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A (in)validade do contrato de namoro e a possível descaracterização da união estável
A (in)validade do contrato de namoro e a possível descaracterização da união estável
Dayanne Eduarda Alves Matias Nunes[1]
João Paulo Lima Cavalcanti[2]
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo principal analisar a validade jurídica do contrato de namoro e sua eficácia no sentido de afastar a incidência do instituto da união estável. O contrato de namoro vem sendo utilizado como meio de afastar a incidência do instituto da união estável declarando que as partes contratantes apresentam meramente uma relação de namoro da qual não possui consequências jurídicas. A relevância da presente pesquisa fica demonstrada através da crescente utilização do instrumento contratual em apreço pela sociedade, visto que é cada vez mais comum que as pessoas se utilizem de contratos para regular as relações pessoais e familiares. Com isso, como metodologia a pesquisa possui natureza bibliográfica exploratória, onde conta com a utilização de doutrinas, teses, dissertações e posicionamentos jurisprudências. O contrato de namoro será visto e apreciado diante dos planos de validade e eficácia que fazem parte do direito contratual, a fim de atingir o objetivo principal.
Palavras-chave: contrato, namoro e validade.
ABSTRACT
The main objective of this study is to analyze the legal validity of the dating contract and its effectiveness in the sense of removing the incidence of the institute of stable union. The dating contract has been used as a means of eliminating the incidence of the institute of the stable union stating that the contracting parties merely present a relationship of dating from which it has no legal consequences. The relevance of this research is demonstrated by the growing use of the contractual instrument under consideration by society, since it is increasingly common for people to use contracts to regulate personal and family relationships. Therefore, as a methodology, the research has an exploratory bibliographic nature where it relies on the use of doctrines, theses, dissertations and jurisprudence positions. The dating contract will be seen and appreciated before the plans of validity and effectiveness that are part of the contractual law, in order to achieve the main objective.
Keywords: contract, dating and validity.
INTRODUÇÃO
A evolução histórica e cultural da sociedade proporcionou ao direito de família diversas modificações ao longo dos anos, findando padrões e paradigmas inclusive no que cerne ao conceito de família e suas ramificações. Diante de tais mudanças um dos institutos mais contemplados foi a união estável, isso porque a mesma passou por um período de não reconhecimento e marginalização para, em seguida, ser abarcada como forma e meio de instituir família.
Com a aceitação legislativa do instituto da união estável, as relações começaram a ser vistas de um outro ângulo, isso porque a implementação de requisitos para a caracterização da entidade familiar formada por relação de convivência deu margem a diversos entendimentos conforme cada caso concreto. Com isso, houve a criação do contrato de namoro que é instrumento pelo qual as partes declaram que o relacionamento vivenciado não é uma união estável, com intuito de proteger o patrimônio de cada parte.
A união estável é forma de instituição de família, por essa razão traz requisitos que são indispensáveis para que haja sua configuração, pois diferente do instituto do casamento não possui formalidades e isso ocasiona na união estável uma característica peculiar e própria que a família formada pela informalidade, também conhecida como famílias informais, mas que em nenhum modo são inferiores às famílias que são oriundas de um casamento.
Por esse caráter informal, a união estável é um instituto mutável, ou seja, depende da verificação de algumas circunstâncias para poder estar presente, não havendo padrões para defini-la. E diante dessa despadronização do instituto foram criados os ditos contrato de namoro, com intuito de afastar a união e consequentemente os desdobramentos jurídicos, sucessórios e obrigacionais oriundos da própria instituição familiar.
Diante de tal situação, a problemática do presente estudo surgiu com a seguinte hipótese: seria o contrato de namoro meio válido e eficaz para afastar a incidência de uma possível união estável? Com isso, o objetivo do presente trabalho é analisar se o contrato de namoro é válido no ordenamento jurídico e se esse possui eficácia no sentido de descaracterizar a união estável.
Justifica-se socialmente o presente estudo pelo fato de com as trasnformações que estão acontecendo na sociedade, essa tornou-se cada vez mais adepta da utilização dos contratos para estipular suas relações, visando proteção e com o contrato de namoro não é diferente, pois, mostra-se cada vez mais presente e por essa razão há uma necessidade em tratar do tema, pois sua aplicação ou não repercute diretamente no direito de família e mais ainda no direito sucessório.
Ademais, ainda na questão social o contrato de namoro não traz só repercussões de ordem jurídica, mas também repercussões na sociedade que mais uma vez busca uma forma de marginalizar a união estável e colocar a mesma de modo fragilizado frente ao instrumento contratual.
Além disso, academicamente apresenta um conteúdo teórico abrangente e divergente na doutrina, sendo cada vez mais possível visualizar essa problemática nos tribunais, por exemplo, que apesar da pequena demanda sobre o assunto decidem ainda de forma diferente. Considerando que as relações entre as pessoas têm se tornado cada vez mais firme e, com isso, surge questionamentos acerca dos reflexos patrimoniais que essas relações podem ocasionar.
No alcance do fim estipulado a pesquisa tem como metodologia a bibliográfica, onde possui o intento de analisar a bibliografia objeto de pesquisa, coleta de jurisprudência dos Tribunais e análise dos discursos jurisprudenciais. Além disso, conta também com artigos, dissertações de mestrado sobre o assunto e teses de doutorado, além de instrumentos de veiculação de informações, como revistas e notícias, afim de propiciar ao presente estudo uma maior abragência teórica e técnica.
- CONCEITO JURÍDICO DE FAMÍLIA
Antes de adentrar propriamente ao objeto de estudo, faz-se necessário haver uma explanação sobre o conceito de família, do casamento e da própria união estável, como meio de facilitar o entendimento para o contrato de namoro. No entanto, se faz mister salientar que conceituar família é algo totalmente complexo, isso porque a entidade sofre transformações sociais e culturais constantes.
Até o advento da Constituição Federal de 1988 o conceito de família era muito restrito aos ditames sociais, era visto sob uma ótica de inviolabilidade da entidade e onde os membros não tinham como prioridade a felicidade ou o afeto, por essa razão o divórcio ainda era visto de um ponto de julgamento de culpabilidade ou não do cônjuge que queria se divorciar e a promulgação da Carta Magna trouxe o princípio da Dignidade da pessoa humana, além do reconhecimento da união estável e da família monoparental, pois anteriormente à ela a família era vista exclusivamente de uma perspectiva patrimonial e passou a ser considerada um agrupamento aberto, com pluralidade de mebros onde o afeto tornou-se o requisito essencial para sua constituição (ALVES, 2006, s/p).
No entanto, apesar de se falar em uma evolução de conceito, a família por muito tempo não conseguiu ser conceituada de modo a abarcar todas as espécies e formas de relações as quais a sociedade estava desenvolvendo. A legislação não conseguiu acopanhar as trasnformações sociais de forma igulitária, afinal, qualquer agrupamento social unido por vontade ou afetividade e se reconhecendo como entidade familiar deve ser legitimado como família e, por consequência, receber amparo estatal. O afeto tornou-se o elemento fundamental, isso porque as relações humanas em si norteiam-se por esse sentimento, além de outros, passando a família a ser uma união socioafetiva e, com isso, criando uma infinidade de entidades familiares (LIMA, 2015, s/p).
Há famílias que são compostas por qualquer dos pais e um descendente, as chamadas famílias monoparentais estabelecidas no § 4º do art. 226, CF, e não perdem o caráter familiar. Ou seja, a quantidade não é fator determinante para instituir ou conceituar família, da mesma forma que há famílias formadas por trinta membros e todos nutrindo afeto e ligação uns com os outros.
A Lei nº 11.340/06, também chamada de Lei Maria da Penha, foi a que mais se destacou na conceituação de família, estabelecendo em seu artigo 5º, inciso II que família compreende “[...] comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.
Segundo Alves (2006, p.2), ao tratar da Lei maria da penha “ pode-se afirmar que a presente norma consagra, pela primeira vez, no âmbito infraconstitucional, a ideia de que a família não é constituída por imposição da lei, mas sim por vontade dos seus próprios membros”. Portanto, basicamente, se for observado pelo viés legislativo, faz perceber que apenas uma lei que foi criada em 2006 é que conseguiu, de certa forma, chegar mais próximo da atualidade conceituando a família.
2.1. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL: DIFERENÇAS
Além do conceito de família, tem-se a necessidade de estudar o casamento e união estável, isso porque ambos apresentam diferenças essenciais e quando se fala em união estável há uma grande evolução legislativa e social para com o instituto.
O casamento, segundo Lôbo (2011, p. 99), é “um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado...”, Isso por que, diferente dos demais institutos, esse apresenta mais rigidez, pois só se torna eficaz após passar por fase de habilitação, celebração e registro público, produzindo efeitos apenas após a celebração é o que depreende-se do próprio código civil no capítulo referente ao casamento.
Segundo Venosa (2017, p. 38), o casamento ainda tem uma posição de proeminência sociológica e jurídica na sociedade, mas isso não quer dizer que deixa de ser menos verdadeiro que uma entidade familiar formada sem casamento também apresenta concordância pela sociedade e proteção constitucional. A grande questão que gira em torno dessa proeminência é que por muito tempo o casamento foi visto como a única forma de iniciar uma entidade familiar e essa cultura se perdurou por muito tempo.
Ainda segundo o doutrinador acima referido, o casamento é um dos atos mais solenes do direito brasileiro ao lado do testamento e é assim na maioria das legislações. Isso acontece devido à formalidade que é imposta aos nubentes perante o Estado com intuito de garantir a publicidade e concedendo a garantia de que o ato é válido (VENOSA, 2017, p. 42).
