#1 - Destituição do Poder Familiar. Adoção. Situação de Risco.

Data de publicação: 28/01/2025

Tribunal: TJ-MG

Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa

Chamada

(...) “Em demandas que envolvam o direito da criança e adolescente, sobretudo naquelas em que debatida a delicada questão da destituição do poder familiar, a solução deve pautar-se no melhor interesse da criança, a merecer atenção prioritária.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO - ANÁLISE PELA PERSPECTIVA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - SITUAÇÃO DE RISCO QUE ENSEJOU A APLICAÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ABRIGAMENTO EM FAVOR DA CRIANÇA AINDA RECÉM-NASCIDA - DEFERIMENTO DA GUARDA PROVISÓRIA PARA A TIA PATERNA, QUANDO A MENOR AINDA NÃO HAVIA COMPLETADO UM ANO DE IDADE - AMEAÇA PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA ESTANCADA PELA MEDIDA DE PROTEÇÃO - PERÍODO APROXIMADO DE QUATRO ANOS EM QUE A GENITORA BIOLÓGICA SE MANTEVE DISTANTE - INOCORRÊNCIA DE INTERESSE OU PROVIDÊNCIAS EFETIVAS E AFETIVAS NA RETOMADA DO VÍNCULO OU REINSERÇÃO DA MENOR NA FAMÍLIA NATURAL - ABANDONO MATERIAL, AFETIVO E DESCUMPRIMENTO REITERADO DA AUTORIDADE PARENTAL CORROBORADO PELO FATO DE A CRIANÇA NÃO RECONHECER A APELANTE COMO MÃE - CONDUTA SANCIONADA COM A PERDA DO PODER FAMILIAR - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE ADOÇÃO EM CONSONÂNCIA COM O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - RECURSO DESPROVIDO.

(TJ-MG - Apelação Cível: 50006257020228130476, Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado), Data de Julgamento: 23/08/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especi / Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 23/08/2024)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO - ANÁLISE PELA PERSPECTIVA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - SITUAÇÃO DE RISCO QUE ENSEJOU A APLICAÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ABRIGAMENTO EM FAVOR DA CRIANÇA AINDA RECÉM-NASCIDA - DEFERIMENTO DA GUARDA PROVISÓRIA PARA A TIA PATERNA, QUANDO A MENOR AINDA NÃO HAVIA COMPLETADO UM ANO DE IDADE - AMEAÇA PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA ESTANCADA PELA MEDIDA DE PROTEÇÃO - PERÍODO APROXIMADO DE QUATRO ANOS EM QUE A GENITORA BIOLÓGICA SE MANTEVE DISTANTE - INOCORRÊNCIA DE INTERESSE OU PROVIDÊNCIAS EFETIVAS E AFETIVAS NA RETOMADA DO VÍNCULO OU REINSERÇÃO DA MENOR NA FAMÍLIA NATURAL - ABANDONO MATERIAL, AFETIVO E DESCUMPRIMENTO REITERADO DA AUTORIDADE PARENTAL CORROBORADO PELO FATO DE A CRIANÇA NÃO RECONHECER A APELANTE COMO MÃE - CONDUTA SANCIONADA COM A PERDA DO PODER FAMILIAR - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE ADOÇÃO EM CONSONÂNCIA COM O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - RECURSO DESPROVIDO. 

  

1. Em demandas que envolvam o direito da criança e adolescente, sobretudo naquelas em que debatida a delicada questão da destituição do poder familiar, a solução deve pautar-se no melhor interesse da criança, a merecer atenção prioritária. 

  

2. A destituição do poder familiar configura sanção extrema, que somente deve ser aplicada aos pais como último recurso, quando falharem todas as medidas que fomentem a manutenção ou reinserção da criança junto à família natural (artigos 19, § 3º, 100, X e 129, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente). Viabilidade da regra que depende, contudo, de que seja demonstrado efetivo interesse e comprometimento da genitora biológica em retomar o vínculo comprometido pela medida de proteção aplicada - guarda provisória deferida para a tia patena. Descontinuidade no acompanhamento psíquico e distanciamento da genitora que, dentre outros motivos, inviabilizou qualquer tentativa exitosa de reaproximação ou mesmo reinserção da criança, que não pode ser imputada aos órgãos integrantes da rede de proteção. 

  

3. Para que seja decretada a perda do poder familiar, o abandono afetivo e material associado à negligência reiterada quanto ao cumprimento dos deveres de cuidado que alcançam os pais, deve se revestir de gravidade suficiente para colocar em xeque os direitos fundamentais da criança. 

  

4. Quadro de riscos para a criança que justificou o seu abrigamento ainda recém-nascida e que antes de completado um ano de vida teve a guarda deferida para a tia paterna, cujo zelo, dedicação e carinho dispensados acabaram por estancar as ameaças, propiciando um contexto viabilizador do desenvolvimento integral e sadio da menor; distanciamento da genitora biológica que não demonstrou interesse ou providência efetivos na aproximação e estreitamente dos laços com a filha, ou tampouco condições de fazê-lo pelo período aproximado de quatro anos, que acabou por originar um vínculo fático de filiação animado por razões afetivas; cenário de abandono material e afetivo, corroborado, ademais, pelo apontamento constante da prova técnica de que a criança não reconhece a genitora biológica como mãe, que autoriza a destituição do poder familiar - abandono e descumprimento reiterado dos deveres próprios da autoridade parental que são tipificados no artigo 1.638, II e IV, do Código Civil, como condutas sancionadas com a destituição do poder familiar. 

  

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.249343-5/001 - COMARCA DE PASSA-QUATRO - APELANTE (S): E.C.S. - APELADO (A)(S): D.K.A. - INTERESSADO (A) S: E.W.A.O., M.P.-. M. 

  

A C Ó R D Ã O 

  

(SEGREDO DE JUSTIÇA) 

  

Vistos etc. Acorda, em Turma, a Câmara Justiça 4.0 - Especializada Cível-4 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. 

  

JD. CONVOCADO Nome 

RELATOR 

   

V O T O 

Trata-se de recurso de apelação interposto por E.C.A.S. nos autos da destituição de poder familiar c/c adoção ajuizada contra ela e contra E.W.A.O. por D.K.A., pretendendo a reforma da r. sentença proferida pelo MM. Magistrado da Comarca de Passa Quatro/MG (doc. 128) que julgou procedentes os pedidos iniciais para:  

i) decretar a perda do poder familiar dos réus E.C.S. e E.W.A.O., em relação à criança N.A.S., nascida em 07/06/2018;  

ii) deferir a adoção da menor por D.K.A., passando a criança a se chamar N.E.A., adotando o nome dos avós maternos da requerente. Foi veiculada ordem para a expedição de mandado de averbação à margem do registro de nascimento da criança. Não foram fixadas custas ou honorários advocatícios. 

  

Inconformada, narrou a primeira ré, E.C.A.S., que após a prolação da sentença foram interrompidas pela parte autora as visitas que, após a concessão da tutela de urgência no processo nº. 5000981-65.2022.8.13.0476 vinham sendo realizadas pelos avós maternos da criança e pela apelante, motivo pelo qual requereu a concessão da tutela de urgência para que fossem mantidas as visitas. 

  

Apontou a injustiça da sentença proferida, que exclui a criança da família materna e mantém a menor em contato com a família do genitor, que foi o causador dos distúrbios da requerente. 

  

Afirmou que não estão presentes os pressupostos que autorizam a destituição do poder familiar, até porque a petição inicial não apontou causa de pedir inserida no art. 1.638, do Código Civil. 

  

Acenou com a inexistência de provas acerca do uso de drogas, bebidas alcóolicas ou mesmo do abandono. 

  

Apontou que em consonância com o disposto no art. 19, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente à sua família como medida preferencial para resguardar os seus interesses, não deveria ser cortado o laço materno-filial biológico. 

  

Listou uma série de medidas legais que devem ser aplicadas aos pais no intuito de que seja mantida a criança no seio da família natural, não observadas no caso. 

  

Asseverou que a avó materna e a genitora sempre buscaram manter contato com a criança. 

  

Salientou que a apelante tem outro filho Nome que segue mantido junto dela e sua família materna, sem que fosse registrada a notícia de qualquer incidente. 

  

Ressaltou que a recorrente está retomando a sua vida financeira, voltou a estudar e tem se mantido mais próxima da família. 

  

Registrou que a "juntada do acervo fotográfico anexado ID 10214148965 - Páginas 1-4, ocorreu após concessão da tutela de urgência concedida nos autos da Ação de Guarda em trâmite sob nº 5000981-65.2022.8.13.0476, com objeto de comprovar o bom relacionamento entre a criança, genitora e seu irmão, pois não havia como fazer prova em data anterior, ao passo que somente após 02 (dois) do ajuizamento da ação é que fora concedida a tutela de urgência, escudado no Laudo anexado ID 10170544260, quando deferida a visitação". 

  

Apontou, ainda, a inexistência de tentativa de reinserção da filha no núcleo familiar, na medida em que "não consta nos autos qualquer documento que comprove trabalho conjunto entre a Apelante e a filha, com a participação do Estado, tentando a reintegração familiar, o que por si só não justifica a destituição do Poder Familiar em relação a filha e tolhendo o contato com o irmão materno". 

  

Requereu o provimento do recurso para que sejam julgados improcedentes os pedidos de destituição do poder familiar e adoção, bem como para que sejam determinadas medidas de reinserção da criança no núcleo familiar. 

