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O direito de convivência familiar e a divisão da autoridade parental frente à participação em reality show: o caso Pedro Scooby e o confinamento para o big brother brasil edição 2022
O DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A DIVISÃO DA AUTORIDADE PARENTAL FRENTE À PARTICIPAÇÃO EM REALITY SHOW: o caso Pedro Scooby e o confinamento para o Big Brother Brasil edição 2022
Isabelly de Castro Machado da Silva1
Sheila de Andrade Ferreira2
Resumo: O presente artigo, ao analisar as disposições legais, jurisprudenciais e doutrinárias, objetiva determinar a extensão do direito de convivência familiar e a divisão da autoridade parental, com o consequente dever de comunicação, frente à participação em reality show e a inerente privação temporária de contato entre genitores e seus filhos menores, com base no caso real de ingresso do surfista Pedro Scooby no programa de televisão Big Brother Brasil edição 2022.
Palavras-chave: Autoridade parental. Direito de convivência. Reality show.
Abstract: This article, when analyzing the legal, jurisprudential and doctrinal provisions, aims to determine the extent of the right of family coexistence and the division of parental authority, with the consequent duty of communication, in view of the participation in reality tv and the inherent temporary deprivation of contact between parents and their minor children, based on the actual case of the entry of surfer Pedro Scooby in the television program Big Brother Brazil edition 2022.
Key words: Parental authority. Right of coexistence. Reality show.
INTRODUÇÃO
O universo da televisão brasileira foi marcado com a primeira edição do reality show Big Brother Brasil, no ano de 2001. Desde então, todos os anos os brasileiros se reúnem para torcer, vibrar e opinar sobre a vida de pessoas comuns que se dispõem a ficar confinadas e afastadas de qualquer interação com o público, incluindo seus familiares, na esperança de conquistar o prêmio em dinheiro.
No entanto, como é comum em programas de televisão aberta, as mudanças sociais interferem na audiência. Dessa forma, no ano de 2020, com o intuito de repaginar o reality show da Rede Globo, o Big Brother Brasil lançou uma nova etapa: o confinamento de pessoas comuns, no grupo “pipoca”, juntamente com famosos, do grupo “camarote”.
A nova linha do reality show causou grande impacto nos telespectadores, tendo em vista que a fama, seguidores e amigos dos integrantes do grupo “camarote” levou o programa televisivo a outra esfera de influência nacional. Assim, além do costumeiro impacto do reality show, os confinados famosos elevaram a audiência, aumentaram o valor das propagandas e conquistaram o público.
Com todo o trunfo angariado pela Rede Globo diante do impacto causado por artistas, atletas e influenciadores segregados para a participação na televisão, com câmeras e transmissão em tempo real a qualquer hora do dia, a exposição poderia, na mesma velocidade, ao sucesso ou à ruína da carreira3.
Tendo isto em vista, um grande exemplo da guinada da carreira por meio da participação no Big Brother Brasil é a blogueira e empresária Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa. A blogueira, que iniciou sua carreira com apenas 16 anos de idade, aproveitou a exposição do programa para divulgar sua linha de maquiagem, alavancando o próprio marketing, com a conquista de novos seguidores, e anunciando seus produtos, prospectando novos clientes.
Assim, após sair do programa, a empresária revelou que triplicou as vendas dos itens de maquiagem e que a meta teria sido alcançada, revelando que suas intenções em participar do BBB edição 2020 teriam sido de puro marketing. Desse modo, é nítido que o programa possui grande influência e poder de guinada de carreira, beneficiando os participantes já famosos que sabem utilizar a exposição a seu favor.
Na edição do ano de 2022, por conseguinte, a Rede Globo continuou a explorar a influência dos famosos, selecionando dez pessoas já conhecidas pelo público brasileiro. Um dos integrantes do grupo “camarote” foi, justamente, o surfista Pedro Scooby.
Ocorre, no entanto, que o atleta não é conhecido somente pela grande habilidade e talento com o surfe, mas também pelas polêmicas envolvendo sua ex-esposa, a atriz Luana Piovani, e seus três filhos menores.
As polêmicas já foram relacionadas com a convivência das crianças com o pai, já que residem em Portugal, com a guarda dos menores, diante de desacordo entre os genitores, e até mesmo com o atraso dos alimentos.
Dessa forma, era previsível que a participação de Pedro Scooby iria desencadear novas polêmicas sobre o ex-casal. Contudo, o seu confinamento possui grande repercussão jurídica no que tange ao direito de convivência familiar e, com reflexos ainda mais profundos, na divisão igualitária do poder familiar, que o civilista Conrado Paulino prefere denominar de função parental.
As implicações no direito se tornam ainda mais intensas quando é analisado o sigilo contratual imposto pela Rede Globo, de forma a proibir aos participantes selecionados a exposição antecipada e a revelação dos nomes dos integrantes do Big Brother Brasil, que preza pela surpresa e revelação apenas pela emissora de televisão, dias antes do início do programa.
Nesse sentido, a atriz Luana Piovani alega não ter sido comunicada pelo pai de seus filhos acerca da participação no reality show, sabendo apenas pela Rede Globo, com a divulgação oficial da lista de participantes. Será, então, que o sigilo contratual prevaleceria quando em conflito com o dever de comunicação decorrente da divisão do poder familiar?
Essas implicações jurídicas nos institutos de guarda e convivência serão analisadas com base na doutrina familiarista e nos recentes julgados que tratam do tema. Por fim, será estudado a possibilidade da imposição de perdas e danos em caso de quebra do sigilo contratual naturalmente estendido à ex-mulher, tendo em vista o dever de comunicação e o princípio da coparentalidade.
DESENVOLVIMENTO
O DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR NA CODIFICAÇÃO DE 2002
O Código Civil de 2002 trouxe significativas alterações, principalmente em decorrência das mudanças sociais e políticas ocorridas desde a codificação de 1916. Assim, o Direito de Família foi profundamente alterado pela nova concepção de família, com igualdade entre homem e mulher, não discriminação de filhos havidos ou não fora do casamento e divisão do poder familiar, não mais designado como pátrio poder.
Nesse sentido, a doutrina familiarista ressalta a importância da Constituição Federal de 1988 na consolidação da aplicação dos direitos fundamentais dentro do seio familiar, com especial destaque à proteção especial à família e à dignidade da pessoa humana como condição inerente à vida humana, com aplicação direta aos integrantes da família, que não mais são discriminados pelo gênero.
Ao tratar da temática do direito de convivência na legislação civil atual, é imperioso, antes, discutir acerca do instituto da guarda, principalmente por terem ocorrido diversas alterações relativas ao papel da mulher na criação e educação dos filhos menores, tanto com a promulgação do Estatuto da Mulher casada, em 1962, como pelo reflexo da Constituição Cidadã na elaboração e promulgação do Código Civil de 2002.
Desse modo, o marido era tido como chefe da família, detentor do pátrio poder, conforme o artigo 380 do Código Civil de 1916 dispunha. O Estatuto da Mulher Casada, no ano de 1962, no entanto, modificou o dispositivo, que passou a dispor que o pátrio poder competia a ambos os genitores, mas que o exercício em si era destinado ao marido e que à mulher era reservada a figura de coadjuvante, com a mera colaboração ao homem.
A mesma alteração legislativa de 1962 fez a expressa previsão de que, em caso de divergência entre os genitores, a decisão do pai prevaleceria, ainda que houvesse o direito da mulher contrariada recorrer ao juiz.
A Constituição de 1988, exausta dos absurdos machistas e desajustados com o compasso social, dispôs em seu art. 226, §5º, o exercício igualitário dos direitos e deveres decorrentes da sociedade conjugal. Por outro lado, com o mesmo intuito de regular as relações familiares e afastar os abusos do gênero masculino, outrora positivados e incentivados pelo próprio legislador, foi disposto em nossa Carta Constitucional o dever de ambos os genitores na criação, educação e assistência aos filhos menores.
O instituto da guarda, então, renasce após a redemocratização do Brasil, assumindo feições mais condizentes com a época vivenciada e com grandes reflexos advindos da Declaração de Direitos Humanos e dos movimentos sociais experimentados pela sociedade conservadora.
Tendo isto em vista, nossa legislação atual prevê a permanência do poder familiar a ambos os genitores, ainda que estes estabelecem nova união estável ou casamento, diferentemente da previsão da codificação anterior, que retirava os direitos do pátrio poder da mãe que contraía novas núpcias.
Assim, conforme preleciona o ilustre Conrado Paulino, “quando se trata de definir o exercício da guarda do infante, é imprescindível a análise de qual a possibilidade mais vantajosa para a sua formação e desenvolvimento”. Dessa maneira, o exercício da guarda nada mais é do que o dever inerente à função parental, como assim designa o civilista.
O legislador, não podendo ser mais claro quanto à divisão do poder familiar, dispõe no artigo 1.634 do Código Civil que “compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar”. Ainda, é previsto que o exercício unilateral ocorrerá somente em caso de falta ou impedimento de um dos genitores, ou, também, nas situações de filho não reconhecido pelo pai.
O Estatuto da Mulher Casada, da década de 1960, buscando amenizar a injustiça cometida no artigo 326 do Código Civil da época, que previa a guarda das filhas à mãe e a guarda dos filhos maiores de seis anos ao pai, assegurou o direito de visita quando a prole não permanecesse na companhia de nenhum dos genitores.
Assim, consagrou-se no imaginário popular o “direito de visita”, como se os genitores fossem desconhecidos, que são chamados a visitar o filho e depois se ausentar, sem nenhum dever parental ou responsabilidade familiar. O Código Civil de 2002 perpetuou a expressão ao dispor, no artigo 1.589, que o pai ou a mãe que não detiver a guarda poderá visitar os filhos menores.
Malgrado a continuidade da expressão, a nova codificação corrigiu diversas injustiças e desigualdades de gênero outrora existentes na sociedade e positivadas pelo legislador, como forma de incentivo e perpetuidade da cultura machista e dos preconceitos enraizados. Melhor, então, seria prever expressamente que, ao genitor que não detivesse a guarda, ainda que a guarda unilateral seja medida excepcional, deveria conviver com os filhos menores.
Dessa maneira, a legislação iria encerrar o ciclo do “direito de visita”, que na realidade fática nada mais é do que estabelecer a guarda unilateral da mãe e marcar horários de visita do pai, que vai embora e encerra suas responsabilidades da semana, com os conhecidos finais de semana alternados.
Então, a convivência familiar em nada se assemelha à visita, que possui data e hora marcada, com local definido e regras de etiqueta. A prole já vai arrumada, com banho tomado e bem vestido, os cabelos penteados, dentes escovados e uma pequena trouxinha de roupas, com a quantidade exata, antecipando, desde já, o encerramento da visita e o retorno à realidade “normal”.
A parentalidade, ao contrário, não é vista, não possui hora e data marcada para o seu exercício e nem limites espaciais. O sujeito, por conseguinte, não é pai só no dia agendado para a convivência familiar, muito menos somente quando a prole está sadia. Nesse sentido, há grandes percalços a serem ultrapassados na cultura brasileira, em que prevalece o ditado de que “homem não leva jeito com criança”.
Tendo isto em vista, a convivência familiar é o instituto que possibilita que pais e filhos permaneçam unidos, ainda que a sociedade conjugal nunca tenha existido ou tenha se desfeito. Somente com a previsão e imposição da convivência familiar o melhor interesse do menor seria, de fato, priorizado e resguardado.
A jurisprudência, então, deveras avançou neste sentido, reconhecendo e aplicando a expressão divulgada em campanhas de órgãos do Poder Judiciário: “pai não é visita!”. No entanto, deve-se barrar a tendência de firmar em sentenças e acordos a convivência familiar livre em casos de clara discordância e animosidade entre os genitores, pois tal estipulação somente serviria para inutilizar o instituto.
Assim, o livre combinado acerca da convivência familiar, em casos de má ou difícil relacionamento, somente postergaria o convívio entre a prole e aquele genitor que não reside em conjunto.
Conclui-se, então, que a estipulação da guarda, prioritariamente sob a forma compartilhada, e do direito de convivência familiar, ao genitor que não detiver a guarda ou não residir com os filhos menores, devem levar em consideração, como vetor essencial, o princípio de proteção do melhor interesse da criança ou adolescente, positivado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A aplicação desse princípio resguarda o objetivo primeiro: o pleno desenvolvimento, com a observância dos direitos dispostos no artigo 227 da Carta Constitucional, inclusive prevendo, expressamente, o direito à convivência familiar, com absoluta prioridade, a ser efetivado pela família, sociedade e Estado.
Portanto, não seria viável considerar a exposição do Pedro Scooby como direito de convivência dos filhos, em imaginar que estes assistiriam ao programa e manteriam contato de forma indireta. Isso ocorre não só por não ser considerado convivência familiar o simples contato visual com o genitor, já afirmado por julgados que não consideram videochamadas como convivência em caso de residência de prole e genitor em mesmo município. Além disso, o programa não possui indicação aos menores, em que o filho mais velho tem dez anos de idade e a indicação etária é para doze anos.
