Data de publicação: 22/07/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos
(...) “A violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, encontra- se regulamentada pela Lei 14.344/22, conhecida como Lei Henry Borel, cujo objetivo estabelecido foi o de criar uma rede de proteção aos menores de idade, fazendo com que toda a sociedade colabore com a repressão desse tipo de violência.” (...)
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA - REVOGAÇÃO MEDIDA PROTETIVA - LEI HENRY BOREL - REAVALIAÇÃO DE MEDIDAS ANTERIORMENTE FIXADAS - NECESSIDADE OBSERVÂNCIA CONTRADITÓRIO PRÉVIO - AUSÊNCIA DE ESTUDO PSICOSSOAL RELACIONADO AO CASO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, encontra-se regulamentada pela Lei 14.344/22, conhecida como Lei Henry Borel, cujo objetivo estabelecido foi o de criar uma rede de proteção aos menores de idade, fazendo com que toda a sociedade colabore com a repressão desse tipo de violência. 2. As medidas protetivas previstas na Lei Henry, também se submetem à cláusula rebus sic stantibus, conforme interpretação do art. 16, § 3º, da Lei nº 14.344/22, ou seja, o magistrado ao reavaliar a necessidade das medidas deve verificar a ocorrência de alteração do contexto fático e jurídico, através da demonstração de permanência (ou não) de risco à integridade física, psicológica, patrimonial, sexual das crianças. 3. A conjuntura dos autos é bastante complexa, revelando-se prudente a apresentação de elementos complementares, para que seja proferida decisão segura a respeito das medidas protetivas fixadas em prol dos infantes e em desfavor do genitor. 4. De rigor a manutenção das medidas protetivas, devendo perdurar enquanto persistir situação de risco para as crianças, sobretudo diante da ausência de oitiva especializada das crianças e estudo psicossocial específico apontando que o risco foi cessado.
(TJ-MG - Mandado de Segurança: 3501360-19.2023.8.13.0000, Relator: Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos, Data de Julgamento: 28/02/2024, 9ª Câmara Criminal Especializa, Data de Publicação: 28/02/2024)
Inteiro Teor
Número do 1.0000.23.350136-0/000 Numeração 3501360-
Relator: Des.(a) Nome
Relator do Acordão: Des.(a) Nome
Data do Julgamento: 28/02/2024
Data da Publicação: 28/02/2024
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA - REVOGAÇÃO MEDIDA PROTETIVA - LEI HENRY BOREL - REAVALIAÇÃO DE MEDIDAS ANTERIORMENTE FIXADAS - NECESSIDADE OBSERVÂNCIA CONTRADITÓRIO PRÉVIO - AUSÊNCIA DE ESTUDO PSICOSSOAL RELACIONADO AO CASO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. A violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, encontra- se regulamentada pela Lei 14.344/22, conhecida como Lei Henry Borel, cujo objetivo estabelecido foi o de criar uma rede de proteção aos menores de idade, fazendo com que toda a sociedade colabore com a repressão desse tipo de violência.
2. As medidas protetivas previstas na Lei Henry, também se submetem à cláusula rebus sic stantibus, conforme interpretação do art. 16, § 3º, da Lei nº 14.344/22, ou seja, o magistrado ao reavaliar a necessidade das medidas deve verificar a ocorrência de alteração do contexto fático e jurídico, através da demonstração de permanência (ou não) de risco à integridade física, psicológica, patrimonial, sexual das crianças.
3. A conjuntura dos autos é bastante complexa, revelando-se prudente a apresentação de elementos complementares, para que seja proferida decisão segura a respeito das medidas protetivas fixadas em prol dos infantes e em desfavor do genitor.
4. De rigor a manutenção das medidas protetivas, devendo perdurar enquanto persistir situação de risco para as crianças, sobretudo diante da ausência de oitiva especializada das crianças e estudo psicossocial específico apontando que o risco foi cessado.
MANDADO DE SEGURANÇA - CR Nº 1.0000.23.350136-0/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - IMPETRANTE (S): J.M.M. REPRESENTANDO FILHO (S) M.B.M.G.B.M. - AUTORID COATORA: J.D. C.C. C.A.B.H.
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9a Câmara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em CONCEDER A SEGURANÇA.
DESA. Nome
RELATORA
DESA. Nome (RELATORA)
VOTO
Trata-se de Mandado de Segurança, impetrado em favor das crianças Nome e Nome, representados por Nome, genitora dos menores, contra ato tido por ilegal, praticado pelo Juízo Vara Especializada de Crimes Contra Criança e Adolescente da Comarca de Belo Horizonte/MG, que revogou as medidas protetivas que impediam a visitação dos menores pelo Sr. Nome, buscando o mandamos restabelecer a proibição de "B. de ter contato de qualquer maneira com as crianças".
Narram os impetrantes, em síntese, que, no dia 16/06/2023, foram concedidas medidas protetivas em favor dos menores Nome e Nome, em face de Nome, pai das crianças, em razão de suspeitas de abuso físico e sexual contra os infantes.
Em continuidade, contam que "o processo de divórcio do casal, determinou a visitação assistida das crianças, após realização de estudo psicossocial neste sentido, porém impossível de se contestar por parte dos procuradores das vítimas e impetrantes, já que ocorrem em processo ao qual as vítimas não se manifestam, apenas seus pais, entretanto a advogada da mãe, já impugnou a decisão daquela vara, mas, em razão do recesso ainda não definitivamente julgada."
Relatam que "no dia 19 último o juízo impetrado optou pela revogação da medida protetiva de urgência que impedia a visitação, com base apenas no relatório psicossocial apresentado pela defesa do acusado".
Asseveram que "foi requerido pelas vítimas pedido de reconsideração, que foi negado em razão do recesso forense, o que viola dispositivo Legal presente no art. 16 da Lei Henry Borel, já que feito pedido de manutenção das medidas, inclusive de forma liminar, mas não foi considerado, violando direito Líquido e certo das Vítimas".
Defendem que "por expressa determinação legal (art. 273, CPP) não cabe qualquer recurso específico contra o despacho que não admitir pedido de medida protetiva por parte da assistência, de modo que se tem entendido cabível, para proteção de direito líquido e certo da parte prejudicada, mandado de segurança."
Diante deste cenário, pugnam pela concessão da liminar, "proibindo o acusado Nome ter contato de qualquer maneira com as crianças", destacando o impetrante que "o periculum in mora configura-se no presente caso, já que o acusado possui alvará de visitação concedido pela 7a vara cível, assim sendo podendo retirar as crianças de seu lar a qualquer momento inclusive na data de hoje 26/12/2023".
Defendem ainda, que as medidas protetivas são necessárias na prevenção de novos abusos por parte do genitor contra os filhos.
No mérito, pugnam pela concessão da segurança em definitivo nos termos requeridos na peça exordial.
O pedido liminar, apreciado em regime de plantão, foi indeferido em duas oportunidades (fls. 110/113 e 139/144, doc. único).
As informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 150/153, doc. único).
Nesta instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, instada a se manifestar, opinou pela não concessão da segurança (fls. 459/464, doc. único).
É o relatório.
Passo ao voto.
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Insurgem-se os impetrantes contra a decisão que indeferiu o pedido de reconsideração da decisão que revogou as medidas protetivas fixadas em desfavor do pai dos menores B.M.B.O.
Antes de adentrar ao mérito propriamente dito, cumpre trazer algumas considerações sobre o tema.
A violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, encontra-se hoje regulamentada pela Lei 14.344/22, conhecida como Lei Henry Borel, cujo objetivo estabelecido foi o de criar uma rede de proteção aos menores de idade, fazendo com que toda a sociedade colabore com a repressão desse tipo de violência.
A Lei Henry Borel trata as hipóteses de configurações de violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente. Vejamos:
Art. 2º Configura violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial:
I - No âmbito do domicílio ou da residência da criança e do adolescente, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que compõem a família natural, ampliada ou substituta, por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação doméstica e familiar na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. Para a caracterização da violência prevista no caput deste artigo, deverão ser observadas as definições estabelecidas na Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
Como se sabe, referida lei, tal como a Lei 11.340/06, prevê medidas protetivas de urgência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar.
Nessa senda, o dispositivo normativo mencionado traz um rol exemplificativo das medidas protetivas passíveis de fixação pelo magistrado, sem prejuízo de ser lançado mão outras medidas não previstas no artigo, com objetivo de garantir a segurança física e psicológica da vítima:
Art. 20. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente nos termos desta Lei, o juiz poderá determinar ao agressor, de imediato, em conjunto ou separadamente, a aplicação das seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - A suspensão da posse ou a restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - O afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima;
III - a proibição de aproximação da vítima, de seus familiares, das testemunhas e de noticiantes ou denunciantes, com a fixação do limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
IV - A vedação de contato com a vítima, com seus familiares, com testemunhas e com noticiantes ou denunciantes, por qualquer meio de comunicação;
V - A proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da criança ou do adolescente, respeitadas as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI - A restrição ou a suspensão de visitas à criança ou ao adolescente;
VII - A prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VIII - O comparecimento a programas de recuperação e reeducação;
IX - O acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Portanto, a Lei n. 14.344/22: "cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente", ou seja, trata-se de efetivação de mandamento constitucional e compromisso internacional assumido pelo Brasil.
Isso porque, nos termos dos artigos 12 e 19, da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989 e arts. 3º; 5º e 16, inciso II, do Estatuto da Criança e Adolescente, crianças e adolescentes não podem mais ser vistos ou tratados como meros "objetos (ou destinatários) de medidas de proteção", mas sim devem ser reconhecidos como titulares de direitos fundamentais, dotados de autonomia e identidade próprias, aos quais deve ser facultada a participação na tomada das decisões que lhe afetarão diretamente.
Além disso, os artigos. 7º, art. 98, I e art. 101, V da Lei nº 8.069/90, estabelecem que:
Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - Por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; (...)
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: (...)
V - Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; (...)
E ainda, da CR/88:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Como visto, o Estatuto da Criança e do Adolescente possui como princípio orientador a proteção integral do menor, abrangendo todas as necessidades do ser humano para o total desenvolvimento de sua personalidade.
Sobre as medidas de proteção previstas no ECA, leciona a doutrina:
"(...)
A aplicação das medidas de proteção, portanto, não pode ficar ao puro arbítrio da autoridade estatal competente, mas sim deve observar uma série de normas, parâmetros e cautelas, dentre as quais (em respeito, inclusive, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana), se encontra a obrigatoriedade de ouvir e de levar em consideração a "opinião informada" da criança ou adolescente a ser por aquelas atingido (salvo quando estes não tiverem condições ou não quiserem exprimir sua vontade ou ainda quando, em casos mais sensíveis, se entenda - justificadamente - que tal consulta, ainda que realizada por intermédio de órgãos técnicos, lhe será de qualquer modo prejudicial), ex vi do disposto no art. 100, par. único, incisos XI e XII, do ECA."(Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado / Murillo José Digiá como e Nome pg. 195, 8a edição).
Feitas tais considerações e volvendo à realidade fática dos autos, consta dos documentos encartados aos mesmos que, no dia 05/05/2023, a senhora Nome, compareceu à Delegacia relatando que o senhor B.M.B.O, pai dos infantes, teria praticado atos de violência em desfavor dos pacientes. Vejamos:
"(...)
QUE é mãe das vítimas Nome e Nome; QUE a declarante viveu maritalmente com o INVESTIGADO por cinco anos, estando separados há dois anos; QUE há um ano a declarante ajuizou ação de dissolução de união estável litigiosa; QUE a declarante tem uma medida protetiva a seu favor contra o INVESTIGADO nos autos do processo nº5153704-67.2022.8.13.0024 e sua mãe tem medida protetiva em desfavor do INVESTIGADO, deferida nos autos do processo nº 5076043- 75.2023.8.13.0024; QUE o investigado ajuizou contra a declarante ação de alienação parental; QUE a declarante suspeita que a filha tenha sido abusada sexualmente pelo INVESTIGADO e que ambos os filhos sejam vítimas de violência física e psicológica, praticada pelo INVESTIGADO;
QUE a vítima Nome e G. passaram o dia 15 de abril de 2023 com o INVESTIGADO; QUE ao receber os filhos, Nome chegou chorando muito; QUE a declarante tentou acalmar Nome e conduziu Nome para o banho; QUE ao tentar lavar a região genital de Nome Nome não permitiu que a declarante tocasse sua parte íntima; QUE a declarante deu um banho superficial e ao colocar a roupa em Nome observou que a região genital estava muito alterada; QUE a declarante nesta ocasião apresenta uma foto que solicita ser anexada ao procedimento, que diz respeito ao abuso sexual, conforme disse a declarante, com base no relatado no prontuário médico;
QUE a foto é com forte vermelhidão na região genital, apresentando algumas escoriações nos grandes lábios, conforme descreveu a declarante; QUE ao ver a genital de Nome assustou e perguntou à criança o que teria acontecido; QUE Nome relatou à declarante que o INVESTIGADO a levou para o banho e deixou Nome jogando vídeo game; QUE no banho Nome relatou para a declarante e repetiu no Hospital MaterDei que o INVESTIGADO "lavou com muita força a pepeca durante o banho", conforme disse; QUE M. queixou de dor no local; QUE diante da suspeita de violência sexual, a médica do Hospital MaterDei encaminhou a declarante com M. de ambulância para o Hospital Odilon Behrens, por ser referência; QUE no Hospital Odilon Behrens foi feito um novo atendimento por uma pediatra;
QUE foi declarado o abuso sexual e a família foi encaminhada para ser atendida por uma assistente social; QUE a declarante passou a noite no Hospital com Nome que foi internada no ambulatório e pela manhã foram atendidas pela assistente social, que encaminhou o caso para o Conselho Tutelar; QUE no Hospital MaterDei, Nome contou, espontaneamente, o que teria sofrido e a médica, sensibilizada, posteriormente, localizou a declarante no Instagram e encaminhou Nome para um atendimento no Hospital das Clínicas, no núcleo AMEF; QUE a declarante entregou espontaneamente vinte e quatro fotos de Nome, solicitando a juntada de todas no EAMP; QUE as treze primeiras fotos juntadas no arquivo de PDF dizem respeito a uma reação alérgica que Nome teve na casa do INVESTIGADO; QUE M. chegou da casa do INVESTIGADO com a reação alérgica;
QUE o INVESTIGADO mesmo ciente da alergia de M. a expõe a situações que desencadeiam a reação alérgica; QUE o INVESTIGADO entregou M. com a reação, sem nada dizer; QUE a última imagem no arquivo em pdf relativo à M. é uma conversa da declarante mostrando que o INVESTIGADO tem ciência da alergia de Nome; QUE quanto aos desenhos juntados no PDF, o primeiro desenho foi feito por Nome; QUE M. desenhou na disciplina de inglês um desenho da família, evidenciando a região genital do INVESTIAGADO, conforme disse, e de G., não evidenciou, mesmo ambos sendo do mesmo sexo; QUE o segundo desenho apresentado pela declarante é um desenho feito por Nome retratando o INVESTIGADO e entregue à ele, por Nome, no dia dos pais; QUE segundo a declarante, o rosto do INVESTIGADO está muito rabiscado e Nome evidenciou e coloriu o que seria a representação do órgão sexual do INVESTIGADO; QUE na quinta e sexta página do PDF juntado ao PCNET e apresentada impressa pela declarante são marcas que a declarante acredita serem de agressão física; QUE as crianças foram para a casa do INVESTIGADO sem nenhuma marca e voltaram com as retratadas nas fotos; QUE no mês de JULHO de 2022, Nome já havia relatado para a declarante um suposto abuso sofrido por ela praticado pelo INVESTIGADO; QUE na ocasião, o INVESTIGADO agrediu