#1 - Guarda Unilateral. Medida Protetiva. Redução da Verba Alimentar.

Data de publicação: 06/05/2025

Tribunal: TJ-RS

Relator: Luis Gustavo Pedroso Lacerda

Chamada

(...) “Relataram que a genitora viveu em união estável com a parte ré por sete anos, da qual nasceu a criança Nome, à época com cinco anos de idade. Narraram que, no decorrer dos anos, a genitora sofreu diversas agressões físicas pela parte ré na presença da filha do casal.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA C/C ALIMENTOS. GUARDA UNILATERAL EM FAVOR DA MÃE. MANUTENÇÃO. EXPEDIÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA QUE ENSEJA CAUTELA. REDUÇÃO DA VERBA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTE PROVA DA CONDIÇÃO FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. SENTENÇA MANTIDA.INOBSTANTE A GUARDA COMPARTILHADA SEJA A USUAL, NO CASO, DEVE SER MANTIDA, EM RAZÃO DA TENTATIVA DE FEMINICÍDIO PRATICADA PELO RÉU EM FRENTE DA FILHA.ALIMENTOS QUE DEVEM SER MANTIDOS NO PERCENTUAL DE 25% SOBRE O SALÁRIO-MÍNIMO, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE PROVA SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE O ALIMENTANTE ARCAR COM A OBRIGAÇÃO COMO FIXADA. APELAÇÃO CÍVEL DESPROVIDA.

(TJ-RS - Apelação: 50012442920188216001 PORTO ALEGRE, Relator: Luis Gustavo Pedroso Lacerda, Data de Julgamento: 24/06/2024, Primeira Câmara Especial Cível, Data de Publicação: 01/07/2024)

Jurisprudência na Íntegra
Inteiro Teor  
 
PODER JUDICIÁRIO 
 
----------RS---------- 
 
Documento:20005885005 Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 1ª Câmara Especial Cível 
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906 
 
Apelação Cível Nº 5001244-29.2018.8.21.6001/RS 
TIPO DE AÇÃO: Guarda 
 
RELATOR: Desembargador Nome 
 
RELATÓRIO 
Adoto o relatório da sentença (evento 125, SENT1): 
 
"Trata-se de ação sob o procedimento especial ajuizada por Nome por si e na qualidade da representante legal da criança/adolescente Nome, em face de Nome, ambos qualificados nos autos do processo em epígrafe, pela qual pretende a concessão da guarda unilateral da criança/adolescente Nome com a regulamentação das visitas e a condenação da parte ré ao pagamento de prestação alimentícia em 35% do salário-mínimo nacional vigente na data do pagamento. 
 
Relataram que a genitora viveu em união estável com a parte ré por sete anos, da qual nasceu a criança Nome, à época com cinco anos de idade. Narraram que, no decorrer dos anos, a genitora sofreu diversas agressões físicas pela parte ré na presença da filha do casal e da criança M.S.B, filha exclusiva da genitora, tendo culminado na tentativa de feminicídio, não consumado em razão do socorro prestado por vizinhos e pela filha exclusiva da genitora, já maior de idade, Nome, a ponto de a genitora permanecer internada em hospital. Contaram que, em razão desses fatos, a parte ré foi presa em flagrante, o que levou as filhas da genitora a permanecerem sob a supervisão da filha Nome. 
 
Salientaram que estão vigentes medidas protetivas de urgências deferidas em favor da genitora nos autos do processo nº 001/2.17.0108871-0. Defenderam a necessidade de concessão da guarda unilateral diante do quadro de violência doméstica e familiar vivenciada pela genitora e pelas crianças, bem assim do fato de que foi sempre quem prestou cuidados à filha. 
 
Apontaram que possui um gasto mensal de R$ 600 com a filha e que a parte ré possui profissão de repositor com renda mensal de R$ 1.053,42. Indicaram a necessidade de estudo psicossocial para avaliação das visitas paternas. 
 
Requereram a concessão da assistência judiciária gratuita e a concessão de tutela provisória de urgência para fixação da guarda provisória unilateral e para arbitramento dos alimentos provisórios em 35% do salário-mínimo nacional. 
 
Anexaram documentos (evento 3, PROCJUDIC1, p. 10-24). 
 
Deferiu-se a gratuidade de justiça e a tutela provisória de natureza antecipada com fundamento na urgência para conceder provisoriamente a guarda unilateral da filha do ex-casal e para fixar alimentos provisórios em 25% do salário-mínimo nacional e ordenou-se a citação da parte ré (evento 3, PROCJUDIC1, p. 25-26). 
 
Citada (evento 3, PROCJUDIC1, p. 29-30), a parte ré requereu a nomeação da Defensoria Pública. 
Declarou-se à revelia da parte ré e nomeou-lhe a Defensoria Pública como curadora especial (evento 3, PROCJUDIC1, p. 32). 
 
A parte ré apresentou contestação (evento 3, PROCJUDIC1, p. 34-44). Defendeu a guarda compartilhada por apresentar iguais condições aos da genitora para exercício da guarda. Sustentou a necessidade de fixação das visitas paternas, visto que a concessão da medida protetiva não é capaz de privar-lhe da visita e não há evidências de negligência do genitor nos cuidados com a filha. Argumentou que está desempregado, razão pela qual não possui condições de adimplir obrigação alimentar em 35% do salário-mínimo nacional. 
 
Requereu a concessão de tutela provisória de urgência para regulamentar provisoriamente as visitas em finais de semana alternados, devendo a parte ré buscar a filha na escola na sexta-feira e devolvê-la na segunda-feira, também na escola, tendo em vista a existência de medida protetiva em favor da parte autora; festas de final de ano e feriados de modo alternado; dia dos pais com o pai, dia das mães com a mãe e férias divididas igualitariamente. Postulou, ainda, a fixação da verba alimentar em 15% do salário-mínimo nacional ou dos seus rendimentos líquidos em caso de vínculo formal. Acostou documentos (evento 3, PROCJUDIC1, p. 45 a evento 3, PROCJUDIC2, p. 05). 
 
Intimada, a parte autora ofereceu réplica (evento 3, PROCJUDIC2, p. 07-11). Arguiu inadequação da veiculação da pretensão de regulamentação de visitas paternas na peça de contestação sem apresentação de reconvenção. Reiterou os argumentos expostos na petição inicial. 
 
Rejeitou-se a preliminar arguida e ordenou-se a realização de avaliação social e psicológica e a expedição de ofício à Escola Municipal a que estava matriculada a filha para obter informações quanto ao responsável junto à instituição (evento 3, PROCJUDIC2, p. 20). 
 
Intimadas, as partes não indicaram assistente técnico, tampouco formularam quesitos (evento 3, PROCJUDIC2, p. 25). 
 
Juntou-se ofício expedido pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Vila Monte Cristo (evento 3, PROCJUDIC2, p. 39-40). 
 
Anexaram-se laudo social (evento 3, PROCJUDIC2, p. 46) e o laudo psicológico (evento 3, PROCJUDIC3, p. 03-09), sobre os quais as partes, intimadas, se manifestaram (evento 3, PROCJUDIC3, p. 17-19 e 22-23). 
 
Intimado, o Ministério Público se manifestou sobre os laudos e requereu a regulamentação provisória das visitas paternas intermediada pela CAPM com envio de relatórios mensais e com a incumbência de definir a periodicidade de visitas (evento 3, PROCJUDIC3, p. 26-27). 
 
Regulamentaram-se as visitas paternas de maneira assistida pela CAPM, determinou-se a inclusão do núcleo familiar em tratamento psicoterápico e ordenou-se a intimação das partes para se manifestar interesse na produção de provas (evento 3, PROCJUDIC3, p. 28-29). 
 
Intimadas, a parte autora requereu o julgamento do processo no estado em que se encontra (evento 3, PROCJUDIC3, p. 39), ao passo que a parte ré postulou a produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal da parte autora e a oitiva de testemunhas (evento 3, PROCJUDIC3, p. 41-42). 
 
Designou-se audiência de instrução (evento 3, PROCJUDIC3, p. 44). 
 
Juntou-se laudo psicológico referente às visitas assistidas (evento 3, PROCJUDIC4, p. 07-15). 
 
Em audiência aprazada para o dia 09/07/2019, determinou-se a renovação das visitas assistidas e a intimação da parte autora para comprovar o acompanhamento psicológico dela e da filha e ordenou-se a redesignação da audiência (evento 3, PROCJUDIC4, p. 18-19). 
 
Acostaram-se laudos psicológicos quanto às visitas assistidas (evento 3, PROCJUDIC4, p. 21-24 e 38-39) 
Intimadas dos relatórios/laudos, as partes se manifestaram (evento 3, PROCJUDIC5, p. 01-04). 
Anexou-se novo relatório psicológico das visitas assistidas (evento 3, PROCJUDIC5, p. 06-11), sobre o qual as partes se manifestaram (evento 3, PROCJUDIC5, p. 22-23 e 26). 
 
Designou-se audiência de mediação, a qual restou frustrada (Evs. 44 e 57). 
Ordenou-se a intimação pessoal da parte autora para se manifestar e impulsionar o feito, não tendo sido localizada (Ev. 61 e 75). 
Intimadas, as partes requereram o julgamento no estado em que se encontra (Ev. 103 e 114). 
Intimado, o Ministério Público exarou parecer pela procedência parcial dos pedidos veiculados (Ev. 121). 
 
É o relatório. Passo a decidir." 
 
Sobreveio dispositivo de parcial procedência dos pedidos, proferido nos seguintes termos: 
"Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos veiculados na petição inicial para, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e confirmando a liminar deferida parcialmente, (i) fixar a guarda unilateral da criança J.A.D.S. em favor da genitora; (ii) regulamentar a visitação paterna, nos seguintes termos: visitas em ambientes seguros preferencialmente em locais públicos, com presença de pessoa de confiança da genitora ao menos uma vez na semana por, no mínimo, 3h, em horários e dias a serem ajustados entre as partes, recomendado o intermédio de terceiro para salvaguardar as medidas protetivas de urgência.; e (iii) condenar a parte ré ao pagamento de prestação alimentícia em favor da criança J.A.D.S. no percentual de 25% do salário mínimo nacional vigente na data do pagamento, a ser depositado na conta bancária de titularidade da genitora até o dia 10 de cada mês. 
 
Cabe recordar que, de acordo com a Súmula nº 621/STJ," [o]s efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade. "(Súmula n. 621, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe de 17/12/2018.) 
 
Defiro, ainda, à parte ré o benefício da gratuidade de justiça. Anote-se. 
Expeça-se o termo de guarda unilateral definitivo. 
 
Considerando o artigo 406 do Código Civil e a jurisprudência do STJ de que "a taxa de juros de mora a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002 é a SELIC"(EDcl no AgInt no AREsp n. 1.074.010/RS, relatora Ministra Nome, Quarta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 30/11/2023.), bem assim que a SELIC engloba juros e correção monetária, as prestações vencidas deverão ser corrigidas exclusivamente pela SELIC. 
 
Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação, correspondente ao montante das prestações alimentícias, restrito às doze prestações mensais ulteriores ao ajuizamento da demanda, diante do tempo de tramitação e da instrução realizada, a teor dos artigos 292, III, e 85, §§ 1º e 2º, do CPC. Para tanto, as prestações deverão ser atualizadas pela SELIC. 
 
A exigibilidade desses encargos permanece suspensa em razão da concessão da assistência judiciária gratuita, a teor do artigo 98, § 3º, do CPC." 
 
O réu apelou (evento 141, RAZAPELA1). Em suas razões, salientou que sempre foi um pai amoroso e responsável, em que pese a situação que ensejou sua condenação criminal. Alegou que jamais praticou qualquer ato que colocasse em perigo sua filha. Diante disso, postulou a guarda compartilhada da menor, com residência materna. Destacou estar sendo duplamente penalizado, uma na esfera criminal e outra nesta demanda se permanecer a guarda unilateral em favor da mãe. Defende a ampliação de convivência com sua filha em final de semana alternados, buscando a menina na sexta-feira na escola e a devolvendo na segunda-feira também na escola. Em relação aos alimentos fixados na origem em 25% do salário-mínimo, aduziu estar desempregado, sendo onerosa a verba para sua atual condição financeira. Postulou a redução dos alimentos para 15% do salário-mínimo. Nesses termos, requereu o provimento do apelo. 
 
Apresentadas contrarrazões (evento 146, PET1) pelo desprovimento do recurso. 
O parecer ministerial, neste grau recursal (evento 16), opinou pela manutenção da sentença e desprovimento do apelo. 
Relatei sucintamente. 
 
VOTO 
A peça recursal foi interposta tempestivamente e atende aos requisitos do art. 1.010 do Código de Processo Civil, razão pela qual conheço do apelo. 
 
A guarda, instituto vetusto do direito, é “palavra originária do germânico wardon que se traduz por 'buscar com a vista', ou, segundo outros, derivada de warten que significa 'esperar'. Designa o ato ou o efeito de guardar. Juridicamente o termo é empregado com o sentido de proteção, vigilância, administração, observação. Identifica, também, o indivíduo incumbido de proteger pessoas ou bens”1. 
 
Para o direito inglês, o conceito de “guardian” é definido como “one who is formally appointed to look after a child's interests when the parents of the child do not have parental responsibility for him or have died. Appointment can be made either by the courts during family proceedings, if is considered necessary for the child's welfare, or privately by any parent with parental responsibility”2, ou, em tradução livre, o guardião é aquele formalmente indicado para o cuidado de uma criança, na impossibilidade dos pais. A nomeação do guardião pode ser judicial ou pelo próprio genitor que detenha o pátrio poder. 
 
A guarda dos filhos, oriunda da relação entre os cônjuges, é dever desses, como assim destacado da lição da doutrina clássica: 
Ainda se incluem nos deveres do marido e da mulher o sustento, a guarda e a educação dos filhos. Lê-se em GAIO (I, § 55): 'In potestate nostra sunt liberi nostri quos iustis nuptiis procreavimus”. Sustentar é dar alimento, roupa e, quando necessário, recursos médicos e terapêuticos; guardar signifca acolher em casa, sob vigilância e amparo; educar consiste em instruir, ou fazer instruir, dirigir, moralizar, aconselhar”3. 
 
Estabelecida a dissolução do liame entre os cônjuges, responsáveis e guardiões dos filhos, é necessário que seja igualmente definido a quem caberá o dever de permanecer com a vigilância imediata dos descendentes, como também destacava, a seu tempo, a lição da doutrina do direito de família ensinava que “no pedido de separação consensual, devem os cônjuges mencionar a existência de filhos menores ou inválidos, dispondo então a respeito de sua guarda, criação e educação. Em linha de princípio, os cônjuges podem convencionar que os filhos ficarão com o pai ou com a a mãe; ou podem distribuí-los entre ambos, sofrendo restrições apenas a chamada 'custódia conjunta', como também pode ser convencionada a guarda dos mesmos a terceira pessoa, parente ou não, ou confiá-los a um colégio interno”4. 
 
A doutrina contemporânea, atenta ao desenvolvimento do instituto, tece considerações importantes: 
 
Assim, entendemos que a culpa deixou de ser referência, também, no âmbito da fixação da guarda de filhos. 
 
Vale dizer, se não há razão fundada no resguardo do interesse existencial da criança ou do adolescente, o cônjuge que apresentar melhores condições morais e psicológicas poderá deter a sua guarda, independentemente da aferição da culpa no fim da relação conjugal. 
 
É digno de nota que, a partir da Lei nº 11.698, de 2008, a guarda compartilhada ou conjunta passou a ser a modalidade preferível em nosso sistema, passando, com a Lei nº 13.058, de 2014, a ser o regime prioritário, salvo manifestação de recusa expressa5. 
 
Neste caso, como relatado, pretende o apelante obtenção da guarda compartilha de sua filha Nome, com 12 anos de idade (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 12). 
 
Ocorre que, no caso, diante das questões fáticas demonstradas nos autos de origem, deve ser mantida a sentença que determinou a guarda unilateral da menor em favor da genitora. 
 
Verifica-se dos autos que o apelante, após agredir sua ex-companheira com golpes de faca em frente da menor, ocasionando graves ferimentos e a internação hospitalar da vítima, foi afastado do lar e ficou proibido de se aproximar da autora e da filha, que tiveram medida protetiva expedida em seu favor (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 17/19). 
 
Em que pese a existência de medida protetiva não possa ensejar a proibição do pai conviver com seu filho, a análise da questão da guarda deve ser feita com cautela, sob a ótica do interesse e proteção da criança. Ademais, o pretendido compartilhamento pressupõe cooperação entre os genitores para melhor atenderem aos interesses dos filhos em comum. 
 
Com isso, diante do comportamento violento do apelante e da proibição de manter contato com a ex-companheira, deve ser mantida a guarda unilateral em favor da genitora, assim como mantidas as visitas de forma assistida. 
 
Ressalta-se, ainda, o não comparecimento do réu/apelante na perícia psicológica previamente agendada, demonstrando o desinteresse do mesmo com relação ao contexto familiar em que inserida sua filha. 
 
Nesse sentido, é como julga esta Câmara: 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS, GUARDA E CONVIVÊNCIA. A SENTENÇA FIXOU A GUARDA UNILATERAL MATERNA, VISITAÇÃO PATERNA LIVRE E ALIMENTOS EM 30% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO APELANTE E 40% DO SALÁRIO-MÍNIMO EM CASO DE DESEMPREGO, PARA TRÊS FILHAS MENORES DE IDADE. DESCABIDA REFORMA DA SENTENÇA. 1. ALTERAÇÕES SOBRE A GUARDA NECESSITAM DE CAUTELA, A FIM DE EVITAR MUDANÇA BRUSCA DE ROTINA. CONDIÇÃO EXCETUADA PARA CASOS ONDA HÁ COMPROVAÇÃO DE PERIGO OU RISCO IRREPARÁVEL. PROVA PRODUZIDA NA ORIGEM QUE DEMONSTRA A CONCESSÃO DE MEDIDA PROTETIVA À GENITORA DAS MENORES, EM RAZÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EVIDÊNCIAS DOS ALEGADOS RISCOS. APLICAÇÃO DA LEI 14.713/2023. MANTIDA GUARDA UNILATERAL MATERNA. 2. CONVIVÊNCIA PATERNA, ESTIPULADA DE FORMA LIVRE, PARA EVITAR AUMENTO DA BELIGERÂNCIA ENTRE OS GENITORES. AUSÊNCIA DE IRRESIGNAÇÃO MATERNA. A FIXAÇÃO DAS VISITAS NA FORMA REQUERIDA PELO APELANTE, ENGESSA O LIVRE ACESSO DAS MENORES AO CONVÍVIO PARENTAL. PRIORIDADE À RELAÇÃO HARMONIOSA ENTRE OS GENITORES SOBRE OS INTERESSES DAS FILHAS. AUSÊNCIA DE LAUDOS. 3. DOS ALIMENTOS. TRATA-SE DE TRÊS FILHAS MENORES DE IDADE, COM NECESSIDADES PRESUMIDAS. AUSÊNCIA DE PROVA SOBRE OS GANHOS DO APELANTE OU IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM A OBRIGAÇÃO NO PATAMAR DETERMINADO. ÔNUS QUE LHE TOCAVA, CONFORME CONCLUSÃO Nº 37 DO CENTRO DE ESTUDOS DO TJRS. PATAMAR FIXADO NA SENTENÇA QUE SE MOSTRA MÓDICO PARA ATENDER AS NECESSIDADES DE TRÊS ALIMENTADAS. MANTIDA A SENTENÇA. APELO DESPROVIDO.  
(Apelação Cível, Nº 50004144220188213001, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 19-02-2024) Grifei 
 
Quanto aos alimentos, tem-se que a palavra “alimento” tem, em direito, acepção técnica. (…) juridicamente, os alimentos compreendem tudo que é necessário ao sustento, à habitação, à roupa (Ordenações Filipinas, Livro I, título 88, § 15: “...o que lhes necessário for para seu mantimento, vestido e calçado e todo o mais”), ao tratamento de moléstias (Nome, Direito Civil português, I, 219) e, se o alimentário é menor, às despesas de criação e educação (Ordenações Filipinas, Livro I, Título 88, § 15: “E mandará ensinar a ler e escrever àqueles que forem para isso”)6. 
 
Para o direito inglês, o conceito de “maintenance” significa “the provision of food, clothing, and other basic necessities of life”, isto é, em tradução livre, o fornecimento de alimentação, vestuário e outras necessidades básicas da vida. Prossegue a doutrina britânica, anotando que a “husband or wife is obliged do maintain his or her spouse”, ou seja, que os cônjuges são obrigados ao auxílio recíproco. No que tange aos genitores, assinala que “parents are bound at common law to maintain their minor children, and since the Familiy Law Reform Act 1987 and the Child Support Act 1991 both parents, whether married or not, have a legal responsibility to support their children financially if they can afford to do so”, ou, em outras palavras, ainda em tradução livre, a regra do direito consuetudinário é de que os “pais devem auxílio aos seus filhos”, o que foi recepcionado pela legislação escrita expressa7. 
 
No direito alemão, é o art. 1601 do Código Civil que estabelece, literalmente, “verwandte in gerader Nome sind verplichtet, einander Unterhlat zu gewähren”, isto é, os parentes diretos são obrigados a prestar alimentos reciprocamente8. Na interpretação da doutrina, essa obrigação afeta os pais em relação aos filhos e aos netos, tanto quanto os filhos e os netos em relação aos pais e avós, ou, na redação original, “Das betrifft Eltern im Verhältnis zu ihren Nome und Enkelkindern, aber auch in der anderen Nome gegenüber ihren Eltern und Grosseltern”9. 
 
A doutrina clássica destacava “adotada no direito para designar o conteúdo de uma pretensão ou de uma obrigação, a palavra 'alimentos' vem a significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida, são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção”10. 
 
Na doutrina contemporânea, “quando, cotidianamente, utiliza-se a expressão ‘alimentos’, é extremamente comum se fazer uma correspondência com a noção de ‘alimentação’, no sentido dos nutrientes fornecidos pela comida. Todavia, a acepção jurídica do termo é muito mais ampla. De fato, juridicamente, os alimentos significam o conjunto de prestações necessárias para a vida digna do indivíduo”. 
 
Esse conceito é derivado da própria redação do artigo 1.694 do Código Civil (2002). 
 
Nesse viés, o “fundamento da prestação alimentar encontra assento nos princípios da dignidade da pessoa humana, vetor básico do ordenamento jurídico como um todo, e, especialmente, no da solidariedade familiar”. 
 
Nessa linha, consideram-se compreendidas no conceito de alimentos todas as prestações necessárias para a vida e a afirmação da dignidade do indivíduo”11. 
 
Neste caso, a menor Nome conta com 12 anos de idade e tem necessidades básicas presumidas com vestuários, ensino, lazer, alimentos e moradia. Por outro lado, não há nos autos elementos que demonstre alguma necessidade extraordinária da menina. 
 
O genitor, por sua vez, deixou de comprovar seus rendimentos ou como mantém sua subsistência, ônus que lhe cabia. 
 
Assim, não vindo algum elemento de prova nos autos que justifique a incapacidade do apelante de arcar com o percentual fixado na sentença, deve ser mantida a obrigação alimentar em 25% do salário-mínimo. 
 
Nesse contexto, ilustro decisão de caso análogo: 
APELAÇÕES CÍVEIS. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO C/C ALIMENTOS, GUARDA DO FILHO E PARTILHA DE BENS. PROCESSO CIVIL. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. A interposição de apelação fora do prazo previsto no § 5º do art. 1.003 do CPC leva ao não conhecimento do recurso. Hipótese em que a apelação da autora é intempestiva. Precedentes do TJRS.  
 
DUAS FILHAS MENORES. VERBA ALIMENTAR FIXADA EM 40% DO SALÁRIO-MÍNIMO NACIONAL. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA DESCUMPRIDO. CONCLUSÃO Nº 37 DO CENTRO DE ESTUDOS DO TJRS. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. CARÁTER CONTINUATIVO DA PRESTAÇÃO. São presumidas as necessidades do filho menor, devendo os alimentos ser fixados na proporção das necessidades do alimentando e dos recursos da pessoa obrigada. Autoriza-se o redimensionamento do encargo alimentar quando demonstrada prova efetiva e suficiente de alteração da possibilidade do alimentante e/ou das necessidades do alimentando, situações inocorrentes. Observância ao binômio alimentar de que trata o § 1º do art. 1.694 do Código Civil. Ausente prova efetiva da alegada impossibilidade do alimentante, a justificar a pretensão de redução da obrigação alimentícia, fixada em favor das filhas menores na sentença no valor correspondente a 40% (quarenta por cento) do salário mínimo nacional, mensalmente, impossibilita-se a minoração postulada no recurso, não tendo a alegada insuficiência financeira e a existência de outra prole, no caso concreto, o condão de minorar a prestação alimentar, percentual condizente às possibilidades do alimentante e às necessidades presumidas das alimentandas. “Em ação de alimentos é do réu o ônus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor postulado.”  
 
- Conclusão nº 37 do Centro de Estudos do TJRS. As sentenças proferidas em ações de alimentos trazem ínsita a cláusula rebus sic stantibus, não sendo imutável oquantum fixado, pois, sobrevindo mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, possibilitam-se exoneração, redução ou majoração do encargo, impedindo o caráter continuativo da prestação a formação da coisa julgada material. Inteligência do art. 1.699 do Código Civil. Precedentes do TJRS.  
 
 
 
DUAS FILHAS MENORES. CONVIVÊNCIA PATERNA SUSPENSA. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE DAS MENORES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE SUSPENDEU A VISITAÇÃO PATERNO-FILIAL. Em regra, a fim de preservar a necessária convivência entre pais e filhos, deve ser regularizada a visitação. Hipótese em que a suspensão do direito de visita do réu às filhas foi determinada na sentença ora atacada, a partir da notícia de que há indícios de suposto abuso sexual cometido contra as filhas. Em que pese o genitor negue as acusações, houve a instauração de procedimento administrativo, a fim de apurar as alegações, bem como está em trâmite junto à Delegacia de Polícia investigação sobre os fatos, por isso, a mera negativa dos fatos não é suficiente para se restabelecer a convivência paterno-filial, de modo que, atendendo o melhor interesse das menores, resta mantida a suspensão da visitação paterno-filial determinada na origem. Apelação da parte autora não conhecida. Apelação da parte ré desprovida.  
(Apelação Cível, Nº 50006125020218210002, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 24-04-2024) Grifei 
 
Dessarte, deve ser mantida a sentença recorrida. 
 
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao apelo, com majoração da verba honorária devida, consoante dispõe o § 11 do art. 85 do CPC, para 18% (dezoito porcento) sobre o valor da condenação na forma estipulada na origem, mantida a suspensão da exigibilidade pela gratuidade concedida. 
 
Enciclopédia Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, vol. 40, p. 260. 
OXFORD Dictionary of Law, Oxford University Press, 1997, p. 207 
PONTES DE MIRANDA, in Tratado de Direito Privado, Tomo IVIII, Editor Borsoi, 1955, p. 113 
CAHALI, Youssef Said, in Divórcio e Separação, 8ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, pp. 245/246 
GAGLIANO, Pablo e Nome, Rodolfo, in, Novo Curso de Direito Civil, Direito de Família, 13ª ed., Saraiva, São Paulo, 2023, pp. 555/559 
PONTES DE MIRANDA, in Tratado de Direito Privado, Tomo IX, Editor Borsoi, 1955, p. 207 
OXFORD Dictionary of Law, Oxford University Press, 1997, p. 278 
Bürgerliches Gesetzbuch, Nome, Munchen, 2012, p. 343 
WELLENHOFER, Marina, in Familienrecht, 2. Auflage,München, 2011, p. 300 
CAHALI, Youssef S., in Dos Alimentos, 2ª ed., Editora RT, São Paulo, 1994, p. 13 
GAGLIANO, Pablo e Nome, Rodolfo, in, Novo Curso de Direito Civil, Direito de Família, 13ª ed., Saraiva, São Paulo, 2023, pp. 643/644 
 
Documento:20005885006 Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
1ª Câmara Especial Cível 
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906 
 
Apelação Cível Nº 5001244-29.2018.8.21.6001/RS 
TIPO DE AÇÃO: Guarda 
 
RELATOR: Desembargador Nome 
 
EMENTA 
apelação cível. direito de família. ação de guarda c/c alimentos. guarda unilateral em favor da mãe. manutenção. expedição de medida protetiva que enseja cautela. redução da verba alimentar. impossibilidade. ausente prova da condição financeira do alimentante. sentença mantida. Inobstante a guarda compartilhada seja a usual, no caso, deve ser mantida, em razão da tentativa de feminicídio praticada pelo réu em frente da filha. Alimentos que devem ser mantidos no percentual de 25% sobre o salário-mínimo, tendo em vista a ausência de prova sobre a impossibilidade de o alimentante arcar com a obrigação como fixada. Apelação cível desprovida. 
 
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao apelo, com majoração da verba honorária devida, consoante dispõe o § 11 do art. 85 do CPC, para 18% (dezoito porcento) sobre o valor da condenação na forma estipulada na origem, mantida a suspensão da exigibilidade pela gratuidade concedida, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado. 
 
Porto Alegre, 24 de junho de 2024.