#1 - Reconhecimento Judicial. Paternidade Socioafetiva. Registro Civil.

Data de publicação: 24/10/2024

Tribunal: TJ-GO

Relator: MARCUS DA COSTA FERREIRA

Chamada

(...) “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO/DECLARAÇÃO JUDICIAL DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COM INCLUSÃO EM REGISTRO CIVIL. DUPLA PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Com base no leading case do Supremo Tribunal Federal (RE 898060, Tema 622), o qual firmou a tese de que "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios", impõe-se reconhecer a paternidade socioafetiva, concomitante com a biológica, em favor do filho, cuja convivência existente com aquele é reconhecida entre eles e socialmente. 2. Reformada a sentença de improcedência, para julgar procedente o pleito inicial e reconhecer a dupla paternidade no registro civil do autor/apelante, para os fins legais, patrimoniais e extrapatrimoniais. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.

(TJ-GO - Apelaçã o (CPC): 00594007920178090051, Relator: MARCUS DA COSTA FERREIRA, Data de Julgamento: 05/11/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 05/11/2019)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5059400.79.2017.8.09.0051 

  

COMARCA DE GOIÂNIA 

  

APELANTE: L. E. G. S. 

  

APELADO: C. S. F. 

  

RELATOR: DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA 

  

Pauta Presencial 

  

VOTO 

  

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. 

  

Consoante relatado, trata-se de APELAÇÃO CÍVEL (evento 60) interposta por L. E. G. S., visando atacar a sentença (evento 46), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara de Família da comarca de Goiânia, Dr. William Fabian, nos autos da ação de reconhecimento/declaração judicial de paternidade socioafetiva com inclusão em registro civil ajuizada também por E. E. C. R. e S. M. S. R. contra C. S. F., no bojo da qual o magistrado singelo julgou improcedente o pleito inicial, a fundamento de que reconhecimento de dupla paternidade não é previsto na nossa legislação, pois, para que fosse declarada a relação socioafetiva pretendida, seria necessário excluir a paternidade biológica. 

  

1. Das Razões da Apelação 

O apelante/requerente informa que se encontra atualmente com 21 anos de idade (nascido em 14.08.1997), foi registrado como filho de C. S. F. (pai biológico) e S. M. S., mas que convive com seu padrasto E. E. C. R. desde os 09 anos de idade, a quem considera também como seu pai; salienta que seu genitor biológico, ora apelado, não se opõe em nada para que haja o reconhecimento da relação socioafetiva com E.; menciona o RE 898.060-SP, em que o STF admitiu o reconhecimento da paternidade biológica concomitante com a socioafetiva. 

  

Requer a reforma da sentença, para que seja reconhecida a dupla paternidade, com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. 

  

Como pedido subsidiário, roga pela inclusão da paternidade socioafetiva (E. E. C. R.) em seus documentos pessoais, com a exclusão do pai biológico, passando o recorrente a se chamar L. E. G. S. R. 

  

Apelante beneficiário da justiça gratuita. 

   

2. Do Provimento da Apelação 

A pretensão do apelante/autor merece prosperar. 

  

Afirma ele em audiência (evento 28) que nunca teve uma boa relação com o pai biológico, Sr. C., desde a infância, sendo este muito ausente, e que o Sr. E. é conhecido no meio social como seu genitor, depoimento que se encontra em consonância com os dos informantes ouvidos em juízo, e pelas fotografias colacionadas no evento 1. 

  

A genitora S. possui outros 2 filhos pequenos com E. e diz que formam uma família de bom convívio, inclusive com o L., ora recorrente. 

  

No evento 14, doc. 02, foi juntado um documento assinado pelo pai biológico, com firma reconhecida em cartório, declarando que não se opõe em nada ao pleito inicial e, inclusive, abre mão de contestar o feito. 

  

Realmente, uma vez citado, o Sr. C. não se apresentou nos autos (evento 35, doc. 05). 

  

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral (RE 898060, Tema 622), firmou a tese de que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.” 

  

Apenas a título de ilustração, por se tratar de caso diverso a dos presentes autos, a Corte Superior entende pela possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva concomitante com a biológica: 

  

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA. DUPLA PATERNIDADE OU ADOÇÃO UNILATERAL. DESLIGAMENTO DOS VÍNCULOS COM DOADOR DO MATERIAL FECUNDANTE. CONCEITO LEGAL DE PARENTESCO E FILIAÇÃO. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE ADMITINDO A MULTIPARENTALIDADE. EXTRAJUDICICIALIZAÇÃO DA EFETIVIDADE DO DIREITO DECLARADO PELO PRECEDENTE VINCULANTE DO STF ATENDIDO PELO CNJ. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE DE REGISTRO SIMULTÂNEO DO PAI BIOLÓGICO E DO PAI SOCIOAFETIVO NO ASSENTO DE NASCIMENTO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.  

1. Pretensão de inclusão de dupla paternidade em assento de nascimento de criança concebida mediante as técnicas de reprodução assistida sem a destituição de poder familiar reconhecido em favor do pai biológico.  

2. "A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consanguíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante." (Enunciado n. 111 da Primeira Jornada de Direito Civil).  

3. A doadora do material genético, no caso, não estabeleceu qualquer vínculo com a criança, tendo expressamente renunciado ao poder familiar.  

