#1 - Abandono Paterno. Responsabilidade Civil. Danos Morais.

Data de publicação: 01/10/2024

Tribunal: TJ-SP

Relator: Vitor Frederico Kümpel

Chamada

(...) “Possibilidade, em tese, de responsabilização do genitor em razão da falta de convívio e de cuidados mínimos com seu filho. Necessidade, contudo, de comprovação, não apenas da omissão do dever de cuidado por parte do genitor, mas também do nexo de causalidade entre essa omissão e os prejuízos efetivamente sofridos por seu filho.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO PATERNO. Sentença de improcedência. Irresignação do Requerente. CERCEAMENTO DE DEFESA. Inocorrência. DANOS MORAIS. Possibilidade, em tese, de responsabilização do genitor em razão da falta de convívio e de cuidados mínimos com seu filho. Necessidade, contudo, de comprovação, não apenas da omissão do dever de cuidado por parte do genitor, mas também do nexo de causalidade entre essa omissão e os prejuízos efetivamente sofridos por seu filho. Precedentes do E. STJ e desta Corte de Justiça. Malgrado a conduta do pai em se distanciar dos filhos, o fato não é suficiente a ensejar a violação de deveres, uma vez que o afeto decorre da convivência e da reciprocidade entre os envolvidos. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJ-SP - Apelação Cível: 1001172-54.2017.8.26.0263 Itaí, Relator: Vitor Frederico Kümpel, Data de Julgamento: 12/12/2023, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/12/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

Registro: 2023.0001078212 

  

ACÓRDÃO 

  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001172-54.2017.8.26.0263, da Comarca de Itaí, em que é apelante T. P. DA C. (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado C. DA C. 

  

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. 

  

O julgamento teve a participação dos Desembargadores MARCIA DALLA DÉA BARONE (Presidente sem voto), ENIO ZULIANI E ALCIDES LEOPOLDO. 

  

São Paulo, 12 de dezembro de 2023. 

  

VITOR FREDERICO KÜMPEL 

  

Relator (a) 

  

Assinatura Eletrônica 

  

Voto: 5293 

  

Apelação Cível: 1001172-54.2017.8.26.0263 

  

Apelante: T. P. da C. 

  

Apelado: C. da C. 

  

Origem: Foro de Itaí SP 10a Vara Cível 

  

Juiz (a) sentenciante: Dr. Vitor Marcon Assumpção Vieira 

  

APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO PATERNO. Sentença de improcedência. Irresignação do Requerente. CERCEAMENTO DE DEFESA. Inocorrência. DANOS MORAIS. Possibilidade, em tese, de responsabilização do genitor em razão da falta de convívio e de cuidados mínimos com seu filho. Necessidade, contudo, de comprovação, não apenas da omissão do dever de cuidado por parte do genitor, mas também do nexo de causalidade entre essa omissão e os prejuízos efetivamente sofridos por seu filho. Precedentes do E. STJ e desta Corte de Justiça. Malgrado a conduta do pai em se distanciar dos filhos, o fato não é suficiente a ensejar a violação de deveres, uma vez que o afeto decorre da convivência e da reciprocidade entre os envolvidos. Sentença mantida. Recurso desprovido. 

  

Vistos. 

  

Trata-se de Recurso de Apelação interposto por T. P. da C. contra C. da C., em razão da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais nas seguintes linhas: "Anoto, sem prejuízo, que o fato de o réu ter se distanciado repentinamente do autor, após um período de maior proximidade entre as partes, não é suficiente pra caracterização do dever de indenizar na espécie. Tal fato, deveras, sequer restou comprovado no curso da ação; porém, ainda que fosse tomado como verdadeiro, não teria o condão de fazer com que se configurasse, na hipótese, o dever de reparação postulado - justamente em razão da inexistência do dever de amar, na esteira do entendimento do STJ [...] JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na presente ação. Resolvida a fase de conhecimento, por sentença prolatada com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. I, CPC. Pela sucumbência, arcará a parte autora com as custas judiciais e despesas processuais. 

  

Fixo honorários advocatícios em favor do patrono da parte vencedora em 10%do valor atualizado da causa. 

