#1 - Falecimento dos Pais. Tutela de Urgência. Cuidados pela Irmã.

Data de publicação: 02/07/2024

Tribunal: TJ-RS

Relator: Sandra Brisolara Medeiros

Chamada

(...) “Em razões, afirma que tanto a mãe quanto o pai do menor N. C. faleceram, ficando o infante sem guardião legal, sendo a única entre os parentes mais próximos que se dispôs a cuidá-lo. Refere que para realizar a matrícula na escola necessita do termo de guarda. Pugna pela concessão da tutela de urgência, provendo-se o agravo de instrumento, ao final.” (...)

Ementa na Íntegra

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. PAIS FALECIDOS. PEDIDO DEDUZIDO PELA IRMÃ. VIABILIDADE DE DEFERIMENTO DA GUARDA PROVISÓRIA NO CASO CONCRETO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA. ARTIGO 300 DO CPC. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DO ADOLESCENTE. DECISÃO A QUO REFORMADA.AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

(TJ-RS - Agravo de Instrumento: 5073429-02.2023.8.21.7000 PORTO ALEGRE, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 01/08/2023, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 01/08/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

PODER JUDICIÁRIO 

  

----------RS---------- 

  

Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 

7ª Câmara Cível 

  

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906 

  

Agravo de Instrumento Nº 5073429-02.2023.8.21.7000/RS 

  

TIPO DE AÇÃO: Guarda 

  

RELATOR (A): Desa. SANDRA BRISOLARA MEDEIROS 

  

EMENTA 

  

agravo de instrumento. DIREITO DE FAMÍLIA. ação de guarda. pais falecidos. pedido deduzido pela irmã. viabilidade de deferimento da guarda provisória no caso concreto. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA DE URGÊNCIA. ARTIGO 300 DO CPC. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE Do adolescente. DECISÃO A QUO REFORMADA. 

  

Agravo de instrumento provido. 

  

DECISÃO MONOCRÁTICA 

  

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por F. V. M. contra a decisão interlocutória que, nos autos da ação de guarda do irmão N. C. V. O., ajuizada em face da SUCESSÃO DE J. O. D. O., indeferiu o pedido de tutela de urgência, nos seguintes termos: 

  

"Vistos. 

  

1) Repactue-se como Ação de Tutela. 

  

2) Defiro o benefício da AJG em prol da parte autora. 

  

3) Considerando o óbito dos genitores de N. (evento 1, CERTOBT11 e OUT13), desnecessária a inclusão da sucessão do genitor no polo passivo da demanda, eis que como relatado pela parte autora, ela própria seria a guardiã fática do adolescente. 

  

Por outro lado, entendo que a parte autora não comprovou a urgência necessária para deferimento da tutela postulada. Ademais, necessário melhor averiguar a situação que mais atende os interesses do adolescente. 

  

Assim, indefiro, por ora, a tutela de urgência postulada, em face da ausência de elementos que a amparem. 

  

4) Dê-se vista ao Ministério Público. 

  

Intimem-se. 

  

Dil. legais." 

  

Em razões, afirma que tanto a mãe quanto o pai do menor N. C. faleceram, ficando o infante sem guardião legal, sendo a única entre os parentes mais próximos que se dispôs a cuidá-lo. Refere que para realizar a matrícula na escola necessita do termo de guarda. Pugna pela concessão da tutela de urgência, provendo-se o agravo de instrumento, ao final. 

  

O recurso foi recebido no natural efeito e indeferido o pedido de tutela de urgência (Evento 5, DESPADEC1). 

  

Não foram ofertadas contrarrazões (Evento 11). 

  

A Procuradoria de Justiça lançou parecer pelo conhecimento e desprovimento do agravo de instrumento (Evento 12, PARECER1). 

  

Vieram os autos conclusos para julgamento. 

  

É o relatório. 

  

Decido. 