  

Contrarrazões anexas ao documento de ordem 134. 

  

A i. Procuradoria-geral da Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso (doc. 137). 

  

É o relatório. 

  

Presentes os requisitos legais admito o recurso. 

  

A parte requerente, originariamente tia paterna da menor N.E.A.S. nascida em 07/06/2018, ajuizou o pedido de destituição do poder familiar c/c adoção da criança. 

  

Busca por meio dos pedidos veiculados nesta demanda, ajuizada em 29/06/2022, regularizar a relação estabelecida formalmente desde 28 de maio de 2019, quando foi nomeada guardiã provisória da criança, data em assinado o Termo de Guarda Provisória, cujo procedimento respectivo (processo 0009831-38.2018.8.13.0476) foi distribuído pelo Conselho Tutelar em 27/07/2018. 

  

Conforme informações fornecidas pelo Conselho Tutelar de Passa Quatro/MG. acerca da criança N.E.A.S., nascida em 07/06/2018, que conta atualmente com seis anos de idade, filha de E.C.S. (ora apelante) e E.W.A.O., foram registrados os seguintes eventos:  

1) 22/11/2017, denúncia anônima acerca de brigas e agressões entre os pais da menor, ainda no período da gestação;  

2) 27/02/2018, denúncia anônima de que a genitora não estava aderindo ao programa de pré-natal;  

3) 23/03/2018, a avó materna da criança informou que os pais se agrediam mutuamente, bem como que a filha E.C.S., genitora da criança, desferia socos na própria barriga, em torno do sexto mês de gestação, dizendo que não queria a criança;  

4) 10/04/2018, a avó paterna da criança informou que a avó materna estava aguardando o nascimento para decidir se assumiria a criança, ou se a "deixava" no hospital;  

5) 25/07/2018, comparecimento do casal, pais da criança, na sede do Conselho Tutelar com a filha de um mês, ocasião em que se agrediam mutuamente, tendo a menor sido entregue à avó materna, sob termo de responsabilidade;  

6) 26/07//2018, a criança foi encaminhada para o "Lar Esperança e Amor";  

7) 04/10/2018, a criança foi desabrigada e entregue para a mãe, na companhia dos avós maternos;  

8) 08/11/2018, a avó paterna da criança informou que a genitora, E.C.S., havia sido expulsa de casa junto com a menor, ainda bebê;  

9) 03/01/2019, denúncia anônima de que a genitora da criança estava morando com a pai da menina, em cenário de agressões contínuas e utilização da menor como escudo;  

10) 08/04/2019, a avó paterna reiterou as informações anteriores acerca do contexto de agressões protagonizado pelos pais em que vive a criança;  

11) 27/05/2019, notícia de que a genitora teria ido morar, juntamente com a criança, com o namorado usuário de drogas, com quem mantinha relação conflituosa, agressões físicas e verbais, tendo, ainda, sido assinalada a informação de dificuldades financeiras, em que a mãe não teria recursos para comprar nem mesmo leite para a criança; 28/05/2019, a tia paterna da criança, ora requerente, D.K.A., assumiu a guarda provisória da criança, mediante termo judicial; 08/07/2022, as conselheiras tutelares compareceram na residência da tia paterna guardiã, onde perceberam que a menor a chama de "mãe", em contexto no qual, com a ajuda da avó paterna, a menina se encontra muito bem adaptada e cuidada, inclusive com matrícula em instituição de educação. 

  

Estabelece o art. 227, da Constituição Federal que "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". 

  

Em âmbito infraconstitucional, a referida norma vai ganhando densidade fática pelo disposto no art. 4º, do Estatuto da Criança e Adolescente: 

  

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 

  

Outrossim, também merece destaque a síntese à qual remete o art. 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao estabelecer que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. 

  

Logo, o "poder familiar constitui um múnus atribuído aos pais em igualdade de condições sobre as pessoas dos filhos menores e, por isso, deve ser exercido no interesse da criança ou do adolescente. Há interesse social a que o poder familiar seja desempenhado em perfeito atendimento aos princípios e valores constitucionais, razão pela qual existem mecanismos de seu exercício. A lei estabelece os casos e as condições em que os pais podem ser privados do exercício do poder familiar, de modo temporário (suspensão) ou definitivo (perda)". 

  

Os "casos de perda ou de destituição do poder familiar correspondem às hipóteses mais graves descumprimentos dos deveres parentais quanto ao exercício do poder familiar somente podem ser decretada por sentença judicial. Cuida-se de hipóteses em que o pai (ou a mãe) é sancionado e virtude de conduta imputável e reprovável, violando sobremaneira os direitos fundamentais da criança ou do adolescente". (Nome. In: Comentários ao Código Civil. Direito Privado Contemporâneo. Coordenador: Nome. São Paulo: Editora Saraiva, 2019, p. 2015 e 2017). 