  

Insurge-se o Apelante (fls. 182/193), ao argumento preliminar de cerceamento de defesa, uma vez que se faz necessária a realização de prova pericial através de estudo psicológico para verificação do prejuízo afetivo causado pelo abandono por parte do requerido. No mérito, defende que o recorrido deixou de seguir o preceito constitucional ao deixar de conviver com o filho. Argumenta que todos os filhos, sem discriminação, devem participar de maneira igualitária na vida familiar, o que não ocorre no caso, vez que o recorrido possui outra filha a qual possui convivência pacífica e afetuosa com o genitor, enquanto rejeita o recorrente. Portanto, requer o provimento do recurso, com a reforma da r. sentença, a fim de julgar procedente a ação, com a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$100.000,00 (cem mil reais). 

  

Sem contrarrazões. 

  

Não houve oposição ao julgamento virtual. 

  

Recurso tempestivo, e quanto ao preparo, isento, em razão dos benefícios de justiça gratuita concedidos ao Apelante. 

  

É o relatório. 

  

Relevante fazer a anotação acerca da escorreita tramitação do feito em primeiro grau de jurisdição sob a presidência do MM Juiz de Direito Dr. Vitor Marcon Assumpção Vieira. 

  

Em sede preliminar, a tese de cerceamento de defesa não se sustenta na medida em tem plena aplicabilidade na espécie a previsão do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, pois sobram motivos para dispensar a produção de outras provas, dada a documentação reunida no processo, suficiente para autorizar o julgamento. 

  

Certo que a finalidade da prova é formar a convicção do juiz, seu principal destinatário, quanto à existência dos fatos da causa. Nesse sentido a doutrina de Vicente Greco Filho, segundo a qual "no processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral e filosófico; sua finalidade é prática, qual seja: convencer o juiz" (Direito Processual Civil Brasileiro, vol. 2, Saraiva, 16a edição, p. 182). 

  

É exatamente esse o caso dos autos, em que a questão de mérito envolve matéria de direito e de fato cujo deslinde não depende de novas oitivas, mostrando-se suficiente para o convencimento do juiz apenas o acervo documental carreado aos autos. 

  

Portanto, fica rejeitada a preliminar arguida e passo ao julgamento do mérito. 

  

Conforme consta da inicial, o réu, desde a concepção do autor, não exerce suas funções como pai. Devido à ausência do pai, o requerente enfrenta problemas de socialização, quanto no convívio com familiar. Nessas circunstâncias, ajuizou a presente ação, para postular a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo por ele praticado, no valor de R$ 100.000,00. A ação, no entanto, foi julgada improcedente, e com razão, a meu ver. 

  

Conforme já decidiu o C. STJ, "é juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002, tratam da matéria de forma ampla e irrestrita" (REsp. nº 1.887.697/RJ, Rela. Mina. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 21/9/21). 

  

E, ao debruçar-se sobre o tema, concluiu aquela E. Corte que inexiste a imposição legal de afeto, mas, sim, o dever objetivo de cuidado dos genitores em relação aos filhos, exigindo-se, no entanto," a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso) ". 

  

Evidente, portanto, que para a procedência de ação indenizatória fundada em abandono afetivo, é necessária não apenas a demonstração de violação pelo (a) genitor (a) do dever de cuidado, mas também a comprovação de que tal violação causou danos efetivos ao (à) filho (a). 

  

E assim também tem decidido esta Corte de Justiça: 

  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Abandono afetivo. Prescrição incontroversa em relação ao autor. Recurso da autora. Efeitos da revelia é relativo. Necessidade de provas mínimas dos fatos constitutivos do direito da autora. Dano moral in re ipsa. Não cabimento. Necessidade de comprovação, ônus que a autora não se desincumbiu. Precedentes. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO NÃO PROVIDO" (Apelação Cível nº 1003825-61.2017.8.26.0123, Rel. Des. Benedito Antônio Okuno, 8a Câmara de Direito Privado, j. 8/3/23). 

  

"Responsabilidade Civil. Pretensão de reparação por abandono afetivo promovido pela filha contra o genitor. Sentença de procedência de danos morais arbitrados no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais). Inconformismo das partes. Impossibilidade de impor ao genitor a obrigação de dar afeto e manter convivência familiar. Ausência de prova de dano efetivo causado à autora que enseja no dever de indenização. Inexistência de ato ilícito. Recurso do réu provido e não provido o da autora" (Apelação Cível º 1035673-78.2016.8.26.0001, Rel. Des. Fábio Quadros, 4a Câmara de Direito Privado, j. 30/4/20). 