psicologicamente a declarante colocando-a como psicopata e acuando-a por questioná-lo em relação ao relatos de Nome, lavrando, inclusive um REDS de calúnia contra a declarante; QUE o INVESTIGADO enviou e-mails com ameaças para a declarante, o que embasou o deferimento de sua medida protetiva; QUE no dia 13 de dezembro de 2022, a declarante levou Nome para uma consulta de rotina; QUE a consulta foi em uma terça feira e no domingo as VÍTIMAS passaram o dia com o INVESTIGADO; QUE a pediatra relatou para a declarante que havia uma alteração na região vaginal de Nome; QUE nesta ocasião, a pediatra encaminhou Nome para avaliação por uma ginecologista infanto puerperal, que encaminhou Nome para o ODILON BEHRENS, QUE Nome relatou que o INVESTIGADO levou-a para o banho, tirou a roupa e" lavou o peru ", com a criança; QUE em relação a G., este relata para a declarante agressões físicas; QUE relação à G., a declarante entregou doze fotos que solicita a juntada, retratando agressões físicas praticadas pelo INVESTIGADO contra ele;
QUE as fotos são juntadas em PDF no PCNET; QUE a primeira foto do PDF, a declarante descreve como sendo marcas de dedos nas nádegas de G.; QUE a segunda foto do PDF, todas as fotos da página dois e primeira da página três, referem-se a uma agressão ocorrida no dia trinta e um de dezembro; QUE G. relatou que o INVESTIGADO segurou-o por trás, em sua clavícula/ombro e o balançou com muita força; QUE nas fotos em que Nome está de cueca, a criança relatou para o declarante que foi chutado pelo INVESTIGADO; QUE o INVESTIGADO estava levando as crianças para almoçar e agrediu G. na rua; QUE no dia 15 de abril de 2023, G. relatou para o declarante que foi agredido fisicamente pelo INVESTIGADO dentro do Shopping Pátio Savassi, na porta das Lojas Americanas; QUE G. relatou que o INVESTIGADO segurou-o fortemente pelo braço e retirou-o da loja; QUE atualmente as crianças não estão com marcas; QUE somente tem as fotos e o prontuário médico; QUE deseja que seja feita a perícia indireta QUE na ocasião a declarante entrega impressos, para juntada no procedimento, todas as fotos relatadas, os prontuários médicos, encaminhamento do hospital MaterDei; QUE a procuradora da declarante acompanhou toda a oitiva" (fls. 171/173, doc. único).
Em razão dos relatos da genitora das crianças e demais elementos colhidos, no dia 18/06/2023 foram deferidas medidas protetivas em prol das crianças, proibindo o genitor de aproximar e manter contato com elas (fls. 230/233, doc. único).
Neste ponto, ressalto que no dia 23/05/2023, a Desembargadora da 8a Câmara Cível, ao tomar conhecimento das gravíssimas suspeitas de violência física e sexual, supostamente perpetradas pelo genitor em face dos dois filhos menores, revogou a decisão monocrática que havia aumentado a convivência paterno-filial, aduzindo a necessidade de realização de estudo psicossocial em primeira instância a fim de verificar as graves alegações (fl. 218, doc. único).
Em seguida, a autoridade impetrada extinguiu o expediente apartado de medidas protetivas em 29/08/2023 (fl. 248, doc. único).
O genitor dos pacientes, formulou pedido de revogação das medidas protetivas, baseado em dois estudos psicossociais realizados pelos juízes competentes em outras ações, nos quais teria sido apurado que ele não representava risco para os filhos, conforme conclusão do estudo psicossocial feito pela Vara de Família (fls. 257, doc. único).
Anexou decisão proferida pelo Juízo da 7a Vara de Família da Comarca de Belo Horizonte que regulamentou as visitas paternas de forma assistida (fl. 267, doc. único).
Relatório do Estudo Social anexado às fls. 270/274, produzido nos autos 5129977-45.2023.8.13.0024 doc. único e Estudo Psicossocial relacionado aos autos nº 5032342-83.2022.8.13.0024 às fls. 275/284, doc. único).
Em razão dos relatórios psicossociais anexados pelo genitor das crianças, a autoridade impetrada revogou as medidas protetivas. Vejamos:
"(...)
Face às alegações e aos documentos apresentados pela Defesa, sobretudo a decisão de ID 10113311136, entendo que, não obstante o evidente equívoco, a medida não se mostra mais necessária, haja vista que o juízo da Vara de Família realizou o estudo técnico pormenorizado do núcleo familiar afeto a este expediente.
Nesse sentido, considerando as ponderações feitas pelos procuradores das partes, a manifestação ministerial, bem como o restante dos autos, entendo que não existem razões concretas para justificar a manutenção das medidas protetivas previamente deferidas, uma vez que não observo a subsistência do periculum in mora, justificado na iminência de exposição de direitos ameaçados das vítimas.
Ademais, não é adequado que se mantenha de forma indiscriminada uma decisão expedida por esta Vara, de competência criminal, que possui caráter extremamente urgente e excepcional, em decorrência dos efeitos que produz sem uma instrução robusta, notadamente no âmbito das relações paterno filiais.
Por fim, verifico que os genitores da criança possuem uma relação bastante conturbada e, uma vez verificada a ausência de perigo iminente à segurança dos infantes, reputo que não é papel desta Unidade Judiciária atuar na regulação das relações familiares, uma vez que as questões referentes à guarda e à visitação de menores de idade, bem como conflitos destas provenientes, devem ser tratados em juízo próprio, apto a processar e julgar a demanda, como está sendo feito.
Face ao exposto, revogo as medidas protetivas deferidas em decisão de ID n. 9836517562." (fls. 316/318 - doc. único).
Examinando detidamente os autos, entendo que as medidas protetivas não poderiam ter sido revogadas.
A uma, porque os relatórios psicossociais acostados pelo genitor das crianças dizem respeito a autos diversos ao do expediente das medidas protetivas fixadas em prol dos infantes e, a meu ver, são insuficientes para subsidiar a revogação das medidas protetivas fixadas em prol das crianças.
O expediente apartado das medidas protetivas em apuração foi instaurado devido à suposta prática da conduta prevista no art. 217-A do Código Penal e relato de agressões físicas e psicológicas por parte do genitor contra seus filhos em dias de visitas.
O relatório psicossocial de fls. 270/274, doc. único, refere-se ao expediente de medidas protetivas relacionadas à J.M.M e B.M.B.O: "estudo social que analisa a possível situação de risco da requerente, em tese advinda da violência de gênero perpetrada pelo requerido.".
Em complemento, ressaltou que:
"Em estudo psicossocial realizado no processo 5032343-83.2022.8.13.0024, que tramita na 7a Vara de Família, a psicóloga responsável observou, em um momento de convívio do pai com os filhos, que eles interagiram de forma positiva e afetuosa, mostrando-se confortáveis nas trocas realizadas e demonstrando o desejo de retornarem ao convívio com ele, não sendo observados, na ocasião, algum incômodo ou receio de estarem na presença e convivência com o genitor. A conclusão do estudo é pela possibilidade de retorno da convivência paterno-filial de forma assistida e gradual, considerando o conflito litigioso no qual as crianças estão inseridas.
(...)
Entretanto, a conclusão do citado estudo psicossocial que subsidia as decisões do juízo de família aponta para a possibilidade de visitação gradual e assistida, sugestão com a qual coaduno. Além disso, a família está sendo assistida pelo AMEFI, vinculado ao Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG, que tem como foco o tratamento de todo o grupo familiar que convive com ofensas sexuais dentro de sua estrutura, aqui entendidas como supostamente cometidas. Assim, visando aos melhores interesses das crianças, sugiro que os envolvidos sejam encaminhados ao CEJUSC no intuito de participarem das sessões de mediação e oficinas de pais e filhos."
Já o estudo psicossocial realizado nos autos nº 5032343.83.2022.8.13.0024 (fls. 275/284, doc. único): "foi solicitado pelo Ministério Público com foco na análise da viabilidade da manutenção da convivência paterno-filial."
Na conclusão do referido estudo, a profissional foi enfática ao afirmar que as supostas violações relatadas em denúncias de agressão, violência física, sexual e doméstica que circundam a dinâmica familiar, por meio da narrativa dos pais, não configuraram o objetivo da avaliação (fl. 283, doc. único).
Vejamos parte da conclusão:
"Dessa forma, entende-se que os conflitos, acima mencionados, são da ordem dos adultos e não das crianças, e estas não devem ser penalizadas por mudanças abruptas, como afastamento permanente do pai, nesse momento de desenvolvimento biopsicossocial. Então, para respeitar, em todas as circunstâncias o melhor interesse das crianças, é que se faz a sugestão do retorno à convivência paterno-filial de forma assistida" (fl. 283, doc. único).
Diante disso, verifico violação ao direito líquido e certo dos impetrantes, uma vez que não foi realizado estudo psicossocial voltado à análise específica das supostas alegações de violência física, psicológica e sexual que deram origem ao expediente apartado de medidas protetivas, questão inclusive registrada pela magistrada primeva na decisão que revogou as medidas protetivas.
Acrescenta-se, por oportuno que, em face do postulado do livre convencimento motivado, o Julgador não está adstrito às conclusões externadas nos laudos confeccionados pelos órgãos auxiliares do Juízo, podendo, inclusive, afastá-las, desde que o faça, fundamentadamente, à luz das especificidades do caso sub judice.
Portanto, entendo que laudos psicossociais realizados com objetivos diversos não constitui fundamento idôneo para revogação das medidas protetivas em análise.
Outrossim, não se olvida que as medidas protetivas previstas na Lei Henry, também se submetem à cláusula rebus sic stantibus, conforme interpretação do art. 16, § 3º, da Lei nº 14.344/22, in verbis:
Art. 16. (...)
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, ou a pedido da vítima ou de quem esteja atuando em seu favor, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da vítima, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Nessa ordem de ideias, para que haja eventual modificação ou revogação das medidas, deve o magistrado verificar a ocorrência de alteração do contexto fático e jurídico, através da demonstração de permanência (ou não) de risco à integridade física, psicológica, patrimonial, sexual das vítimas.
Nesse espeque, imperiosa a instauração do contraditório antes de se decidir pela manutenção ou revogação das medidas, o que também não se verifica no caso analisado.
O entendimento ora adotado é corroborado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que vem se posicionando pela necessidade da prévia oitiva das vítimas antes da revogação das medidas protetivas de urgências previstas na Lei Maria da Penha, o qual pode ser aplicado ao presente caso por analogia, pois conforme dito alhures, as medidas protetivas previstas na Lei Henry Borel guardam semelhanças com as medidas previstas na Lei Maria da Penha.
A propósito:
"EMENTA RECURSO ESPECIAL. LEI MARIA DA PENHA. MEDIDAS PROTETIVAS. NATUREZA JURÍDICA INIBITÓRIA. INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO-CRIME EM CURSO. DESNECESSIDADE. MEDIDAS QUE ACAUTELAM A OFENDIDA E NÃO O PROCESSO. VALIDADE DAS MEDIDAS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE PERIGO. CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS. NECESSIDADE DE PRÉVIO CONTRADITÓRIO ANTES DE SE DECIDIR PELA MODIFICAÇÃO OU REVOGAÇÃO DO REFERIDO INSTRUMENTO PROTETIVO. REVISÃO PERIÓDICA. POSSIBILIDADE. PRAZO QUE DEVE SER FIXADO PELO MAGISTRADO SINGULAR, QUE LEVARÁ EM CONSIDERAÇÃO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. SITUAÇÃO DOS AUTOS. REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS COM BASE EM MERAS SUPOSIÇÕES. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA QUE IMPÔS AS MEDIDAS. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha buscam preservar a integridade física e psíquica da vítima, prescindindo, assim, da existência de ação judicial ou inquérito policial. Considerando essas características, vê-se que as referidas medidas possuem natureza inibitória, pois têm como finalidade prevenir que a violência contra a mulher ocorra ou se perpetue. Nesse sentido:"[...] Lei Maria da Penha. Desnecessidade de processo penal ou cível. 3. Medidas que acautelam a ofendida e não o processo"(STF, HC 155.187 AgR, Rel. Ministro Nome, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2019, DJe 16/04/2019). 2. Reconhecida a natureza jurídica de tutela inibitória, a única conclusão admissível é a de que as medidas protetivas têm validade enquanto perdurar a situação de perigo. A decisão judicial que as impõe submete-se à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, para sua eventual revogação ou modificação, mister se faz que o Juízo se certifique de que houve a alteração do contexto fático e jurídico. 3. Os referidos entendimentos se coadunam com o atual texto da Lei 11.340/06, conforme previsão expressa contida no art. 19, §§ 5.º e 6.º, acrescentados recentemente pela Lei n.º 14.550/23. 4. Nesse cenário, torna-se imperiosa a instauração do contraditório antes de se decidir pela manutenção ou revogação do referido instrumento protetivo. Em obediência ao princípio do contraditório (art. 5.º, inciso LV, da Constituição da República), as partes devem ter a oportunidade de influenciar na decisão, ou seja, demonstrar a permanência (ou não) da violência ou do risco dessa violência, evitando, dessa forma, a utilização de presunções, como a mera menção ao decurso do tempo, ou mesmo a inexistência de inquérito ou ação penal em curso. (...)." (Relatora Ministra Nome, RESp nº 2.036.072/MG, data julgamento: 22/08/2023 - grifo nosso)
Ora, as alegações trazidas aos autos vão além da gravidade abstrata.
