#1 - Violência Doméstica e Familiar. Ação de Guarda. Maria da Penha.

Data de publicação: 26/08/2024

Tribunal: TJ-CE

Relator: EVERARDO LUCENA SEGUNDO

Chamada

(...) “A fixação de guarda como medida protetiva de urgência é medida excepcionalíssima, destinada à proteção da mulher vítima de violência doméstica, não substituindo a necessidade de discussão do tema na Vara de Família.” (...)

Ementa na Íntegra

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA. NATUREZA CÍVEL ESPECIALIZADA. DIREITO DE FAMÍLIA. INEXISTÊNCIA DE URGÊNCIA DECORRENTE DE SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ATUAL. OPÇÃO DA AUTORA PELO JUÍZO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER FIXADA DE FORMA RESTRITIVA PARA AS HIPÓTESES PREVISTAS NA LEI Nº 11.340/2006. PREVISÃO DO ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ. ENUNCIADO Nº 03 DO FONAVID. INCIDÊNCIA DA COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO. ACÓRDÃO. DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO Relator (assinado digitalmente)

(TJ-CE - Conflito de competência cível: 0000248-84.2024.8.06.0000 Sobral, Relator: EVERARDO LUCENA SEGUNDO Data de Julgamento: 05/06/2024, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 05/06/2024)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

ESTADO DO CEARÁ 

PODER JUDICIÁRIO 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

GABINETE DO DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO 

Conflito de Competência nº 0000248-84.2024.8.06.0000 

Suscitante: Juiz de Direito do Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Sobral 

Suscitado: Juiz de Direito da 1a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sobral 

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA. NATUREZA CÍVEL ESPECIALIZADA. DIREITO DE FAMÍLIA. INEXISTÊNCIA DE URGÊNCIA DECORRENTE DE SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ATUAL. OPÇÃO DA AUTORA PELO JUÍZO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER FIXADA DE FORMA RESTRITIVA PARA AS HIPÓTESES PREVISTAS NA LEI Nº 11.340/2006. PREVISÃO DO ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ. ENUNCIADO Nº 03 DO FONAVID. INCIDÊNCIA DA COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. 

I - Busca a Autora a fixação da guarda unilateral de seus três filhos menores em seu favor, bem como a regulamentação do direito de convivência do genitor. Embora tenha a Demandante reportado já ter sido vítima de violência doméstica - para fins de recebimento da preferência de tramitação processual (art. 1.048, inciso III, do CPC) e para observância das limitações estabelecidas nas medidas protetivas anteriormente estabelecidas -, observa-se que no momento da apresentação do pleito de guarda ao Juízo de Família a situação de urgência decorrente dos abusos não mais estava presente, não sendo esses fatos a motivação direita do pedido. 

II - Sobre o rol de atribuições do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, o parágrafo único do art. 76 da Lei de Organização Judiciária do Estado do Ceará estabelece que "ao Juiz de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compete processar, julgar e executar os feitos cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 

11.340, de 7 de agosto de 2006". Nessa linha de entendimento, o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), decorrente de uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras instituições, fixou a seguinte orientação, contida no Enunciado nº 03, ipsis litteris : "A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente". 

III - A Lei nº 11.340/2006, por seu turno, estabelece em seu art. 22 um o rol de medidas protetivas de urgência, cabendo destacar que, posteriormente, a Lei nº 13.894/2019 acrescentou à Lei Maria da Penha o art. 14-A, expandindo expressamente a competência dos Juizados para processar e julgar, conforme opção da vítima, as ações de divórcio ou de dissolução de união estável, excluindo, contudo, pleitos envolvendo partilha de bens. Constata-se, desse modo, que as atribuições de natureza cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar são específicas, cabendo às Varas Cíveis, de competência residual ou especializada em Direito de Família, conforme a hipótese, os demais casos não expressamente previstos na legislação de regência. 

