Data de publicação: 25/11/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Roberto Apolinário de Castro
(...) “Nos termos do art. 148, parágrafo único do ECA, a Vara da Infância e da Juventude é competente para julgar a ação de guarda quando a criança/adolescente se encontrar em situação de risco (art. 98 do ECA).”
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE GUARDA C/C ALIMENTOS - COMPETÊNCIA - MEDIDA PROTETIVA EM FAVOR DA GENITORA DA MENOR - SITUAÇÃO DE RISCO DA INFANTE NÃO EVIDENCIADA - COMPETÊNCIA DA VARA DA FAMÍLIA - RECURSO PROVIDO. - Nos termos do art. 148, parágrafo único do ECA, a Vara da Infância e da Juventude é competente para julgar a ação de guarda quando a criança/adolescente se encontrar em situação de risco (art. 98 do ECA) -Ausente a demonstração de risco para a menor, a competência ordinária para a análise do Direito de Família é da Vara Cível/Família - Recurso provido.
(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 31635400520248130000, Relator: Des.(a) Roberto Apolinário de Castro, Data de Julgamento: 10/10/2024, Câmaras Especializadas Cíveis / 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 14/10/2024)
Inteiro Teor
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE GUARDA C/C ALIMENTOS - COMPETÊNCIA - MEDIDA PROTETIVA EM FAVOR DA GENITORA DA MENOR - SITUAÇÃO DE RISCO DA INFANTE NÃO EVIDENCIADA - COMPETÊNCIA DA VARA DA FAMÍLIA - RECURSO PROVIDO.
- Nos termos do art. 148, parágrafo único do ECA, a Vara da Infância e da Juventude é competente para julgar a ação de guarda quando a criança/adolescente se encontrar em situação de risco (art. 98 do ECA).
-Ausente a demonstração de risco para a menor, a competência ordinária para a análise do Direito de Família é da Vara Cível/Família.
- Recurso provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.24.316353-2/001 - COMARCA DE UBERABA - AGRAVANTE (S): G.V.C.B. - AGRAVADO (A)(S): W.M.E.C.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. Nome
RELATOR
V O T O
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por L.V.E., neste ato representada por sua genitora G.V.C.B., contra a decisão que nos autos da Ação de Regulamentação de Guarda c/c Alimentos, proposta em face de W.M.E.C., reconheceu de ofício a incompetência absoluta do juízo para processar e julgar a ação, remetendo o feito para o Juízo da Vara da Infância e da Juventude (eDoc 11).
A agravante sustenta, em suas razões (eDoc 1), que a menor, filha das partes, não está em situação de risco, notadamente porquanto a violência doméstica, neste caso, tem como vítima a genitora da infante, ora recorrente.
Alega que a decisão recorrida se fundamenta em equivocada interpretação da legislação aplicável, uma vez que cabe ao juízo da Vara de Família a competência para processar e julgar Ações de Regulamentação de Guarda e Alimentos.
Cita que, a manutenção do feito junto à Vara de Família, possibilita uma análise mais abrangente e integrada das questões familiares envolvidas, em conformidade com os preceitos legais e constitucionais aplicáveis.
Defende que manutenção da decisão agravada acarreta prejuízos irreparáveis às partes, uma vez que a remessa de parte da lide para a Vara da Infância e Juventude pode resultar em morosidade processual e decisões contraditórias, comprometendo a efetividade da tutela jurisdicional.
Com tais considerações, pugna pelo provimento do recurso para que seja reconhecida a competência do juízo da Vara da Família para julgar e processar o feito.
Sem preparo, por litigar a recorrente sob o pálio da gratuidade judiciária.
Sem contraminuta.
A d. Procuradoria de Justiça, em parecer, opinou pelo desprovimento do recurso (eDoc 18).
RELATADOS.
Presentes os requisitos de sua admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se a controvérsia em debate, a análise em Segunda Instância, da decisão que reconheceu de ofício a incompetência absoluta do juízo para processar e julgar a ação, remetendo o feito para o Juízo da Vara da Infância e da Juventude.