  

No intuito de que seja observado o dever da família em prestigiar o melhor interesse da criança sob pena de severa intervenção estatal junto aos genitores, são estabelecidas causas de suspensão e de destituição do poder familiar, pelos artigos 1.637 e 1.638, do Código Civil: 

  

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. 

  

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. 

  

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: 

I - Castigar imoderadamente o filho; 

II - Deixar o filho em abandono; 

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; 

IV - Incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. 

V - Entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

  

Ganha destaca no caso em análise, o disposto no inciso II, do art. 1.638, do Código Civil. É que deixar "o filho em abando é privar a prole a convivência familiar e dos cuidados inerentes aos pais de zelarem pela formação moral e material dos seus dependentes. É direito fundamental da criança e do adolescente usufruir da convivência familiar e comunitária, não merecendo ser abandonado material, emocionalmente e psicologicamente, podendo ser privado do poder familiar o genitor que abandona moral e materialmente seu filho". (Rolf Madaleno. Manual de Direito de Família. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017, p. 257). 

  

Desde o nascimento da criança N.E.A.S. na data de 07/06/2018, a genitora, ainda que de forma omissiva e culposa, negligenciou o exercício das atribuições próprias do Poder Familiar, sendo que antes de completar dois meses de idade a criança já havia sido abrigada no Lar Esperança e Amor. 

  

Embora a criança tenha sido desabrigada pela mãe na companhia dos avós maternos ainda em 04/10/2018, a parte apelante seguiu não desempenhando a contento as atribuições próprias da autoridade parental. 

  

Corrobora o referido cenário o seguinte trecho do estudo social realizado na data de 08 de fevereiro de 2023, no processo de guarda, processo número: 5000981-65.2022.8.13.0476, ajuizado pelos avós maternos, pais da apelante: 

  

Na época os genitores E.W.A.O. e E.C.S. mantinham um relacionamento muito tumultuado, com uso abusivo de drogas e álcool, que culminava com frequência em atos agressão mútua e situações de risco para todos. E. já possuía um filho de outro relacionamento, Nome, que também sofria com o comportamento deles, e foi colocado sob guarda da avó materna, ora autora, no mesmo processo mencionado. 

  

Desde então, ambas as crianças não voltaram a conviver efetivamente com os genitores, que no caso de E. foi internado, sem sucesso, algumas vezes para tratamento da dependência química. No mesmo sentido, a genitora, em que pese ter buscado trabalhar, viveu maritalmente com usuário de drogas e não cultivou vínculo afetivo com nenhum dos filhos. (doc. 81). 

  

A criança era submetida a situação de risco agudo quando a apelante, após uma briga, saiu da residência da avó materna para viver, junto com a filha de poucos meses de vida, em ambientes conturbados, com restrições das condições básicas para o desenvolvimento sadio da menor e, ainda, com a presença de pessoas que faziam uso de álcool e drogas, dentre as quais pode ser citado o próprio genitor da menina, segundo réu, que atualmente está internado. 

  

Referida conjectura ensejou que ainda em 28/05/2019 a tia paterna, ora requerente, fosse instituída como guardiã provisória da criança. 

  

Somente a partir do referido momento restaram estancados os riscos para os direitos fundamentais da criança, que somente não foram mais ameaçados em decorrência do zelo da guardiã provisória, sem que o referido crédito - a ausência de ofensa ou mesmo risco para os direitos fundamentais da criança N.E.A.S. - pudesse ser imputada a qualquer conduta da mãe biológica. 

  

Na verdade, a partir da nomeação da tia paterna como guardiã da criança não se tem notícias do exercício, ou mesmo tentativa de exercício, das atribuições próprias ao poder familiar pela genitora que, a despeito da guarda provisória atribuída à tia paterna, até então não tinha tido a sua autoridade parental suspensa. 

  

Além disso, inexistia qualquer restrição acerca do contato da criança com a família da parte apelante, ou mesmo com esta última, conforme revelado pelo Laudo Social realizado no bojo desta demanda, na data de 19 de fevereiro de 2024, que traz até mesmo informações colhidas diretamente junto à instituição de ensino em que matriculada a menor, no sentido de que embora ausente qualquer restrição pela guardiã para a realização de visitas, os familiares maternos nunca visitaram a criança. 

  

Confira-se o trecho que corrobora o distanciamento: 

  

Conforme já mencionado no relatório em anexo, desde o deferimento da guarda em favor da tia paterna, os avós maternos visitaram a criança de forma esporádica quando vinham na cidade. Quanto a genitora, esta residiu por muito tempo na cidade, mas também não realizava visitas com frequência. 

  

A guardiã informa que, a genitora frequenta um studio de maquiagem ao lado da casa da avó paterna e que nunca tentou visitar a filha ou buscar por informações sobre ela enquanto esteve por lá. 

