Inteiro Teor
Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA AVOENGA C/C REGULAMENTAÇÃO DE VISITAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA AOS AVÓS MATERNOS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de Instrumento interposto por L.A.S. contra decisão que, nos autos de Ação de Guarda Avoenga c/c Regulamentação de Visitação proposta por M.S.V.M. e M.A.L.M., deferiu pedido de tutela de urgência para conceder a guarda provisória dos menores A.V.M.S. e G.A.M.S. aos avós maternos, ora recorridos. O agravante sustenta alienação parental, ausência de provas das acusações que lhe são imputadas e alega ter melhores condições de prestar assistência aos filhos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão:
(i) verificar se estão presentes os requisitos para a revogação da decisão que concedeu a guarda provisória dos menores aos avós maternos;
(ii) definir se o agravante apresenta, no momento, melhores condições de exercer a guarda dos menores em observância ao princípio do melhor interesse das crianças.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O princípio do melhor interesse da criança deve prevalecer nas decisões de guarda, conforme determina a Constituição Federal de 1988 (art. 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando proteção integral e primando pelo bem-estar físico, emocional e social dos menores.
4. A Lei nº 13.058/2014 estabelece a guarda compartilhada como regra, porém admite guarda unilateral ou deferimento a terceiros (art. 1.584, § 5º, do Código Civil) nos casos em que seja mais favorável ao interesse dos menores.
5. Não se constata nos autos situação de risco ou prejuízo à integridade das crianças sob os cuidados dos avós maternos, que já exercem a guarda de fato desde o falecimento da genitora.
6. A alteração da guarda provisória, sem estudo psicossocial prévio, representa medida temerária, especialmente considerando a estabilidade emocional e a continuidade do ambiente familiar dos menores.
7. O parecer do Ministério Público e a análise da Procuradoria Geral de Justiça corroboram a manutenção da guarda provisória aos avós maternos, enfatizando a ausência de indícios de risco e a necessidade de dilação probatória para decisão definitiva.
8. Segundo precedentes do STJ, devem ser evitadas alterações abruptas de guarda e residência, salvo nos casos de evidente risco, o que não se verifica na presente situação (HC 298009/SP, Rel. Ministra Nome, DJE 04/09/2014).
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
1. A guarda provisória pode ser deferida aos avós maternos quando não houver indícios de que tal situação comprometa o melhor interesse dos menores, priorizando sua estabilidade e proteção integral.
2. O princípio do melhor interesse da criança orienta a manutenção do ambiente familiar que melhor assegure seu desenvolvimento físico, emocional e social, especialmente em situações que demandem maior dilação probatória antes de uma decisão definitiva sobre a guarda.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 227; CC/2002, arts. 1.583 e 1.584; ECA, arts. 3º, 4º e 5º; Lei nº 13.058/2014.
Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 298009/SP, Rel. Ministra Nome, Terceira Turma, DJE 04/09/2014; CC 119.318/DF, Rel. Ministra Nome, Segunda Seção, DJE 02/05/2012.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.24.438346-9/001
- COMARCA DE ARAGUARI
- AGRAVANTE (S): L.A.S.
- AGRAVADO (A)(S): M.S.V.M., M.A.L.M.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. Nome
RELATOR
V O T O
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por L.A.S., contra a decisão que nos autos da Ação de Guarda Avoenga c/c Regulamentação de Visitação, proposta por M.S.V.M. e M.A.L.M., deferiu o pedido de tutela de urgência para conceder a guarda provisória dos menores A.V.M.S. e G.A.M.S., aos avós maternos, ora recorridos (eDoc 4).
O agravante sustenta, em suas razões (eDoc 1), que os agravados, em um ato de alienação parental contra o agravante, buscam distanciar os menores do recorrente, imputando-lhe condutas reprováveis.
Cita que a busca pela guarda avoenga tem como pano de fundo o enorme ressentimento pela morte da filha, genitora dos infantes, que faleceu em 23 de junho de 2024 após um trágico acidente automobilístico.
Alega que trabalha em dois empregos e sempre foi uma pessoa responsável em seus afazeres, não subsistindo lastro probatório que embase as acusações levianas realizadas pelos autores.
Defende que sempre conviveu na mesma casa que os filhos e a falecida esposa, como também trabalhou para cumprir seu dever de esteio da família.
