Data de publicação: 23/09/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Eduardo Gomes dos Reis
(...) “A teoria da aparência, ou dos sinais exteriores de riqueza, auxilia o Magistrado na ponderação entre situação econômica declarada pelo devedor de alimentos e sinais de riquezas por ele exibidos no cotidiano, sendo tal teoria amplamente aceita e aplicada em matéria de alimentos.” (...)
APELAÇÃO - DIREITO DE FAMÍLIA - ALIMENTOS EM FAVOR DA MENOR - BINÔMIO NECESSIDADE DA ALIMENTANDA E POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE - TEORIA DA APARÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. - O fato de o alimentante não ter emprego fixo, atuando na informalidade, não o exime da prestação alimentar ou mesmo possibilita o seu pagamento em valor irrisório, incompatível com as necessidades mínimas da alimentanda - Recurso desprovido.
(TJ-MG - Apelação Cível: 5000469-47.2021.8.13.0693, Relator: Des.(a) Eduardo Gomes dos Reis (JD Convocado), Data de Julgamento: 07/03/2024, 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 08/03/2024)
Inteiro Teor
Número do 1.0000.23.217667-7/001 Numeração 5000469-
Relator: Des.(a) Nome (JD Convocado)
Relator do Acordão: Des.(a) Nome (JD Convocado)
Data do Julgamento: 07/03/2024
Data da Publicação: 08/03/2024
EMENTA: APELAÇÃO - DIREITO DE FAMÍLIA - ALIMENTOS EM FAVOR DA MENOR - BINÔMIO NECESSIDADE DA ALIMENTANDA E POSSIBILIDADE DO ALIMENTANTE - TEORIA DA APARÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO.
- O art. 227 da CRFB/1988 atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à convivência familiar e comunitária.
- O § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002 estabelece que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do beneficiário e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao prudente critério do juiz arbitrar o valor e a forma de pagamento da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto.
- A teoria da aparência, ou dos sinais exteriores de riqueza, auxilia o Magistrado na ponderação entre situação econômica declarada pelo devedor de alimentos e sinais de riquezas por ele exibidos no cotidiano, sendo tal teoria amplamente aceita e aplicada em matéria de alimentos.
- O fato de o alimentante não ter emprego fixo, atuando na informalidade, não o exime da prestação alimentar ou mesmo possibilita o seu pagamento em valor irrisório, incompatível com as necessidades mínimas da alimentanda.
- Recurso desprovido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.217667-7/001 - COMARCA DE TRÊS CORAÇÕES - APELANTE (S): H.F.R. - APELADO (A)(S): L.S.F.R. REPRESENTADO (A)(S) P/ MÃE M.S.
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4a Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
JD. CONVOCADO Nome
RELATOR
JD. CONVOCADO Nome (RELATOR)
VOTO
Trata-se de apelação interposta contra sentença de ordem nº 152, proferida pelo MM. Juiz da 3a Vara Cível da Comarca de Três Corações, Dr. Nome que, em ação de alimentos ajuizada por L.S.F.S., menor representada por sua mãe Nome, em desfavor de H.F.R., julgou parcialmente procedente a pretensão autoral para arbitrar alimentos no montante de 01 (um) salário-mínimo.
Em razões de apelação de ordem nº 158, o réu apela para este Tribunal. Inicialmente, o apelante sustenta que a sentença seria nula por ausência de fundamentação, visto que "o Magistrado a quo não cuidou de tecer comentário acerca dos documentos atribuídos como prova que comprovam a insolvência do Recorrente não terem sido conhecidos com o condão da justificação da condição financeira e a redução dos alimentos." No mérito, assevera que não teria condições financeiras de suportar os alimentos pretendidos. Salienta que a genitora da apelada teria condição financeira considerável, carro importado e casa luxuosa, inclusive tendo renda de mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Conclui que o valor estabelecido pela sentença acarretaria dano irreparável ao ora apelante, "pois não poderá honrar com os pagamentos, gerará transtornos ao pagamento da pensão da filha mais velha e será motivo de inúmeras provocações junto ao judiciário, para execução e pedido de prisão do Requerido." Ao final, requer o provimento da apelação para que, reformando a sentença, os alimentos sejam reduzidos para 30% (trinta por cento) do salário-mínimo.
