Notícias
Nota de repúdio à conduta discriminatória e abusiva ocorrida durante uma audiência no Tribunal de Justiça de Santa Catarina
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), comprometido com a defesa, promoção e proteção dos direitos humanos, do superior interesse da criança, do princípio da prioridade absoluta, destinado exclusivamente aos sujeitos de direitos – crianças, adolescentes e jovens –, ética, paz, democracia e outros valores fundamentais, vem, em face das matérias e dos vídeos veiculados em todo o país, desde o dia 20/06/2022, manifestar SOLIDARIEDADE à criança vítima de violência sexual e violência institucional em Santa Catarina e REPÚDIO à conduta discriminatória e abusiva contra ela perpetrada, durante uma audiência em juízo do Estado de Santa Catarina.
A criança, até o que nos foi possível verificar, foi vítima do crime de estupro quando contava, na época do fato, com 10 anos de idade. Em decorrência do ato sexual, a menina engravidou e buscou, por meio de sua representante, o aborto legal e garantido por lei, junto ao Hospital Universitário de Santa Catarina, que se negou a realizar o procedimento.
Com efeito, observa-se, no caso em tela, a revitimização da criança pelos Sistemas de Saúde e de Justiça, ficando evidente que as normas jurídicas vigentes, tanto de origem internacional – por meio das CONVENÇÕES ratificadas pelo Brasil como na esfera interna –, pela Constituição e pelas leis brasileiras, não são suficientes para garantir os direitos dos mais vulneráveis.
O tratamento destinado à vítima e à sua representante legal, sua mãe, que sofreram pressões psicológicas, conforme é possível verificar nos registros da audiência realizada, descortina que o acesso à justiça não pode se contentar com o mero reconhecimento de direitos em normas positivadas, especialmente quando se trata de pessoas vulneráveis socioeconomicamente.
Indispensável mencionar que criança estuprada e grávida tem direito ao aborto legal, independente do tempo da gestação. A violência institucional que, lamentavelmente, nos chega apenas pela mídia, só existe e persiste porque uma parcela da sociedade aceita, apoia e alimenta essa abordagem inaceitável que ainda encontra eco no sistema de justiça brasileiro.
A desigualdade e a violência são mais gritantes quando as famílias são vulneráveis.
Os mecanismos de proteção previstos na CFRB, no ECA, nos tratados internacionais não foram utilizados.
A indignação não pode ser seletiva: essas violências se repetem e nosso silêncio tem proliferado esse horror, não de hoje, mas ao longo da conturbada história de violações de direitos de crianças e mulheres nesse Brasil tão desigual.
A menina, recém-completados 11 anos, retornou à casa materna, e mais que nunca precisa de acolhimento.
A propósito, não há que se alegar que a proteção à vida intrauterina está prevista, de maneira absoluta, no Pacto de São José da Costa Rica que o Brasil ratificou, porque a interpretação que é dada ao artigo 4.1 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, bem como sua construção histórica, vão no sentido de que a vida não é protegida desde a concepção como um direito absoluto, não autorizando a equiparação de um embrião a uma pessoa e que a proteção à vida tem que ser gradual, de forma a ser compatível com a realização de outros direitos e que esta visão limitada nega a existência de direitos que podem ser objeto de restrições desproporcionais, o que seria contrário à tutela dos direitos humanos, aspecto que constitui o objeto e fim do tratado, de modo a garantir o igual respeito aos direitos à vida das mulheres, saúde, saúde reprodutiva, autonomia e liberdade, ou seja, a proteção de direito à vida do nascituro “em geral, desde o momento da concepção”, deve ser feita em harmonia com os direitos da gestante, especialmente, no caso de meninas.
É urgente sensibilizar e capacitar, nas perspectivas de gênero e da prioridade absoluta destinada às crianças, aos adolescentes e jovens, a Advocacia, Ministério Público e Defensorias Públicas, magistrados e servidores, todos que atuem na aplicação dos instrumentos jurídicos vigentes relacionados aos direitos de crianças e adolescentes.
Cumpre atender ao que preconizam as Recomendações do CNJ e do Comitê CEDAW, que estabelecem a necessidade de garantir às mulheres o direito de “contar com um sistema de justiça livre de mitos e estereótipos, e com um Judiciário cuja imparcialidade não seja comprometida por pressupostos tendenciosos. Eliminar estereótipos no sistema de justiça é um passo crucial na garantia de igualdade e justiça para vítimas e sobreviventes”. E, para isso, é imprescindível adoção de medidas, incluindo “programas de conscientização e capacitação a todos os agentes do sistema de justiça e estudantes de Direito, para eliminar os estereótipos de gênero e incorporar a perspectiva de gênero em todas as esferas do sistema de justiça”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente precisa ser matéria obrigatória dos cursos de Direito, Medicina, Serviço Social, Psicologia, entre outros. É preciso que se preserve crianças das violações de direitos como a que ora repudiamos. Crianças não são invisíveis nem receptáculos para uma gestação fruto de sua violação. A adoção de uma possível criança não pode servir para a perpetuação da violência. Não maculem o instituto da adoção, que tem por princípio o atendimento do superior interesse da criança, com a violação desse mesmo interesse. O aborto legal é direito da mulher. Adoção é direito da criança.
Rodrigo da Cunha Pereira
Presidente do IBDFAM
Maria Berenice Dias
Vice-Presidente do IBDFAM
Adélia Moreira Pessoa
Presidente da Comissão Nacional de Violência e Gênero
Paulo Lépore
Vice- Presidente da Comissão Nacional da Infância e Juventude
Silvana do Monte Moreira
Presidente da Comissão Nacional de Adoção
Atendimento à imprensa: ascom@ibdfam.org.br