#1 - Ação de Guarda. Unilateral Materna. Melhor Interesse da Criança.

Data de publicação: 22/05/2025

Tribunal: TJ-MG

Relator: Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues

Chamada

(...) “Considerando que muitas vezes, quando da ruptura do vínculo afetivo, os genitores não conseguem manter uma relação harmoniosa e um consenso, é necessário que o Magistrado, ao fixar o regime de guarda, leve em consideração o caso concreto e o contexto ao qual a criança se encontra inserida.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - GUARDA UNILATERAL MATERNA - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - RECURSO PROVIDO. - O critério principal para determinar a guarda de uma criança é o princípio do seu melhor interesse, tendo em vista a necessidade de preservar ao máximo aqueles que se encontram em situação de fragilidade, como é o caso das crianças - Considerando que muitas vezes, quando da ruptura do vínculo afetivo, os genitores não conseguem manter uma relação harmoniosa e um consenso, é necessário que o Magistrado, ao fixar o regime de guarda, leve em consideração o caso concreto e o contexto ao qual a criança se encontra inserida, sempre pautado pelo princípio do melhor interesse do menor.

(TJ-MG - Apelação Cível: 50010083320218130557 1 .0000.24.202369-5/001, Relator.: Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, Data de Julgamento: 02/08/2024, 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 05/08/2024)

Jurisprudência na Íntegra
Inteiro Teor 
 
Número do 1.0000.24.202369-5/001 Numeração 5001008- 
Relator do Acordão: Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues 
 
Data do Julgamento: 02/08/2024 
Data da Publicação: 05/08/2024 
 
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO - GUARDA UNILATERAL MATERNA - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - RECURSO PROVIDO. 
- O critério principal para determinar a guarda de uma criança é o princípio do seu melhor interesse, tendo em vista a necessidade de preservar ao máximo aqueles que se encontram em situação de fragilidade, como é o caso das crianças. 
 
- Considerando que muitas vezes, quando da ruptura do vínculo afetivo, os genitores não conseguem manter uma relação harmoniosa e um consenso, é necessário que o Magistrado, ao fixar o regime de guarda, leve em consideração o caso concreto e o contexto ao qual a criança se encontra inserida, sempre pautado pelo princípio do melhor interesse do menor. 
 
- A Lei nº 11.698/08 exsurge com o escopo de melhor atender os interesses do menor, estabelecendo a guarda compartilhada como regra, a qual somente pode ser afastada quando as circunstâncias de ordem pessoal concretas assim determinarem, como em casos de sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os genitores. 
 
- Diante da comprovação da ausência de relação amistosa entre os genitores, bem como às questões referentes à saúde do menor, conclui-se que a fixação da guarda unilateral em favor da genitora atende integralmente o melhor interesse da infante, respeitando-se o direito de visitas do genitor ao filho, tal como estabelecido nos autos. 
 
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.202369-5/001  
- COMARCA DE RIO PIRACICABA  
 
- APELANTE (S): D.C.S.A.  
- APELADO (A)(S): M.P.P.  
- INTERESSADO (A) S: H.S.P. REPRESENTADO (A)(S) P/ MÃE D.C.S.A.P. 
 
ACÓRDÃO 
(SEGREDO DE JUSTIÇA) 
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8a Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. 
 
DESA. ÂNGELA DE LOURDES RODRIGUES 
RELATORA 
 
VOTO 
Trata-se de apelação cível interposta por D.C.S.A. contra a sentença de ordem 125 proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Rio Piracicaba, nos autos da ação de Divórcio ajuizada em face de M.P.P., na qual foi homologado o acordo parcial realizado pelas partes e julgado parcialmente procedente os pedidos iniciais, nos seguintes termos: 
 
"[...] 
III.DISPOSITIVO 
Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial, extinguindo o presente, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, incisos I e III, alínea 'b", do Código de Processo Civil, para:  
a) homologar as demais obrigações pactuadas pelas partes no ID 8889778048, as quais passam a fazer parte desta sentença;  
b) CONCEDER a guarda compartilhada do menor H. S. P. aos genitores, devendo ser lavrado o respectivo termo de guarda. 
 
Condeno as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, todavia, ficando suspensa a exigibilidade, em razão de se encontrarem amparados pelos benefícios da assistência judiciária gratuita.  
[...]". 
 
A parte apelante, nas razões recursais de ordem 130, afirma que a insurgência do presente recurso é referente à fixação da guarda compartilhada. 
 
Pontua que o menor é portador de autismo grave com inúmeros problemas, merecedor de atenção e cuidado integral. 
Destaca que o filho possui dificuldade de desenvolver habilidades próprias da idade, seletividade alimentar importante, choro e irritabilidade, necessitando de acompanhamento constate multidisciplinar, de terapia ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, neuropediatra e pediatra. 
 
