#1 - Filiação Socioafetiva. Adoção Post Mortem. Manifestação de Vontade.

Data de publicação: 17/01/2025

Tribunal: TJ-MG

Relator: Teresa Cristina da Cunha Peixoto

Chamada

(...) “A doutrina e a jurisprudência não têm reconhecido tão somente a filiação biológica, mas também e principalmente a filiação denominada sócio afetiva.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POR ADOÇÃO POST MORTEM - INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA FALECIDA - AUSÊNCIA - ÔNUS DA PROVA - NÃO DESINCUMBÊNCIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Para a concretização do direito ao contraditório em seu aspecto substancial faz-se necessário assegurar à parte a possibilidade de se valer de todos os meios de prova legal e moralmente admitidos com vistas a influenciar, efetivamente, o magistrado quanto à relevância de suas alegações (art. 5º, LV, da CF/88). 2. A doutrina e a jurisprudência não têm reconhecido tão somente a filiação biológica, mas também e principalmente a filiação denominada sócio afetiva. 3. Diante do parco acervo probatório carreado aos autos, entendo que não se detecta a vontade inequívoca da pretensa mãe socioafetiva, já falecida, em ter a autora como sua filha, não sendo os cuidados, atenção e mesmo eventuais auxílios financeiros, por si sós, capazes de estabelecer a pretendida maternidade socioafetiva. 4. Negar provimento ao recurso.

(TJ-MG - Apelação Cível: 50264617320198130145 1.0000.24.150870-4/001, Relator: Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Data de Julgamento: 11/07/2024, 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 15/07/2024)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

Número do 1.0000.24.150870-4/001 Numeração 5026461- 

Relator do Acordão: Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto 

  

Data do Julgamento: 11/07/2024 

Data da Publicação: 15/07/2024 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POR ADOÇÃO POST MORTEM - INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA FALECIDA - AUSÊNCIA - ÔNUS DA PROVA - NÃO DESINCUMBÊNCIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 

  

1. Para a concretização do direito ao contraditório em seu aspecto substancial faz-se necessário assegurar à parte a possibilidade de se valer de todos os meios de prova legal e moralmente admitidos com vistas a influenciar, efetivamente, o magistrado quanto à relevância de suas alegações (art. 5º, LV, da CF/88). 

  

2. A doutrina e a jurisprudência não têm reconhecido tão somente a filiação biológica, mas também e principalmente a filiação denominada sócio afetiva. 

  

3. Diante do parco acervo probatório carreado aos autos, entendo que não se detecta a vontade inequívoca da pretensa mãe socioafetiva, já falecida, em ter a autora como sua filha, não sendo os cuidados, atenção e mesmo eventuais auxílios financeiros, por si sós, capazes de estabelecer a pretendida maternidade socioafetiva. 

  

4. Negar provimento ao recurso. 

  

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.150870-4/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE (S): N.F.C.D. - APELADO (A)(S): A.S., A.L.S.S., C.V.F.F., G.S.S., J.V.S., L.G.S., L.R.A.S., M.G.S., M.G.G.S., N.F.P.S., N.S.F., N.M. C.F., P.C.S.F., R. C.P. S., R.S.F., R.S.F., R.S.F., S.F.S., T.S.F., V.G.S. 

  

ACÓRDÃO 

  

(SEGREDO DE JUSTIÇA) 

  

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8a Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso. 

  

DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO 

RELATORA 

   

VOTO 

Trata-se de "Ação Declaratória de Maternidade Socioafetiva 'Post Mortem'", ajuizada por N.F.C.D., em face de G.S.S. (irmão da de cujus, M.M.S.) e outros, alegando, em suma, que é filha biológica de um antigo companheiro da falecida (Sr. L), tendo sido concebida durante o período em que L. e M.M.S. estavam separados. Informou, também, que a falecida não possui ascendentes, descendentes biológicos ou cônjuge. 

  

Aduz que "quando a Autora completou 14 dias de vida, sua genitora biológica solicitou a uma amiga que a entregasse para a M.M. (mãe de criação), que começou a criá-la, e somente em idade escolar, por solicitação da mãe biológica, a Autora começou a transitar entre ambas as residências (mãe biológica e mãe de criação)", alegando frequentar a casa da mãe afetiva todos os finais de semana durante sua infância. 

  

Consigna que aprendeu o ofício de cabelereira com M.M., que possuía um salão de beleza, e que a mesma teria lhe pagado cursos profissionalizantes na área. Por fim, afiançou que, cerca de cinco meses antes do falecimento de M.M., à pedido de seus irmãos, ora réus, mudou-se para a casa da mãe afetiva com seu marido e filhos para auxiliar em seus cuidados, eis que se encontrava com a saúde debilitada, com 80% de perda da visão em decorrência da diabetes, o que comprova o vínculo afetivo de filiação. 

  

Pleitearam, ao final, a procedência da ação para declarar a filiação socioafetiva de M.M.S. em favor da autora N.F.C.D. 

  

Contestação apresentada conjuntamente pelos 20 herdeiros/réus apontados (doc. ordem 84) afastando a pretensão autoral. Alegam que "o pai da autora (Sr. L.), que de fato teve um relacionamento com a Sra. M. durante um período, necessitou de uma recente ação de investigação de paternidade para prova de que a autora era sua filha, não havendo laços com o pai, quanto menos ainda com a Sra. M.". 

  

Aduzem que a autora foi aprendiz da falecida em seu salão de beleza quando jovem, tendo recebido carinho da mesma nesta condição. Todavia, afiançaram que "a autora raramente visitava a Sra. M. e nunca morou com mesma, à exceção do período de 5 meses que antecedeu sua morte, ocasião em que a autora surgiu na residência da Sra. M. alegando estar desesperada por não ter local para ficar com seu marido e filhos, momento em que, já debilitada e por sua natureza de caridade, Sra. M. aceitou que a autora passasse uma temporada em sua residência, até que se restabelecesse". 

  

Impugnação (doc. ordem 103). 

  

Na sentença de ordem 202, a d. Juíza de Direito da 3a Vara de Família da Comarca de Juiz de Fora, Dra. Liliane Bastos Dutra julgou improcedente o pedido, consignando que: 

  

O reconhecimento da filiação socioafetiva não pode ser presumido, cabendo a prova a quem alega o fato se não houver o reconhecimento da parte contrária envolvida. 

  

Segundo a autora afirmou na exordial, desde os catorzes dias de vida passou a morar com M.M. e, quando tinha sete anos de idade, ora ficava com esta, ora ficava com a mãe biológica. Como a autora tinha 29 anos de idade quando ocorreu o falecimento em comento, de acordo com a autora, assim, pode-se concluir, M.M. teve 29 anos para expressar inequivocamente seu interesse em reconhecer o vínculo maternal, mas não o fez. E assim ocorreu, segundo os requeridos, porque o que havia entre elas não era relação materno-filial, mas, sim, de acolhimento, como fez com várias moças que com ela aprenderam o ofício de cabeleireira. 

  

Tal alegação dos requeridos foi corroborada pela testemunha M. de L. C. S., que asseverou ter frequentado o salão até mais ou menos 2010 e que a única aprendiz que morou com a falecida, por cerca de dois anos, tinha o nome de C. A testemunha M. Da S. B. afirmou que ficou no hospital com M.M., tendo com ela convivido por cerca de quarenta anos, tendo a autora morado com a falecida nos últimos cinco meses de vida de M.M., período em que a conheceu, relatando, ainda, que M.M. nunca lhe disse que N. era como se sua filha fosse. A testemunha C. G. da S. disse ter trabalhado com a falecida de 1964 a 1988, ou seja, até data anterior ao nascimento da autora, mas afirmou ter frequentado eventos relacionados à falecida aproximadamente nos cinco anos posteriores e que não conhece N. 

  

Se a autora tivesse convivido com a falecida desde seus poucos dias de vida, certo é que tais testemunhas, principalmente as que asseveraram ter convivido com a falecida por décadas, saberiam do fato, ou será que as três testemunhas estão mentindo? Nada há em tal sentido nos autos, devendo ser ressaltado que a boa-fé se presume, o contrário é que deve ser provado, ônus que caberia à autora. 

  

A propósito, o ônus da prova do fato constitutivo do direito alegado cabe ao autor, consoante determina o art. 373, I, do CPC, mas a prova anexada aos autos não favorece a demandante. 

  

Nem mesmo cuidou de trazer testemunhas para depor em juízo, posto que ignorou o prazo assinalado na decisão de saneamento do processo e juntou o necessário rol a destempo, como certificado em ID 9658062626. 

  

Bem de ver que o fato de o pai da autora ter sido companheiro e sócio da falecida não fazem concluir a existência de vínculo materno-filial entre ambas, nem mesmo se morassem na mesma casa. 

  

Quanto ao fato de estar a autora morando, com companheiro e filho, na casa de M.M. nos últimos meses de vida desta, segundo a testemunha M. da S. B., M.M. não estava satisfeita, mas em sofrimento, o que demonstra não haver vínculo o suficiente para constatação do fato alegado pela autora na peça de ingresso. 

  

No documento de ID 2277221394 contém declaração de ter, a falecida, efetuado pagamento de curso de inglês para a filha N. mas somente tal documento, diante das premissas acima estabelecidas, não constitui prova robusta o suficiente para embasar o pedido da autora, mormente porque sabidamente a mãe da autora é a Sra. V. L. C. D., como sempre constou em seus documentos de identidade. Não se sabe porque a signatária do referido documento concluiu que M.M. era a mãe da autora, não se podendo olvidar que tal documento foi firmado no ano de 2019, após o falecimento de M.M., e faz menção a pagamentos ocorridos quase vinte anos antes (2001/2002). Outrossim, quanto ao fato de M.M., que era dona de salão de cabeleireiro, constar como responsável pela autora em curso do Instituto Embelleze (documento de ID 2277221397), benefício nenhum traz ao embate, mormente porque, no mesmo documento, consta que a sua mãe é a Sra. V. L. e, sabidamente, dono de salão tem interesse que aqueles que lá trabalham participem de cursos de melhoramento profissional. 

  

Ainda que eventualmente M.M. tenha ajudado o companheiro a criar a autora, está sempre teve a figura de sua mãe na pessoa de V. L. 

  

Além do mais, não se vislumbra, do contexto probatório, a existência de qualquer traço de sentimento maternal por parte da falecida, por menor que seja. 

Se da parte da autora existe o sentimento narrado nos autos, tanto que ajuizou a presente ação, isso não basta para o reconhecimento pretendido, sendo necessária a prova da reciprocidade da relação afetiva materno-filial ao longo da convivência, o que, reitera-se, não há nos autos. 

  

Por tais fundamentos, julgo IMPROCEDENTE a ação de reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem ajuizada por N.F.C. 

  

Custas processuais e honorários advocatícios pela autora, estes que fixo em 20% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade dos pagamentos por estar sob o pálio da assistência judiciária. 

  

A autora interpôs embargos declaratórios em face da sentença (doc. ordem 207), os quais foram conhecidos e não providos (dpc. Ordem 214). 

  

Inconformada, apelou a autora à ordem 217, suscitando, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que o rol de testemunha que pretendia arrolar já havia sido apresentado na impugnação à contestação. 

  

No mérito, sustentou, em síntese, que: a) "as testemunhas ouvidas após serem arroladas pelos requeridos, não trouxeram a verdade dos fatos, se contradizem com as informações prestadas anteriormente, e sendo assim, não demonstram a verdade dos fatos"; b) "a falecida Sra. M. realizou o pagamento de cursos e especializações para Apelante, em virtude do liame e preocupação maternos que essas nutriam uma pela outra, cabendo ressaltar que não foi pago apenas curso na área de profissionalização, mas também na área de idiomas"; c) "a Sra. M. solicitou a Apelante passasse a residir com a mesma, juntamente com seu marido e filhos"; d) as escrituras públicas declaratórias foram cabalmente ignorados pelo juízo "a quo", não havendo pronunciamento sequer sob as atas notarias, nem mesmo quanto aos depoimentos manuscritos; e) "antes da requerente ir morar com sua mãe sócia afetiva, esta residia em imóvel próprio de titularidade da mãe do seu esposo de forma gratuita, na rua Major Vicente Moura, nº 45, Parque Guarani (...) conforme pode se depreender tanto das fotos anexas da residência antiga, quanto da residência atual da Apelante, Doc. Id. nº 9678501404, 9678502551, não existe qualquer diferença abrupta no sentido de serem ambas as casas de grande luxo". 

  

Pugnou, ao final, pelo provimento do recurso. 

  

Contrarrazões à ordem 219. 

  

Processo distribuído por sorteio. 

  

Conheço do recurso interposto, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. 

  

Ab initio, suscitou a parte apelante a preliminar de cerceamento de defesa, sob a alegação de que, por ter sido indeferido a oitiva de testemunha, restou prejudicado seu direito de contraditório e ampla defesa. 

  

Dito isto, impõe-se trazer à baila o disposto no art. 5º, LV, da CR/88: 

  

Art. 5º (...) 

  

LV - Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 

  

A esse respeito, é valiosa a lição de GILMAR FERREIRA MENDES: 

  

Há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar - como bem anota pontes de Miranda - é uma pretensão à tutela jurídica. 

  

(...) a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5ºº, LV, da Constituição o, contém os seguintes direitos: 

  

- Direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária os atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; 

  

- Direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; 

  

- Direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas. (MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. "Curso de direito constitucional". 4aed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 591/592). 

  

Especificamente quanto ao direito de manifestação, este, por óbvio, visa a assegurar à parte a possibilidade de vir, efetivamente, a influenciar a formação da convicção do julgador, seja por meio da dedução de teses defensivas, seja por meio de produção de provas destinadas a demonstrá-las. 

  

A propósito, leciona FREDIE DIDIER JR., para quem, a par da face formal do direito ao contraditório, consistente na garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo, também vige a face substancial, relacionada à amplitude de defesa: 

  

Há o elemento substancial dessa garantia. Há um aspecto, que eu reputo essencial, denominado, de acordo com a doutrina alemã, de "poder de influência". Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. 

  

Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do Magistrado - e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do Magistrado, interferir com argumentos, interferir com ideias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. (in "Curso de direito processual civil". Vol.01. 10aed. Salvador: JusPodivm, 2008, p.47/48). 

  

Para a concretização do direito ao contraditório em seu aspecto substancial, portanto, faz-se necessário assegurar à parte a possibilidade de se valer de todos os meios de prova legal e moralmente admitidos com vistas a influenciar, efetivamente, o magistrado quanto à relevância de suas alegações. 

  

Não se trata, contudo, de direito absoluto, devendo guardar relação com o objeto da lide e as questões controvertidas, de modo a evitar protelações desnecessárias passíveis de ofender outro princípio constitucionalmente consagrado: o da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CR/88). 

  

Nesse norte, estabelece o art. 385 do CPC/15: 

  

Art. 385. Cabe à parte requerer o depoimento pessoal da outra parte, a fim de que esta seja interrogada na audiência de instrução e julgamento, sem prejuízo do poder do juiz de ordená-lo de ofício. 

  

Com efeito, in casu, não há que se falar em cerceamento de defesa, uma vez que foi oportunizado à autora apresentar o rol de testemunhas a serem arroladas (despacho de ordem 148), que deixou de fazê-lo tempestivamente, tendo o prazo para a apresentação se findado em 19/10/2022, e a manifestação da autora sido apresentada somente em 24/10/2022, conforme se verifica da certidão de decurso de prazo de ordem n. 190, configurando com isso a preclusão temporal. 

  

Neste sentido, o entendimento deste eg. Tribunal: 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ROL DE TESTEMUNHAS INTEMPESTIVO - PRECLUSÃO TEMPORAL - CARACTERIZAÇÃO - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA. 

  

1. Nos termos do art. 223 do CPC, decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa. 

  

2. Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento da prova testemunhal se o rol de testemunhas foi apresentado extemporaneamente. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.052701-0/001, Relator (a): Des.(a) Maria Lúcia Cabral Caruso, 12a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/03/2024, publicação da súmula em 21/03/2024) 

  

Rejeito, pois, a preliminar arguida. 

  

Superado este ponto, anoto, inicialmente, que a doutrina e a jurisprudência não têm reconhecido tão somente a filiação biológica, mas, também, e, principalmente, a filiação denominada sócio afetiva, o que deve ser levado em conta no julgamento do recurso, lecionando sobre o tema ROSANA FACHIN, Juíza do TAPR e doutoranda em Direito pela UFPR: 

  

Inicialmente ressalto a importância da engenharia genética no auxílio das investigações de paternidade por meio do exame do DNA. 

  

Sem embargo dessa importante contribuição, é preciso equilibrar a verdade socioafetiva com a verdade de sangue, pois o filho é mais que um descendente genético, devendo revelar uma relação construída no afeto cotidiano. 

  

Em determinados casos, a verdade biológica deve dar lugar à verdade do coração; na construção de uma nova família, deve-se procurar equilibrar estas duas vertentes: a relação biológica e a relação socioafetiva. (Família e Cidadania, O Novo CCB e a Vacatio Legis, IBDFAM, 2002, pág. 63). 

  

Da mesma forma, MARIA CHRISTINA DE ALMEIDA, advogada atuante em Direito de Família, registra que: 

  

É fato que o elo biológico entre pais e filhos não é suficiente para construir uma verdadeira relação afetiva paterno-filial. Basta verificar nas demandas de paternidade que, muitas vezes, o filho conhece seu pai por meio do DNA, mas não é reconhecido por ele por meio do afeto. Em outras palavras, a filiação não é um dado ou um determinismo biológico, ainda, que seja da natureza do homem o ato de procriar. Em geral, a filiação e a paternidade sociais ou afetivas derivam de uma ligação genética, mas esta não é suficiente para a formação e afirmação do vínculo; é preciso muito mais. É necessário construir o elo, cultural e afetivo, de forma permanente, convivendo e tornando-se, cada qual, responsável pelo cultivo dos sentimentos, dia após dia. 

  

Tais reflexões demonstram que se vive hoje, no Direito de Família contemporâneo, um momento em que há duas vozes soando alto: a voz do sangue (DNA) e a voz do coração (afeto). Isto demonstra a existência de vários modelos de paternidade, não significando, contudo, a admissão de mais de um modelo deste elo a exclusão de que a paternidade não seja, antes de tudo, biológica. 

  

No entanto, o elo entre pais e filhos é, principalmente, socioafetivo, moldado pelos laços de amor e solidariedade, cujo significado é muito mais profundo do que o do elo biológico. 

  

Disso resulta que, neste terceiro Milênio, quando a família assume o perfil de núcleo de afetividade e realização pessoal de todos os seus membros, paralelamente à paternidade biológica sem afeto, a posição de pai é assumida mesmo na ausência de filhos biológicos. (obcit, págs. 458/459). 

  

A matéria foi, ainda, objeto do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, tendo a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, MARIA BERENICE DIAS, consignado: 

  

Para o estabelecimento do vínculo de parentalidade, basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, pois, como afirma Rodrigo da Cunha Pereira, "família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente." 

  

Mais uma vez o critério deve ser a afetividade, elemento estruturante da filiação sócio afetiva. Não reconhecer a paternidade homoparental é retroagir um século, ressuscitando a perversa classificação do Código Civil de 1916, que, em boa hora, foi banida em 1988 pela Constituição Federal. 

  

Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. A negativa de reconhecimento da paternidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais. Crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família: "lugar idealizado onde é possível cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade" (Anais, IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Coordenação Rodrigo da Cunha Pereira, IBDFAM, pág. 396). 

  

Portanto, a ideia de que os laços afetivos prevalecerão sobre os vínculos puramente biológicos ressalta a inata condição humana de interação, cuja gama de sentimentos experimentados nesse convívio induz a formação da personalidade do indivíduo, concretizando-o como tal, mormente em relação aos pais, se assim são reconhecidos pela prole, como sendo sua ascendência, responsáveis pela sua manutenção e proteção, o que faz com que a vivência e a identificação sejam sobrepujadas ao liame genético. 

  

Nesse norte e no caso dos autos, ainda que, em tese, seja admissível o pedido de reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem formulado pela autora, que contava com 29 anos de idade quando do falecimento da suposta mãe socioafetiva e do ajuizamento da ação em 11/11/2019, verifica-se da prova dos autos que razão não assiste à ora apelante. 

  

Isso pois, ainda que não haja dúvidas de que a autora residiu na casa de M.M., com seu marido e filhos, nos cinco meses que precederam seu falecimento, a recorrente não juntou aos autos qualquer documento capaz de corroborar a alegação de que se mudou para lá a pedido da de cujus ou de seus familiares para auxiliar nos cuidados da mesma, sustando os réus que M.M. teria convidado a autora para morar com ela após verificar que a casa onde moravam ser residência muito simples. 

  

Igualmente, as demais provas carreadas aos autos vão ao encontro das afirmações aduzidas na defesa, verificando-se, entre outros fatores, que em 05/07/2018, quando já com a saúde mais debilitada, a falecida outorgou procuração à sua irmã S.F.S. e à sobrinha T.S.F. (doc. ordem 89) e não à autora, pretensa filha. 

  

De igual maneira, inverossímil a alegação de que conviveu com a Sra. M.M. desde o nascimento, uma vez que era filha biológica de seu companheiro L., uma vez que só teve a paternidade reconhecida judicialmente em outubro de 2014, após realização de exame de DNA (doc. ordem 183), quando, segundo depoimento das testemunhas, o genitor biológico e a Sra. M.M. já não estavam mais juntos. 

  

Ainda nesse norte, cumpre ressaltar não ter a autora juntado nem mesmo uma foto demonstrando a convivência com a falecida durante a infância, sendo que, das três imagens colacionadas, a Sra. M.M. só está presente em uma delas (docs. ordem 7/9). 

  

Com relação ao suposto pagamento de cursos pela falecida em prol da autora, denota-se que os documentos carreados não são capazes de comprovar que o pagamento foi de fato feito pela Sra. M.M., uma vez que o documento da escola de inglês (doc. ordem 118) foi elaborado à pedido da autora, após o ajuizamento da ação, remontando a fatos ocorridos há 23 anos; e o documento do Instituto Embelleze (doc. ordem 119) aponta como mãe da autora a Sra. V. L., genitora biológica, não comprovando que o pagamento foi realizado pela Sra. M.M., ao que se acresce que, mesmo se restassem comprovados, não acarretariam, por si só, no reconhecimento da maternidade socioafetiva. 

  

Por fim, e no que tange às declarações e depoimentos juntados pela autora (docs. ordem 104/106 e 112/116) ressalta-se que não possuem a higidez necessária para corroborar, por si só, as alegações autorais, diante das contradições com os depoimentos pessoais e testemunhais colhidos em audiência, (doc. ordem 192). 

  

Testemunha: M. da S. B. 

  

(...) 

  

Conheceu M. M. há 40 anos, convivendo com ela cotidianamente até sua morte, pois ficou ela no hospital. Frequentava a casa de M.M. todos os dias; Sempre acompanhava M.M. no Supermercado, bancos, médicos. Só veio a conhecer N. depois que ela passou a morar com M.M. 05 (cinco) meses antes de sua morte. 

  

M.M. disse que estava muito difícil conviver N. porque estava sendo muito maltratada. Que ela estava muito triste por isto, inclusive N. 

  

maltratava também o cachorrinho TITICO da M.M., inclusive o cachorrinho sumiu após a morte de M., que chegou a falar com G. (irmão) os maus tratos sofridos pela M.M., mas que ela morreu logo depois. 

  

M.M. fazia festas de natal, fim de ano, aniversários, sempre com familiares e nunca a N. participava. M.M. nunca compareceu a festas de aniversário, fim de ano, batizados de filhos, maridos e familiares de N. M.M. só tomava remédios, mas que não precisava de maiores cuidados como ajuda para tomar banho, etc. que ela era uma pessoa lúcida. M.M. nunca disse que gostava ou tratava N. como filha e jamais expressou este sentimento a ela ou qualquer outra pessoa. 

  

Testemunha: M. de L. C. S. 

  

(...) 

  

Conheceu e conviveu com M.M. desde os 18 anos de idade, tiveram em restaurante juntas, moraram próximas, frequentava o salão. Nunca viu N. com M.M., só conhecendo-a hoje no Fórum. M.M. tinha o hábito de levar jovens para aprender o oficio de cabeleira como aprendiz no salão. Nos natais, fins de ano, aniversários, que a M.M. fazia só estavam seus parentes presentes e que nunca viu N. participar. 

  

Testemunha: C. G. da S. 