  

Questionada sobre as restrições que estaria impondo à família materna, D. nos esclareceu que, desde junho do 2023 quando a criança completou 5 anos, nenhum dos familiares maternos procurou visitar a criança, assim como nas festividades de final de ano. Informou ainda que, toda a família materna tem seu contato e conhece seu endereço residencial e do trabalho, podendo ser facilmente localizada. 

  

D. afirma que, nunca impediu as visitas e contatos da família materna em sua casa e que não se opõe a esse contato, que considera importante. 

  

Ressalta que, no último aniversário da criança, foi ela quem buscou aproximação com a família materna. 

  

Desde que a criança N. passou a viver com a família paterna, ela vem recebendo todos os cuidados e investimentos afetivos para se desenvolver de forma plena. Para que o casal possa trabalhar, N. fica sob os cuidados da avó paterna, Sra. F. e do tio-avô J.M. com quem a criança possui forte laço de afeto e confiança. 

  

N. frequenta a pré-escola regularmente e mostra-se uma criança saudável e inteligente. Em contato com a escola nos foi informado pela direção que, a referência familiar é a guardiã e seu esposo, e que desde que a criança passou a frequentar a escola em 2022, nenhum outro familiar esteve procurando por ela, não havendo nenhuma orientação da guardiã no sentido de proibir o contato da família materna. (doc. 87). 

  

Relevante destacar que a ausência na demonstração ostensiva do interesse em estreitar laços com a filha que estava sob guarda provisória da tia paterna desde maio de 2019, configura indicativo claro do abandono da filha pela genitora biológica (art. 1.638, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente) passível de ser sancionado com a destituição do poder familiar. 

  

Confira-se: 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO. INCONFORMIDADE DO RÉU. DESCABIMENTO. APELANTE QUE NÃO DEMONSTROU INTERESSE EM ESTREITAR OS LAÇOS PATERNO-FILIAIS COM A ADOLESCENTE, PERMANECENDO LONGO PERÍODO SEM VISITAR A FILHA, OU MESMO BUSCAR NOTÍCIAS DELA, QUE SE VIA ABRIGADA INSTITUCIONALMENTE, ALÉM DE PROCEDER A CONDUTAS INADEQUADAS NAS POUCAS VISITAS QUE FEZ. RETIERADA CONDUTA DE OMISSÃO, DESCASO E ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO APELANTE, APTA A ENSEJAR A PERDA DO PODER FAMILIAR. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.  

(Apelação Cível, Nº 50195769620238210010, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 15-04-2024). 

  

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. HISTÓRICO DE ABANDONO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. CONFORME O DISPOSTO NO ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, É DEVER DA FAMÍLIA, DA SOCIEDADE E DO ESTADO ASSEGURAR À CRIANÇA, AO ADOLESCENTE E AO JOVEM, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, O DIREITO À VIDA, À SAÚDE, À ALIMENTAÇÃO, À EDUCAÇÃO, AO LAZER, À PROFISSIONALIZAÇÃO, À CULTURA, À DIGNIDADE, AO RESPEITO, À LIBERDADE E À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, ALÉM DE COLOCÁ-LOS A SALVO DE TODA FORMA DE NEGLIGÊNCIA, DISCRIMINAÇÃO, EXPLORAÇÃO, VIOLÊNCIA, CRUELDADE E OPRESSÃO. NÃO OBSTANTE SEJA DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE SER CRIADO E EDUCADO NO SEIO DA FAMÍLIA NATURAL, A FALTA DE CONDIÇÕES POR PARTE DA GENITORA BIOLÓGICA DE OFERECER UM AMBIENTE SAUDÁVEL E SEGURO À INFANTE IMPOSSIBILITA A SUA REINTEGRAÇÃO. NO CASO, O CONTEXTO DOS AUTOS JUSTIFICA A NECESSIDADE DA MEDIDA EXTREMA, REVELANDO QUE A REQUERIDA NÃO DISPÕE DE ESTRUTURA MÍNIMA NECESSÁRIA AO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR, ESPECIALMENTE EM RAZÃO DO HISTÓRICO DE ABANDONO EM RELAÇÃO À FILHA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50232182020228210008, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 20-06-2024). 

  

Noutro vértice, não se desconhece que segundo o disposto o art. 100, X, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a destituição do poder familiar deve ser adotada como a última providência utilizada em prol do melhor interesse das crianças, devendo ser esgotadas antes de sua adoção as tentativas de manutenção da criança na família natural, ou estendida, observando-se, dentre outras, as providências elencadas nos incisos do art. 129, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

  

Do mesmo modo, estabelece o art. 19, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que a manutenção ou reintegração da criança ou do adolescente à sua família natural terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção. 

