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Famílias simultâneas: Especialista analisa projeto de lei que impede reconhecimento de união estável diante de casamento ou outra união
Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 309/2021 altera o Código Civil para estabelecer que a existência de casamento ou de união estável de um dos conviventes impede a caracterização e o reconhecimento de novo vínculo de união estável no mesmo período, salvo se a parte casada já estiver separada de fato ou judicialmente. Conforme o texto, quando comprovada a participação de cada parte para aquisição do patrimônio, o impedimento de nova união estável não compromete a partilha proporcional dos bens.
O autor da proposta, deputado José Nelto (Pode-GO), pontuou que, em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que “amante” não tem direito a parte da pensão previdenciária por morte, entendendo que, no Brasil, prevalece o princípio da monogamia. Portanto, para ele, “é apropriado, desde logo, acolher esse entendimento de forma expressa em nosso ordenamento jurídico".
Interpretação equivocada
A advogada Luciana Brasileiro, autora do livro “Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico” e vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, faz duas ponderações sobre o PL 309/2021: “O primeiro deles é que sua justificação traz em seu primeiro parágrafo a afirmação de que o STF decidiu que ‘amante’ não tem direito a parte da pensão previdenciária. Em segundo plano, o projeto passa a categorizar as relações simultâneas como sociedades de fato. É preocupante que a decisão do Supremo tenha dado margem para interpretações equivocadas do verdadeiro sentido das relações familiares simultâneas.”
A especialista rejeita a terminologia escolhida como justificativa do projeto e destaca que famílias simultâneas estão amparadas pelo conceito amplo de entidades familiares, proporcionado pela Constituição Federal. “Não são relações entre ‘amantes’ no sentido pejorativo da palavra – lamentavelmente utilizado na justificação do projeto. Muito menos, sociedades de fato. São relações familiares fáticas, como é a união estável, que devem ser dotadas da proteção estatal”, corrige.
Luciana Brasileiro também avalia que a proibição da formalização das relações estáveis simultâneas não impedirá suas constituições. “Fosse o Brasil um país que exigisse a formalização das uniões estáveis, faria todo sentido proibir, isto dentro de um sistema cadastral que cruzasse as informações para verificação de relações preexistentes – como ocorre nos casamentos. Mas não é. E a potência da união estável, que a torna a família conjugal mais democrática, está no fato de o estado ser obrigado a proteger as pessoas independentemente de sua formalização.”
Entendimento do STF
Para a advogada, a proposta tem a intenção de fortalecer o entendimento do STF acerca da monogamia e traz uma visão mais conservadora, menos democrática e menos protetora das pessoas que vivem em relações fáticas atualmente.
“Ao que parece, voltaríamos a discutir participação efetiva na aquisição patrimonial, quando sabemos que o Brasil é um país desigual, que remunera as pessoas de acordo com seu gênero, com sua classe e com sua raça. Pior, caberá ao Judiciário, em casos concretos, avaliar se as relações eram simultâneas e invadir a privacidade da família, em uma verdadeira afronta à mínima intervenção estatal. É um projeto de lei que definitivamente não dialoga com o Direito das Famílias que a Constituição Federal nos oferece”, defende a especialista.
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