Data de publicação: 06/12/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Élito Batista de Almeida
(...) “O ECA assegura o direito ao sigilo a genitora que manifeste o desejo de entregar seu filho para adoção, logo a busca pela família extensa e ou a convivência do adotando com seus irmãos, por si só, não garante o melhor interesse da criança.” (...)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ADOÇÃO - ENCAMINHAMENTO PARA ADOÇÃO - PROGRAMA ADOÇÃO LEGAL - MELHOR INTERESSE DO MENOR - DIREITO DE SIGILO DA GENITORA - ARTIGO 19-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - RESOLUÇÃO Nº 485/2023 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - SENTENÇA MANTIDA. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito ao sigilo a genitora que manifeste o desejo de entregar seu filho para adoção ("ex vi" art. 19-A, §§ 5º e 9º), direito, também, resguardado pela Resolução 485/2023 do CNJ, logo a busca pela família extensa e ou a convivência do adotando com seus irmãos, por si só, não garante o melhor interesse da criança. 2. A mitigação do sigilo garantido a genitora que deseja entregar seu filho para adoção gera insegurança jurídica, bem como promove a violação do direito a intimidade dela assegurado na Constituição Federal, nos termos do art. 5º, inc. X. 3. Sentença mantida.
(TJ-MG - Apelação Cível: 50043707020248130223, Relator: Des.(a) Élito Batista de Almeida (JD Convocado), Data de Julgamento: 19/08/2024, Núcleo da Justiça 4.0 - Especiali/ Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 20/08/2024)
Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ADOÇÃO - ENCAMINHAMENTO PARA ADOÇÃO - PROGRAMA ADOÇÃO LEGAL - MELHOR INTERESSE DO MENOR - DIREITO DE SIGILO DA GENITORA - ARTIGO 19-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - RESOLUÇÃO Nº 485/2023 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - SENTENÇA MANTIDA.
1. O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura o direito ao sigilo a genitora que manifeste o desejo de entregar seu filho para adoção ("ex vi" art. 19-A, §§ 5º e 9º), direito, também, resguardado pela Resolução 485/2023 do CNJ, logo a busca pela família extensa e ou a convivência do adotando com seus irmãos, por si só, não garante o melhor interesse da criança.
2. A mitigação do sigilo garantido a genitora que deseja entregar seu filho para adoção gera insegurança jurídica, bem como promove a violação do direito a intimidade dela assegurado na Constituição Federal, nos termos do art. 5º, inc. X.
3. Sentença mantida.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.24.316992-7/001 - COMARCA DE DIVINÓPOLIS - APELANTE: M.P.M.G. - APELADOS: F.N.V.F. E G.D.F. - INTERESSADO: P.M.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a Câmara Justiça 4.0 - Especializada Cível-8 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
JD. CONVOCADO ÉLITO BATISTA DE ALMEIDA
RELATOR
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MPMG contra sentença proferida pelo i. Juiz do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Divinópolis que, nos autos da ação de adoção ajuizada por G.D.F. e F.N.V.F. em favor de P.M., julgou procedente para conceder a adoção do menor ao casal, passando ele a chamar S.B.V.F. (doc. 47).
Em suas razões recursais (doc. 48), alega o apelante que a sentença é prejudicial ao menor, haja vista que, malgrado a sua genitora tenha renunciado, expressamente, ao poder familiar, "nem o pai (companheiro da genitora há 13 anos), nem os 3 irmãos e nem os demais membros da família (avós, tios, etc.) PUDERAM SEQUERSABER DO NASCIMENTO DA CRINAÇA, POR NEGATIVA DA MÃE" ("sic", f. 15). Neste particular, alega, ainda, que:
"No presente caso, ao se limitar às regras da "RESOLUÇÃO DA ENTREGA LEGAL", entendo que o Juiz a quo deixou de observar o artigo 227 da "CONSTITUIÇÃO FEDERAL"- pois colocou o Direito da genitora acima do Direito da Criança - bem como não atendeu aos dispositivos da "LEI FEDERAL DA ENTREGA LEGAL"- acima citados.
Embora tenha sido requerido pelo MP, no âmbito deste feito, jamais foi realizada audiência para a qual tenha sido notificado qualquer membro da família extensa, a qual desconhece a existência da criança.
Embora a genitora/doadora vivesse maritalmente com R.A.C. na época da concepção, ou ao menos quando já se encontrava grávida - como informou o setor psicossocial, este possível pai biológico jamais foi ouvido.
Além disso, apesar de também requerido pelo MP, jamais foi verificada a idoneidade da família extensa, tendo sido tomado como verdade absoluta exclusivamente o que foi declarado pela própria genitora/interessada."("Sic", f. 25.)
Sustenta, também, que, apesar de requerido pelo Ministério Público, a idoneidade da família extensa não foi verificada, sendo consideradas verdadeiras as declarações da genitora da criança.
Alega que o ECA estabelece que os irmãos não devem ser separados quando colocados em família substituta, sendo admitida a separação somente quando "comprovada a existência de risco de abuso" ou quando exista "outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa", sendo assim evitado o rompimento definitivo dos vínculos fraternos.
