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O legado do assassinato do menino Henry: como a informação, a prevenção e a denúncia podem salvar vidas de crianças e adolescentes no Brasil
Marília Golfieri Angella
Integrante da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM
O assassinato de Henry Borel, de apenas 04 anos, no dia 08 de março de 2021 chocou o Brasil, evidenciando não só estatísticas brutais da violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes, mas também todo um sistema falho de proteção da infância e juventude, protagonizado pela família, pelo Estado e pela sociedade de um modo geral.
Segundo o IDIS, infância e juventude é a segunda maior causa que recebe doações no Brasil, ficando atrás, apenas, de entidades religiosas. Conseguimos concluir, portanto, que o brasileiro médio se preocupa com a proteção infanto-juvenil. No entanto, o relatório anual de 2019 do “Disque 100”, conhecido como “Disque Direitos Humanos”, plataforma de denúncia do Governo Federal, crianças e adolescentes integram o grupo mais vulnerável no tocante às violações, tendo em vista que 55% das denúncias que são feitas possuem este público como vítima.
O conhecimento do art. 227 da CF é quase tácito, pois toda e qualquer pessoa, em plena e sã consciência, entende a gravidade de se expor uma criança ou adolescente a qualquer tipo de violência. No mesmo sentido, a regra do art. 5º do ECA garante que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Tal proteção deve ser feita com absoluta prioridade, é o que dispõe a Constituição Cidadã, no mesmo sentido de outras normas internacionais.
Ocorre que, apesar de todo o aparato normativo protetivo, os números das agressões se mantém altíssimos, sendo que a mera presença de crianças e adolescentes no núcleo familiar é colocado como o 5º maior fator de risco à violência doméstica, como destaca o CNMP.
Para que as estatísticas mudem, precisamos agir na prevenção integral e acessível, bem como na repreensão rápida e eficaz, entendendo as causas da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes, reduzindo as vulnerabilidades e trabalhando no efetivo e pronto combate a partir de informações claras e objetivas sobre o tema. Por isso, listamos quatro formas de prevenção, a fim de conscientizar a população a respeito do assunto:
1. Ouvir, acolher e ser rede de proteção. Os sinais da violência intrafamiliar podem ser sutis e precisam de atenção cuidadosa e acurada por quem tem contato com a criança, sejam os pais, familiares ou outras pessoas do círculo de convivência, como profissionais domésticos, da saúde, assistência social e educação. A partir do momento que a criança revela espontaneamente a violência ou qualquer forma de desrespeito a um de seus direitos fundamentais, importando em ação efetiva ou mesmo omissão, o interlocutor precisa ouvir e acolher, fazendo-se um robusto relatório, se for o caso, para fazer o encaminhamento do caso à rede de proteção (órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça), bem como para evitar a revitimização.
Com efeito, a Lei n. 13.431/2017 garante que crianças e adolescentes em situação de violência possam ser ouvidos mediante escuta especializada, perante a rede de proteção, e depoimento especial, perante as autoridades policial e judiciária, preservando-se sua intimidade para sua segurança, podendo até mesmo ser pretendida uma medida protetiva contra os agressores.
2. Agir rápido. Pode ser difícil para crianças e adolescentes entenderem que um ambiente doméstico violento lhe apresenta riscos à saúde física e mental, bem como à vida, principalmente dentro de famílias em que a violência acaba sendo, infelizmente, uma constante.
O agravamento e a escalada da violência podem ser rápidos, de modo que uma criança que sofre “pequenas” agressões cotidianas, sejam elas físicas, sexuais, morais ou psicológicas, pode vir a ser vítima de homicídio, como ocorreu com Henry, durante a explosão do ato violento.
Neste ponto, ressaltamos a importância da Lei do Menino Bernardo ou Lei da Palmada, como ficou conhecida a Lei n. 13.010/2014, que garante a toda criança e adolescente o direito de ser criado sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, tal como humilhações, ameaças e ridicularizações, ainda que como forma de “correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto”, pelos pais, membros da família ampliada ou outros responsáveis.
3. Fazer a denúncia. Para que possamos reduzir as altas estatísticas da violência contra crianças e adolescentes, precisamos investigar e punir os agressores. Fazer a denúncia e cobrar uma postura enérgica do Poder Público, na condução célere e efetiva da investigação e na abertura e encerramento a contento da ação penal, são ações que garantem um digno enfrentamento da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes e a proteção absoluta da infância e juventude, como determina a própria Constituição.
Para isso, pode ser acionado a Polícia Militar, o Conselho Tutelar, o Ministério Público, a Delegacia (seja ela especializada ou não), para lavratura do Boletim de Ocorrência, ou mesmo fazer uma denúncia anônima através do Disque 100 ou do aplicativo “Proteja Brasil”, do UNICEF, passando todos os dados conhecidos sobre o caso. Afora estes canais, há alguns órgãos públicos que auxiliam no atendimento direto da população, servindo como ferramentas de apoio e proteção, tal como o CREAS e o CRAS.
4. Conscientização através da informação. Afora a implementação de meios de conscientização das famílias sobre violências em geral, inclusive psicológicas e morais, como a Lei da Palmada citada acima (item 2), tendo em vista que pais e familiares próximos são os principais agressores, e a Lei Maria da Penha, considerando que a violência doméstica praticada contra mulheres pode também ser outro fator de risco para crianças e adolescentes, outro ambiente que precisa ser trabalhado é a escola.
Embora o ambiente escolar também conste na lista dos locais de agressão destacado no relatório do Disque 100, é lá, por muitas vezes, o primeiro local de proteção e de acesso das crianças vítimas de violência, sendo inclusive necessário um treinamento adequado dos Professores, pedagogos, psicológicos, educadores e funcionários, que podem ser pessoas de confiança procuradas pela criança e pelo adolescente para fazer a revelação espontânea da violência (item 1).
Sobre o ambiente escolar, citamos a recente Lei n. 17.337/2021, que dispõe sobre a capacitação escolar para crianças e adolescentes a fim de possibilitar a identificação e prevenção de situações de violência intrafamiliar e abuso sexual. Apesar de ser importante conscientizar diretamente as crianças e adolescentes, é apenas ter cuidado para não lhe impor o dever de denunciar e buscar meios para sua proteção, nem mesmo impor tal ônus a outras crianças e adolescentes que com a vítima convivam.
O caso Henry, portanto, nos ensina que precisamos estar atentos aos modos e sinais da violência doméstica praticada contra crianças e adolescentes e que precisamos, através do acesso à informação, saber quando e como agir, para sua prevenção e persecução criminal dos agressores, a partir da investigação e da efetiva punição pelos atos praticados. Esperamos que este breve artigo traga um alerta à população!
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