4. Inocorrência de hipótese de adoção, pois não se pretende o desligamento do vínculo com o pai biológico, que reconheceu a paternidade no registro civil de nascimento da criança.  

5. A reprodução assistida e a paternidade socioafetiva constituem nova base fática para incidência do preceito "ou outra origem" do art. 1.593 do Código Civil.  

6. Os conceitos legais de parentesco e filiação exigem uma nova interpretação, atualizada à nova dinâmica social, para atendimento do princípio fundamental de preservação do melhor interesse da criança.  

7. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE 898.060/SC, enfrentou, em sede de repercussão geral, os efeitos da paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, permitindo implicitamente o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseada na origem biológica.  

8. O Conselho Nacional de Justiça, mediante o Provimento n. 63, de novembro de 2017, alinhado a precedente vinculante da Suprema Corte, estabeleceu previsões normativas que tornariam desnecessário o presente litígio.  

9. Reconhecimento expresso pelo acórdão recorrido de que o melhor interesse da criança foi assegurado. 10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.  

(REsp 1608005/SC, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 21/05/2019) 

  

Acompanhando o leading case da Suprema Corte, este egrégio Tribunal de Justiça estadual seguiu o mesmo raciocínio: 

  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE. MULTAPARENTALIDADE. CONSTITUIÇÃO DE 1988. DIREITO DE FAMÍLIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. CONCOMITANTEMENTE. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 898.000-SP. REPERCUSSÃO GERAL CONHECIDA. PRIMAZIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. BUSCA DA FELICIDADE. PRECEDENTES DO STF. SENTENÇA REFORMADA.  

I - A constituição de 1988 promoveu mudança expressiva no Direito de Família, retirando o vínculo da indissolubilidade do casamento e a humilhante distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos, dando lugar à organização de outras formas de família.  

II - A primazia da dignidade humana encontra proteção constitucional no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, assistindo a todos o direito à busca da felicidade.  

III - A Suprema Corte entendeu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante com o de origem biológica.  

IV - Em caso semelhante que teve repercussão geral reconhecida, Recurso Extraordinário nº 898.0605 SP, foi solucionado o conflito entre as paternidades socioafetivas e biológica, dando-lhe reconhecimento, concomitantemente, com a paternidade socioafetiva.  

V - Dessa forma, no caso dos autos, impõe o reconhecimento da dupla paternidade, reconhecendo, de forma concomitante, o vínculo de paternidade socioafetiva e biológica, com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais.  

APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, Apelação 0428390-21.2013.8.09.0134, Rel. NORIVAL DE CASTRO SANTOMÉ, 6ª Câmara Cível, julgado em 16/03/2018, DJe de 16/03/2018). 

  

Por derradeiro, força convir que não há óbice fático ou jurídico que impeça o acolhimento da pretensão inicial. 

  

ANTE O EXPOSTO, conheço do recurso de Apelação e DOULHE PROVIMENTO e, ipso facto, julgo procedentes os pedidos contidos na petição inicial. 

  

Para todos os fins legais, patrimoniais ou extrapatrimoniais, declaro existente o vínculo entre o pai socioafetivo E. E. C. R. e seu filho L. Eduardo Gabriel Silva, sendo que este passará a se chamar L. E. G. S. R., mantendo-se no seu registro civil a paternidade biológica reconhecida por C. S. F., fazendo constar, portanto, a dupla paternidade. 

Sem honorários advocatícios, tendo em vista a inexistência de lide. 

  

Inaplicáveis os honorários recursais, em virtude do provimento do recurso e por não haver condenação anterior (artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, e AgInt nos EREsp 1539725/DF, do Superior Tribunal de Justiça). 

  

É o meu voto. 

  

Datado e assinado digitalmente. 

  

DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA 

RELATOR 

  

  

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5059400.79.2017.8.09.0051 

  

COMARCA DE GOIÂNIA 

  

APELANTE: L. E. G. S. 

APELADO: C. S. F. 

RELATOR: DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA 

  

Pauta Presencial 

  

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO/DECLARAÇÃO JUDICIAL DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COM INCLUSÃO EM REGISTRO CIVIL. DUPLA PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. 

  

1. Com base no leading case do Supremo Tribunal Federal (RE 898060, Tema 622), o qual firmou a tese de que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, impõe-se reconhecer a paternidade socioafetiva, concomitante com a biológica, em favor do filho, cuja convivência existente com aquele é reconhecida entre eles e socialmente. 

  

2. Reformada a sentença de improcedência, para julgar procedente o pleito inicial e reconhecer a dupla paternidade no registro civil do autor/apelante, para os fins legais, patrimoniais e extrapatrimoniais. 

  

APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. 

  

ACÓRDÃO 

  

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as mencionadas anteriormente. 

ACORDAM os componentes da Quinta Turma julgadora da 5ª Câmara Cível, à unanimidade de votos, EM CONHECER E PROVER O APELO, nos termos do voto do Relator. 

  

VOTARAM, além do Relator, o Desembargador Alan S. de Sena Conceição, que presidiu a sessão de julgamento, e o Desembargador Francisco Vildon José Valente. 

  

PRESENTE a Doutora Nélida Rocha da Costa Barbosa, Procuradora de Justiça. 

  

Goiânia, 31 de outubro de 2019. 

  

DES. MARCUS DA COSTA FERREIRA 

RELATOR