#1 - Investigação de Paternidade. Exame de DNA. Filiação Socioafetiva.

Data de publicação: 05/11/2024

Tribunal: TJ-MT

Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO

Chamada

(...) “O resultado negativo do exame de DNA e a demonstração de que o réu incorreu em erro substancial quando reconheceu a paternidade impõem a sua desconstituição no assento de nascimento, sobretudo quando não evidenciada a existência de elo socioafetivo entre as partes.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA – ERRO DE CONSENTIMENTO – COMPROVAÇÃO – AUSÊNCIA DE LIGAÇÃO SOCIOAFETIVA – MANUTENÇÃO DO NOME DO RÉU NO REGISTRO CIVIL – INVIABILIDADE – CRIANÇA DE TENRA IDADE – RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO PELO PAI BIOLÓGICO – PRIMAZIA DA VERDADE REAL E DO MELHOR INTERESSE DA INFANTE – PRECEDENTES DOS STJ – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. O resultado negativo do exame de DNA e a demonstração de que o réu incorreu em erro substancial quando reconheceu a paternidade impõem a sua desconstituição no assento de nascimento (artigo 1.604 do Código Civil), sobretudo quando não evidenciada a existência de elo socioafetivo entre as partes.

(TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1020214-35.2021.8.11.0015, Relator: NÃO INFORMADO, Data de Julgamento: 06/03/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/03/2024)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

ESTADO DE MATO GROSSO 

PODER JUDICIÁRIO 

QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO 

 

Número Único: 1020214-35.2021.8.11.0015 

Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) 

Assunto: [Retificação de Nome, Efeitos] 

Relator: Des (a). Nome 

  

Turma Julgadora: [DES (A). Nome, DES (A). Nome, DES (A). Nome] 

  

Parte (s): 

[A. B. S. F. - CPF: ** (APELANTE), Nome - CPF: ** (ADVOGADO), Nome - CPF: ** (ADVOGADO), Nome - CPF: ** (APELANTE), Nome - CPF: ** (APELADO), Nome - CPF: ** (ADVOGADO), Nome - CPF: ** (APELADO), Nome - CPF: ** (ADVOGADO), Nome - CPF: ** (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), Nome - CPF: ** (ADVOGADO), Nome - CPF: ** (ADVOGADO)] 

  

A C Ó R D Ã O 

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des (a). Nome, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNÂNIME. 

  

E M E N T A 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA – ERRO DE CONSENTIMENTO – COMPROVAÇÃO – AUSÊNCIA DE LIGAÇÃO SOCIOAFETIVA – MANUTENÇÃO DO NOME DO RÉU NO REGISTRO CIVIL – INVIABILIDADE – CRIANÇA DE TENRA IDADE – RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO PELO PAI BIOLÓGICO – PRIMAZIA DA VERDADE REAL E DO MELHOR INTERESSE DA INFANTE – PRECEDENTES DOS STJ – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. 

  

O resultado negativo do exame de DNA e a demonstração de que o réu incorreu em erro substancial quando reconheceu a paternidade impõem a sua desconstituição no assento de nascimento (artigo 1.604 do Código Civil), sobretudo quando não evidenciada a existência de elo socioafetivo entre as partes. 

  

R E L A T Ó R I O 

Apelação Cível em Ação de Investigação de Paternidade c/c Anulatória de Registro Civil julgada parcialmente procedente para incluir Nome no registro civil da autora, na condição de pai biológico, e manter Nome na posição de pai socioafetivo, sem condenação ao pagamento das custas ou honorários advocatícios. 

  

A apelante sustenta que não há razão para manter o registro de paternidade pois ficou comprovado que não existe vínculo afetivo. 

  

Em suas contrarrazões, Nome concorda com as razões recursais (Id. 189501716). 

  

Apesar de devidamente intimado, Nome não apresentou contrarrazões (Id. 189501715). 

Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça pelo provimento do Recurso (Id. 197650178). 

  

É o relatório. 

  

  

Des. Nome 

Relator 

 

V O T O    R E L A T O R 

 

A apelante se insurge contra a sentença que julgou parcialmente procedente a Ação e manteve o nome de Nome nos seus registros de nascimento em conjunto com o pai biológico. 

  

O registro voluntário da filiação é ato irretratável e irrevogável (art. 1.609 do CC e art. 1º da Lei nº 8.560/92), e só pode ser alterado quando houver prova robusta de que ocorreu algum vício de consentimento (arts. 138 a 165 do CC). 

  

A ausência de vínculo biológico foi confirmada pela mãe que na inicial narrou ter tido um breve relacionamento com o Nome quando havia terminado com Nome, motivo pelo qual passou a ter dúvida sobre a paternidade da filha (nascida em 6-8-2014) e realizou o exame genético cujo resultado apontou que o último realmente não era o genitor. 

