribunais norte-americanos impõe àqueles que não ficaram com a “guarda” do animal, responsabilização pela sua manutenção, a pedido da parte que obteve a “guarda”. Ao determinar que quem não obteve a custódia do pet preste alimentos, os juízes terminam por reconhecer que alguns animais de companhia – como filhos – podem ser caros (mormente os cães de grande porte) e que o futuro bem-estar desses animais exige que a sua manutenção por ambas as partes, pós divórcio ou separação, continue até o fim da sua vida. BOGDANOSKI, Tony. “Towards an Animal-Friendly Family Law: Recognising the Welfare of Family Law's Forgotten Family Members”, p. 221.
[80] Cfr. SIMMONS, Schyler P. “What is the Next Step For Companion Pets in the Legal System?: The Answer May Lie With the Historical Development of the Legal Rights For Minors”, cit., p. 274.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM