Data de publicação: 29/07/2024
Tribunal: TJ-RJ
Relator: Des(a). MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA
(...) “Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Nome, representado por sua genitora, em face da decisão da Vara Especializada em Crimes contra a Criança e ao Adolescente que indeferiu o pedido de medidas protetivas de urgência, julgando improcedente a ação cautelar.” (...)
Recurso em Sentido Estrito. Violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente (Lei nº 14.344/2022). Processo cautelar. Recurso pugnando pela reforma da sentença que indeferiu medidas protetivas de urgência em favor do menor e extinguiu prematuramente o processo. Registro de ocorrência efetivado pela genitora da vítima, imputando ao recorrido a prática, em tese, do crime de violência psicológica contra o menor, filho adolescente em comum do casal. Reforma parcial da sentença para dar continuidade ao processo a fim de realizar estudo multidisciplinar como propugnado pelo Ministério Público. Fumus boni iuris e periculum in mora não evidenciados nos autos para permitir a concessão de medida protetiva. Contudo, o douto magistrado sentenciante precipitou-se ao pôr fim ao processo sem as necessárias cautelas, haja vista que era necessário o encaminhamento da suposta vítima e do suposto agressor à Equipe Multidisciplinar do Juízo, visando a elaboração de relatório com elementos que viabilizassem melhor aferição de eventual situação de risco comunicada pela mãe do adolescente para que, então, sejam aplicadas ou não as cautelares previstas na Lei Henry Borel. Recurso parcialmente provido.
(TJ-RJ - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 0044466-71.2023.8.19.0001 202305101145, Relator: Des(a). MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 05/12/2023, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 07/12/2023)
Inteiro Teor
Recorrente: Nome
Recorrido: Nome Dores Junior
Relatora: Des. Nome
Recurso em Sentido Estrito. Violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente (Lei nº 14.344/2022). Processo cautelar. Recurso pugnando pela reforma da sentença que indeferiu medidas protetivas de urgência em favor do menor e extinguiu prematuramente o processo. Registro de ocorrência efetivado pela genitora da vítima, imputando ao recorrido a prática, em tese, do crime de violência psicológica contra o menor, filho adolescente em comum do casal. Reforma parcial da sentença para dar continuidade ao processo a fim de realizar estudo multidisciplinar como propugnado pelo Ministério Público. Fumus boni iuris e periculum in mora não evidenciados nos autos para permitir a concessão de medida protetiva. Contudo, o douto magistrado sentenciante precipitou-se ao pôr fim ao processo sem as necessárias cautelas, haja vista que era necessário o encaminhamento da suposta vítima e do suposto agressor à Nome, visando a elaboração de relatório com elementos que viabilizassem melhor aferição de eventual situação de risco comunicada pela mãe do adolescente para que, então, sejam aplicadas ou não as cautelares previstas na Lei Henry Borel. Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº. 0044466-71.2023.8.19.0001, em que é recorrente o Nome e recorrido Nome Dores Junior.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a 3a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.
RELATÓRIO
Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Nome, representado por sua genitora, em face da decisão da Vara Especializada em Crimes contra a Criança e ao Adolescente que indeferiu o pedido de medidas protetivas de urgência, julgando improcedente a ação cautelar (doc. 26).
Em razões recursais de doc. 60, alega o recorrente, em preliminar, a nulidade absoluta da sentença por violência aos princípios do contraditório e devido processo legal, por falta de oitiva da vítima anteriormente ao indeferimento de medida protetiva e violação à prerrogativa de intimação pessoal de membro da Defensoria Pública. No mérito, pleiteia pela concessão das medidas protetivas de urgência, ante o preenchimento dos requisitos legais.
Contrarrazões da Defesa do recorrido prestigiando a decisão vergastada (doc. 74).
Parecer ministerial pela manutenção da decisão guerreada (doc. 82).
No doc. 95, o magistrado de primeiro grau manteve a decisão liberatória por seus próprios fundamentos.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça (doc. 102), opinando pelo desprovimento do recurso.
VOTO
Ab initio, cumpre esclarecer que tratando-se de sentença que julga extinta a ação, sem exame do mérito, por ausência de interesse processual, o recurso cabível é a apelação.
Contudo, considerando que ambos os recursos possuem o mesmo prazo de interposição e considerando que não há erro grosseiro ou má-fé, mostra-se possível o recebimento do Recurso em Sentido Estrito como recurso de apelação, aplicando-se o princípio da fungibilidade.
Preliminarmente, suscita o recorrente a nulidade absoluta da sentença em razão da falta de oitiva da vítima anteriormente ao indeferimento de medida protetiva e violação à prerrogativa de intimação pessoal de membro da Defensoria Pública.
Sem razão a defesa nesse particular.
De acordo com a Lei nº 11.340/06, mais especificamente, em seu art. 19, a concessão das medidas protetivas de urgência independe da prévia oitiva das partes, e até do próprio Ministério Público, inclusive porque, diante de sua manifesta natureza cautelar, não há que se falar em ofensa ao contraditório ou ao exercício da ampla defesa, reclamando-se, para tanto, somente a constatação ou não da presença dos respectivos pressupostos autorizadores.
Outrossim, em conformidade com a pertinente observação levantada pelo Ministério Público em seu parecer, se até mesmo uma decisão de deferimento de medidas protetivas que, em tese, acarreta ônus ao requerido, pode ser concedida de ofício (art. 16, § 1º, da Lei 14.344/2022), evidente que o mesmo raciocínio deve ser aplicado quanto ao indeferimento e à extinção do procedimento instaurado.
Quanto ao mérito, assiste parcial razão à insurgência defensiva.
A tutela jurisdicional de emergência reclama a presença dos pressupostos do fumus boni juris e periculum in mora, respaldados por lastro probatório mínimo, o que, no caso presente, não se vê.
No presente caso, a genitora da suposta vítima registrou ocorrência em sede policial afirmando que: "Que é mãe de Nome, hoje com 15 anos de idade; fruto de um relacionamento amoroso com Nome; QUE não há pensão judicial e não há regulamentação de visitas; QUE K. morava com a declarante, e no ano 2020, passou a morar com o pai; QUE há dois anos, K. agrediu o filho com muita violência, com chutes, socos, e deu uma cabeçada que fez com que o K. desmaiasse; QUE há época, não noticiou as agressões. QUE há 01 mês, K. fugiu da casa do pai e foi morar com a declarante, relatando ser oprimido pelo pai, QUE o trata de forma muito rígida, inclusive tendo proibido ele de namorar, o obrigando a fazer faxina na casa, recebendo o mesmo tratamento da madrasta que ora sabe apenas chamar-se K. QUE está com medo de que K. pegue o filho e faça algo de grave, haja vista ser uma pessoa agressiva e já ter sido agredida por ele, agressão noticiada na DEAM do Tanque.".
O pedido de medidas protetivas formulado na Delegacia foi distribuído à 1a Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e ao Adolescente da Capital, sendo indeferido sob os seguintes fundamentos:
"Trata-se de procedimento cautelar através do qual pretende a genitora do menor Nome, de 15 (quinze) anos de idade, obter as medidas protetivas de urgência consubstanciadas na vedação de contato com a vítima, com seus familiares, com testemunhas e com noticiantes ou denunciantes, por qualquer meio de comunicação; proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da criança ou do adolescente, respeitadas as disposições da Lei nº 8.069 ( ECA); afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima; proibição de aproximação da vítima, de seus familiares, das testemunhas e de noticiantes ou denunciantes, com a fixação do limite mínimo de distância entre estes e o agressor; proibição do contato, por qualquer meio, entre a criança ou o adolescente vítima ou testemunha de violência e o agressor; afastamento do agressor da residência ou do local de convivência ou de coabitação, por parte do suposto agressor, Nome, pai do adolescente, ao argumento de que" Que é mãe de Nome, hoje com 15 anos de idade; fruto de um relacionamento amoroso com Nome; QUE não há pensão judicial e não há regulamentação de visitas; QUE K. morava com a declarante , e no ano 2020, passou a morar com o pai; QUE há dois anos, K. agrediu o filho com muita violência, com chutes, socos, e deu uma cabeçada que fez com que o K. desmaiasse ; QUE há época, não noticiou as agressões. QUE há 01 mês, K. fugiu da casa do pai e foi morar com a declarante, relatando ser oprimido pelo pai, QUE o trata de forma muito rígida, inclusive tendo proibido ele de namorar, o obrigando a fazer faxina na casa, recebendo o mesmo tratamento da madrasta que ora sabe apenas chamar-se K. QUE está com medo de que K. pegue o filho e faça algo de grave, haja vista ser uma pessoa agressiva e já ter sido agredida por ele, agressão noticiada na DEAM do Tanque"(index 05).
Instado a se manifestar, o Ministério Público opinou pelo indeferimento das medidas requeridas (index 22).
De início, vale lembrar que a recentemente editada Lei nº 14.344 de 24.05.2022, buscando coibir a violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, instituiu seus artigos 20 e 21, medidas protetivas de urgência à vítima e outras que obrigam o agressor, visando assegurar e preservar a integridade física, psicológica e emocional da criança ou adolescente em situação de risco, podendo, inclusive, ser implementadas sem a oitiva prévia das partes e manifestação do Ministério Público, nos termos do artigo 16 § 1º da citada lei.
Diante da natureza cautelar de tais medidas protetivas, afigura-se necessária a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora.
Ocorre que, no presente caso, não se encontram evidenciados os necessários fumus boni juris e periculum in mora, capazes de autorizar o deferimento das medidas protetivas pretendidas.
Como bem ressaltou o Ministério Público"Notadamente, as medidas protetivas de urgência ostentam natureza cautelar e, por conseguinte, seu deferimento é condicionado à presença de indícios de violência doméstica e familiar contra a criança ou adolescente (fumus commissi delicti) e à demonstração da urgência e da necessidade de intervenção judicial imediata, sob pena de risco concreto à integridade física e/ou emocional da vítima (periculum in mora).
Na hipótese em comento, inobstante o relato da genitora, não temos elementos suficientes para o deferimento das medidas protetivas de urgência.
Dessa forma, ao menos por ora, não vislumbra o Ministério Público a presença do fumus commissi delicti e do periculum in mora. Portanto, o Parquet opina pelo indeferimento das medidas protetivas requeridas."(index 18) - grifo nosso. Há que se ponderar que, esse juízo é especializado em crimes contra a criança e adolescentes e, não havendo nos autos, indício suficientes da prática de qualquer conduta criminosa que possa ser atribuída ao requerido, sendo certo, que" trata de forma muito rígida "não configura situação de violência psicológica capaz de configurar a necessária situação fática de perigo, autorizadora do deferimento das medidas protetivas de urgência pleiteadas, que se destinam a coibir ou fazer cessar uma situação de violência, que não se vislumbra nos autos.
Destarte, considerando a natureza satisfativa da presente cautelar, que encerra por si mesma e por sua natureza, a finalidade desejada, independentemente de propositura de qualquer outra ação e, considerando a ausência dos necessários fumus boni iuris e periculum in mora, INDEFIRO a medida protetiva de urgência requerida e, via de consequência, JULGO IMPROCEDENTE a presente cautelar."
Não há como identificar se, de fato, ocorreu qualquer tipo de risco à integridade física e psicológica da vítima, notadamente por não se tratar de acontecimento concreto, atual ou iminente contra o menor, limitando-se a sua genitora a relatar que o menor é "oprimido pelo pai, que o trata de forma muito rígida, inclusive tendo proibido ele de namorar, o obrigando a fazer faxina na casa".
Assim, ante a narrativa deficitária e a ausência de comprovação da existência da situação de vulnerabilidade atual ou iminente da vítima frente ao suposto agressor, agiu com acerto o magistrado de primeiro grau ao indeferir a aplicação de medidas protetivas em razão da inexistência de dos pressupostos do fumus boni juris e periculum in mora.