Portanto, evidencia-se que o casamento ainda é considerado socialmente um meio mais seguro para a formação de uma entidade familiar, esse pensamento prevalece porque as partes veem formalidades que são exigidas e que lhes parecem conferir uma maior proteção legislativa. No entanto, o matrimônio por meio do casamento não é e nem deve ser visto como o único meio de formação de entidade familiar, isso porque a união estável, por mais marginalizada que tenha sido no decorrer da história, também é meio protegido de formação familiar.
Conforme aduz Rolf Madaleno (2018, p. 1433), “o casamento jamais reinou isolado na sociedade brasileira como única espécie de família, porque sempre esteve secundada pela chamada família ilegítima ou informal, com perfil dissociado das regras jurídicas, sem, no entanto, desfocar-se de seus preceitos naturais, permitindo-se seguir pelo influxo do instinto humano, sua mais sincera e dignificante manifestação”, ou seja, por mais que houvesse e ainda há uma preferência pelo casamento em virtude de costumes que foram criados culturalmente, a sociedade nunca teve apenas o casamento, as família informais, como eram chamadas, sempre estiveram presentes e, inclusive, de forma muito mais visível.
O instituto da união estável apresenta-se, segundo o Código Civil em artigo que trata o assunto, de forma não solene, apesar de produzir os mesmos efeitos do casamento, essa informalidade por inúmeras vezes pode ser vista de um ângulo pessimista, mas a ausência de formalidade é justamente o ponto crucial da relação companheirismo.
Percebe-se que a união estável apesar de ser muito comparada ao casamento tem modo de configuração completamente diferente, pois no primeiro os nubentes pleiteiam a formalização e o reconhecimento daquele novo modo de vida, diferente da união estável que muitas vezes as partes não possuem a intenção primordial de reconhecimento e tutela estatal, razão pela qual Dias (2016) e Lôbo (2011) por muitas vezes classificam a união estável como união informal. Ressalta-se, no entanto, que ainda que não se busque que a chancela do estado recaia sob a retroferida união, nem por isso ela deixe de assegurar aos seus atores direitos a ela intrínsecos.
Uma das grandes diferenças atinentes a esses dois institutos, casamento e união estável, é que enquanto um tem um marco inicial definido, que é o casamento, o outro é totalmente indefinido. Na união estável um dos pontos mais sensíveis é saber de fato onde se iniciou, pois é a partir dessa data que, por exemplo, o regime de bens produz seus efeitos. Fernanda Dias Xavier (2009, p. 83) em sua dissertação de mestrado traz que “da amplitude do conceito, resultada a dificuldade em estabelecer exatamente o momento em que se iniciou a união estável, uma vez que seu termo a quo não é o dia em que os conviventes resolveram residir sobre o mesmo teto”.
Os requisitos para configurar a união estável estão presentes no próprio Código Civil em seu artigo 1.723 estabelece que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. ” A maioria da doutrina divide esses requisitos em subjetivos e objetivos para melhor compreensão.
A primeira exigência trazida pela lei é a diversidade de sexo, mas que felizmente foi superado com o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar a qual deve ser regida pelas mesmas regras dadas a união heterossexual proclamando com efeito vinculante que o não atendimento desse reconhecimento viola preceitos fundamentais da Constituição Federal. Posteriormente o Superior Tribunal de Justiça aplicou o mesmo entendimento, uma vez que o julgamento teve efeito vinculante, ao reconhecimento da união estável em relações homoafetivas (GONÇALVES, 2017, p. 806).
Nessa perspectiva, dispõe Maria Berenice Dias (2010) sobre a diversidade de sexo como requisito ultrapassado:
[...] imperativo incluir no Direito de Família, como espécie do gênero união estável, as relações homossexuais, chamadas de uniões homoafetivas, e que, tanto quanto as uniões heteroafetivas têm por razão de existir o afeto entre os conviventes. Hoje a discriminação não é mais aceitável. Traduz puro preconceito de ordem sexual, banido expressamente pelo inciso IV do art. 3o da Constituição da República. Não se justifica a omissão do legislador, ao consolidar as normas de direito privado. Deixar à margem da lei os vínculos afetivos que não se definem pela diferença do sexo do par, embora haja convivência duradoura, pública e contínua, com objetivo de constituição de família, é uma postura discriminatória e inaceitável (DIAS, 2010, p. 5-6).
Exige-se a convivência pública e esse é um fator relevante, pois, de acordo com esse pressuposto os companheiros devem se apresentar como se casal fosse. Portanto, não é uma publicidade literal, mas sim uma notoriedade da relação como se fossem casados.
Além disso, é necessário que essa convivência seja estável ou duradoura e essa durabilidade não está consubstanciada em um lapso temporal pré-estabelecido. A 8.971/94 estabelecia um prazo de cinco anos de duração da união ou uma prole para que de fato pudesse se atingir o requisito da estabilidade, mas esse prazo foi superado e a Lei n. 9.278/96 nada tratou a respeito de um lapso 23 temporal mínimo não podendo o reconhecimento ficar engessado a um prazo (GONÇALVES, 2017, p. 809).
Ainda no quesito convivência é necessário que essa seja contínua, ou seja, não haja várias interrupções no decorrer da união. Isso porque diferente do casamento que é formalizado e quando há interrupção essa também é formalizada, por meio do divórcio, por exemplo, a união estável é uma conduta e não uma formalização. Portanto, ser instável pode não apresentar solidez e segurança perante terceiros que podem desacreditar da existência jurídica dessa união (GONÇALVES, 2017, p. 809-810).
O pressuposto subjetivo da caracterização da união estável, sendo o considerado mais importante, é o Affectio maritalis ou ânimo de constituir família. Para de fato se falar em união estável os conviventes têm que ter objetivo de constituir família e esse objetivo não pode ser futuro, como acontece nos noivados e namoros qualificados.
Segundo Barbosa (2005, p. 130), estará presente este requisito quando ficar demonstrado que há recíproca afeição entre os companheiros, assistência mútua e conjugação de esforços para benefício de ambos, excluindo-se, assim, as relações que não tenham intuito de formar uma entidade familiar.
Nesse caso é mais um dos pontos que pode ser diferenciado do casamento, pois o casamento pode ser realizado ainda que não haja esse Affectio maritalis, uma vez que se ambos os nubentes se dispuserem a realizar o casamento por outras intenções que não seja o afeto e o objetivo de constituir família não haverá qualquer óbice, diferente da união estável que por sua fragilidade em ser reconhecida é necessário que haja essa comunhão de vida entre os companheiros (XAVIER, 2009, p. 93).
O último requisito subjetivo é a convivência more uxório, essa convivência não é a obrigatoriedade de morar sob o mesmo teto, aliás, esse entendimento já foi superado com a publicação da súmula 382 do STF que traz a indispensabilidade da vida sob o mesmo teto para configurar união estável. Portanto, é necessário que haja uma convivência, mas não quer dizer que essa convivência tem que ser de moradia conjunta ou coabitação. Isso porque há casais, que mesmo casados formalmente, moram em residências separadas e isso não desqualifica o casamento, então não teria fundamento para ser usada como forma de desqualificar ou qualificar a união estável.
Diante disso, é possível perceber que o casamento e a união estável, apesar de serem formas legítimas de constituir família, apresentam-se de forma completamente diferente na sociedade e na legislação. Enquanto o casamento é uma forma totalmente rígida e solene que possui inúmeras exigências, inclusive de documentos, a união estável é caracterizada, além dos requisitos, pela informalidade em que as partes vivem e pela desnecessidade de solenidade. Mas cabe ressaltar que ambas estão em condições iguais, portanto, reprisando, não há hierarquia entre uma entidade familiar formada pelo casamento e uma entidade formada pela união estável, ambas são formas legítimas e tuteladas.
- DIREITO CONTRATUAL E CONTRATOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Nessa parte do estudo cabe analisar os principais pontos acerca do direito contratual que influem no direito de família, isso porque há dois contratos que se destacam na seara familiar: pacto antenupcial e o contrato de convivência. A partir desses dois é possível analisar que no direito de família, diferente do ramo contratual propriamente dito, os contratos apresentam características próprias e distintas dos demais contratos.
Além disso, faz mister trazer ao estudo alguns princípios do direito contratual, pois o contrato de namoro é analisado também sobre o prisma de tais normas, eis que são considerados como norma implícita em todo e qualquer contrato e não seria diferente no contrato de namoro. Por essa razão, cabe dar início ao assunto com a explanação de tais principios.
- PRINCÍPIO DA BOA FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
O direito contratual apresenta uma série de princípios específicos e que são considerados normas jurídicas que regem a relação contratual. Alguns desses princípios devem ser levados em consideração de forma prioritária ao analisar o contrato de namoro, isso porque observar tal instumento contratual à luz dessas normas implicítas evidencia algumas situações singulares.
Segundo o artigo 421 do código civil “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, ou seja, o próprio código civil traz uma hierarquia em relação a liberdade de contratar e a função social do contrato, devendo essa última prevalecer em detrimento da livre contratação.
A respeito da função social do contrato e sua importância no ordenamento jurídico como princípio, dispõe Gagliano e Filho (2019):
O contrato, portanto, para poder ser chancelado pelo Poder Judiciário deve respeitar regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social, que, por serem valoradas pelo ordenamento como inestimáveis, são de inegável exigibilidade jurídica. Com isso, queremos dizer que o fenômeno da socialização do contrato (função social) e o reconhecimento da boa-fé objetiva são mais do que simples parâmetros interpretativos, traduzindo, sobretudo, normas jurídicas (princípios) de conteúdo indeterminado e natureza cogente, que devem ser observadas pelas partes no contrato que celebrarem (GAGLIANO; FILHO, p. 2019, p. 95).