Afirma que, no caso em tela, com existência de irmãos, deveriam ter sido verificadas as providências para a manutenção do vínculo fraternal ou, também, a existência de hipótese da descontinuidade do grupo fraterno.
Argumenta que o adotando tem o direito de conhecer sua origem genética/biológica, sendo que a resolução da entrega legal, nega este direito colocando os da genitora acima daqueles da criança. Também que não há como saber a origem biológica sem conhecer a família extensa, e não se pode conhecer a família extensa quando ela não sabe da existência da criança, sendo que o direito ao sigilo dado a genitora/doadora deve ir até o ponto que se inicia o direito da criança de conhecer sua origem genética e sua família biológica.
Ao final, requer a anulação da sentença do juízo "a quo" para que seja verificada e comunicada a família extensa, bem como para que sejam considerados os irmãos da criança a ser adota.
Contrarrazões pelo não provimento do recurso no doc. 52.
Parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça (doc. 60), da lavra do i. Procurador Marco Antônio Borges, pela regularidade do recurso e por seu prosseguimento e julgamento.
É o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Cinge-se a controvérsia recursal acerca do acerto da sentença que julgou procedente o pedido da inicial, para conceder a adoção da criança P.M. ao casal postulante, ora apelado, sem ter procurado a família extensa e/ou os irmãos do adotando.
Inicialmente, cabe destacar que ao se tratar de interesse relativo à criança e ao adolescente, o magistrado deve se ater ao interesse do menor, considerando, para tanto, primordialmente, seu bem-estar, por gozar de prioridade e proteção absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição Federal.
Como se sabe, quando a gestante ou a mãe manifesta o desejo de entregar o filho para adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 19-A, §§ 5º e 9º, e art. 48, asseguram o direito ao sigilo, direito, também, assegurado pela Resolução nº 485, de 2023 do CNJ, que garante adequado atendimento a gestante e assegura a proteção integral da criança a ser adotada.
"In casu", em que pese o Estatuto da Criança e do Adolescente priorizar os vínculos da família natural da criança e do adolescente, nota-se a presença de particularidades que robustecem a necessidade do sigilo garantido a genitora no processo de adoção.
Compulsando os autos, constata-se dos documentos juntados (doc. 18) que a genitora do adotando informou que se tratava de sua quinta gestação, ser dependente química, não sendo seu companheiro o pai da criança (f. 13).
Por sua vez, no relatório social confidencial (doc. 18, f. 20/25) a genitora do adotando firmou que seu pai, já falecido, era usuário de cocaína e crack, e sua mãe dependente de maconha e etílico, bem como desconhecer a paternidade de seu filho, tendo a gestação ocorrida no período que estava separada de seu companheiro. Também afirmou que faz programas sexuais para a manutenção de seu vício, não ter nenhum familiar disposto a assumir a guarda de seu filho, e pediu, de forma reiterada, o sigilo sobre a entrega o nascimento e a adoção da criança.
Destaca-se, também, a "MANIFESTAÇÃO DE SIGILO DE ENTREGA DO FILHO PARA ADOÇÃO" (doc. 18, f. 19), em que a genitora do adotando declarou estar ciente que é seu direito optar por não acionar ou comunicar familiares, amigos ou terceiros em relação à gestação, ao nascimento ou à entrega da criança para adoção.
Tem-se, ainda, que foi realizada, em 06/09/2023, audiência (doc. 29), em que a genitora manifestou a vontade de entregar o menor para adoção, oportunidade em que lhe foi entregue a "MANIFESTAÇÃO DE SIGILO DE ENTREGA DO FILHO PARA ADOÇÃO" retromencionado.
Assim, em que pesem as argumentações trazidas pelo Ministério Público de Minas Gerais no presente recurso, observa-se dos autos que a busca por família extensiva do menor ou mesmo pela manutenção do vínculo fraterno com seus irmãos, não se apresenta como uma garantia de uma vida que assegure a ele seu crescimento de forma segura e sadia.
Nota-se que, pelo histórico familiar apresentado nos autos, não há provas que a quebra do sigilo assegurado a genitora, irá atender ao melhor interesse do menor.
Tem-se que a mitigação do direito ao sigilo assegurado as genitoras no Estatuto da Criança e do Adolescente, representaria uma insegurança jurídica para as mães que desejam entregar seus filhos para adoção mediante tal sigilo, o que violaria também o direito constitucional a intimidade, garantido no art. 5º, inc. X, da CF/88.
Para mais, o sigilo garantido a estas genitoras tem o condão de evitar o abandono de bebês, abortos, tráficos de crianças e adoções ilegais, como bem pontuou o juízo "a quo" (doc. 29, f. 3), o que, por consequência, atende ao ordenamento jurídico brasileiro que adotou o Sistema da Integral Proteção à Criança e ao Adolescente.
Quanto do direito do infante de conhecer sua origem genética/biológica, tratou o Estatuto da Criança e do Adolescente de garantir este direito em seu artigo 48, quando preceitua que:
"O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos."
Assim, com as considerações acima a manutenção da sentença guerreada é medida que se impõe.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a sentença atacada.
Sem custas.
DESA. LUZIA PEIXÔTO - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. ADRIANO DE MESQUITA CARNEIRO - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"