Pois bem.
Inicialmente, calha mencionar que apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.
A competência, como se sabe, é critério para distribuição da ação entre os órgãos judiciários, das atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. Ela define a competência do juiz natural para dirimir a controvérsia.
Acerca do tema em debate, leciona o Código de Processo Civil:
Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados.
À vista disso, a Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais - Lei Complementar Estadual nº 59, de 18/01/2001, dispõe:
(...)
Art. 60 - Compete a Juiz de Vara de Família processar e julgar as causas relativas ao estado das pessoas e ao Direito de Família, respeitada a competência do Juiz de Vara da Infância e da Juventude.
(...)
Art. 62. Compete ao Juiz da Vara da Infância e da Juventude exercer as atribuições definidas na legislação especial sobre criança e adolescente, bem como as de fiscalização, orientação e apuração de irregularidades de instituições, organizações governamentais e não governamentais, abrigos, instituições de atendimento e entidades congêneres que lidem com crianças e adolescentes, garantindo-lhes medidas de proteção.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, leciona sobre o tema:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - Em razão de sua conduta.
(...)
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - Conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;
II - Conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo;
III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;
IV - Conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;
V - Conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis;
VI - Aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente;
VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis.
Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:
a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;
b) conhecer de ações de destituição do poder familiar, perda ou modificação da tutela ou guarda; (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência;
c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;
d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do poder familiar; (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência;
e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais;
f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente;
g) conhecer de ações de alimentos;
h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito.
Sabe-se que a Vara da Infância e Juventude possui competência residual para o processamento e julgamento das ações previstas no artigo 148 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Embora a competência seja determinada no momento do ajuizamento da ação (CPC, art. 43), o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA instituiu no art. 147 uma regra de flexibilização da perpetuatio jurisdictionis, possibilitando a modificação da competência, no âmbito da Justiça da Infância e Juventude, quando demonstrado ser a solução que melhor atende ao interesse da criança ou do adolescente (ECA, art. 147, § 2º).
Assim, considerando a excepcionalidade da competência da Vara da Infância e Juventude, a ação de regularização de guarda somente deve ser apreciada por ela na hipótese de o menor envolvido estar submetido à situação de risco ou ameaça.
Volvendo ao caso dos autos, haure-se que a genitora da menor foi vítima de violência doméstica por parte do genitor da infante, ora recorrido, razão pela qual foi encaminhada ao Centro de Referência de Assistência à Mulher Vítima de Violência Doméstica - DPMG, estando vigente, ainda, uma medida protetiva em favor da agravante.
Dessa forma, considerando que cessou a situação de risco em que a genitora se encontrava envolvida, não há que se falar em competência do juízo da Vara da Infância e da Juventude para dirimir o presente feito.
Registro que a medida protetiva envolve questões dos ex-companheiros, não restando evidenciado suposto caso de violência ou abuso físico ou moral em face da menor.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência deste eg. Tribunal Mineiro e desta Câmara Especializada:
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - MULHER BENEFICIÁRIA DE MEDIDA PROTETIVA - - AÇÃO DE GUARDA E ALIMENTOS - PARTES LITIGANTES - EX-COMPANHEIROS - JUÍZO COMPETENTE - VARA CÍVEL.
À lei nº 11.340/2006, que, dentre outros, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, traz, em seu artigo 14-A, uma faculdade, conferida à mulher vítima de violência doméstica, consistente em propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, não se inserindo, portanto, nesta previsão, a ação em que se discute a guarda e alimentos para filho dos litigantes, a qual deve tramitar perante o juízo cível competente. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.22.182134-1/000, Relator (a): Des.(a) Nome, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 29/06/2023, publicação da súmula em 03/07/2023)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE GUARDA C/C VISITAS E OFERTA DE ALIMENTOS - CRIANÇA/ADELESCENTE - SITUAÇÃO DE RISCO NÃO CONFIGURADA - COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA.
- Nos termos do art. 148, parágrafo único do ECA, a Vara da Infância e da Juventude é competente para julgar a ação de guarda quando a criança/adolescente se encontrar em situação de risco (art. 98 do ECA). (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.23.255706-6/000, Relator (a): Des.(a) Nome, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 29/02/2024, publicação da súmula em 01/03/2024)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE GUARDA E ALIMENTOS C/C ALIMENTOS PROVISÓRIOS E MEDIDA PROTETIVA - COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL.
- De acordo com o Enunciado n.º 03 FONAVID "A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações relativas a direito de família ser processadas e julgadas pelas Varas de Família." (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.22.277521-5/000, Relator (a): Des.(a) Nome, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 23/03/2023, publicação da súmula em 23/03/2023)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE GUARDA - ADELESCENTE - SITUAÇÃO DE RISCO NÃO CONFIGURADA - COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA.
- Nos termos do art. 148, parágrafo único do ECA, a Vara da Infância e da Juventude é competente para julgar a ação de guarda quando a criança/adolescente se encontrar em situação de risco (art. 98 do ECA). (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.23.061195-6/000, Relator (a): Des.(a) Nome, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 10/08/2023, publicação da súmula em 10/08/2023)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR - DISTRIBUIÇÃO PARA VARA DE FAMÍLIA - DETERMINAÇÃO DE REDISTRIBUIÇÃO, POR DEPENDÊNCIA, À AÇÃO DE GUARDA - FEITO QUE TRAMITA EM VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO NA AÇÃO DE GUARDA - MENOR EM SITUAÇÃO REGULAR E QUE NÃO ESTÁ EM RISCO - DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
- A ação de busca e apreensão de menor em situação regular e não sujeito a risco é de competência da Vara de Família e não da Vara da Infância e da Juventude, tendo em vista o disposto nos artigos 148 e 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente; até porque, no caso, a referida demanda foi distribuída, por dependência, a uma ação onde se discute a guarda da criança, na qual já foi julgado um conflito de competência definindo o Juízo da Vara de Família como o competente para processar e julgar o feito. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.23.148318-1/000, Relator (a): Des.(a) Nome, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 10/08/2023, publicação da súmula em 10/08/2023)
Não obstante, optando a autora por ajuizar a ação perante a Vara de Família, deve ser reconhecida a competência desta para o julgamento do feito.
Já decidiu esta Corte de Justiça:
EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA - DIREITO DE FAMÍLIA - LEI MARIA DA PENHA - MEDIDAS PROTETIVAS PRETÉRITAS - AÇÃO DE DIVÓRCIO - COMPETÊNCIA ALTERNATIVA PARA JULGAMENTO - VARA CÍVEL OU VARA ESPECIALIZADA EM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER - OPÇÃO DA VÍTIMA - CUMULAÇÃO COM GUARDA E INDENIZAÇÃO - INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA ESPECIALIZADA - COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL SUSCITANTE.
- É facultado à mulher em situação de violência doméstica pleitear o divórcio ou a dissolução da união estável perante o Juízo da Vara Especializada que lhe tenha concedido medidas protetivas, conforme admite a Lei n. 13.984/2019, que inseriu o art. 14-A na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006).
- É competente a Vara Cível (ou Vara de Família) para julgar ação de divórcio, quando cumulada com outros pedidos não relacionados especificamente ao fim do vínculo conjugal, como a guarda do filho menor e a indenização por danos morais, sobretudo se a violência ou risco atual, que exija a imposição de medida protetiva, não constitui fundamento do pedido de divórcio. Conflito de competência rejeitado. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.22.134907-9/000, Relator (a): Des.(a) Nome (JD Convocado), 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 23/09/2022, publicação da súmula em 14/10/2022)
Extrai-se, portanto, que a competência ordinária para a análise do Direito de Família é mesmo da Vara Cível/Família, consistindo a Vara da Infância e Juventude em órgão jurisdicional de competência específica, especializada, com determinação legal em rol taxativo.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para reconhecer a competência do juízo da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberaba, para conhecer e julgar o presente feito.
Custas ao final, pelo vencido.
DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."