  

Trabalhou com M.M. por 24 anos de 1964 a 1988 aproximadamente e depois continuou em contato. M.M. foi quem ensinou a profissão de cabelereira à testemunha. M.M. sempre ajudava algumas pessoas (jovens) na profissão. M.M. ia com certa frequência a médicos e que N. nunca acompanhou M.M. 

  

(...) 

  

Quando questionada de se recordava da N., respondeu que: "Não, nunca a conheci, estou conhecendo hoje" (entre 01:51min e 01:58min) 

  

Quando questionada pelo juízo que Dona N. havia morado com M., e se ela havia ficado sabendo, respondeu que: "não, isso eu não fiquei sabendo não, eu não conheço e ultimamente eu tinha pouco contato com ela" (entre 03:28min e 03:38min). 

  

Com efeito, analisando a prova testemunhal como um todo, o que se tem que, de fato, o genitor biológico de N. foi companheiro de M.M. por determinado período, tendo a autora sido aprendiz no salão de beleza da falecida quando tinha por volta de 13/14 anos de idade e residido em sua companhia nos cinco meses que antecederam sua morte. Porém, a partir destes fatos não é possível auferir, com a certeza que necessária, que a autora tinha a posse do estado de filha socioafetiva em relação à ex-companheira do pai, tendo em vista que os testemunhos são conflitantes quanto ao fato. 

  

Dessa forma, diante do parco acervo probatório carreado aos autos, entendo que não se verifica, a vontade inequívoca da pretensa mãe socioafetiva, já falecida, em ter a autora reconhecidamente como sua filha, não sendo os cuidados, atenção e mesmo eventuais auxílios financeiros, por si sós, capazes de estabelecer a pretendida maternidade socioafetiva, devendo, portanto, ser mantida a sentença de improcedência. 

  

Sobre o tema, decidiu este eg. Tribunal: 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. POSSE DO ESTADO DE FILHO. EXTERIORIZAÇÃO INEQUÍVOCA DE AFETIVIDADE. NÃO DEMONSTRADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 

  

1. Em um contexto de desenvolvimento de novas concepções de família, permitiu-se a identificação de vínculos familiares socioafetivos, cujo fundamento extrapola o âmbito biológico, assentando-se na própria posse do estado de filho, ou seja, na sedimentação da condição de filho expressada por laços de afetividade. 

  

2. O reconhecimento da paternidade socioafetiva demanda a 

  

existência de unívoca intenção daquele que age como se genitor fosse de se ver juridicamente instituído como tal e a configuração da posse de estado de filho, compreendida como a explicitação, no seio familiar e perante a sociedade, de comportamentos baseados na afetividade entre pais e filhos. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.103614-8/001, Relator (a): Des.(a) Carlos Roberto de Faria, 8a Câmara Cível Especializada, julgamento em 09/11/2023, publicação da súmula em 13/11/2023) 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM C/C PETIÇÃO DE HERANÇA - POSSE DE ESTADO DE FILHO - INTERESSE NO RECONHECIMENTO DO VÍNCULO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. 

  

- O estado de posse de filho está configurado quando demonstrados os requisitos de trato e fama, sendo o primeiro caracterizado por meio da assistência financeira, psicológica, moral e afetiva; ao passo que o segundo é a exteriorização do estado vindicado perante a sociedade. 

  

- O reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva post mortem requer maior cautela, a reclamar a produção de prova substancial e robusta, vez que reverbera diretamente na situação jurídica familiar, sem a presença da parte que supostamente constituiu diretamente o vínculo que se pretende ver reconhecido. 

  

- Apesar da demonstração do vínculo de afetividade entre os envolvidos, não sendo possível verificar a verdadeira vontade dos pretensos pais - falecidos -, julga-se improcedente o pedido de declaração de reconhecimento de parentalidade socioafetiva. 

  

- Recurso improvido. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.116572-5/002, Relator (a): Des.(a) Roberto Apolinário de Castro, 4a Câmara Cível Especializada, julgamento em 25/04/2024, publicação da súmula em 30/04/2024) 

  

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. 

  

Deixo de majorar os honorários sucumbenciais posto que já fixados na sentença em 20% do valor da causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida. 

  

DES. ALEXANDRE SANTIAGO - De acordo com o (a) Relator (a). DESA. ÂNGELA DE LOURDES RODRIGUES - De acordo com o (a) Relator (a). 

  

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"