Contrarrazões pela recorrida - doc. de ordem nº 163.
Intervindo no feito, a il. Procuradoria-Geral de Justiça, através de parecer de lavra do Dr. Nome, opinou pela rejeição da preliminar e desprovimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, porquanto presentes os requisitos processuais de admissibilidade.
Em suma, cuida-se de apelação interposta contra sentença que, em ação de alimentos ajuizada pela menor em desfavor de seu genitor, fixou a obrigação em 01 (um) salário-mínimo.
O réu, ora apelante, sustenta que o valor é excessivo, motivo pelo qual pugna pela redução da pensão para 30% (trinta por cento) do salário-mínimo vigente.
- Preliminar de nulidade da sentença
Inicialmente, aduz o apelante que a sentença seria em razão de falta de fundamentação, visto que "o Magistrado a quo não cuidou de tecer comentário acerca dos documentos atribuídos como prova que comprovam a insolvência do Recorrente não terem sido conhecidos com o condão da justificação da condição financeira e a redução dos alimentos."
Sem razão o apelante.
Compulsando os autos, verifica-se que a sentença recorrida abordou as questões de fato e de direito essenciais para poder arbitrar a obrigação alimentícia em favor da menor. Ademais, o Juízo não tem que analisar todos os documentos e todos os fatos, mas somente aqueles que sejam relevantes para decidir a causa apresentada no processo.
A respeito do assunto, colhe-se a lição de Nome:
"(...) Na fundamentação o juiz deve enfrentar todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a solução da demanda, justificando a conclusão a que chegará no dispositivo. São os porquês do ato decisório, tanto que só é possível afirmar justa ou injusta uma sentença, analisando-se no caso concreto sua fundamentação.
A ausência de fundamentação é vício grave, mas não gera a inexistência jurídica do ato, devendo ser tratado no plano da validade do ato judicial decisório, de forma que a sentença sem fundamentação é nula (nulidade absoluta)" (Manual de Direito Processual Civil. 6a edição, Editora Método: São Paulo, 2014, p. 594).
Ademais, importa destacar que a preliminar arguida não foi acompanhada de indicação da alegada omissão de fundamentação, visto que fez referência genérica a supostos fatos e documentos, sem indicar, no entanto, onde estaria a alegada falta de fundamentação.
Rejeito, pois, a preliminar.
- Mérito
No mérito recursal, o apelante sustenta que não teria condição de suportar o pagamento de alimentos em 01 (um) salário-mínimo, "visto que o Requerido vem se mantendo com o parco salário que recebe no mercado informal, que mal supre as suas necessidades básicas".
Após tecer considerações sobre as condições financeiras da genitora de sua filha menor, ora apelada, conclui que sua possibilidade alimentar seria de 30% (trinta por cento) do salário-mínimo, inclusive sendo este o mesmo valor pago à outra filha dele dependente.
O § 1º do art. 1.694 do Código Civil de 2002 estabelece que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao prudente critério do Juiz arbitrar o valor da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto.
Especificamente em relação aos alimentos devidos aos descendentes, trago à colação a lição de Nome:
"O encargo de prestar alimentos é obrigação de dar, representada pela prestação de certo valor em dinheiro. Os alimentos estão submetidos a controles de extensão, conteúdo e forma de prestação. Fundamentalmente, acham-se condicionados pelas necessidades de quem os recebe e pelas possibilidades de quem os presta (art. 1.694, § 1º). Enquanto os filhos são menores, a presunção de necessidade é absoluta, ou seja, juris et de jure.
[...]
A favor dos descendentes, a pensão deve ser fixada de forma proporcional aos rendimentos do alimentante. Chega-se a definir o filho como 'sócio do pai', pois tem ele direito de manter o padrão de vida ostentado pelo genitor. Portanto, em se tratando de alimentos devidos em razão do poder familiar, o balizador para a sua fixação, mais que a necessidade do filho, é a possibilidade do pai: quanto mais ganha este, mais paga àquele." (Manual de Direito das Famílias. 11. ed. 2016, Revista dos Tribunais, pags. 571 e 594).
Destaca-se ser inquestionável que a alimentanda, menor impúbere, atualmente com 10 (dez) anos de idade, necessita do auxílio do genitor, sendo facilmente presumíveis as suas despesas com moradia, alimentação, saúde, vestuário, educação e lazer, cabendo ao pai contribuir para o sustento dos filhos, em decorrência do poder familiar (arts. 1.566, IV, 1.568 e 1.634, todos do CC/2002).
Nesse ponto, destaco que, na linha do entendimento doutrinário e jurisprudencial, as necessidades dos filhos menores são presumidas, devendo o dimensionamento da obrigação alimentar levar em conta, precipuamente, os ganhos do genitor, haja vista que é direito dos filhos manter padrão de vida semelhante àquele ostentado pelo pai ou pela mãe.
Nessa linha de raciocínio, deve-se partir para análise dos ganhos do alimentante para verificação da proporcionalidade da obrigação alimentar definida em primeiro grau.
Com relação às possibilidades do genitor, verifico que ele afirmou que, no momento, não possui relação fixa de emprego, que apenas exerceria atividade informal.
No que pertine à informalidade invocada pelo recorrente, constata-se que a última vez que trabalhou com o contrato formalizado na CTPS foi no longínquo ano de 2001, o que corrobora a compreensão que o apelante não vive de trabalho no regime celetista.
Conforme assumido pelo recorrente, o que restou corroborado por documentos produzidos nos autos, o alimentante trabalha com comércio de veículos há muito tempo (doc. de ordem nº 111), não sendo esta atividade algo corriqueiro como o recorrente deu a entender.
Além disso, embora não tenham sido produzidos documentos pertinentes, o próprio recorrente afirma que também intermediaria negócios imobiliários, ainda que eventualmente (f. 05 da contestação de ordem nº 50).
Acrescente-se que foram apresentados, ainda, fotos que indicam que o apelante tem vida social que não se coaduna com a alegada incapacidade financeira, o que, em conjunto com as demais provas, indicam sua condição de suprir parte das necessidades da alimentanda.
Destaco que tais documentos são importantes para corroborar questões que muitas vezes são difíceis de comprovar por quem pleiteia os alimentos, aplicando-se a tais casos a denominada teoria da aparência, ou dos sinais exteriores de riqueza, que auxilia o Magistrado na ponderação entre situação econômica declarada e sinais de riquezas exibidos pelo alimentante no cotidiano.
Neste sentido, cito a seguinte doutrina:
"A teoria dos sinais exteriores de riqueza é um bom instrumento a ser utilizado quando os alimentantes usufruem de padrão de vida maior do que suas fontes formais de renda atestam. Nessa linha, a utilização das redes sociais tem sido um forte aliado dos alimentandos, já que, a partir do que os devedores compartilham com seus amigos, tais como, fotos de viagens," check-ins "em bons restaurantes, festas ou, até mesmo, dirigindo carros de luxo, o magistrado poderá se nortear para a fixação da verba alimentar." (Rosa, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo/Conrado Paulino da Rosa - pg. 623, edição. rev. ampl. e atual - Salvador: Editora Juspodivm, 2021.)
Mutatis mutandis, transcrevo recentes precedentes deste Tribunal de Justiça:
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ALIMENTOS - FILHO MENOR - NECESSIDADE PRESUMIDA - CAPACIDADE FINANCEIRA - TEORIA DA APARÊNCIA - NECESSIDADE, POSSIBILIDADE E PROPORCIONALIDADE - REDUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE.