IV - Não mais existindo a urgência decorrente de uma situação de violência doméstica atual, o pleito de guarda ora em exame deve ser processado e julgado pela Vara de Família, Juízo para o qual foi a demanda originariamente endereçada pela Autora. 

CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os desembargadores integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em declarar competente o Juízo da 1a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sobral, nos termos do relatório e do voto do Relator, que passam a fazer parte integrante do presente acórdão. 

Fortaleza, data e hora da assinatura digital. 

DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO 

Relator 

(assinado digitalmente) 

ESTADO DO CEARÁ 

PODER JUDICIÁRIO 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA 

GABINETE DO DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO 

Conflito de Competência nº 0000248-84.2024.8.06.0000 

Suscitante: Juiz de Direito do Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Sobral 

Suscitado: Juiz de Direito da 1a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sobral 

RELATÓRIO 

Trata-se de conflito negativo suscitado pelo Juízo do Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Sobral, tendo em vista haver o Juízo da 1a Vara de Família e Sucessões da mesma Comarca declinado da competência para julgar o Processo nº 0205158-91.2023.8.06.0167 (Guarda) e remetido os respectivos autos para a Unidade ora suscitante. 

Entendeu a MMa. Juíza de Direito Janayna Marques de Oliveira e Silva (suscitado), em suma, que "os Tribunais pátrios já tem decidido pela competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ainda que o pedido de medidas protetivas tenha sido cumulado com pedido de natureza cível" (fl. 17), devendo ser reconhecida "a competência híbrida e cumulativa dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o processamento das ações de natureza cível que tenha por fundamento a prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher" (fl. 18). 

O douto Magistrado suscitante, Francisco Janailson Pereira Ludugero, por seu turno, destacou que "a fixação de guarda como medida protetiva de urgência é medida excepcionalíssima, destinada à proteção da mulher vítima de violência doméstica, não substituindo a necessidade de discussão do tema na Vara de Família" (fl. 22). Destacou, ainda, o seguinte (fls. 22/23): 

No caso em apreço, observa-se que a competência deste Juizado especializado para processar e julgar as causas cíveis somente se justifica caso seja requerida alguma das medidas protetivas da Lei Maria da Penha, que visam, em um primeiro momento, garantir a integridade e a segurança da mulher frente ao agressor, o que não ocorre in casu, já que a situação se encontra pacificada e estabilizada, nos autos n.º 0204926-79.2023.8.06.0167, não havendo nenhum elemento que demonstre que a autora da presente ação esteja suscetível de risco iminente ou atual a sua integridade física e psicológica, sendo, portanto, o pleito de regularização de guarda, neste momento processual e fático, requerimento de caráter cível independente, razão pela qual deve ser julgado por uma Vara de Família. 

Importa ressaltar que os Juizados de Violência Doméstica possuem competência para as ações de natureza civil que tenham por causa de pedir a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que mais uma vez não se coaduna com o caso análise, uma vez que na petição para a regularização da guarda consta apenas o pedido de prioridade de tramitação por tratar-se de feito envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Ademais, vislumbra-se que o pedido principal do presente feito consiste em regular a guarda das crianças, primando pelo melhor interesse desta, não tendo a mãe dos menores protagonismo na lide pelo fato de ser vítima de possível violência relacionada ao seu gênero. 

No caso dos autos, observa-se que a presente ação de guarda não é prioritariamente motivada por ter sido vítima de violência praticada em razão do gênero da mãe, isto é, da sua condição de mulher, sendo o objetivo precípuo da presente lide, regular o direito de guarda das crianças ante os genitores. 

Dessa forma, para a fixação da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil, é imprescindível que a causa de pedir da ação consista justamente na prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, que não é o caso dos presentes autos, já que a violência de gênero possivelmente vivenciada pela mãe das crianças mostra-se como matéria subsidiária ao pedido de regularização de guarda. 

