Inteiro Teor
EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA CUMULADA COM GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE CONVIVÊNCIA. PRELIMINAR, DE OFÍCIO, DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL NO ROL DO ART. 1.015 DO CPC. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO JURÍDICO COMPROVADO. PRELIMINAR ACOLHIDA PARA NÃO CONHECER DE PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu a tutela de urgência para regulamentação de visitas com a menor M.A.D.V. e negou pedido de citação dos requeridos por meio eletrônico "WhatsApp", na ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva cumulada com guarda e regulamentação de convivência.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão:
(i) definir se é cabível o conhecimento do agravo de instrumento quanto ao indeferimento do pedido de citação eletrônica dos agravados;
(ii) verificar se estão presentes os requisitos para concessão de tutela de urgência visando à regulamentação de visitas entre a agravante e a menor, com base em alegada maternidade socioafetiva.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Não se conhece do pleito recursal relativo à citação eletrônica, por ausência de previsão legal no rol do art. 1.015 do CPC e inexistência de urgência capaz de justificar a mitigação da taxatividade, conforme entendimento consolidado no Tema 988 do STJ.
4. A análise do pedido de visitas fundado em maternidade socioafetiva exige prévia demonstração da posse do estado de filha, a qual pressupõe convivência contínua, tratamento público como filha e reconhecimento social do vínculo, sendo indispensável instrução probatória adequada.
5. Inexistente prova inequívoca do vínculo materno-afetivo, e considerando que os genitores biológicos firmaram acordo judicial atribuindo a guarda unilateral ao pai, não há elementos suficientes para a regulamentação das visitas.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Preliminar acolhida para não conhecer de parte do recurso e, na parte conhecida, desprovido.
Tese de julgamento:
1. Não se conhece de pedido do agravo de instrumento quando ausente previsão legal no rol do art. 1.015 do CPC e inexistente urgência qualificada que justifique mitigação da taxatividade.
2. A ausência de comprovação da maternidade socioafetiva impede o deferimento da convivência com a menor em sede de cognição sumária, especialmente quando já estabelecido acordo judicial de guarda entre os genitores biológicos.
- Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.015; CC, arts. 1.589 e 1.593.
- Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.704.520-MT e REsp 1.696.396-MT (Tema 988), Rel. Min. Nancy Andrighi; TJMG, AI Cv 1.0000.21.242800-7/002, Rel. Des. Fernando Lins, j. 23.06.2022.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.24.435447-8/001
- COMARCA DE CORONEL FABRICIANO
- AGRAVANTE (S): A.F.L.N.
- AGRAVADO (A)(S): M.E.M.D.B., S.V.S.F. POR SI E REPRESENTANDO M.A.D.V.
- INTERESSADO (A) S: M.P.E.M.G.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3º Núcleo de Justiça 4.0 - Cível Especializado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em ACOLHER A PRELIMINAR PARA NÃO CONHECER DE PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
JUIZ DE 2º GRAU ALEXANDRE MENDES DO VALLE
RELATOR
V O T O
Agravo de instrumento interposto por A.F.L.N. contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Coronel Fabriciano que indeferiu a tutela de urgência relativa à regulamentação de visitas com a menor M.A.D.V., na ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva cumulada com guarda e regulamentação de convivência ajuizada em desfavor de M.E.M.D.B. e S.V.S.F., nos seguintes termos (ordem 53):
No caso dos autos, em um juízo sumário de cognição, não vislumbro o preenchimento dos supracitados pressupostos, tendo em vista que as demonstrações de afeto e de carinho por parte da autora não se convolam necessariamente em uma relação de filiação, o que deve ser analisado pormenorizadamente ao longo do trâmite processual, com a devida dilação probatória e oitiva das partes rés.
Assim, sendo o direito de visitas garantido aos pais e avós, conforme inteligência do art. 1.589 do Código Civil, entendo, neste momento processual, pelo indeferimento da tutela pleiteada, ante a ausência de prova inequívoca da pretensa maternidade da parte autora.
Destarte, INDEFIRO o pedido de TUTELA DE URGÊNCIA para regulamentação de visitas da menor M.A.D.V. com relação à autora, sem prejuízo da reanálise do pedido em caso de mudança da situação fático-jurídica.
2) Indefiro, por ora, o requerimento de citação por "Whatsapp", eis que tal modalidade de citação somente deve ser usada em caráter excepcional, após terem sido esgotados todos os outros meios de tentativa de citação pessoal do réu.
A agravante alegou, em síntese: que a decisão recorrida indeferiu indevidamente a tutela de urgência para regulamentação de convivência com a menor M.A.D.V., ignorando o extenso conjunto probatório que demonstra o vínculo materno-afetivo entre ambas; que o indeferimento compromete o bem-estar emocional da infante, ao impedir sua convivência com a mãe socioafetiva, responsável por seus cuidados desde o nascimento; que a decisão desconsiderou a urgência e o perigo de dano, evidenciados nos autos, além de contrariar o princípio do melhor interesse da criança.
Asseverou que foi igualmente indeferido o pedido de citação dos agravados por meio eletrônico "WhatsApp", apesar de o genitor da menor estar se esquivando da justiça, fato relatado pela assistente social; que tal indeferimento afronta os princípios da celeridade e economia processual.