As fotos colacionadas ao expediente apartado de medidas protetivas, indicando marcas preocupantes nos corpos dos infantes, aliadas ao relatório médico de fl. 74, doc. único, no qual extrai-se a informação de diagnóstico principal da impetrante M.B.M. de "abuso sexual", demandam uma profunda avaliação de risco inerente ao expediente de medidas protetivas relacionadas aos infantes.
Assim, mostra-se necessário e prudente que seja colhida a oitiva das crianças antes da reavaliação da necessidade das medidas protetivas, uma vez que a conjuntura dos autos é bastante complexa e demanda apresentação de elementos complementares, para que seja proferida decisão segura a respeito das medidas protetivas fixadas em prol de crianças de tenra idade.
Neste ponto, ressalto que a autoridade policial representou pela Produção Antecipada de Provas, a qual já foi distribuída e tombada pelo nº 5117337-10.2023.8.13.0024 (fls. 10 e 413, doc. único), oitivas que seguramente poderão subsidiar a decisão de revisão das medidas protetivas.
De mais a mais, a Lei nº 13.431/2017 estabelece normas cogentes voltadas à proteção de crianças e adolescentes no contexto da violência sexual, de modo que, tratando-se de medidas protetivas em prol de crianças e mediante a gravidade dos fatos noticiados pela genitora, impõe-se observância do procedimento para o depoimento especial, para esclarecimento dos fatos alegados.
Portanto, data máxima vênia, não vislumbro do entendimento da magistrada "a quo", fundamento sobre a demonstração da alteração fática que deu ensejo à fixação das medidas protetivas, pois em razão da complexidade e gravidade dos fatos que envolvem o feito, é recomendável a elaboração de estudo psicossocial específico ao expediente em análise, além da prévia oitiva das crianças para reavaliação da necessidade da manutenção/revogação das medidas protetivas.
Nessa ordem de ideias, verificado que os menores estão em das alegações gravíssimas de violência física, sexual e psicológica, na busca do melhor interesse das crianças, necessária se faz a manutenção das medidas fixadas, até que sobrevenham aos autos os elementos complementares já citados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA, de forma a manter as medidas protetivas anteriormente fixadas pela magistrada primeva em favor dos menores, quais sejam, proibição do pai de aproximação das supostas vítimas a uma distância mínima de 200 (duzentos) metros, bem como proibição de manter contato com as mesmas por qualquer meio de comunicação.
Ressalto, todavia, que após a realização do laudo psicossocial específico, referente às alegações de violência psicológica, sexual e física e oitiva especializada das vítimas, a necessidade das medidas protetivas poderá ser reavaliada, de modo que, caso se constate a inocorrência da alegada violência sofrida pelas vítimas e que as mesmas não correm nenhum risco, as medidas poderão ser revogadas.
Oficie-se.
Custas ex lege.
DES. Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
JD. CONVOCADO Nome - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "CONCEDERAM A SEGURANÇA"