DO PÁTRIO PODER À AUTORIDADE PARENTAL
O poder desempenhado pelos genitores foi, historicamente, construído sob o manto da superioridade masculina, inclusive com legislações reafirmando o papel secundário da mulher, sendo coadjuvante dentro do próprio seio familiar.
O Código Civil de 1916 dispunha que cabia ao homem a chefia da família. Na década de 1960, no entanto, o Estatuto da Mulher Casada alterou o dispositivo e estabeleceu que as decisões masculinas detinham maior força e eram superiores às femininas, sendo que a mulher era mera colaboradora do marido.
As modificações sociais e políticas fizeram a sociedade enxergar as injustiças positivadas pela codificação anterior e promulgaram, junto aos novos ares da democracia, um Código Civil que previa a igualdade entre homem e mulher em todos os aspectos, inclusive na vida familiar.
Assim, a igualdade coibiu diversos abusos cometidos no seio familiar e possibilitou a extinção do instituto do pátrio poder, pautado na inferioridade feminina. Desse modo, a Constituição Federal fez ser concebido o instituto do poder familiar, a ser exercido por ambos os genitores, em igualdade de condições, ainda que a sociedade conjugal houvesse sido rompida ou nunca tivesse existido.
No entanto, com diversas discussões acerca da carga negativa que a expressão “poder” traz dentro da família, com conotação de poder físico, exercido por meio da força bruta, diplomas e doutrinas estrangeiras passaram a alterar a denominação para autoridade parental.
O civilista Conrado Paulino, por discordar também da expressão “autoridade”, denomina o exercício das responsabilidades parentais de “função parental”. Dessa maneira, a família passou por profundas transformações sociais que refletiram na forma de positivar as disposições inerentes aos institutos de guarda, direito de convivência e alimentos.
Também Rolf Madaleno, grande nome no âmbito jurídico, preleciona que a “autoridade parental é um dever natural e legal de proteção da prole”, não se caracterizando como uma autoridade arbitrária, fundada no individualismo dos genitores, motivamos pelos próprios interesses, mas ao contrário, com o objetivo de valorizar os interesses da prole, sejam estes patrimoniais ou pessoais.
Se na codificação anterior discutia-se a impossibilidade do exercício do pátrio poder pela mulher que houvesse tido culpa no fim da sociedade conjugal, hoje a pauta familista é justamente o divórcio como direito potestativo, sem necessidade de averiguação de culpa na relação amorosa.
Ainda, se antes as mães detinham a guarda dos filhos somente até os seis anos de idade, hoje a legislação e jurisprudência já são uníssonas no sentido da guarda compartilhada ser a preferência, podendo, inclusive, ser estipulada coativamente4, de forma a assegurar o pleno desenvolvimento infanto-juvenil, com a efetivação do poder-dever da autoridade parental a ambos os genitores em igualdade de condições.
Nesse viés, a função parental, ou poder familiar, impõe o dever de comunicação entre os genitores, possibilitando a troca de informações necessária à criação e educação dos filhos menores. No entanto, os julgados pátrios não decidem pela guarda unilateral devido a mera desunião ou animosidade dos genitores, que deverão aprender a se comunicar e se relacionar em prol dos filhos.
Como preleciona o ilustre Conrado Paulino, “vão-se os anéis, ficam-se os filhos”. Ou seja, sempre será possível haver ex-mulher ou ex-marido, cada vez de forma mais rápida e menos conflituosa, já que não se busca pelo culpado da relação, mas jamais encontraremos um “ex-filho”.
Por não haver a possibilidade de encerramento da paternidade pelo mero fim da sociedade conjugal, a divisão das responsabilidades parentais é essencial ao correto desempenho dos papéis impostos aos genitores, que deverão criar e educar a prole em igualdade de condições.
Dessa maneira, o poder familiar necessita, inevitavelmente, da comunicação entre os genitores, proporcionando um ambiente sadio ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Percebe-se, então, que na relação entre o Pedro Scooby e a atriz Luana Piovani, ainda que o casamento tenha chegado ao fim no ano de 2019, os filhos menores estabelecem um laço indissolúvel de comunicação, gerando o dever de comunicar todo e qualquer fato ou acontecimento que gere implicações ao desempenho da autoridade parental ou modifique a dinâmica familiar na vida da prole.