Salienta que desde o acidente as crianças vivem com os avós maternos, os quais levaram os menores consigo quando o recorrente ainda se encontrava hospitalizado e não mais os devolveram.
Pontua que os berços e o guarda-roupas montados no quarto da casa dos avós maternos são uma criação fantasiosa, porquanto tais bens foram comprados pelo agravante e retirados de sua casa enquanto ainda estava internado na UTI.
Cita que restou comprovado por meio das despesas de cartão de crédito dos meses de dezembro de 2023, janeiro, fevereiro e março de 2024, que sempre arcou com todas as despesas dos infantes e do lar.
Diz que não usou bebida alcóolica como fora afirmado pelos autores, no dia do acidente, tampouco jamais deixou de cumprir com as obrigações familiares por conta do álcool.
Sustenta que os recorridos realizam atos de alienação parental, notadamente quando criaram uma situação fictícia, com a narrativa de que o agravante não mora com os filhos, que não dá suporte financeiro aos menores, bem como que a esposa falecida do recorrente morava com seus pais, além de alegarem que o requerido possui problemas com alcoolismo e é violento.
Com tais considerações, pugna pela concessão do efeito suspensivo à decisão que concedeu a guarda provisória dos menores aos avós maternos.
Sem preparo.
Decisão que indeferiu o pedido de concessão do efeito suspensivo (eDoc 93). Contraminuta ao eDoc 95. A d. Procuradoria Geral de Justiça, manifestando-se, opinou pelo desprovimento do agravo (eDoc 96).
RELATADOS.
Presentes os requisitos de sua admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se a controvérsia em debate, a análise em Segunda Instância, da decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência para conceder a guarda provisória dos menores A.V.M.S. e G.A.M.S., aos avós maternos, ora recorridos.
A despeito do instituto guarda, a Lei n. 13.058/2014, atualmente em vigor, determina a fixação da guarda compartilhada como regra e, alterando a redação dos artigos 1.583 e 1584 do CC/2002, veio reforçar a concepção de que ao genitor não poderá mais ser deferida a guarda apenas quando ocorrem sérios fatos impeditivos em relação à mãe. Veja-se:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1° Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
I - Requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
II - Decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 1° Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 2° Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 3° Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 4° A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 5° Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
§ 6° Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)
Recentemente, em 30/10/2023, entrou em vigor a Lei 17.713/2023, que alterou o art. 1.584, § 2º do CPC, que passou a vigorar com a seguinte redação:
§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar.
A referida lei ainda acresceu o art. 699-A ao CPC:
"Art. 699-A. Nas ações de guarda, antes de iniciada a audiência de mediação e conciliação de que trata o art. 695 deste Código, o juiz indagará às partes e ao Ministério Público se há risco de violência doméstica ou familiar, fixando o prazo de 5 (cinco) dias para a apresentação de prova ou de indícios pertinentes."
Pois bem! De início, cumpre ressaltar a previsão do artigo 227 da Constituição da República de 1988, que determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e, também, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que esses gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades, com vistas a lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
À luz dessas premissas, conclui-se que se deve sempre agir com cautela no que se refere às determinações de guarda, eis que o importante é preservar os superiores interesses da criança, que devem permear toda e qualquer relação envolvendo conflitos dessa natureza; tal critério, em verdade, foi alçado à condição de metaprincípio, por orientar toda a interpretação legislativa.
Nesse sentido, colaciono:
"Sobreleva notar que, ao se tratar de ação que envolva interesse da infância e da juventude, não são os direitos dos pais ou responsáveis, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados. É a criança que deve ter assegurado o direito de ser cuidada pelos pais ou, ainda, quando esses não manifestam interesse ou condições para tanto, pela família substituta, tudo conforme balizas definidas no art. 227 da CR/88, que seguem estabelecidas nos arts. 3º, 4º e 5º, do ECA."(CC 119.318/DF, Rel. Ministra Nome, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/04/2012, DJe 02/05/2012).
Há de se ressaltar, ainda, que a redação original do artigo 1.583 do Código Civil dispunha que quando da dissolução do vínculo conjugal entre os pais, a regra era observar o que os cônjuges dispunham sobre a guarda dos filhos, sendo que na ausência de acordo entre eles, a guarda seria atribuída a quem revelasse melhor condições para exercê-la (CC., art. 1.584).