Ou seja, a função social do contrato, como exposto acima, deve ser vista não só sob o ângulo interpretativo dos contratos, mas sim como verdadeiro princípio que deve ser observado e respeitado pelas partes na hora que há a celebração contratual, pois, são verdadeiras normas jurídicas e devem ser analisados sob esse prisma.
Em relação a função social e autonomia privada estabelece Mello (2017, p. 103) que “a liberdade de contratar deve estar em sintonia com os valores sociais e fundantes de uma comunidade. Vale dizer que o contrato não deve refletir os valores individualistas e atomistas do século XIX, mas sobretudo deve produzir seus efeitos jurídicos respeitando os princípios e cânones constitucionais, especialmente, a existência digna e solidária entre os membros da sociedade”.
Portanto, a liberdade contratual não deve ser analisada de forma solitária, isso porque, caso fosse considerada uma autonomia absoluta e plena a consequência lógica seria que todos os contraentes poderiam dispor de qualquer direito ou tratar a respeito de qualquer assunto nos contratos o que não é o caso, por isso, os contratos não devem refletir valores de ordem exclusivamente individual.
Nessa perspectiva de pensamento dispõe Eduardo Sens Santos (2002 apud GAGLIANO 2019, p. 99):
[...] o contrato não pode mais ser entendido como mera relação individual. É preciso atentar para os seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Em outras palavras, tutelar o contrato unicamente para garantir a equidade das relações negociais em nada se aproxima da ideia de função social. O contrato somente terá uma função social – uma função pela sociedade – quando for dever dos contratantes atentar para as exigências do bem comum, para o bem geral. Acima do interesse em que o contrato seja respeitado, acima do interesse em que a declaração seja cumprida fielmente e acima da noção de equilíbrio meramente contratual, há interesse de que o contrato seja socialmente benéfico, ou, pelo menos, que não traga prejuízos à sociedade – em suma, que o contrato seja socialmente justo (SANTOS 2002 apud GAGLIANO, 2019, p. 99).
Por isso, não pode haver uma liberdade contratual absoluta, as partes da relação não podem colocar seus interesses acima dos interesses sociais, isso porque o contrato não é uma relação individual, ele produz efeitos inclusive quanto a coletividade social.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 90), é possível notar do próprio direito positivado que a função social dos contratos é uma cláusula geral e que prestigia interesses que vão além dos meramente individuais dos contratantes. Possuindo a cláusula geral de função social o intuito de impedir que por meio dos contratos possam ser afetados de forma negativa quaisquer interesses públicos, coletivos ou difusos dos quais os contratantes não têm permissão para dispor.
Por essa razão, quando for analisado o contrato de namoro, é necessário levar em consideração a função social do contrato. Pois, os contraentes, apesar de terem a liberdade de contratar, não podem utilizar-se dessa como um princípio absoluto, isso por que, como analisado anteriormente, o contrato precisa atender, além do interesse individual, o interesse social.
Com isso, é possível concluir que os contratos não podem ser realizados sob a ótica individualista dos contratantes, isso porque deve-se levar em consideração a função social de qual aquele contrato faz parte. A liberdade de contratar não deve ser considerada e nem vista como absoluta, pois essa é hierarquicamente inferior a função social que deve ser analisada de forma precípua nas relações contratuais, eis que é considerado pela boa doutrina como verdadeira norma geral que deve ser respeitada em todas avenças contratuais.
Além do da função social há a boa-fé que constitui verdadeiro princípio disciplinado pelo código podendo ser dividido em boa-fé subjetiva e objetiva. Segundo Gonçalves (2019, p. 65) a boa-fé subjetiva é aquela em que diz respeito ás partes sobre o conhecimento ou desconhecimento em relação a certos fatos achando estar agindo conforme estabelece o direito, apesar de ser outra realidade.
Diferente é a boa-fé objetiva que vem estipulada no Código Civil de 2002, principalmente em seu artigo 422 que dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, ou seja, segundo o CC/2002 há um dever de que as partes, em todos os momentos, se revistam de lealdade e confiança mútua nas relações obrigacionais como um todo.
O princípio da boa-fé possui múltiplas funções: interpretativa, integrativa e controladora. Conforme diz Rizzardo (2015, p. 73), a boa-fé auxilia na interpretação das cláusulas contratuais, ou seja, ao analisar cada caso e cada contrato o juiz deve levar em consideração a boa-fé dos contratantes e, além disso, interpretar as cláusulas presentes seguindo o próprio princípio. Essa função vem explicitada no art. 113 do CC/2002 que diz que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Portanto, há de fato uma preocupação do ordenamento jurídico legislativo em assegurar que a boa-fé seja utilizada como verdadeira norma interpretativa.
A função integrativa é consubstanciada em deveres que vêm intrínsecos nos contratos, como, por exemplo, o dever de lealdade e confiança entre as partes. Essa função é a que vem regulada no artigo 422 do CC/2002 supracitado que diz que as partes devem guardar o dever de probidade em todo o contrato, a doutrina traz outros deveres para além dos trazidos no código que são inerentes a todos os contratos, por exemplo, dever de clareza nas informações e assistência mútua.
Segundo Pablo Stolze e Pamplona Filho (2019), “apenas a título de ilustração, citem-se os deveres mais conhecidos: a) lealdade e confiança recíprocas; b) assistência; c) informação; d) sigilo ou confidencialidade. Todos eles, sem dúvida, derivados da força normativa criadora da boa-fé objetiva. São, em verdade, “deveres invisíveis”, ainda que juridicamente existentes” (GAGLIANO, 2019, p.124-125).
Portanto, são deveres que apesar de não estarem explícitos se fazem presentes em todos os contratos sem que haja necessidade de estarem colocados como verdadeiras cláusulas. Eis que essa é uma das funções da boa-fé, tornar anexo aos contratos deveres que devem ser respeitados por ambas as partes, pois a partir desses deveres pode-se estabelecer uma verdadeira relação de confiança, probidade e lealdade que é a relação ao qual o código civil quer preservar.
A função controladora ou delimitadora é aquela que visa, como o próprio nome demonstra, traçar limites para o direito subjetivo dos contraentes, não podendo haver usurpação de direitos explicitados em cláusulas contratuais. Por essa razão o doutrinador Gagliano (2019, p. 129) chama essas cláusulas de “leoninas”, ou seja, há um abuso, por parte de uma das partes, ao elaborar cláusulas que visem prejudicar a outra.
Ainda nos dizeres de Gagliano e Filho (2019, p. 129), “por meio da boa-fé objetiva, visa-se a evitar o exercício abusivo dos direitos subjetivos. Aliás, no atual sistema constitucional, em que se busca o desenvolvimento socioeconômico sem desvalorização da pessoa humana, não existe mais lugar para a “tirania dos direitos”. Por isso, de uma vez por todas, não se pode mais reconhecer legitimidade ou se dar espaço às denominadas “cláusulas leoninas ou abusivas” [...]”
Dito isso, é possível analisar que o princípio da boa-fé apresenta diferentes funções que têm o intuito coibir práticas que visem de alguma forma prejudicar a outra parte e criar uma relação negocial sem confiança e sem lealdade. Essas funções estão presentes e devem ser analisadas em todos os contratos independentes de sua natureza, pois é uma cláusula geral aberta que está implícita em todas as relações contratuais.
Após analisado os dois princípios mais importantes que regem os contratos e algumas das normas gerais do âmbito contratual, faz-se necessário analisar os contratos no direito de família, mais especificadamente o pacto antenupcial e o contrato de convivência, pois apresentam características próprias e distintas dos demais.
- CONTRATOS DO DIREITO DE FAMILIA: ESPECIFICAÇÕES E CARACTERÍSTICAS
Primeiramente, cabe realizar uma diferenciação dos contratos no direito de família. Isso porque, como têm características diferenciadas precisam ser analisados de forma cuidadosa. Segundo Baptista (2007, p.4), “não é porque no polo contratual há uma entidade familiar que esse contrato deve ser considerado contrato de família. Um contrato de cunho obrigacional, por exemplo, pode ser possivelmente feito por pessoas com vínculos familiares e quanto a esses não há nenhuma diferença dos contratos em geral”.
Ou seja, um cônjuge pode realizar com o outro um contrato de compra e venda comum, se o objeto do contrato for bem particular do vendedor, sendo que esse contrato segue a regra geral não sendo considerado um contrato de família e essa situação não deve ser confundida com os contratos especificamente do direito de família.
Nos contratos em geral a doutrina realiza divisões e classificações, uma delas é quanto à figura dos contratos nominados e inominados. Os contratos nominados, conforme leciona Gagliano e Filho (2019, p. 215), são os contratos que possuem uma terminologia própria, ou seja, que possuem uma nomenclatura que já é utilizada. O autor faz relação dos contratos nominados com os contratos típicos que são aqueles que a previsão legislativa a respeito.
No entanto, segundo os autores supracitados, as partes contratantes podem livremente criar novos contratos, em virtude da autonomia da vontade, que não têm previsão jurídica que são os casos dos contratos atípicos e esses também são considerados inominados, pois não inexiste terminologia própria no ordenamento jurídico para essa nova modalidade de negócio ou disposição.
Essa divisão quanto a inominado ou nominado pode ser utilizada no âmbito dos contratos de família, pois, por exemplo, há contratos próprios do direito de família que possuem um nome legal e tratamento pelo ordenamento jurídico, diferentemente de outros que necessitam que as doutrinas brasileiras possam lhe trazer essa terminologia.
O pacto antenupcial, por exemplo, é um contrato típico e nominado, eis que há previsão no ordenamento jurídico e terminologia também, mas o contrato de convivência, por outro lado, é contrato inominado, pois a doutrina brasileira foi que o nomeou dessa forma, uma vez que o código civil não lhe deu outra nomeação.