  

Ocorre que a parte apelante, diante da sua omissão e distanciamento, acabou por se mostrar refratária a qualquer tentativa de reinserção, ou mesmo preparação física e psicológica de reaproximação intermediada pelos órgãos públicos. 

  

Note-se que anexo ao doc. de ordem 31 foram juntados uma série de documentos relativos ao segundo semestre de 2018 produzidos junto ao Centro de Atenção Psicossocial de Passa Quatro, em atendimentos realizados à parte apelante por encaminhamento do Conselho Tutelar, que chegaram a creditar o fato de estar a recorrente "avessa ao bebê" a uma possível depressão pós-parto. 

  

Todavia, inexistem indicativos de que a genitora biológica tenha dado continuidade ao tratamento/acompanhamento, ou mesmo que este lhe tenha sido negado. 

  

A referida providência tinha por desiderato até mesmo arregimentar condições para que a genitora biológica pudesse cuidar da filha, o que a toda evidência não era uma realidade no momento em que deferida a guarda provisória à requerente, medida de proteção que, ademais, se mostrou adequada no momento e antecedeu a própria destituição do poder familiar determinada pela sentença. 

  

No sentido de creditar a inocorrência de reaproximação da filha pela parte apelante à sua própria conduta no sentido de buscar melhorar as suas possibilidades de cuidar da própria filha, superando as dificuldades vivenciadas no passado e não à omissão da rede de proteção, vale conferir a seguinte passagem da prova técnica produzida: 

  

(...) 

  

Na época os genitores E.W.A.O. e E.C.S. mantinham um relacionamento muito tumultuado, com uso abusivo de drogas e álcool, que culminava frequentemente em atos agressão mútua e situações de risco para todos os envolvidos. E. já possuía um filho de outro relacionamento, Nome, que também sofria com o comportamento deles, e foi colocado sob guarda da avó materna. 

  

Desde então, ambas as crianças não voltaram a conviver efetivamente com os genitores, que no caso de E., foi internado sem sucesso algumas vezes para tratamento da dependência química. No mesmo sentido, a genitora na época, em que pese ter buscado trabalhar, passou a viver maritalmente com um usuário de drogas, sofrendo com a violência doméstica e não cultivou vínculo afetivo com nenhum dos filhos. 

  

E. atualmente trabalha em um restaurante no alto da serra e se separou do companheiro, voltando a morar na casa dos pais. Ela conseguiu organizar sua vida financeira e voltou a estudar, mantendo-se mais próxima da família. 

  

Durante a entrevista com a genitora, esta demonstrou verbalmente afeto em aos filhos, no entanto, reporta para sua mãe a competência em exercer a guarda, deixando de assumir para si tal compromisso e responsabilidade. Ela informa ainda que, não buscou pela filha nos últimos quatro anos porque não se sente à vontade em fazê-lo em função das situações vivenciadas no passado. Orientamos que, buscasse contato para restabelecer o vínculo com a filha, haja vista o lapso temporal que as distanciou, no entanto não hoje movimentação neste sentido. 

  

Logo, ainda que não se olvide que em consonância com o disposto o art. 19, § 3º, e do art. 100, X, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, devam ser prestigiadas medidas que fomentem a manutenção da criança junto à família natural (vide incisos do artigo 129, do Estatuto da Criança e Adolescente, dentre os quais restam encartados o encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção ou promoção da família; a inclusão dois pais em programas de tratamento de dependentes químicos e alcoólicos; o encaminhamento para tratamento e acompanhamentos psíquico; o encaminhamento para programas ou cursos de orientação; a destituição da guarda; e a própria suspensão ou destituição do poder familiar), para que seja viável a aplicação da regra, vale dizer, das medidas menos drásticas do que a destituição do poder familiar, é necessário que seja demonstrado efetivo interesse e comprometimento na reaproximação e tentativa de manutenção dos vínculos pelos membros da família natural, o que, contudo, não foi o caso. 

  

Nem mesmo o ajuizamento do processo Número: 5000981-65.2022.8.13.0476. relativo ao pedido de guarda da menor N.E.A.S. ajuizada em momento posterior ao pedido de destituição do poder familiar c/c adoção, no bojo do qual chegou a ser deferida medida de urgência autorizando a visitação pela família materna, pode ser creditado aos esforços e tentativas da apelante em se aproximar da filha. 

  

É que dele constam como requerentes os avós maternos da criança, sendo a apelante terceira interessada, de modo que nem mesmo pela perspectiva da referida demanda se verifica um comporto ativo da primeira ré que pudesse romper com o quadro de abandono e distanciamento configurado. 

  

Por isso, diante da própria postura da genitora biológica as medidas de proteção no caso acabaram, de acordo a necessidade de se prestigiar de forma integral e prioritária o melhor interesse da criança, se robustecendo e evoluindo da guarda provisória para a destituição do poder familiar, e não arrefecendo. 