A PREVALÊNCIA DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR FRENTE AO SIGILO CONTRATUAL
O contrato para participação no Big Brother Brasil prevê o sigilo acerca do confinamento, de modo a manter em segredo o nome dos participantes e, além de usar o sigilo como forma de divulgação do primeiro dia de reality show, impulsionar o marketing com as suposições feitas pelo público e, inclusive, compartilhadas em redes sociais.
Dessa maneira, o público não tem conhecimento sobre o nome dos confinados até o primeiro dia do programa, transmitido ao vivo. Assim, esses integrantes devem manter sigilo sobre a participação ou, caso contrário, o contrato é rescindido por descumprimento de cláusula contratual.
Ocorre, no entanto, que o sigilo contratual possui implicações jurídicas mais profundas do que a simples rescisão do contrato, pois o confinamento de um indivíduo que possui filhos menores repercute nos institutos de guarda e convivência familiar. Ademais, tendo em vista a divisão do poder familiar, no momento em que um dos genitores se distancia de suas obrigações, pelo confinamento ou qualquer outro motivo, sobrecarrega o genitor que permanece próximo à prole.
Nesse sentido, o ponto central da situação narrada é reconhecer que o afastamento do Pedro Scooby reflete na divisão do poder familiar e, acima de tudo, na convivência familiar com os menores, que poderão interromper o contato com o pai por mais de três meses, já que o reality show tem aproximadamente esta duração.
Contudo, não discute-se a possibilidade ou não de um genitor, ainda que rompido a sociedade conjugal, participar de programas de reality show, com ou sem o confinamento essencial ao Big Brother Brasil. Isso porque, ao contrário, representaria grande afronta ao princípio da liberdade individual e, ainda, à busca de prospecção de carreira, com enorme potencial de expansão econômica, como bem aproveitado pela blogueira Bianca Andrade e sua marca de maquiagem “Boca Rosa”.
Dessa maneira, a discussão controversa é o fato do atleta não ter comunicado o afastamento temporário à mãe de seus filhos, implicando em alteração na dinâmica do poder familiar e do direito de convivência com a prole, ainda que momentaneamente.
Assim, o sigilo contratual estaria em nível mais elevado do que a divisão de responsabilidades decorrente da autoridade parental? Acreditamos que não, tendo em vista a própria Constituição Federal estabelecer o dever dos pais, sociedade e Estado, com absoluta prioridade, em assegurar o direito à convivência familiar.
Percebe-se, então, que a incumbência de assegurar tal direito não se restringe aos genitores, mas também à sociedade e ao Estado. A aplicação ao caso concreto narrado, então, se dá de modo a salientar que o sigilo contratual, ainda que essencial ao programa dirigido pela Rede Globo, não é superior frente ao princípio do melhor interesse do menor. Sendo assim, o surfista participante deveria comunicar o afastamento temporário à mãe de seus filhos, inclusive para discutir e acordar a dinâmica da convivência familiar e do poder familiar durante seu confinamento para o reality show.
Desse modo, os genitores acordariam a possibilidade da convivência familiar ter continuidade com a família extensa paterna, de modo a equilibrar e suavizar a ruptura de contato com o genitor confinado. Para tanto, é essencial reconhecer que, muitas vezes, o único elo entre a prole e a família extensa paterna é o próprio pai, que aproxima e faz manter contato com avós, tios e primos.
Ressalto, contudo, que o dever de comunicação é estritamente para estabelecer a dinâmica familiar durante o período de afastamento, mas jamais com o objetivo de pedir autorização, sob pena de afrontar a liberdade individual e impedir a guinada de carreira, com reflexo econômico e, consequentemente, favoravelmente aos filhos no dever de prestar alimentos, tendo em vista o trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade e a revisão de alimentos em caso de modificação na possibilidade do alimentante5.
Ademais, ao estabelecer que o dever de comunicação se estende à situação descrita, é essencial reconhecer também que o sigilo contratual se estenderia à mãe da prole menor, sob pena de inutilizar a confidência do participante do reality show e frustrar sua participação.
Em caso de não ser respeitado o sigilo contratual por vazamento de informação pelo genitor não confinado, correta seria a aplicação do dever de indenizar em perdas e danos, em razão da quebra de confiança, liquidando a perda do potencial de alavancagem de carreira e a multa contratual imposta.