- O Código Civil, no artigo 1.694, § 1º, dispõe que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, o que significa dizer, por outras palavras, que a verba a l i m e n t a r d e v e s e r f i x a d a o b s e r v a n d o - s e o b i n ô m i o n e c e s s i d a d e / p o s s i b i l i d a d e .
- Presentes subsídios para indicar condições de pagar alimentos no patamar fixado, pois, compatível com os sinais exteriores demonstrados (Teoria da Aparência), não merece amparo a pretensão para efeito de redução do encargo." (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.034851-0/001, Relator (a): Des.(a) Nome, 4a Câmara Cível Especializada, julgamento em 28/07/2022, publicação da súmula em 29/07/2022)
"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE ALIMENTOS - PENSIONAMENTO PROVISÓRIO - FILHO MENOR - NECESSIDADE PRESUMIDA - CAPACIDADE DO GENITOR - TEORIA DA APARÊNCIA - VALOR ARBITRADO EM PRIMEIRO GRAU - ADEQUAÇÃO AO TRINÔMIO" NECESSIDADE-POSSIBILIDADE-PROPORCIONALIDADE "
1. A pensão alimentícia deve ser fixada com observância ao princípio da proporcionalidade, levando em consideração a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante.
2. A necessidade do filho menor é presumível e independe de comprovação, porquanto decorre do desenvolvimento físico e psicológico próprio da idade, abrangendo gastos com alimentação, habitação, lazer, saúde, educação, vestuário, entre outros ( CC, art. 1.920).
3. Diante da controvérsia a respeito dos reais rendimentos do genitor, impõe- se a aplicação da Teoria da Aparência, que autoriza ao julgador utilizar como parâmetro para a estipulação do encargo alimentar quaisquer sinais exteriores que denotem a capacidade financeira do
alimentante.
4. Devem ser mantidos os alimentos provisórios fixados em favor do filho no importe de quatro salários mínimos, porquanto adequado frente aos sinais da capacidade econômica do genitor - a princípio, incompatíveis com o que alega auferir -, e à vista da necessidade presumida do menor.
4. Recurso desprovido." (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.171341-7/001, Relator (a): Des.(a) Nome, 5a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/03/2022, publicação da súmula em 24/03/2022)
Por todo contexto probatório, observando o princípio da proporcionalidade ao analisar a possibilidade do alimentante e a crescente necessidade da alimentanda, entendo que a obrigação deve ser confirmada em 01 (um) salário mínimo, consoante fixado em sentença.
Por fim, adoto o elaborado parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, que opinou pelo desprovimento do recurso, nos seguintes termos:
"Por outro lado, não se constata a impossibilidade do apelante para fornecer os alimentos no valor estabelecido na sentença, já que suas alegações não se harmonizam com as provas dos autos, que comprovam que não realiza"bicos", mas sim tem como profissão a atividade de revendedor de carros, inclusive alguns deles importados, bem como frequenta locais que apenas pessoas com alto padrão de vida na cidade podem ter acesso.
Destarte, é de aplicar à espécie a Teoria da Aparência, admitida por esse Tribunal de Justiça, posto que os sinais exteriores de riqueza que emergem da vasta documentação acostada aos autos possibilitam concluir que o apelante tem condições de pagar um valor condizente com a realidade da sua filha."
Não se pode perder de vista, com todo respeito, que o fundamento da obrigação do pai ou da mãe de prestar alimentos aos filhos menores que dele necessitam decorre ainda do artigo 227, da Constituição Federal, "in verbis":
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Extrai-se dessa norma constitucional, portanto, que o dever de sustento do pai para com os filhos, crianças ou adolescentes, é prioritário e incondicional, sendo exigível do alimentante, se necessário for, sacrificar-se em prol do interesse do menor.
Diante do exposto, REJEITO A PRELIMINAR E NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas na forma da lei.
DESA. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."