O exercício da guarda deve sempre ocorrer em atenção aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, assim como a definição da base de moradia do menor, que é um importante referencial para a criança, ainda que tenha liberdade de frequentar a residência do outro guardião, devendo a sua implementação ocorrer de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
Contudo, das provas coligidas aos autos, entendo que razão não assiste ao agravante em seu pleito.
Isso porque, pretende o recorrente a revogação da decisão que concedeu a guarda provisória dos infantes aos avós maternos, ora recorridos, sob o argumento que os agravados praticam atos de alienação parental em desfavor do agravante, além de distorcerem a realidade dos fatos.
Pois bem.
Conforme asseverado por ambas as partes, os agravados possuem a guarda de fato das crianças desde 23 de junho de 2024, quando a genitora dos infantes, filha dos agravados, faleceu.
Lado outro, não há nos autos nenhuma informação que os menores se encontram em situação de risco com os avós, sendo prudente a melhor análise dos fatos antes da deliberação acerca da modificação da guarda das crianças.
Mais a mais, a priori, entendo que alteração da guarda e do lar de referência das crianças, sem a realização de um estudo social prévio, se mostra uma atitude temerária de se tomar neste momento.
Valho-me do parecer da Promotora de Justiça e da d. Procuradoria de Justiça para arrimar tal entendimento:
"(...) Posteriormente, considerando que os requerentes, avós maternos dos infantes supramencionados, já vêm exercendo a guarda de fato de ambos, dado que, mesmo antes do falecimento da genitora das crianças e filha dos requerentes, eles já conviviam conjuntamente, bem como que o genitor dos infantes não se incumbe das responsabilidades paternas, o Ministério Público manifesta-se pela concessão da guarda provisória dos menores G.A.M.S. e A.V.M.S. aos seus avós maternos, então requerentes desta ação.
Por fim, o Ministério Público manifesta-se, desde já, pela realização de estudo psicossocial junto às partes." (eDoc 74).
"(...) Na hipótese, a genitora dos menores faleceu em 23/06/2024, conforme certidão de óbito em ordem nº 59, de modo que os avós maternos assumiram a guarda fática dos infantes. Como dito, deve ser garantido o melhor interesse dos menores que, neste momento, se revela com a manutenção da guarda aos avós maternos. Além do mais, o feito carece de maior dilação probatória, como bem destacou o Exmo. Relator (...)
Portanto, à míngua de maior dilação probatória, considerando que não há indícios de risco à integridade dos menores, deve ser mantida a decisão recorrida.
Logo, embora a análise dos autos após a efetivação do contraditório possa indicar solução diversa, no momento, foram demonstrados elementos suficientes que autorizam a guarda em favor dos avós maternos.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, esta Procuradoria de Justiça manifesta pelo conhecimento e desprovimento do recurso, com a manutenção da decisão de ordem nº 75." (eDoc 96).
Deste modo, na análise de pedido de guarda e até mesmo de alteração da residência fixa das crianças, deve ser considerado o princípio constitucional do melhor interesse dos menores, que decorre da ordem de proteção da dignidade humana, buscando proteger e preservar as crianças em virtude da condição de pessoas em formação e da situação de fragilidade em que se encontram.
Nesse contexto, não há indícios contundentes de que o agravante tenha melhores condições, neste momento, de proporcionar a assistência material, moral e educacional mínimas às crianças e que, por isso, deva lhe ser deferida a guarda dos infantes.
Assim, inexistindo elementos suficientes nos autos a apontar, com a segurança necessária, que a alteração da guarda é salutar aos interesses dos infantes, recomenda-se exauriente instrução probatória, de forma a proporcionar ao julgador base segura para seu convencimento.
Desse modo, é o entendimento do col. Superior Tribunal de Justiça:
"nas disputas de custódia de crianças e adolescentes devem ser evitadas sucessivas e abruptas alterações de guarda e residência, ressalvados os casos de evidente risco" (HC 298009/SP, Rel. Ministra Nome, TERCEIRA TURMA, Julgado em 19/08/2014, DJE 04/09/2014).
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas ao final, pelo vencido.
DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."