  

De todo modo, não tendo a genitora buscado adquirir condições para ter a filha novamente inserida no seio da família natural, até porque acabou por arrefecer tal possibilidade, se mostra apropriada, também neste aspecto, a destituição do poder familiar. 

  

Confira-se: 

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. NEGLIGÊNCIA E ABANDONO CONFIGURADOS. RÉ CITADA E TAMBÉM INTIMADA PESSOALMENTE ACERCA DA AUDIÊNCIA PARA SUA OITIVA, QUE DEIXOU DE COMPARECER À SOLENIDADE E JAMAIS BUSCOU INFORMAÇÕES OU CONTATO COM A FILHA ACOLHIDA INSTITUCIONALMENTE. JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. É CERTO QUE O ECA, AO TRATAR DA APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO EM FAVOR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO, MESMO POR OMISSÃO DOS PAIS, ESTABELECE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR A PREVALÊNCIA DAS MEDIDAS QUE OS MANTENHAM OU OS REINTEGREM A SUA FAMÍLIA NATURAL (ART. 100, INC. X), PORÉM ISSO DEVE SE DAR A PARTIR DE UM MÍNIMO INTERESSE E COMPROMETIMENTO DOS GENITORES PARA BUSCAR EXERCER A FUNÇÃO PARENTAL DE FORMA RESPONSÁVEL E PROTETIVA À PROLE, O QUE NÃO SE VERIFICA NA ESPÉCIE EM RELAÇÃO À RÉ. ALÉM DE TER SIDO DEVIDAMENTE COMPROVADA A NEGLIGÊNCIA MATERNA, A RÉ, CITADA E TAMBÉM INTIMADA PESSOALMENTE ACERCA DA AUDIÊNCIA PARA SUA OITIVA, DEIXOU DE COMPARECER À SOLENIDADE E JAMAIS BUSCOU INFORMAÇÕES OU CONTATO COM A FILHA, QUE JÁ ESTAVA ACOLHIDA INSTITUCIONALMENTE HÁ MAIS DE UM ANO. ASSIM, A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR É PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL, COM FUNDAMENTO NO ART. 1.638, INC. II, DO CÓDIGO CIVIL, E NO ART. 24 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ANTE A NEGLIGÊNCIA E O ABANDONO CONFIGURADOS. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.  

(Apelação Cível, Nº 50090659720238210023, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 20-06-2024). 

  

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. 1. ABANDONO. NEGLIGÊNCIA. SITUAÇÃO DE RISCO DEMONSTRADA. GENITORA QUE NÃO APRESENTA CONDIÇÕES DE PROPORCIONAR DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL AO FILHO, ACOLHIDO INSTITUCIONALMENTE DESDE TENRA IDADE, APÓS SER DEIXADO PELA MÃE AOS CUIDADOS DA AVÓ PATERNA, QUE TAMBÉM NEGLIGENCIOU NOS CUIDADOS COM O NETO. 2. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. ART. 1.638 DO CÓDIGO CIVIL E ARTS. 22 E SEGUINTES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE ADESÃO AOS ENCAMINHAMENTOS DA REDE DE PROTEÇÃO. CONDUTAS OMISSIVAS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MÁXIMA PROTEÇÃO À CRIANÇA. 3. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação Cível, Nº 50031144120218210008, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 03-06-2024) 

  

Além disso, considerando que o próprio artigo 100, X, do Estatuto da Criança e do Adolescente se refere também à manutenção da criança na família extensa ou ampliada, ou seja, aquela formada por parentes próximos com quem a criança convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade, que se estende para além da unidade formada por pais e filhos, não há que se falar de sua violação. 

  

Portanto, a intervenção da família estendida, no caso da tia paterna, foi a medida de proteção que viabilizou fosse estancada a situação de risco em que se encontrava a criança em conjectura na qual, vale ressaltar para que não restem dúvidas, a carência de recursos materiais exerceu papel coadjuvante. 

  

O contexto de risco vivenciado pela criança desde a gestação até os primeiros meses de vida, em cenário revelador da tipificação das hipóteses de abandono associada ao cometimento de faltas reiteradas no que diz respeito ao exercício regular do poder familiar (artigos 1638, II e IV, do Código Civil), somente foi superado com o deferimento da guarda provisória para a tia paterna quando a criança tinha menos de um ano de vida. 

  

Na sequência, conquanto protegida a criança pela guardiã, em torno de quem constituiu o núcleo familiar que conhece, o abandono afetivo e material decorrente da ausência de manifestação de interesse e tomada de providencias com ele condizentes pela mãe biológica, no que diz respeito à reaproximação da filha, consolidou a situação de fato criada sob a conduta no mínimo omissiva da genitora. 