A palavra da vítima não pode encerrar o único elemento de prova para efeito de suportar a procedência final do processo cautelar ou da respectiva ação penal eventualmente instaurada.
Corroborando o presente entendimento, vale colacionar recente julgado deste Eg TJRJ:
"APELAÇÃO. Medidas Protetivas de Urgência. Sentença de improcedência. No dia 24/08/2022, a genitora declarou que seu filho, com 07 anos de idade, contraiu doença viral conhecida como" molusco contagioso "e iniciou tratamento. Contudo, quando a criança está na companhia do genitor, este supostamente não realiza o procedimento adequado, bem como agride verbal e fisicamente a criança para que abandone o tratamento. Os fatos relatados pela genitora não justificam o afastamento da criança do convívio com o pai. Isso porque não há nos autos qualquer elemento indiciário da prática de maus tratos ou lesão corporal contra a criança. O laudo pericial não constatou qualquer lesão na criança relacionada ao contexto de agressão relatado pela genitora. O genitor argumenta que é médico e ministrou medicamento para tratar as feridas da criança. Os documentos juntados aos autos demonstram constantes desavenças entre os adultos, mas que não justificam, ao menos nestes autos, a determinação de afastamento de qualquer deles do convívio com a criança. A conflituosa relação dos genitores é objeto de processo que tramita na Vara de Família, onde eventuais ajustes de comportamentos poderão ser ordenados e acompanhados naquele Juízo. Nesse sentido, foi a conclusão do Estudo Social e Psicológico produzido pela Equipe Técnica. DESPROVIMENTO DO RECURSO."
(0244619-57.2022.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des (a). Nome - Julgamento: 15/02/2023 - QUINTA CÂMARA CRIMINAL)
Outrossim, as medidas protetivas exibem natureza essencialmente instrumental, sempre acessórias ao respectivo procedimento penal cognitivo. Não há notícia de proposição, na espécie, de qualquer demanda penal pelo MP em face do recorrido relativamente aos fatos que deram ensejo ao pedido de medidas protetivas ou a quaisquer outros.
A tutela jurisdicional de emergência possui natureza excepcional e acessória e não pode ser fixada de forma genérica, gerando instabilidade no ambiente familiar.
No entanto, em que pese não se vislumbre, neste momento, os requisitos legais à aplicação de medida protetivas, entendo que o ilustre magistrado se precipitou ao pôr fim ao processo sem as necessárias cautelas.
Deste modo, encampo o diligente parecer do Ministério Público constante do doc. 22 e entendo necessário o encaminhamento da suposta vítima e do suposto agressor à Nome, visando a elaboração de relatório com elementos que viabilizem melhor aferição de eventual situação de risco que exija a aplicação das cautelares previstas na Lei Henry Borel.
Por fim, seja certificado se há processo em Vara de Família em que seja discutida a guarda e/ou visitação da vítima e, em caso positivo, seja determinada a remessa de cópia do registro de ocorrência e da decisão a ser proferida sobre a medida protetiva, para ciência do Juízo e da Promotora de Justiça em atuação naquele Juízo.
Destarte, mantêm-se a sentença no que tange ao indeferimento das medidas protetivas, sem prejuízo de que venham a ser deferidas se evidenciada nova situação de urgência, diante da constatação da prática de fatos concretos de violência que gerem algum risco ao menor, o que será averiguado após o estudo da Nome.
À conta do exposto, voto pelo PARCIAL PROVIMENTO do recurso para prosseguimento da medida cautelar a fim de atender promoção ministerial que propugnou pelo encaminhamento da suposta vítima e do suposto agressor à Nome, visando a elaboração de relatório com elementos que viabilizem melhor aferição de eventual situação de risco comunicada pela mãe do menor para que, então, se possa aplicar ou não as cautelares previstas na Lei Henry Borel.
Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2023.
Desembargadora Nome
Relatora