  

"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - Filho menor x genitor - Abandono afetivo - Improcedência - Insurgência do requerente - Descabimento - Ausência de comprovação do nexo de causalidade entre os alegados danos psicológicos e a ausência do genitor - Comportamento da genitora do menor que influenciou no distanciamento do réu - Decisão mantida - RECURSO DESPROVIDO" (Apelação Cível nº 1009097-62.2017.8.26.0664, Rel. Des. Miguel Brandi, 7a Câmara de Direito Privado, 11/12/19). 

  

AÇÃO INDENIZATÓRIA - ABANDONO AFETIVO - DANO MORAL Improcedência Cerceamento de defesa inexistente Preliminar rejeitada -Danos morais Inocorrência - Não há como impor aos genitores a obrigação de dar amor e afeto aos seus filhos - Todavia, há possibilidade de responsabilizá-los pelos danos decorrentes da ausência, diante de eventual conduta ativa ou omissiva, que configure violação do dever de cuidado - Inteligência do art. 186 do Código Civil - Precedentes do STJ - No caso dos autos, inobstante os dissabores sofridos pela autora, não restou demonstrada a ocorrência de dolo ou culpa, pressupostos subjetivos necessários para o reconhecimento do dever de indenizar Inexistência de ato ilícito Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1003801-27.2021.8.26.0597; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5a Câmara de Direito Privado; Foro de Sertãozinho - 2a Vara Cível; Data do Julgamento: 10/07/2023; Data de Registro: 10/07/2023). 

  

Malgrado a conduta do pai em se distanciar do filho, o fato não é suficiente a ensejar a violação de deveres, uma vez que o afeto decorre da convivência e da reciprocidade entre os envolvidos, o que não se confunde com as obrigações assistenciais previstas em lei, por exemplo, o dever de prestar alimentos. 

  

Já foi decidido em voto proferido pelo Ilustre Des. Luiz Antônio de Godoy (Apel. Cível nº 446.069-4/1-00, Catanduva, 1a Câmara de Direito Privado, j. 11/03/08) que: "(...) em verdade não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de reparação indenizatória. Não há como o Poder Judiciário impor a alguém que dê afeto e carinho a outrem, sendo que eventual condenação do pai em indenizar o filho por esse fato não traria benefício algum à relação já abalada de ambos. Prestar-se-ia, isto sim, a romper de vez eventuais tênues laços que ainda os pudessem ligar. Ficaria, na melhor das hipóteses, reduzida ao extremo a possibilidade de retomada de convivência familiar, vindo a ser afrontados, até mesmo, mandamentos constitucionais destinados à proteção desse grupo.". 

  

Assim, embora não se seja insensível que a ausência de estreito relacionamento com o genitor possa ter causado tristeza ao autor, a situação, por si, não é capaz de gerar danos morais, pois não há direito subjetivo à obtenção de afeto. 

  

Ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: "(...) A aplicação das regras da responsabilidade civil na seara familiar, portanto, dependerá da ocorrência de um ato ilícito, devidamente comprovado. A simples violação de um dever decorrente de norma de família não é idônea, por si só, a reparação de um eventual dano. (...) Exatamente por isso, não se pode admitir que a pura e simples violação de afeto enseje uma indenização por dano moral. Somente quando uma determinada conduta caracterizar-se como ilícita é que será possível indenizar os danos morais e materiais dela decorrentes. Afeto, carinho, amor, atenção...são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica. Reconhecer a indenizabilidade decorrente da negativa de afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui tal característica econômica. Seria subverter a evolução natural da ciência jurídica, retrocedendo a um período em que o ter valia mais do que o ser" (Curso de Direito Civil, Volume 6, Famílias, 5a edição, 2013, Editora Jus Podivm, pág.163). 

  

Portanto, fica a r. sentença mantida, inclusive por seus próprios fundamentos, que adoto como razão de decidir segundo permite o art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

  

Por fim, deixo de majorar os honorários advocatícios em Segundo Grau nos termos do artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil, vez que a majoração visa a remunerar o trabalho adicional desenvolvido pelos patronos das partes em sede recursal e o apelado deixou de apresentar contrarrazões. 

  

Por derradeiro, considerando a existência de precedentes das Cortes Superiores que vêm apontando a necessidade do prequestionamento explícito dos dispositivos legais ou constitucionais supostamente violados, a fim de se evitar eventuais embargos de declaração apenas para tal finalidade, por falta de sua expressa remissão no acórdão, ainda que examinados implicitamente, dou por pré-questionados os dispositivos legais e/ou constitucionais suscitados pelas partes. 

  

Diante do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação. 

  

VITOR FREDERICO KÜMPEL 

  

Relator 

  

Assinatura Eletrônica