Destarte, para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), é imperioso que a ação decorra (tenha por fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher. É imprescindível ainda que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, a vítima esteja em situação de violência doméstica e familiar, fazendo com que ela tenha direito, pelo menos em tese, às medidas protetivas expressamente previstas na Lei nº 11.340/2006. 

 

Ocorre, que no caso em apreço, quando do ajuizamento da ação de regularização de guarda, não havia, portanto, em tal instante, indícios de que a vítima estivesse em iminente risco a sua integridade física e psicológica. 

Na sequência, a douta Procuradoria Geral de Justiça, no parecer da lavra do Exmo. Procurador de Justiça Francimauro Gomes Ribeiro, lançado às fls. 42/46, manifestou-se pela fixação da competência dos Juízo suscitante. 

Esse, o relatório, no essencial. 

Voto. 

Busca a Autora, como pode ser visto às fls. 14/15, a fixação da guarda unilateral dos menores K. M. R. da S., nascida em 30/06/2013, M. H. L. da S., nascida em 16/03/2009, e H. G. R. da S., nascido em 12/04/2020, em seu favor, bem como a regulamentação do direito de convivência do genitor nos seguintes termos: "visitas aos sábados ou aos domingos, a depender do dia de folga do requerido, das 9h às 19h, devendo um parente do promovido receber e entregar os menores na casa da Sra. C., tendo em vista o requerimento de Medidas Protetivas previstas na Lei Maria da Penha, dentre elas a proibição de aproximação do promovido em relação à autora, em virtude da violência narrada" (fl. 15). 

Embora tenha a Demandante reportado já ter sido vítima de violência doméstica - para fins de rebebimento da preferência de tramitação processual (art. 1.048, inciso III, do CPC) e para observância das limitações estabelecidas nas medidas protetivas anteriormente estabelecidas -, observa-se que no momento da apresentação do pleito de guarda ao Juízo de Família a situação de urgência decorrente dos abusos não mais estava presente, não sendo esses fatos a motivação direita do pedido. 

Sobre o rol de atribuições do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, o parágrafo único do art. 76 da Lei de Organização Judiciária do Estado do Ceará estabelece o seguinte: 

Art. 76. Haverá na Comarca de Fortaleza, pelo menos, 1 (uma) Unidade de Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, de jurisdição especial, para o fim específico de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Parágrafo único. Ao Juiz de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher compete processar, julgar e executar os feitos cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. 

A Lei nº 11.340/2006, por seu turno, relaciona em seu art. 22 uma série de medidas protetivas de urgência de natureza cível e penal. Cabe destacar que o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), decorrente de uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras instituições, fixou a seguinte orientação, contida no Enunciado nº 03, ipsis litteris: 

ENUNCIADO 3: A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente. 

Posteriormente, a Lei nº 13.894/2019 acrescentou à Lei Maria da Penha o art. 14-A, expandindo expressamente a competência dos Juizados para processar e julgar, conforme opção da vítima, as ações de divórcio ou de dissolução de união estável, excluindo, contudo, pleitos envolvendo partilha de bens. Transcrevo, a seguir, as já citadas alterações introduzidas na Lei nº 11.340/2006: 

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 

§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens. 

§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver. 

Constata-se, desse modo, que as atribuições de natureza cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar são específicas, cabendo às Varas Cíveis, de competência residual ou especializadas em Direito de Família, conforme a hipótese, os demais casos não expressamente previstos na legislação de regência. 

Desse modo, não mais existindo a urgência decorrente de uma situação de violência doméstica atual, o pleito de guarda ora em exame deve ser processado e julgado pela Vara de Família, Juízo para o qual foi a demanda originariamente endereçada pela Autora. 

Por todo o exposto, posiciono-me pela declaração de competência do Juízo suscitado - 1a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sobral - para processar e julgar o feito subjacente ao presente conflito negativo. 

É como voto. 

Fortaleza, data e hora da assinatura digital. 

DESEMBARGADOR EVERARDO LUCENA SEGUNDO 

Relator