  

2. O recurso merece provimento. 

  

O art. 300 do Código de Processo Civil elenca dois pressupostos indispensáveis para que se possa alcançar a chamada tutela de urgência: a evidência da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 

  

No ponto, assim referem os doutrinadores Teresa Arruda Alvin Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello in Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil, Artigo por Artigo de acordo com a Lei nº 13.256/2016, p. 551, in verbis: 

  

“Segundo um dos coautores desses comentários, a diferenciação de requisitos para a cautelar e a tutela antecipada, mesmo sob a égide do CPC/73, nunca fez sentido. Tratando-se de tutela e urgência, o diferencial para a sua concessão – “o fiel da balança” – é sempre o requisito do periculum in mora. Ou noutras palavras, a questão dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipada de urgência – compreendendo-se a tutela cautelar e a antecipação de tutela satisfativa – resolve-se pela aplicação do que chamamos de “regra da gangorra”. 2.5. O que queremos dizer, com a “regra da gangorra”, é que quanto maior o periculum demonstrado, menos fumus se exige para a concessão da tutela pretendida, pois a menos que se anteveja a completa inconsistência do direito alegado, o que importa para sua concessão é a própria urgência, ou seja, a necessidade considerada em confronto com o perigo da demora na prestação jurisdicional. 

  

(...) 

  

2.8. O que não se pode permitir é a concessão da tutela de urgência quando apenas o periculum in mora esteja presente, sem fumus boni iuris. Estando presente o fumus, mesmo que em grau menor, se o periculum for intenso, deve ser deferida a tutela de urgência pretendida. Ao contrário, se o periculum não for tão intenso, o juiz deve exigir, para a sua concessão, uma maior intensidade do fumus apresentado. 

  

(...) 

  

2.10. Com efeito, ambos os requisitos, fumus e periculum, devem estar presentes, mas é o periculum o fiel da balança para a concessão da medida, porque, afinal de contas, o que importa no palco da tutela de urgência é reprimir o dano irreparável ou de difícil reparação à parte, seja pela via direta (tutela satisfativa), seja pela reflexa afastando o risco de inutilidade do processo (tutela cautelar)”. 

  

Com efeito, analisando a prova até o momento produzida, observo que a agravante preenche os requisitos autorizadores da tutela de urgência. 

  

Não é demasiado recordar que a guarda é inerente ao poder familiar, tratando-se, ao mesmo tempo, de direito e de dever. 

  

Exprime a “obrigação imposta a certas pessoas de manter em vigilância e zelo, protegendo-as, certas pessoas que se encontram sob sua chefia ou direção”, sujeitando o guardião à prestação de assistências material, moral e educacional, podendo opor-se a terceiros, inclusive aos pais, conforme disciplina o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 33 e seguintes). 

  

O instituto da guarda, portanto, confere à determinada pessoa – o guardião – um conjunto de deveres-direitos, cuja finalidade precípua é a proteção e o amparo material necessários ao desenvolvimento de outra pessoa que dele necessite, podendo ocorrer, tal responsabilização, por lei ou por decisão judicial. 

  

Ainda, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, o instituto da guarda deve atender ao princípio do melhor interesse do menor, levando-se em conta a regra da proteção integral, in verbis: 

  

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

  

No caso, a autora já exerce a guarda de fato do adolescente N. C., nascido em 17/11/2008 (Evento 1, CERTNASC10, dos autos originários), desde o óbito de seus genitores, ocorrido em 2018 (mãe) e 2022 (pai) - Evento 1, CERTOBT11 e Evento 1, OUT13, dos autos originários. 

  

Outrossim, realizado Estudo Social, sobreveio conclusão no seguinte sentido (Evento 21, LAUDO1, dos autos originários): 

  

"(...) 

  

Percebe-se, que mesmo com as limitações de vulnerabilidade da família de F., a mesma está disponível em ficar com a guarda do irmão N. A familiar tem um bom entendimento, que N. precisa estudar e precisa de limites. Também está ciente, sobre os cuidados de saúde que uma criança precisa, estando vinculado a UBS. Sugiro, que o núcleo familiar sempre é o local mais indicado de proteção e cuidados de crianças e adolescentes, quando não há riscos. N. também se mostrou satisfeito e protegido no ambiente familiar em que se encontra. 

  

(...)". 

  

Dessa forma, em atenção ao melhor interesse do adolescente, viável o deferimento da guarda provisória à irmã, ora agravante, relembrando que, em se tratando de adolescente órfão, o correto é o pedido de tutela. 

  

3. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para deferir a guarda provisória do adolescente à agravante. 

  

Intimem-se. 

  

Porto Alegre, 01 de agosto de 2023. 

  

Documento assinado eletronicamente por SANDRA BRISOLARA MEDEIROS, Desembargadora Relatora, em 1/8/2023, às 23:4:49, conforme art. 1º, III, b, da Lei 11.419/2006.  

A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20004199288v17 e o código CRC 4d3e0f9d. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): SANDRA BRISOLARA MEDEIROS Data e Hora: 1/8/2023, às 23:4:49