Contudo, o risco de vazamento de informação não pode impedir o dever de comunicação, justamente por ser essencial ao exercício do poder familiar e ter implicações na convivência familiar da prole. Aceitar o contrário seria dizimar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, relativizando o que a própria Constituição estabelece ser absolutamente prioritário.
Conclui-se, então, que o sigilo contratual não é mais elevado que o melhor interesse do menor e, por isso, o dever de comunicação ao outro genitor estende a imposição de sigilo, com o objetivo de manter em segredo a participação do indivíduo no reality show e preservar a divisão igualitária da autoridade parental e suavizar os impactos da suspensão da convivência familiar.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal modificou todo o Direito de Família, de forma a distinguir a área jurídica antes e depois da redemocratização do país. No que tange à família, o mandamento constitucional foi no sentido de ser dever dos genitores, da sociedade e do Estado a garantia, em absoluta prioridade, do direito à convivência familiar, instituindo o princípio do melhor interesse do menor.
Dessa maneira, frente ao dever de sigilo imposto contratualmente, temos a prevalência do melhor interesse da criança e do adolescente, de modo a estabelecer que, em caso de participação em reality show, o genitor a ser confinado deve comunicar ao genitor não confinado para estabelecer a dinâmica familiar durante o período de segregação e, inclusive, decidir sobre o direito de convivência com a família extensa e sobre a divisão do poder familiar, a ser exercido unilateralmente, tendo em vista sua impossibilidade temporária.
Tendo em vista todo o avanço legislativo acerca do poder familiar, outrora designado como pátrio poder, revelando a desigualdade de gênero e a consequente superioridade masculina, a divisão das responsabilidades parentais ocorre igualitariamente, colocando homens e mulheres que desempenham a função parental em situação equânime.
Sendo assim, em razão da divisão do poder familiar, há de haver a comunicação sobre qualquer situação que interfira ou venha a interferir na criação e educação da prole. Nesse sentido, o confinamento para participação de programa televisivo é, nitidamente, hipótese que vem a desafiar o dever de comunicação, sopesando o sigilo contratual e o melhor interesse do menor.
Contudo, o mandamento constitucional do artigo 227 vem a ter prevalência e nortear a solução do caso concreto, estipulando que o dever de comunicação reclama que o genitor a ser confinado informe a sua situação ao outro genitor e disponha acerca da dinâmica familiar durante o período de afastamento. E, ainda que haja o sigilo contratual, este será estendido ao genitor não participante, de modo a não frustrar o reality show.
Caso a confidência não seja respeitada e ocorra o vazamento de informações, a situação facilmente se resolveria em indenização em perdas e danos, calculado no valor indenizatório, além da multa contratual, o potencial de prospecção de carreira frustrado, em face da teoria da perda de uma chance6, adotada em sede de responsabilidade civil e muito bem trabalhada pelo civilista Cristiano Chaves.
Desse modo, a antecipada conversa acerca do exercício do poder familiar e do direito de convivência familiar com a família extensa possibilitam que o confinamento para a participação em programa televisivo tenham mínimos reflexos negativos na família, de forma a suavizar os impactos sofridos pela prole impedida de conviver com o genitor.
Portanto, a convivência familiar é direito fundamental dos filhos menores, levando a crer que durante o período de afastamento do genitor Pedro Scooby, sua família poderia usufruir dos momentos com as crianças, se antecipadamente acordado com a genitora Luana Piovani ou com decisão judicial superveniente.
O dever de comunicação, no entanto, evidentemente foi violado, conforme relato da atriz, que apenas soube da participação com a divulgação pela Rede Globo. Sendo assim, a falta de informação impossibilitou o prévio acordo acerca da dinâmica familiar e tal fato não pode ser escusado pelo sigilo contratual, claramente inferior ao princípio do melhor interesse do menor, vetor essencial a essa situação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2002.
DA ROSA, Conrado Paulino. Direito de Família Contemporâneo. 7 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
DA ROSA, Conrado Paulino. Guarda Compartilhada Coativa: a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. 3 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
DE FARIAS, Cristiano Chaves; NETTO, Felipe Braga; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil: volume único. 6 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
FOLHA UOL. Pedro Scooby no BBB, mas ex-mulher é quem vira notícia. Disponível em:
MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da Alienação Parental. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
REVISTA QUEM. Bianca Andrade revela ter triplicado venda de seus produtos após ‘BBB 20’. Disponível em:
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