  

Além disso, a inexistência de elo afetivo entre os dois está consignada no estudo psicossocial realizado em 31-08-2023 que nada fez constar sobre a relação da menina com Nome, enquanto com o pai biológico assim concluiu: 

  

“(...) O requerido nos informou que está tendo convivência com a filha, mas o contato é mais frequente por via telefone, devido a distância por residir em outro estado, e isso acaba dificultando de ver a filha pessoalmente. O pai biológico está pagando pensão no valor de um salário-mínimo, e alega que está feliz em regularizar tal situação para ter seu nome no registro de nascimento da criança. 

  

Disse ainda, que a última vez que viu a menor pessoalmente foi no ano de 2021 e que após não conseguiu buscá-la para passar o período de férias com ele, pelo motivo das férias escolares não coincidirem no mesmo período para ambos pai e filha. 

  

Vale ressaltar que tanto a genitora quanto o pai biológico estão de acordo para a retificação do registro de nascimento de Nome, retirando o nome do Sr. Nome e passando a constar o nome do Sr. Nome, uma vez que não existe mais vínculo afetivo entre a criança e o pai registral. (...)” (Id. 189501699) 

  

Como visto, é evidente a ausência de laços familiares entre Nome e a menor que, aliás, tem apenas 9 anos de idade, de maneira que o contexto esvazia a perspectiva de que a imposição da permanência do nome do réu na certidão de nascimento assegurará o melhor interesse da criança até porque, pelo que se extrai da lide, sequer há convivência entre eles. 

  

Ademais, não se aplicam compulsoriamente os deveres de cuidado e atenção àquele que não é o pai biológico e nem tem a intenção de reconhecer voluntariamente a paternidade socioafetiva. 

  

Precedentes do STJ: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. 

  

1. Controvérsia em torno da presença dos requisitos legais para a desconstituição da paternidade declarada em desacordo com a verdade biológica. 

  

2. Possibilidade, segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, de desconstituição do registro de nascimento quando baseado em vício de consentimento e uma vez afastada a existência de filiação socioafetiva, como verificado no caso dos autos. (...) 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 

  

(STJ - AgInt no REsp 1531311/DF, Rel. Ministro Nome, TERCEIRA TURMA - DJe 05/09/2018). 

  

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. (...) MÉRITO. DECLARANTE, SOB A PRESUNÇÃO PATER IS EST, INDUZIDO A ERRO. VERIFICAÇÃO. RELAÇÃO DE AFETO ESTABELECIDA ENTRE PAI E FILHO REGISTRAIS CALCADA NO VÍCIO DE CONSENTIMENTO ORIGINÁRIO. ROMPIMENTO DEFINITIVO. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 3. GENITORA QUE SE RECUSA A REALIZAR O EXAME DE DNA NA FILHA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES E DAS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 

  

2. É possível a desconstituição do registro quando a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, efetuada e declarada por indivíduo que, na fluência da união estável estabelecida com a genitora da criança, acredita, verdadeiramente, ser o pai biológico desta (incidindo, portanto, em erro), sem estabelecer vínculo de afetividade com a infante. 

  

Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. A filiação socioafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos. A socioafetividade se consolidaria caso o demandante, mesmo após ter obtido ciência da verdade dos fatos, ou seja, de que não é pai biológico da requerida, mantivesse com esta, voluntariamente, o vínculo de afetividade, sem o vício que o inquinava. 

  

(...) Diante das peculiaridades do caso, notadamente em face da comprovação da inexistência da afetividade paterno-filial e da ausência de interesse em construí-la, impositiva a desconstituição do registro. 4. Recurso especial desprovido. 

  

(STJ - REsp 1508671/MG, Rel. Ministro Nome, TERCEIRA TURMA - DJe 09/11/2016) 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PATERNIDADE. PECULIARIDADES DO CASO. VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA E INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. PREVALÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 

  

1. Se, à época da realização do registro de nascimento, a filiação foi declarada tão somente com base nas afirmativas feitas pela genitora do menor, que induziram o declarante a acreditar ser o pai da criança, é possível questionar a paternidade em ação negatória, com base em vício de consentimento. 

  

2. Se o vínculo biológico foi afastado por prova genética (exame de DNA) e, por depoimentos, comprovou-se a ausência de vínculo afetivo entre o declarante e o menor, não há como manter filiação em desacordo com a realidade. 

  

3. Nas ações de estado, prevalece o princípio da verdade real, que deve ser afastado apenas em circunstâncias particulares e especiais, considerando-se o caso concreto. 4. Recurso especial desprovido. 

  

(REsp 1362557/DF, Rel. Ministra Nome, Rel. p/ Acórdão Ministro Nome, TERCEIRA TURMA - DJe 09/12/2014). 

 

Logo, a prova efetiva do erro substancial em que incorreu os pais da menina leva à procedência da demanda. 

  

Pelo exposto, dou provimento ao Recurso a fim de julgar procedente o pedido e determinar a expedição de mandado ao Registro Civil para supressão do nome de Nome do assento de nascimento da apelante. 

  

 Data da sessão: Cuiabá-MT, 06/03/2024