Sustenta que o genitor não possui interesse em participar e resolver as questões ligadas ao menor. 
Aduz que foi vítima de violência e ameaça de morte quando pediu para o genitor cuidar do filho, tendo ele recursado e atirado o menor ao chão. Argumenta que o genitor não sabe cuidar do filho e não participa de consultas e terapias. 
 
Defende que a fixação da guarda compartilhada trará brigas e aborrecimentos diante da ausência de diálogo e harmonia entre as partes. 
Pontua que o Juízo singular ignorou as provas constantes dos autos, a violência doméstica, a negligência e o descaso do genitor em relação ao filho. 
 
Requer, ao final, seja dado provimento ao recurso para conceder a guarda unilateral a ela. 
Ausente preparo por estar a parte litigando sob o palio da gratuidade de justiça. 
 
A parte apelada apresentou contrarrazões à ordem 132, pontuando que a fixação da guarda unilateral somente ocorre quando há acordo entre as partes ou quando um dos genitores não tem condições ou vontade de exercê-la, o que não é o caso do presente feito.
 
Afirma que o único argumento para afastar a guarda compartilhada é a ausência de diálogo entre as partes, o que não se justifica. 
 
Defende que a concessão da guarda compartilhada, mesmo em situação de litígio, representa uma efetivação da doutrina da proteção integral. 
 
Requer, ao final, seja negado provimento ao recurso. 
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou, à ordem 135, pelo desprovimento do recurso interposto. 
 
É o sucinto relatório. 
 
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. 
 
A questão recursal limita-se a verificar se o MM. Juiz da causa agiu com acerto ao fixar a guarda compartilhada do menor. 
 
É cediço que ao estabelecer a detenção da guarda de menor, deve-se sempre levar em consideração o princípio constitucional do melhor interesse da criança, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico. 
 
Nessa linha, importa, em última análise, proteger e preservar as crianças e adolescentes, em vista da situação de fragilidade em que se encontram, frente ao seu desenvolvimento social, emocional e psíquico. 
 
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu art. 227, ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
 
Em consonância ao acima enunciado, o art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes "todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e igualdade". 
 
É mister garantir as condições para que o menor possa crescer inserido no melhor contexto familiar, que lhe garanta o hígido desenvolvimento material, moral e intelectual, em condições de liberdade e de dignidade. 
 
Pontua-se que o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, de forma expressa, que "é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral". 
 
Cumpre esclarecer que a guarda compartilhada foi instituída e disciplinada pela Lei nº 11.698/2008 e, posteriormente, pela Lei nº 13.058/2014, com alterações significativas que foram contempladas pelo Código Civil, em uma perspectiva de ampliar a visão sobre a convivência familiar, com implicação da corresponsabilização entre pai e mãe, para assegurar o melhor interesse da criança e adolescentes, com objetivo de protegê-los e de proporcionar-lhes estabilidade emocional, uma vez que fundamental para formação equilibrada de suas personalidades. 
 
Esta modalidade é considerada a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposição do artigo 1.584 do Código Civil, devendo ambos os genitores se responsabilizarem pelo filho, exercendo, em conjunto, os direitos e cumprindo, igualmente, deveres concernentes ao poder familiar. 
 
Paulo Lobo define a guarda compartilhada como sendo: 
"A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos. Nessa modalidade, a guarda é substituída pelo direito à convivência dos filhos em relação aos pais. Ainda que separados, os pais exercem em plenitude a autoridade parental. Consequentemente, tornam-se desnecessários a guarda exclusiva e o direito de visita, geradores de "pais de fins de semana" ou de "mães de feriados", que privam os filhos de suas presenças cotidianas (LOBO, Paulo. Direito civil - volume 5: famílias - 11 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.p. 88)". 
 
Salienta-se que, segundo o § 2º, do art. 1584 do CC, "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor". 
 
Portanto, o fato de não existir uma perfeita harmonia entre os pais, com ampla possibilidade de diálogo e concessões mútuas com vistas à tomada de decisões relacionadas ao filho em comum acordo, não inviabiliza, necessariamente, o compartilhamento. 
 
Entretanto, a imposição da guarda compartilhada não é absoluta, uma vez que a Constituição da República assegura à criança e adolescente o direito de conviver com seus genitores em um ambiente harmônico, garantindo-lhe as condições mínimas necessárias para um crescimento com dignidade. 
 
Dessa feita, considerando que muitas vezes, quando da ruptura do vínculo afetivo, os genitores não conseguem manter uma relação harmoniosa e um consenso, é necessário que o Magistrado, ao fixar o regime de guarda, leve em consideração o caso concreto e o contexto ao qual a criança se encontra inserida, sempre pautado pelo princípio do melhor interesse do menor. 
 
E é nesse sentido que a Lei nº 11.698/08 exsurge com o escopo de melhor atender a esses interesses do menor, estabelecendo a guarda compartilhada como regra, a qual somente pode ser afastada /quando as circunstâncias de ordem pessoal concretas assim determinarem, como em casos de sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os genitores, o que é o caso desta demanda. 
 
Dito isso, no caso em apreço, ainda que não exista nada que desabone a conduta do genitor, denota-se que merece reforma a sentença recorrida, porquanto verifica-se que os genitores não possuem uma relação amistosa, pelo contrário. 
 
O Relatório Psicossocial apresentado à ordem 108 revela o relacionamento conflituoso existente entre os genitores, bem como os problemas de saúde do menor, concluindo, ao final, pela fixação da guarda unilateral. 
 
Cita-se: 
"[...] 
O melhor para H. é a manutenção de sua guarda unilateral em favor de sua genitora, com as visitas a seus familiares paternos da forma como vem ocorrendo, com certa regularidade, por suas condições de saúde qualquer situação que sai fora de sua rotina poderá acarretar em prejuízo ao desenvolvimento do mesmo, a genitora é a protagonista em seu acompanhamento e intervenções de seu dia a dia, seja nas questões de saúde, escolares e em casa, com uma rotina saudável e satisfatória a criança, zelando sempre por seu bem-estar e segurança. 
[...]" 
 
Ademais, pelos relatórios médicos juntados às ordens 63/67, verifica-se que o menor H.S.P. apresenta transtorno do espectro autista, com dificuldade de desenvolver habilidades próprias da idade, seletividade alimentar, choro e irritabilidade. 
 
Em 2021, quando permaneceu afastado da genitora por 03 (três) dias e em ambiente sem estímulo para TEA, foi relatado regressão no comportamento, com mais irritabilidade e agressividade. 
 
No laudo médico, datado de 26/01/2022, foi informado pelo médico (ordens 66/67): 
"H.S.P. está em controle neurológico por transtorno do espectro autista, em acompanhamento desde 07/2020, com equipe disciplinar (terapia ocupacional e fonoaudióloga), e em uso de Risperidon para melhora do comportamento. Sempre presente nas consultas apenas com a mãe, que busca manter ótimo tratamento, seguindo orientações. Tem apresentado melhora, mas pode ter regressão quando muda ambiente, muda rotina, muda os hábitos que já segue. Portanto, ambientes tranquilos, com ruídos baixos, estímulos sensoriais adequados e presença de pessoa que H. confia, contribuem para estabilidade do humor. Após visita do pai, por mudanças da rotina do H., já houve alteração comportamental grave, e sabemos que isso prejudica o tratamento e desenvolvimento do Autismo". 
 
Portanto, respeitando o entendimento diverso do IRMP exarado no parecer de ordem 135 e considerando o melhor interesse da criança e as particularidades do caso concreto, tal como, o fato de que eventual interferência na rotina estabelecida para o menor poderá alterar significativamente o seu tratamento, entende-se ser mais razoável a concessão da guarda unilateral à genitora, resguardando o direito do genitor de visitar o filho no intuito de consolidar os vínculos afetivos e saudáveis entre eles. 
 
Destaca-se que restou demonstrado nos autos que a genitora é a pessoa de confiança do menor e que o acompanha diariamente, atendendo as suas demandas diárias. 
 
Outrossim, salienta-se que o fato de não conceder a guarda compartilhada não retira o direito do genitor de cuidar, amar e ficar próximo ao filho uma vez que o seu direito de conviver com ele foi resguardado com a regulamentação das visitas. 
 
Assim, diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao presente recurso para conceder a guarda unilateral à genitora, resguardando as visitas paternas nos termos fixados no acordo realizado e homologado. 
 
Por conseguinte, condeno o apelado ao pagamento das custas recursais. 
 
Deixo de majorar os honorários advocatícios fixados na sentença, nos termos do art. 85, § 11 do CPC, tendo em vista o entendimento fixado pelo c. STJ no tema 1059, no qual restou definido que "a majoração dos honorários de sucumbência prevista no artigo 85, parágrafo 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o artigo 85, parágrafo 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação". 
 
DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA - De acordo com o (a) Relator (a). 
DES. DELVAN BARCELOS JUNIOR - De acordo com o (a) Relator (a). 
 
SÚMULA:"DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"