Pediu a concessão da tutela recursal de urgência e, ao final, o provimento do recurso, a fim de seja regulamentada a convivência entre ela e a infante por meio de realização de chamadas de vídeo 3 vezes por semana, bem como visitas em finais de semanas alternados nos sábados das 14h até domingo às 17h. Requereu a reforma da decisão recorrida, para que seja autorizada a citação eletrônica dos agravados, via "Whatsapp".
A tutela recursal de urgência foi indeferida (ordem 59).
Contraminuta, em resumo, pelo desprovimento do recurso (ordem 65).
A Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer opinando pelo desprovimento do recurso (ordem 70).
É o relatório.
PRELIMINAR DE OFÍCIO - AUSÊNCIA DE TIPICIDADE NORMATIV
A parte agravante pleiteou, dentre outros, pela determinação da citação eletrônica dos recorridos, através do "WhatsApp". No entanto, o mencionado pedido não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC, que apresenta rol taxativo quanto ao cabimento do agravo de instrumento.
Não se desconhece que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 988 (REsp 1.704.520-MT e REsp 1696396/MT), sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, consagrando a seguinte tese: "o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação".
Esclareça-se que a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça não afasta a sistemática restritiva de cabimento do agravo de instrumento eleita pelo legislador, mas apenas autoriza de forma excepcional a interposição do recurso para evitar eventual inutilidade de manifestação posterior.
(Vide precedente: TJMG - Agravo Interno Cv 1.0000.21.242800-7/002, Relator (a) Des.(a) Fernando Lins, 20ª C MARA CÍVEL, Data de Julgamento: 23/06/2022, Data da publicação da súmula: 23/06/2022).
Neste recurso, no entanto, não verifico elementos capazes de mitigar a taxatividade do art. 1.015, do Estatuto Processual Civil, motivo pelo qual o pleito recursal referente à determinação da citação dos agravados via "WhatsApp" não deve ser conhecido.
Para além disso, vejo que a parte recorrida foi citada e apresentou contraminuta neste recurso.
Assim, conheço do restante do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
O agravo de instrumento questionou a decisão que indeferiu o pedido de regulamentação de visitas à menor M.A.D.V., em razão do vínculo estabelecido pela pretensa maternidade socioafetiva.
Cumpre esclarecer que o direito de visitas é assegurado, pelo Código Civil, aos pais, em cuja guarda não estejam os filhos e aos avós, observado o melhor interesse da criança e do adolescente (art. 1.589).
Quanto à filiação, a legislação de regência preceitua que o parentesco pode decorrer tanto do vínculo consanguíneo, quanto de origem distinta da consanguinidade, o que abre espaço para conceito de parentesco socioafetivo (CC, art. 1.593).
Conforme leciona Maria Berenice Dias, a filiação socioafetiva resulta da posse do estado de filho que apresenta três aspectos essenciais para o seu reconhecimento, "in verbis":
Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três aspectos: tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; nominatio - usa o nome da família e assim se apresenta; e reputatio - é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Confere-se à aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória.
(DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 14. Ed. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 232)
Como se vê, o reconhecimento da maternidade por vínculo socioafetivo demanda dilação probatória, não sendo possível o seu reconhecimento apenas pautado em provas unilaterais.
No caso vertente, os genitores biológicos de M.A.D.V. celebraram acordo nos autos n. 5004668-57.2021.8.13.0194, em 04/04/2024, por meio do qual se estipulou que o pai exercerá a guarda unilateral da menor (ordem 67).
Por sua vez, a agravante ajuizou em 28/05/2024 a presente ação de reconhecimento de maternidade socioafetiva, cumulada com pedido de guarda e regulamentação de visitas, pleiteando entre outros pontos, a fixação de convivência com a infante. Tal requerimento foi indeferido pelo juízo de origem, ensejando a interposição do presente recurso.
A fim de fundamentar sua pretensão recursal, a recorrente sustentou que a negativa da medida contrariaria o princípio do melhor interesse da criança, além de comprometer seu bem-estar emocional, uma vez que sempre foi a responsável por seus cuidados desde o nascimento.
Nada obstante, não há como reconhecer o direito de visitas pretendido, sobretudo pela inexistência de vínculo jurídico de parentesco entre as partes, sendo tal prerrogativa assegurada apenas a pais e avós.
Para além disso, trata-se de situação sensível, envolvendo os interesses de uma menor, o que demanda dilação probatória para que se possa averiguar de forma mais precisa, a natureza da relação existente entre a agravante e a criança.
DISPOSITIVO
Com tais considerações, ACOLHO A PRELIMINAR PARA NÃO CONHECER DE PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGO PROVIMENTO. Custas recursais pela parte agravante, suspensa a exigibilidade da cobrança, em razão da gratuidade de justiça concedida na origem (ordem 05).
DESEMBARGADOR CARLOS LEVENHAGEN - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. LEITE PRAÇA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "ACOLHERAM A PRELIMINAR PARA NÃO CONHECER DE PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGARAM PROVIMENTO."