Nesse sentido Silvo Neves Baptista (2007, p.7), dispôs que “constituem contratos nominados no direito de família o pacto antenupcial, e o casamento. Todas as demais modalidades são contrato inominados: os esponsais, o contrato de convivência, o pacto civil de solidariedade, o restabelecimento da sociedade conjugal, a alteração do regime matrimonial de bens, os acordos sobre guarda, dever de assistência e alimentos e as dissoluções consensuais da sociedade conjugal (a separação e o divórcio), e de outros grupos familiares”.
Portanto, os contratos de família podem ser inominados e nominados, sendo considerados inominados aqueles que não possuem nome próprio no ordenamento jurídico, mas que pela autonomia da vontade das partes foram criados ou, ainda, a doutrina atribui uma nomenclatura, que é o caso do contrato de convivência. Por sua vez, se dizem nominados os contratos que já possuem na legislação uma nomenclatura própria.
O pacto antenupcial e o contrato de convivência são os dois contratos da seara familiar que merecem ser trazidos no presente trabalho, uma vez que estudado o casamento e a união estável e esses contratos são partes desses dois institutos.
- PACTO ANTENUPCIAL E CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
O pacto antenupcial é meio pelo qual os nubentes, antes da celebração do casamento, podem dispor acerca de questões patrimoniais e, ainda, questões extrapatrimoniais. Segundo o Código Civil de 2002 de sempre que os nubentes optarem por regime de bens diverso do regime de comunhão parcial será obrigatório que haja a realização do pacto antenupcial.
A respeito do conceito e função de Pacto antenupcial, dispõe Baptista:
Trata-se de um contrato de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinada a estabelecer regime de bens distinto da comunhão parcial e da separação obrigatória, além de outras estipulações que não contrariem a lei e os bons costumes. É um contrato indispensável quando os nubentes pretendem adotar o regime da comunhão universal, da participação final nos aqüestos ou o da separação convencional. Não é necessário quando as partes querem adotar o regime da comunhão parcial (posto que é o regime legal), muito menos nos casos da separação obrigatória, todavia nada impede que se realize pacto paralelo ao regime legal ou obrigatório (BAPTISTA, 2007, p. 7).
A grande discussão acerca do pacto antenupcial é quanto a sua natureza jurídica, isso por que, segundo o que o Magistrado Kümpel (2015, s/p) aponta em sua coluna, o pacto tem a função precípua de estabelecer regime de bens diverso do regime de comunhão parcial, o que o torna um negócio jurídico com características similares aos contratos que tem por objetivo principal a natureza patrimonial. No entanto, ainda segundo o autor, a natureza patrimonial é enfraquecida pelo fato de haver a possibilidade de os nubentes incluírem no pacto as cláusulas não patrimoniais, o que o afasta dos contratos em geral.
Segundo Pontes de Miranda (2006 apud Sousa et al., 2014, p. 5), “o pacto antenupcial é figura que fica entre o contrato de direito das obrigações, isto é, o contrato de sociedade, e o casamento mesmo, como irradiador de efeitos. Não se assimila, porém, a qualquer deles: não é simplesmente de comunhão, de administração, o que quer que se convencione; nem ato constitutivo de sociedade, nem pré-casamento, ou, sequer, parte do casamento”.
Ou seja, o pacto antenupcial não é nem contrato obrigacional puro e nem totalmente negócio jurídico comum, pois possui regras específicas do direito de família, trata-se, portanto, de figura sui generis apenas vista no direito de família onde apenas as partes que vão casar é que podem ser parte e dispor acerca das suas questões patrimoniais e extrapatrimoniais.
Nos dizeres de Cardoso (2009, p. 112) é mais preciso conceituar o pacto antenupcial como negócio jurídico de direito de família, pois, assim as divergências criadas pelas doutrinas podem ser contempladas, sendo essa definição a que mais abarca as conceituações trazidas. Portanto, há negócio próprio do direito de família, eis que submete-se, além das regras gerais do negócio jurídico, as regras específicas trazidas no livro IV do Código Civil Brasileiro.
Segundo Dias (2016, p. 531), no que diz respeito a cláusulas de natureza extrapatrimonial há de todo um cuidado, pois, apesar de não haver impedimento para esse tipo de disposição, os nubentes não podem, por exemplo, tratar de questões que são contrárias à lei. Ou seja, não há óbices para que os futuros cônjuges tratem de questões de natureza não patrimonial, no entanto, essas questões não podem afastar os deveres do casamento que são elencados no Código Civil em seu artigo 1.566 como, por exemplo, o dever de fidelidade que deve ser respeitado por ambos os nubentes.
Ou seja, aos nubentes é dada a possibilidade de tratar de questões tanto de esfera patrimonial, quanto questões não patrimoniais, mas essas questões suscitadas não podem ir de encontro ao que diz o código civil e nem, tampouco, ao que estipula as regras do direito de família. Portanto, a título de exemplo, não poderiam os noivos realizar em pacto antenupcial mudança quanto às regras de vocação hereditária ou abrir mão dos deveres alimentares, isso por que estaria, assim, contrariando lei federal, qual seja o código Civil, sendo nula essa convenção por ir de encontro à disposição absoluta da lei, conforme preceitua o artigo 1.655 do diploma legal mencionado.
Diferentemente do contrato de convivência, que será analisado mais adiante, o pacto antenupcial apresenta a condição de validade de ser realizado por meio de escritura pública, caso seja realizado por outra forma não será considerado válido. Mas um pacto pode ser válido e ineficaz, isso por que sua eficácia está condicionada ao casamento, se não houver a celebração não há eficácia do que fora disposto no pacto, são as regras trazidas no livro referente ao direito de família no Código Civil.
Portanto, para ser considerado válido é necessário que seja feito em escritura pública e para atingir o plano da eficácia é necessário que atinja sua condição suspensiva que é o casamento. Enquanto este não fora celebrado, não há eficácia quanto ao pacto antenupcial, além disso, Maria Berenice Dias (2016, p. 530) traz a hipótese de após a realização do pacto os noivos não casarem, mas conviverem em união estável, nesse caso o pacto não teria eficácia quanto a união, pois não é o meio requerido pela lei para tal instituto. Logo, sendo o casamento considerado a condição suspensiva de eficácia, se o mesmo não for celebrado não há produção de efeitos quanto ao pacto.
O contrato de convivência traz a mesma intenção em relação a união estável. Segundo Nogueira (2014, s/p), tal contrato é “um ato de vontade de duas pessoas que desejam viver em uma união estável, regulamentando de modo particular os efeitos dessa convivência”. No entanto, diferente do pacto antenupcial, não apresenta exigibilidade de ser realizado por meio de instrumento público, apenas há necessidade de ser escrito (artigo 1.725, CC), podendo ser realizado, portanto, através de instrumento público ou particular.
Ou seja, no que diz respeito ao contrato de convivência, há uma maior flexibilidade, isso porque não apresenta as formalidades que são exigidas no antenupcial. No entanto, há nele também um requisito de eficácia que, nesse caso, é a união estável. Não há contrato de convivência sem que haja a união estável, isso porque essa é condição suspensiva de eficácia, assim como o casamento para o pacto antenupcial.
Nesse sentido, aduz Veloso (2002 apud GONÇALVES, 2012, p. 546) acerca do contrato de convivência e sua informalidade:
Os protagonistas da união estável estão autorizados, explicitamente, a celebrar contrato — por escritura pública ou instrumento particular —, estabelecendo, por exemplo, que suas relações patrimoniais regem-se pelo regime da separação — excluindo, totalmente, a comunhão —, e que cada companheiro é dono exclusivo do que foi por ele adquirido, a qualquer título; ou que os bens adquiridos onerosamente, durante a convivência, são de propriedade de cada parceiro, em percentual diferenciado; ou que algum bem ou alguns bens são de propriedade de ambos e que outro ou outros, de propriedade exclusiva de um dos companheiros (VELOSO 2002 apud GONÇALVES. 2012, p. 546).
Inclusive, pode-se analisar que tal modalidade de contrato familiar pode ser criada inclusive após a caracterização da união estável e não há qualquer óbice para tal criação tardia. No entanto, Nogueira (2014, s/p) traz uma advertência, pois apesar de haver a “possibilidade de se contratar após já configurada a união estável implica em outra consequência específica dessa espécie contratual: a retroatividade das suas disposições”, isso porque, ainda segundo a autora mencionada tal instrumento não é indispensável a união e por essa razão os conviventes podem firmá-lo a qualquer tempo.
Portanto, percebe-se que, diferente do pacto antenupcial, o contrato de convivência pode ser feito por escritura pública ou instrumento particular onde poderá estabelecer regime diverso da comunhão parcial e tratar das demais questões extrapatrimonais, no entanto, esse contrato deve ser escrito, pois é a única exigência trazida pelo Código Civil em seu artigo 1725.
Apesar de ser informal, o contrato de convivência não tem o condão de criar a união estável, eis que essa só pode ser reconhecida se os requisitos requeridos pela lei forem alcançados. Portanto, por mais que haja contrato de convivência, mas não fique evidenciado, por meio do cumprimento dos requisitos, que o casal vive em união estável, esse contrato não terá força para criar a união e nem eficácia, pois a relação é condição de eficácia.
Conforme Francisco José Cahali (2002 apud GONÇALVES, 2012, p. 546), “contrato de convivência não possui força para criar a união estável, e, assim, tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade familiar em razão do comportamento das partes. Vale dizer, a união estável apresenta-se como condicio juris ao pacto, de tal sorte que, se aquela inexistir, a convenção não produz os efeitos nela projetados”.
Segundo Dias (2016, p. 429), “O contrato de convivência não cria a união estável, pois sua constituição decorre do atendimento dos requisitos legais (CC 1.723), mas é um forte indício da sua existência. Já a manifestação unilateral de um dos conviventes não tem o condão de provar nada: nem o começo nem o fim da união estável”.
Ou seja, demonstra-se que por mais que os companheiros realizem o contrato de convivência se esses não tiverem de fato uma união estável, com os requisitos elencados no código preenchidos, o contrato não terá quaisquer efeitos e nem, tampouco, deixará demonstrada a união. Inegável é, por outro lado, que a realização do contrato constitui prova robusta para demonstrar e provar a união entre o casal, mas não é meio de criação e nem de extinção dessa.
Portanto, é possível concluir, diante do exposto, que os contratos em sede de direito de família possuem natureza sui generis de negócio jurídico próprio da esfera familiar, isso porque têm características que somente são requeridas no livro do direito de família do código civil, ou seja, características singulares. Analisando-se os dois principais contratos, o pacto antenupcial e o contrato de convivência, percebe-se que apesar de eles também terem que atender os requisitos gerais dos contratos e dos negócios jurídicos, precisam, ainda, atender a requisitos específicos tanto no plano da validade, quanto no plano da eficácia para de fato surtirem os efeitos necessários e, ainda, abarcam várias modalidades contratuais obrigacionais em um único instrumento.
Com isso, depreende-se do capítulo que todos os contratos devem respeitar a função social e a boa-fé, sendo ambos os princípios meios de não haver uma autonomia absoluta entre os contratantes. Isso porque a autonomia privada não é absoluta, pelo contrário, é limitada por essa função social e pela boa fé.
O contrato de namoro deve ser analisado sob o prisma da boa-fé, portanto, como considerar boa-fé de contraentes que estão idealizando uma situação que na vida fática pode ser totalmente contrário ao pactuado? Os contratos não devem ser utilizados como meio de distorcer a realidade vivenciada pelas partes contratantes, porque dessa forma a boa-fé estaria sendo descumprida e, assim, a função social dos contratos não estaria sendo alcançada.
- CONTRATO DE NAMORO A LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No presente capítulo será feita uma análise a respeito do contrato de namoro e como esse vem sendo recepcionado pelo ordenamento brasileiro, pois caso seja tutelado juridicamente trará repercussões no âmbito familiar e sucessório. No entanto, antes de adentrar de fato no contrato, será realizada a diferença entre uma relação de namoro, namoro qualificado e união estável. Serão analisadas ainda as correntes doutrinárias a respeito do contrato de namoro como meio de descaracterizar ou afastar o instituto da união estável.
Para Euclides de Oliveira (2005, p. 13), o namoro à moda antiga era cauteloso e dependia de aprovação familiar até mesmo para abraçar ou beijar e isso só acontecia após um tempo de espera, considerando que trata-se de uma relação onde era comum, por exemplo, os enamorados estarem na sala com os pais da moça. No entanto, atualmente que tais condutas são mais flexíveis e há margem maior de liberdade.
Portanto, em decorrência de épocas e costumes a relação de namoro passou por diversas modificações. O namoro clássico era aquele que precedia o noivado e, por conseguinte, havia o casamento. Essa sequência era vista como uma ordem, isso pelo motivo de o namoro ser considerado uma fase preexistente da formação de uma família. Segundo Ribeiro (2014, s/p), o namoro “expressava o ato de cortejar a pessoa desejada sem implicar qualquer tipo de intimidade e geralmente os pais escolhiam os companheiros para seus filhos. Em muitos casos, beijo na boca era só depois do casamento”.
Segundo Carpenedo e Koller (2004, p. 2) em seu estudo sobre as relações amorosas ao longo das décadas, nos anos 50 após a oficialização do namoro “o casal cumpria algumas regras: os homens deveriam buscar a moça em casa e depois trazê-la de volta. Caso a moça morasse sozinha, o rapaz não podia entrar” e por muito tempo essa foi a realidade vivenciada.
No entanto, com o passar dos anos e com o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela CF/88, o namoro também adquiriu uma nova roupagem, isso porque tivemos na sociedade como um todo a desmitificação da mulher como instrumento exclusivo da família e do homem, a partir disso também houve a quebra de tabu referentes a sexualidade, considerando que em tempos passados a mulher só poderia ter relações intimas após o casamento.
Hodiernamente, o namoro apresenta-se de uma forma mais aberta e íntima, as partes têm objetivo de constituir família, mas é uma projeção futura e não atual. Por essa razão há uma confusão em diferenciar o namoro comum, o namoro qualificado e a união estável.
Com isso, se faz necessário analisar essas diferenciações para poder compreender o objetivo do contrato de namoro e como esse pode vir ou não a repercutir na união estável e, ainda, como o ordenamento jurídico e os tribunais vêm recepcionando essa nova figura do direito brasileiro.
4.1. DIFERENÇAS ACERCA DO NAMORO, NAMORO QUALIFICADO E UNIÃO ESTÁVEL.
. Segundo Venosa (2017, p. 443), “não é fácil uma definição apriorística do que se entende por namoro”, isso ocorre devido a tantas mudanças de cunho social que aconteceram com a evolução dos tempos.
Acerca dessa definição de namoro, aduz Euclides de Oliveira (2005, p. 13) no V Congresso Brasileiro de Direito de Família que deriva “do latim in amore, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo. Tende a se tornar de conhecimento da família, dos amigos, da sociedade. Surge entre os enamorados uma cumplicidade no envolvimento porque passam a ter interesses comuns e um objetivo ainda que longínquo de formarem uma vida a dois”.
No entanto, surgiu na atualidade uma figura mais precisa do que o mero namoro. Passaram os enamorados a ter uma relação de maior convivência e maior compartilhamento, dessa vez não só de interesses futuros, mas também de, por exemplo, bens. É comum se ver namorados que compartilham automóvel, cartão de crédito e passam maior tempo juntos.
Diante dessas possibilidades tornou-se ainda mais difícil identificar quando deixa de ser um namoro e começa a união estável. Com essa problemática surgiu nos tribunais e na doutrina o chamado “namoro qualificado” que é aquele que mais se aproxima da união estável, embora não haja nenhuma repercussão jurídica quanto ao mesmo. Ou seja, há quanto a esse uma proximidade muito maior da união estável do que o namoro comum, isso ocorre devido as suas caraterísticas serem mais marcantes e visíveis.
Nos dizeres de Satil (2011, s/p) para que o namoro seja qualificado é necessário estar presente alguns requisitos como a publicidade, continuidade e durabilidade e essa duração não está atrelada a quantidade de anos. Esse namoro é chamado de qualificado justamente por apresentar a maioria dos requisitos da união estável, mas difere-se pelo fato de não haver objetivo de constituir família e, por consequência, não haver qualquer vinculação patrimonial.
Nesta perspectiva, percebe-se que o que diferencia a união estável do namoro estável, como também é chamado, é o fato de enquanto na primeira há o objetivo de constituir família de modo atual, no segundo há o objetivo futuro. Ou seja, nessa modalidade de namoro há expectativa pelo casal de constituir família, mas não é a atual vontade.
Com isso, houve a divulgação da edição 557 do informativo de jurisprudência pelo STJ (2015), em parte de direito civil, onde a terceira turma em julgamento de RESP entendeu que o fato de namorados projetarem constituir uma família no futuro não deve ser entendido como união estável, mesmo que haja coabitação que, como já foi analisado no presente trabalho, não é requisito indispensável da união estável.
O julgamento do recurso foi bem incisivo no sentido de não tratar como união estável um mero namoro, ainda que qualificado. Nesse sentido, segue parte do informativo supramencionado (2015):
O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social (STJ, 2015).
Portanto, nota-se que a grande diferença entre o namoro qualificado e a união estável se dá quanto ao objetivo de constituir família, caso esse seja futuro estaremos diante de um namoro qualificado que não haverá quaisquer repercussões na esfera jurídica, por outro lado, se estivermos diante de um objetivo atual se caracteriza a união estável e todos os efeitos a esses aplicados.
Por essa razão entender a diferença dessas três formas de relacionamento é crucial, pois a partir desse entendimento é que será possível realizar a análise do contrato de namoro, sem, no entanto, criar dúvidas a respeito de quando há situação de união estável e quando há namoro.
- DA VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DE NAMORO
Diante da problemática existente sobre como realizar diferenciação entre união estável e namoro e com a possibilidade desse último ser reconhecido como uma união a depender dos requisitos e do entendimento do caso concreto, criou-se uma figura no ordenamento jurídico que foi o contrato de namoro.
Para Maria Berenice Dias (2016, p. 432), a situação de insegurança que permeia nesse meio fez com que os namorados sentissem a necessidade de realizar um contrato com intuito de assegurar a ausência de comprometimento de ambos e, além disso, a ausência de comunicabilidade patrimonial tanto do presente, quanto do futuro.
Logo, as partes de comum acordo firmam esse contrato onde fica preestabelecido que aquele não há nada além de uma relação de namoro e que, por consequência, não se deve haver compartilhamento de patrimônio atual e nem aquele que, porventura, venha a ser adquirido futuramente, isso se explica porque, como já fora visto, o namoro não produz qualquer efeito no mundo jurídico, sendo esse considerado fato social.
Para Coelho (2012, p. 285), o contrato de namoro tem como objetivo “documentar a declaração da falta de intenção de constituir família, e com isso facilitar a prova da inexistência de união estável, se vier a ser discutida a questão em juízo”, ou seja, é um meio pelo qual as partes, após firmarem de mútuo acordo, declaram que não intenção atual de constituir família e, por isso, não estão em uma relação de união estável, não podendo, assim, serem aplicadas as regras referentes a mesma.
Segundo, Vivian Boechat Cabral (2013, p. 18), “o Contrato de Namoro ou Contrato de Convivência ou ainda Declaração de Namoro consiste em um instrumento utilizado principalmente pelas pessoas possuidoras de patrimônio, com a finalidade de afastar a possibilidade de um mero namoro ser confundido com União Estável, produzindo os efeitos legais do segundo instituto”.
Então, segundo a autora supracitada, o contrato de namoro tem maior aderência por pessoas que possuem um vasto patrimônio e que não querem que haja a comunicabilidade desses bens por uma caracterização de entidade familiar. É perceptível o motivo pelo qual as pessoas detentoras de um patrimônio maior tendem a realizar o contrato em estudo, isso porque uma vez constatada a união estável estariam todos esses bens e valores pertencentes também a outra parte se tais patrimônios houvessem sido adquiridos na constância da união.
Ainda sobre o intuito do contrato de namoro, dispõe Lôbo (2011, p. 177) que “em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado contrato de namoro”.
Portanto, nota-se o motivo pelo qual esse contrato foi criado. O intuito é afastar a incidência da união estável e conferir ao casal o status de namorados, isso decorre também da averiguação de que a união estável, como o próprio doutrinador disse, possuir uma dificuldade de se perceber quando há a evolução do namoro para uma relação jurídica.
Entretanto, tal contrato não foi recebido de maneira uníssona pela doutrina, eis que há um campo de estudo muito amplo e, por consequência, há também divergências doutrinárias acerca da validade e da eficácia do contrato então abordado. Assim como em todos os ramos científicos há uma doutrina majoritária, mas também há uma doutrina minoritária que, não menos importante, é seguida por grandes doutrinadores.
Quanto ao plano da validade, há obrigatoriedade de haver, segundo o artigo 104 do Código Civil, agente capaz, objeto lícito, possível ou determinado e forma prescrita ou não defesa em lei. Os requisitos de validade dos contratos são os mesmo dos negócios jurídicos de modo geral, havendo, portanto, verificação de capacidade das partes que estão realizando o contrato, averiguação do objeto que está sendo tratado ou disposto no contrato e, por fim, há análise de forma que deve ser prescrita ou não defesa em lei.
A grande divergência é acerca do objeto, isso porque segundo Gagliano (2005, s/p) “trata-se, pois, de contrato nulo, pela impossibilidade jurídica do objeto”, isso porque, ainda segundo o mesmo autor “não se poderia reconhecer validade a um contrato que pretendesse afastar o reconhecimento da união, cuja regulação é feita por normas cogentes, de ordem pública, indisponíveis pela simples vontade das partes”, ou seja, nessa corrente doutrinária, que inclusive é seguida majoritariamente, traz o plano da validade como não superado, isso ocorre devido à união estável ser protegida pelo Código Civil e pela Constituição Federal, sendo considerada, portanto, um direito indisponível.
Nesse sentido aduz FONSECA (2007 apud MEDRADO, 2013) acerca da falta de validade jurídica que permeia o contrato:
O contrato pode até existir, mas é completamente desprovido de validade jurídica. Será inócuo. Um contrato não tem condão de desfazer a realidade e a união estável se dá no plano fático. A união estável é um fato da vida. Constitui-se durante todo o tempo em que os envolvidos se portam como se casados fossem. O que não é lícito é querer que uma mera declaração, em detrimento da realidade, descaracterize uma união estável. Na prática, se a situação for de falso namoro, o contrato funcionará como prova em contrário para aquele que dele tentar se valer para afastar o reconhecimento da união estável (FONSECA 2007 apud MEDRADO, 2013, p. 77).
Portanto, é explícito que para esses autores, assim como outros renomados que o seguem, o contrato de namoro esbarra na validade jurídica, isso porque seu objeto, qual seja a união estável, é norma de ordem pública e não pode ser admitido que um contrato disponha sobre tal.
Tal pensamento é o coerente, isso porque a união estável não deve ser analisada sob uma ótica tão fragilizada a ponto de ser afastada por deliberação das partes que, nesse caso, decidirão se há ou não uma relação de convivência. Isso por que tal instituto é certificado por normas de ordem pública que se apresentam de maneira cogentes.
Ou seja, o contrato de namoro vai de encontro a normas de ordem pública ao tratar de direitos indisponíveis e é considerado, por maioria da doutrina, como nulo de pleno direito por não atingir o requisito quanto ao objeto lícito que é necessário para conferir validade aos negócios jurídicos, bem como aos contratos.
Ademais, o contrato de namoro estaria, ainda, descumprindo a função social dos contratos, isso pelo motivo de apenas estar sendo levando-se em consideração os direitos individuais dos contratantes e não a repercussão social, jurídica, cultural e econômica que a realização de tal avença configura.
No que diz respeito a finalidade aduz Venosa (2017, p. 444),“propendo, portanto, pela corrente que entende que esses contratos de namoro são nulos (art.166, VI do Código Civil). Sua finalidade, na massiva maioria das vezes, é proteger o partícipe que possui patrimônio em detrimento daquele que não o tem, com nítida ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito de família”.
Ou seja, percebe-se que há uma preponderância do individualismo, inclusive por uma das partes, pois observando diante de uma conjuntura cultural um dos contraentes, que possui menor poder aquisitivo, sairia desse dito relacionamento de namoro (sendo que vivera em união estável) em total desvantagem patrimonial, isso porque um mero contrato desqualificou uma entidade familiar protegida pela Carta Magna e por Leis Federais, onde por muito tempo foi objeto de luta para seu reconhecimento.
Em suma, esse parece ser o entendimento mais acertado, pois não poderia o contrato se utilizar de sua função para dispor sobre assunto de ordem pública que inclusive possui tutela da Constituição Federal e que, ainda, passou por uma evolução tamanha para poder receber o tratamento e aceitação pelo ordenamento jurídico, isso porque, como demonstrado no capítulo inicial, a união estável por muito tempo foi marginalizada e não reconhecida como entidade familiar. Então, deixar que um contrato que visa descaracterizá-la tenha validade no ordenamento jurídico é retroceder em anos de conquistas.
Além disso, analisando sob uma ótica cultural uma publicação da revista Veja (2002), demonstra a utilização dos contratos de namoro com a intitulação “Homens precavidos estão assinando contrato de não compromisso com namoradas”, a publicação deixa claro que o contrato é utilizado como forma de prevenção de uma parte que detém mais patrimônio do que a outra e que o intuito é justamente esse, pois se um dia porventura aquele relacionamento chegar ao fim não poderá a parte “pobre” recorrer ao Poder Judiciário com fins sucessórios.
Essa publicação foi demonstrada em dissertação de Pós-Graduação pela advogada Marília Pedroso Xavier (2011, p. 108), onde o advogado entrevistado pela revista veja (2002 apud XAVIER 2011, p. 108) deixou claro que a maioria das demandas recebidas por seu escritório em relação ao contrato de namoro vem de homens mais velhos com poder aquisitivo alto e que já sofreram ilusões amorosas e patrimoniais com companheiras anteriores e que, por isso, utilizam o contrato como uma forma de prevenção.
Demonstra-se que tais contratos ainda podem cultivar uma cultura totalmente machista em que tentam firmar, inclusive na publicação da revista, que os homens procuram tais contratos como forma de prevenção patrimonial com suas ditas “namoradas”, inclusive ainda se preserva o entendimento na sociedade de quem em uma relação apenas o homem detém patrimônio e a mulher quer usufruir disso. No entanto, não seria mais uma forma de escapar das obrigações oriundas de uma relação de convivência? Obrigações não só sucessórias, mas de cunho alimentar. Pois a partir do momento em que se resta comprovado uma relação de namoro, inclusive demonstrada por contrato, estariam em tese os direitos patrimoniais afastados e os direitos obrigacionais familiares também.
Outrossim, tais matérias como essa da revista Veja (2002) se dirigem especificadamente ao público masculino, como se a outra parte ficasse entre o limbo de aceitar tal avença e ter o relacionamento ou rejeitar o contrato e ter que romper a relação amorosa. Sabendo que as relações devem acontecer de forma natural e não com uma forma pré-estabelecida por uma das partes que pode se utilizar do mecanismo para afastar incidência de uma união estável notória, ainda que haja o dito consesualismo “livre” que em casos como esse pode vir carregado de auto pressão de preservação da relação.
Além disso, observando-se o contrato em estudo e levando-se em consideração princípios como o da função social e a boa-fé o tornam extremamente impreciso. Isso porque, a boa-fé, como foi visto, é cláusula geral implícita a todos os contratos e quem tem por uma das funções a de interpretar as cláusulas, então prestar validade a um contrato que tenta extinguir um fato que acontece sem necessidade de anuência das partes é totalmente distante da boa-fé contratual e da função social que o ordenamento preserva.
Percebe-se, ainda, que tais contratos além de repercutir socialmente, são frutos de uma cultura e concepção machista onde a mulher encontra-se sempre em uma posição de desvantagem patrimonial quando comparada ao homem e coloca a entidade familiar como um meio dessa mulher atingir objetivos patrimoniais. Então muito além de repercussão, tal contrato é oriundo de um pensamento patriarcal e machista a respeito da entidade familiar.
Noutro giro, há parcela da doutrina que considerada o contrato totalmente válido, pois entende não haver violação a nenhum dispositivo, eis que na lei não há nenhum óbice para a realização de tal modalidade contratual. Para o doutrinador Zeno Veloso (2016, s/p), não há nenhuma lei que proíba que seja feito o contrato, ademais, ainda segundo ele, essa avença é dotada de boa fé e não há conotação de fraude ou intuito de dissimulação por parte dos contraentes. O mesmo prega que em nome do liberalismo e da autonomia privada tal contrato é válido.
Nessa esteira de entendimento, Veloso (2016, s/p), ainda dispõe em seu artigo que o contrato de namoro quer “[...] identificar o relacionamento amoroso que mantêm, deixar clara e bem definida a extensão do mesmo, consignar e esclarecer que, pelo menos no momento presente, não passa de namoro. Quer-se prevenir e evitar a alegação da existência de efeitos materiais que podem ser de grande monta, de altíssimo valor”.
Ou seja, tal corrente doutrinária considera o contrato de namoro válido, pois segundo entendimento dos que coadunam do pensamento, não há na lei nada que impeça que as partes realizem o acordo, não estando as partes, assim, infligindo lei federal e nem tampouco a Constituição Federal.
Não pode tal pensamento vigorar, isso porque apesar de não explicito a indisponibilidade da união estável, a mesma é tratada por lei imperativa e normas de ordem pública e sendo assim não se podendo permitir que essa seja disposta por simples vontade das partes que vão de encontro ao regulado pela lei. Além disso, a vontade humana ou autonomia da vontade privada não deve prevalecer quando se está diante de normas imperativas, pois, assim, não estaria sequer atendendo a função social dos contratos.
Superado o plano da validade, há, ainda, a corrente doutrinária que se debruça sobre o plano da eficácia, ou seja, como aquele contrato pode produzir efeitos. Por óbvio a corrente que entende por ser nulo de pleno direito não confere ao pactuado qualquer eficácia no mundo jurídico. Mas a doutrina que prega pela validade discute também a respeito de seus efeitos.
Em relação a produção de efeitos fica evidente que a doutrina é consensual no sentido de caso o contrato trate de uma relação que não é vista na realidade o que deve prevalecer é o plano fático em detrimento do pactuado. Inclusive o doutrinador Zeno Veloso (2016, s/p) aduz que “se, ao contrário do que informa a declaração que emitiram, a união estável entre eles está configurada, ou, posteriormente, vem a se constituir, é isso que vale e tem efeito, e não o que se declarou no chamado contrato de namoro”.
Ou seja, ainda que haja um contrato e esse seja considerado válido, para alguns doutrinadores, caso fique demonstrado que as partes estão numa relação onde se fazem presentes todos os requisitos da união estável, essa deverá prevalecer, pois não pode ser afastada por mero contrato entre partes, portanto, nesse caso não produziria efeitos em relação à entidade familiar.
Portanto, percebe-se que tal modalidade contratual, defendida pelo doutrinador acima, não poderia se opor a uma situação de fato, por mais que para tal doutrina se julgue o contrato como válido, esse não teria condão de modificar a situação fática existente pelos contratantes.
Coadunando do mesmo pensamento, aduz Gustavo Renê Nicolau (2009, p.108),acerca da união estável e o mundo fático que “[...] a união estável existe ou não por conta dos acontecimentos, por conta dos fatos e não pode – por manifestação escrita – ser assumida quando não existe ou afastada quando ela ocorre. As partes não têm a força de afastar o plano dos fatos”.
Ou seja, a união estável é considerada ato fato jurídico, isso implica dizer que as partes não precisam reconhecê-la ou afirmar que estão em convivência, pois uma vez demonstrado a ocorrência dos requisitos estará configurada a união não havendo possibilidade e nem necessidade de as partes anuírem ou não com seus efeitos jurídicos.
Além disso, segundo Medrado (2013, p. 81), a união estável por ser considerada ato-fato-jurídico não precisa passar pelo plano da validade e decorre de elementos fáticos que são desdobrados em efeitos jurídicos e não há nenhuma dependência da vontade humana, pois, caso estejam preenchidos os requisitos não poderão as partes afastá-los. Ademais, o autor ainda traz o princípio da primazia darealidade como meio de considerar aquilo que se está acontecendo no mundo fático e não o que fora convencionado.
Há ainda corrente doutrinária em relação a eficácia no sentido de essa ser considerada relativa, só produzindo efeitos enquanto a relação de namoro perdurar, isso porque caso contrário o contrato não deve prevalecer. Nessa esteira, aduz Gonçalves (2017, p. 835) que é no sentido de o contrato possuir eficácia relativa “[...], pois a união estável é, como já enfatizado, um fato jurídico, um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. Se as aparências e a notoriedade do relacionamento público caracterizarem uma união estável, de nada valerá contrato dessa espécie que estabeleça o contrário [...]”.
Ainda acerca da eficácia dispõe Dias (2016, p. 433), que a única possibilidade que há é de “[...] os namorados firmarem uma declaração referente à situação de ordem patrimonial presente e pretérita. Mas não há como previamente afirmar a incomunicabilidade futura, principalmente quando segue longo período de vida em comum, no qual foram amealhados bens. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento sem causa”.
Logo, nessa esteira de entendimento, conferir eficácia a tal contratoalém de ferir a situação fática da união estável, fonte de enriquecimento sem causa por uma das partes, sendo possível, entretanto, que haja declaração quanto aos bens passados e quanto aos bens presentes, mas não quanto aos bens que porventura venham a ser adquiridos.
Corroborando o entendimento, Rolf Madaleno (2018) acerca da produção de efeitos do contrato de namoro na união estável aduz que:
[...] seus efeitos não decorrem do contrato e sim do comportamento socioafetivo que o casal desenvolver, pois, se com o tempo eles alcançaram no cotidiano a sua mútua satisfação, como se fossem marido e mulher e não mais apenas namorados, expondo sua relação com as características do artigo 1.723 do Código Civil, então de nada serviu o contrato preventivo de namoro e que nada blinda se a relação se transmudou em uma inevitável união estável, pois diante destas evidências melhor teria sido que tivessem firmado logo um contrato de convivência modelado no regime da completa separação de bens (MADALENO, 2018, p. 1490-1491).
Portanto, conclui-se que a união estável não fica adstrita a nenhum contrato para que exista. Como já restaram demonstrado alguns doutrinadores, como Gonçalves (2017, p. 835), são no sentido de conferir ao contrato de namoro eficácia relativa, onde esse produz efeitos até enquanto perdurar a relação de namoro, caso essa progrida para uma relação de convivência marital tal contrato deixaria de produzir seus efeitos neste momento, observa-se que não se trata aqui de cláusula de evolução, mas sim de uma relatividade, ou seja, o contrato só produziria seus efeitos até onde restar constatado que houve apenas uma relação de namoro.
No entanto, como visto no início do capítulo há uma grande dificuldade em estabelecer a transição entre o namoro e união estável, pois, por exemplo, o noivado apesar de não ser ainda convivência marital, já é uma forma de namoro qualificado, visto que as partes estão mais próximos da constituição de família. Nesse caso, não há como o contrato de namoro, seguindo o entendimento acima, estabelecer uma relatividade correta, porque apesar de definir essa tal progressividade iria se criar a mesma problemática que já há na união estável que é definir seu marco inicial para, por consequência, estabelecer o compartilhamento de bens que caso houvesse a interpretação do contrato com eficácia relativa se tornaria mais difícil definir esse compartilhamento.
Segundo Lôbo (2011) e Dias (2016), tal corrente não é a correta, pois para esses o contrato não tem nenhuma eficácia jurídica e não produz quaisquer efeitos, isso porque nos dizeres do primeiro (2011, p. 177) “considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento”.
Segundo Catan (2013, s/p), há ainda uma corrente que protege uma cláusula de evolução no contrato de namoro que é a chamada “cláusula darwiniana”, essa é expressa no próprio instrumento contratual contendo a previsão de caso haja evolução no relacionamento e esse passe a configurar uma união estável as partes adotam livremente regime de bens à sua escolha.
Tal decisão não deve ser considerada a mais acertada, isso porque o contrato de convivência perderia sua utilidade na união estável. Uma vez que há dedução de que se as partes podem estipular regime de bens diversos em contrato de namoro, então, há presunção de que essas também poderiam dispor de cláusulas que são inerentes ao pacto de convivência como, por exemplo, tratar de questões extrapatrimoniais.
Além disso, sabe-se a dificuldade que há para determinar o momento em que a união estável ocorreu, então não poderia tal clausula prevê o marco e nem tampouco deixar a mercê das partes, posteriormente, em caso de judicialização, definirem quando se deu o início da união, sendo tal competência do julgador que caso entendesse haver união estável durante o tempo em que as partes acordaram em declarar existência de namoro essa declaração não teria sequer validade e nem produziria efeitos.
Portanto, analisando-se do prisma da realidade pode-se exemplificar uma situação onde o casal conviveu por 20 anos juntos como se casados fossem, ou seja, há uma evidente união estável, e firmaram contrato estabelecendo que tal relação trata-se de um simples namoro, apesar de as condições fáticas não demonstrarem tal conduta e supondo-se que um dos companheiros vem a falecer, nesse caso se for prestado a tal contrato validade e eficácia, o sobrevivente a nada faria jus no âmbito sucessório, pois, há instrumento, inclusive assinado por ele próprio, que não havia futura pretensão de família e, portanto, não estariam em união estável nem no ato da realização do contrato e nem, tampouco, no futuro.
Por essa razão, não merece tal avença ser admitida nem no plano de validade e nem, tampouco, no plano da eficácia, pois após tal analise fica evidenciado que essa modalidade contratual, além dos demais defeitos já demonstrados, constitui inclusive meio de uma das partes ou de ambas fugirem dos deveres conjugais e obrigacionais inerentes à união estável e, por essa razão, não devem prevalecer.
- A RECEPÇÃO DOS TRIBUNAIS QUANTO AO CONTRATO DE NAMORO
Neste tópico referente ao contrato de namoro será demonstrado como alguns tribunais vêm recebendo tal instrumento. Tal análise se faz necessária uma vez que os entendimentos dos Tribunais Estaduais e dos Superiores são de extrema importância para o mundo jurídico, pois, esses entendimentos jurisprudenciais demonstram como um instituto é tratado juridicamente e como é sua aplicabilidade.
Ainda não há uma quantidade relevante de julgados acerca do contrato de namoro, isso porque trata-se de novidade no ordenamento. No entanto, apesar de poucas decisões, têm sido o entendimento majoritário que o instrumento é inválido perante o mundo jurídico.
O Superior Tribunal de Justiça (2017) tratou sobre o tema em um de seus julgamentos de um Agravo em Recurso Especial (AREsp 1149402), o agravante buscava a pensão estatutária por morte de sua falecida dita esposa ex-servidora e, para isso, necessitava do reconhecimento da união estável, mas não foi reconhecida a união mesmo havendo um contrato de convivência.
Nesse sentido o ministro OG Fernandes (2017), relatou fazendo alusão ao contrato de namoro, no sentido de:
[...] à natureza jurídica da união estável trata-se de fato jurídico que gera efeitos jurídicos. A união estável não e inaugurada nem criada por um negócio jurídico. A essência da relação não é definida pelo contrato, muito menos pelo olhar da sociedade, ou de testemunhas em audiência. Essa modalidade de união é uma situação de fato que se consolida com o decorrer do tempo (donde surgiu o requisito "relação duradoura", ou "razoável duração") e não depende de nenhum ato formal para se concretizar. Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um "contrato de namoro" não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável. A contrário senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável o "contrato de união estável "celebrado antecipariamente à consolidação desta relação não será eficaz ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico (STJ, 2017, grifo nosso).
Depreende-se desse julgamento acima referido que nem o contrato de convivência tem condão de criar a união estável, como já estudado no capítulo atinente ao estudo dos contratos em sede de família, por essa razão não cabe prestar validade a um contrato que tem intuito de afastar a incidência do instituto referido.
Portanto, percebe-se que o contrato de namoro não possui validade jurídica em detrimento da primazia da realidade. Tal entendimento foi visto em tópico anterior onde foram trabalhadas as correntes doutrinárias e a doutrina majoritária, seguida por Maria Berenice Dias (2016) e Paulo Lôbo (2011), não confere validade a tal instrumento e o STJ vem seguindo a mesma linha de pensamento.
Isso porque, os tribunais são uníssonos, assim como a doutrina, a respeito da natureza jurídica da união estável ser de um ato fato jurídico, implicando dizer que os requisitos acontecem naturalmente e uma vez sendo comprovados não podem ser afastados pelas partes. Por outro lado, uma vez não havendo incidência das exigências não podem as partes criá-las, como se depreendeu do julgado acima citado.
A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (2016) manifestou-se sobre o tema negando provimento ao recurso de Apelação em processo no qual buscavam as partes o reconhecimento e a dissolução do contrato de namoro. Foi ajuizada ação na qual o juiz do primeiro grau de São Paulo extinguiu a demanda sem resolução do mérito alegando impossibilidade jurídica do pedido e falta de interesse de agir. A ação tinha por objetivo reconhecer o contrato e ao mesmo tempo declarar extinta a relação de namoro que perdurou por aproximadamente 15 anos.
O relator Beretta da Silveira expôs que “[...] o pedido posto na inicial é de ação de reconhecimento e dissolução de contrato de namoro consensual. Essa pretensão não encontra amparo no ordenamento jurídico, não podendo ser posta em juízo para solução pelo Poder Judiciário (TJ-SP, 2016)”.
O relator citado acima, ainda corroborou o entendimento do magistrado de 1º grau que reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento e extinção do contrato de namoro. Isso porque, segundo o juiz de 1º grau não há previsão legal no sentido de reconhecer o contrato de namoro, entendendo ainda não ser o caso de encaminhar o processo a uma Vara de Família.
Ademais, o relator do recurso de apelação enfatizou que estava explícita a preocupação por parte do recorrente de encerrar o dito namoro como forma de prevenir obrigações futuras nas quais o requerente não queria que ocorresse.
No entanto, melhor seria se a argumentação utilizada fosse pela validade ou invalidade do contrato, a partir do pensamento demonstrado seria o de invalidade, mas não o de afastamento de resolução da questão por entender que a mesma não pode ser posta em juízo para que o Poder Judiciário venha a resolver, inclusive demonstrando afronta ao princípio da inafastabilidade do poder judiciário. A análise de inexistência não deve vigorar, pois de fato o contrato existe e está sendo utilizado, resta aos tribunais atribuirem ou não validade jurídica ao mesmo.
Portanto, no presente caso o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento, de forma unânime, ao recurso de apelação onde manteve-se a sentença de primeiro grau enfatizando os argumentos realizados pelo órgão a quo no sentido de não conferir sequer existência ao contrato, declarando, inclusive, que não encontra qualquer amparo no ordenamento jurídico, por isso, a impossibilidade jurídica do pedido.
Com isso, depreende-se a partir da análise das decisões transcritas e explicadas acima que os Tribunais não vêm reconhecendo e nem aceitando os ditos contratos de namoro como formar de afastar a união estável, sendo tal instrumento inválido como contrato, pois fere objeto indisponível e demonstrando que não há produção de efeitos do dito instrumento, pois, uma vez demonstrado que estão preenchidos os requisitos para caracterizar o instituto o contrato não terá eficácia e nem tampouco validade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com isso, pode-se concluir que o direito de família passou por diversas modificações no decorrer do tempo e, com isso, institutos que antes não eram reconhecidos, como a união estável, passaram a ter chancela estatal. Além disso, foi observado que a família no brasil vai muito além de um conceito, pois é essencial abandonar os estigmas conservadores da sociedade e abarcar a família como uma união de afeto entre pessoas e, por isso, família é aquilo que se considera como tal e não o que é imposto socialmente.
Depreende-se do estudado que todos os contratos precisam cumprir os princípios da boa-fé na relação contratual e que os instrumentos precisam alcançar a função social dos contratos, portanto, não basta realizar uma avença, essa precisa seguir princípios que são basilares do universo contratual, pois por mais que haja autonomia da vontade na criação dos contratos, essa dita autonomia não é absoluta, pois é necessário que haja a socialização dos contratos.
O contrato de namoro é um instrumento inovador do mundo jurídico, pois visa com que as partes declarem a sua relação de namoro e, assim, estariam afastados os direitos oriundos de uma possível união estável. Por essa razão, em que pese entendimentos contrários, tal contrato não é válido, pois esbarra na licitude do objeto que não é cumprida.
A união estável não é e nem deve ser vista como instrumento frágil que pode ser afastada por um mero contrato entre partes, pois seus requisitos são trazidos em norma de ordem pública, inclusive possui proteção da própria Constituição Federal de 1988, por essa razão, não pode ser disposta pelas partes que almejam declarar um fato do qual não vivem.
O objeto contratual precisa ser lícito para poder alcançar o plano da validade, a partir do momento que há uma avença sobre assunto de ordem pública e que, por essa razão, é assunto indisponível de avença contratual que vise afastar a incidência de suas regras, tal declaração é invalida.
Portanto, compreende-se que tal contrato é invalido, pois não possui objeto lícito. A união estável é um ato-fato jurídico do qual não precisa de reconhecimento das partes para que possa restar comprovado, isso porque, nesse caso há uma prevalência da realidade em detrimento do pactuado e, por isso, não se pode prestar validade a um contrato que visa desmitificar a presença dos requisitos da união estável.
Logo, um contrato não poderia estar sendo utilizado como meio de afastar incidência das regras patrimoniais de um instituto protegido por lei Federal e pela própria Constituição Federal e, ainda, não levando em conta os princípios basilares que os contratos precisam atender que, como já dito, é a função social e a boa-fé dos contratantes. Um contrato que só vise interesses individuais não se adequa a função social que deve se fazer presente em todas avenças.
Ainda há a possibilidade de haver por parte de um dos contratantes a falta de boa-fé, tornando o instrumento contratual uma fonte de enriquecimento ilícito e sem causa, isso porque se durante a relação declarada como namoro, mesmo sendo união estável, houver uma participação de esforços para adquirir bens comuns, esses não seriam considerados, pois os efeitos do instituto estariam afastados e, por consequência, os bens adquiridos em tese por apenas um dos contratantes permaneceriam particulares, apesar de no mundo fático ter havido esforço comum do casal na conquista de tais bens.
Além disso, conclui-se que os tribunais ainda não receberam demandas elevadas sobre tais contratos, mas em pouquíssimos casos encontrados percebe-se que tanto os Tribunais Superiores quantos os Regionais não vêm recebendo a modalidade contratual como válida, pois há o entendimento dominante de que essas avenças atentam a normas de ordem pública e, portanto, são inválidas. Sendo ainda invalidado por haver o princípio da primazia da realidade, ou seja, prevalece o que está acontecendo no plano fático e não o que foi convencionado em contrato.
Portanto, pode-se concluir que a partir de análise doutrinária e jurisprudencial, que os contratos de namoro são inválidos, em que pese correntes doutrinárias em contrário, que atentam contra norma cogente de ordem pública e que não têm o condão de afastar as regras patrimoniais e extraptarimoniais referentes ao instituto da união estável, pois esse é considerado um ato-fato-jurídico que não está adstrito a qualquer reconhecimento ou afastabilidade para que de fato exista e, sendo assim, a avença contratual de namoro não é válida e não produz sequer efeitos em relação a união estável.
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[1] Bacharel em direito pela UNINASSAU.
[2] Pós Graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor titular da disciplina de direito civil da Faculdade UNINABUCO, advogado militante e membro da comissão de direito de família da OAB, subseçãol de Olinda.
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