  

O distanciamento dissipou o poder familiar e dissolveu - ou mesmo evitou que se formassem - os laços afetivos da criança com a genitora biológica. 

  

Nesse sentido constatou a prova técnica que a criança nem mesmo reconhece a apelante como mãe: 

  

Durante a entrevista com a criança, ela soube expressar seus sentimentos, reconhecendo a requerente como mãe. Quanto a família materna, demonstrou estranhamento quando perguntada se os conhecia, referindo conhecer apenas o irmão Nome. 

  

Consideramos que, no caso em tela, a criança estabeleceu vínculo afetivo de filiação, estando adaptada e inserida em um ambiente onde se reconhece pertencente. (doc. 87). 

  

Portanto, corrobora o abandono autorizador da destituição do poder familiar pela mãe biológica o fato de que ela não foi reconhecida como genitora pela própria criança. 

  

Confira-se: 

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. DROGADIÇÃO. NEGLIGÊNCIA. ABANDONO. ART. 22 DO ECA E ART. 1.638, II E IV, DO CCB. CONCESSÃO DA GUARDA À AVÓ PATERNA OU À TIA-AVÓ MATERNA. DESCABIMENTO. 1. NO CASO, NÃO MERECE REPARO A SENTENÇA QUE ACOLHEU O PEDIDO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, PORQUE ESTÁ DEMONSTRADO QUE OS GENITORES, EM RAZÃO DA DROGADIÇÃO, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, VULNERABILIDADE SOCIAL E DO COMPORTAMENTO NEGLIGENTE, NÃO REÚNEM CONDIÇÕES PESSOAIS PARA O EXERCÍCIO DA PATERNIDADE DE FORMA PROTETIVA 2. IMPOSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DA GUARDA DA INFANTE À AVÓ MATERNA OU À TIA-AVÓ PATERNA VISTO QUE, ALÉM DA INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO ENTRE A TIA-AVÓ MATERNA E A PROTEGIDA (ART. 25, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ECA), OS ELEMENTOS INFORMATIVOS DOS AUTOS EVIDENCIAM QUE NÃO POSSUEM CAPACIDADE PARA GARANTIR-LHE O DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 

(Apelação Cível, Nº 50054407720238210048, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 13-06-2024) 

  

Ementa: DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. INAPTIDÃO DOS GENITORES PARA O DESEMPENHO DA FUNÇÃO PARENTAL. SITUAÇÃO DE RISCO. NEGLIGÊNCIA. 1. SE OS GENITORES NÃO POSSUEM CONDIÇÕES PESSOAIS PARA CUIDAR DOS FILHOS, MANTENDO-OS EM SITUAÇÃO DE RISCO, TORNA-SE IMPERIOSA A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, A FIM DE QUE OS INFANTES POSSAM SER INSERIDOS EM FAMÍLIA SUBSTITUTA E DESFRUTAR DE UMA VIDA MELHOR, MAIS EQUILIBRADA E SAUDÁVEL. 2. COMPROVADA A NEGLIGÊNCIA COM QUE OS FILHOS FORAM TRATADOS PELOS GENITORES E O ESTADO DE ABANDONO A QUE FORAM RELEGADOS, FICA CONFIGURADA A SITUAÇÃO GRAVE DE RISCO, QUE CONSTITUI CONDUTA ILÍCITA QUE É ATINGIDA NA ÓRBITA CIVIL PELA SANÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. RECURSO DESPROVIDO.  

(Apelação Cível, Nº 50294308120238210021, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 24-04-2024) 

  

Logo, diante de um cenário de riscos para a criança, que justificou o deferimento da guarda provisória à tia paterna que diante do zelo, cuidado e carinho dispensados acabou por se transformar, em termos fáticos e afetivos, em mãe da criança, associado ao distanciamento da mãe biológica revelador do abandono material e afetivo que perdurou por no mínimo quatro anos, impõe-se a confirmação da sentença que destituiu o poder familiar e julgou procedente o pedido de adoção. 

  

A criança está inserida em ambiente que, conforme reconheceu o próprio Conselho Tutelar em 15 de abril de 2024, "encontra-se bem assistida em suas necessidades básicas e afetivas na companhia da tia patena a Sra. Nome e de seu esposo T.P.O., com residência a Rua Floriano C. nº 41, bairro Santa Terezinha, apresentando estrutura familiar que oferece boas condições para o pleno desenvolvimento da criança" (doc. 123). Em outras palavras, "Desde que a criança N. passou a viver com a família paterna, ela vem recebendo todos os cuidados e investimentos afetivos para se desenvolver de forma plena" (trecho da prova técnica, doc. de ordem 80). 

  

À conta de tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto. 

Custas recursais pela parte apelante, ficando suspensa a exigibilidade do pagamento. 

  

É como voto.  

 

DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a). 

DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a). 

  

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO."