Data de publicação: 28/06/2024
Tribunal: TJ-RS
Relator: Jane Maria Köhler Vidal
(...) “Alegou que as crianças foram incluídas no sistema de adoção, sem, contudo, se avaliar a situação psíquico-social dos avós paternos, os quais desejam manter a guarda de seus netos e não podem admitir que os mesmos sejam lançados à adoção, sendo que possuem uma família.” (...)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. AÇÃO DE GUARDA C/C DESACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. PLEITO DE GUARDA PROVISÓRIA DOS AVÓS PATERNOS COM RELAÇÃO AOS INFANTES. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO EVIDENCIADA. DECISÃO MANTIDA.DE ACORDO COM OS ARTIGOS 19, § 3º E 101, § 1º DO ECA, O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL TEM CARÁTER PROVISÓRIO E, SEMPRE QUE POSSÍVEL, DEVE-SE OBSERVAR A PREFERÊNCIA DE REINTEGRAÇÃO DA CRIANÇA À FAMÍLIA, DESDE QUE O AMBIENTE GARANTA SEU DESENVOLVIMENTO INTEGRAL.EMBORA A PARTE AGRAVANTE PRETENDA A GUARDA DOS NETOS DE TENRA IDADE, AUSENTES ELEMENTOS ACERCA DAS CONDIÇÕES DA PARTE EM PROMOVER OS CUIDADOS DOS PROTEGIDOS, BEM COMO RECOMENDAÇÃO TÉCNICA.DIANTE DISSO, AUSENTES OS REQUISITOS DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, IMPOSITIVA A MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(TJ-RS - Agravo de Instrumento: 5056124-68.2024.8.21.7000 OUTRA, Relator: Jane Maria Köhler Vidal, Data de Julgamento: 04/03/2024, Primeira Câmara Especial Cível, Data de Publicação: 04/03/2024)
Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
----------RS----------
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
1ª Câmara Especial Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5056124-68.2024.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Perda ou Modificação de Guarda
RELATOR (A): Desa. Nome
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. AÇÃO DE GUARDA C/C DESACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. pleito de GUARDA PROVISÓRIA dos avós paternos com relação aos infantes. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO EVIDENCIADA. decisão mantida.
DE ACORDO COM OS ARTIGOS 19, § 3º E 101, § 1º DO ECA, O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL TEM CARÁTER PROVISÓRIO E, SEMPRE QUE POSSÍVEL, DEVE-SE OBSERVAR A PREFERÊNCIA DE REINTEGRAÇÃO DA CRIANÇA À FAMÍLIA, DESDE QUE O AMBIENTE GARANTA SEU DESENVOLVIMENTO INTEGRAL.
EMBORA A PARTE AGRAVANTE PRETENDA A GUARDA Dos netos de certa idade, ausentes ELEMENTOS ACERCA DAS CONDIÇÕES DA PARTE EM PROMOVER OS CUIDADOS DOS PROTEGIDOS, bem como RECOMENDAÇÃO TÉCNICA.
DIANTE DISSO, ausentes os REQUISITOS DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, impositiva a manutenção da decisão recorrida.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto por A. S. DA R. S. e Nome, contra decisão que, nos autos da ação de guarda movida em face de Nome e Nome, indeferiu o pedido de guarda provisória dos netos R., de 11 meses de idade, e M., de 2 anos (evento 8, DESPADEC1).
Em suas razões (evento 1, INIC1), a parte agravante sustentou que os genitores das crianças residiam sozinhos com os filhos, sendo que ambos têm problemas de drogadição e realmente se mostraram incapazes de desempenhar uma guarda segura aos infantes, razão pela qual em um primeiro momento as crianças foram residir com a avó materna, mas por falta de condições, as crianças foram devolvidas aos genitores. Alegou que as crianças foram incluídas no sistema de adoção, sem, contudo, se avaliar a situação psíquico-social dos avós paternos, os quais desejam manter a guarda de seus netos e não podem admitir que os mesmos sejam lançados à adoção, sendo que possuem uma família. Narrou que as agravantes são pessoas sérias, trabalhadoras, responsáveis e nutrem laços de carinho, afeto e amor por seus netos, além de deterem total condição de manter a subsistência. Postulou a concessão de antecipação de tutela recursal para que seja concedida a guarda provisória dos netos aos agravantes, e, no mérito, o provimento do recurso com a ratificação da tutela provisória.
É o relatório.
Decido.
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de agravo de instrumento.
Destaco que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que "o legislador apenas autoriza o relator a julgar o agravo de instrumento, antes da intimação da parte agravada, quando a decisão for no sentido de não conhecer do recurso ou de a este negar provimento, já que, nessas hipóteses, o julgamento não lhe causa qualquer prejuízo." (REsp n. 1.936.838/SP, relatora Ministra Nome, Terceira Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 18/2/2022).
A inconformidade não merece provimento, adianto.
A decisão foi proferida pelos seguintes fundamentos (evento 8, DESPADEC1):
"João Batista dos Santos e Nome, avós paternos, ajuizaram ação em desfavor de Nome e Nome, genitores, visando à guarda dos netos Nome e Nome, acolhidos institucionalmente.
Segundo a inicial, os autores sempre mantiveram contato muito próximo e convívio muito bom com seus netos, que com eles passavam grande parte do tempo quando não estavam com os pais. Alegaram que os infantes estão completamente adaptados ao seio familiar dos autores e que sempre gostaram de conviver com os avós por conta de morarem em um sítio. Aduziram não concordar com a forma que os genitores vinham conduzindo a educação das crianças e sustentaram possuir todos os requisitos necessários para manter a guarda dos netos. Requereram, em sede de tutela, o deferimento da guarda provisória.
Oportunizada vista ao Ministério Público, o órgão manifestou ciência (eventos 4 e 6).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, ressalto que esta ação foi distribuída por dependência à ação de guarda nº 5029003-05.2023.8.21.0015, ajuizada pela tia materna Nome em 02/10/2023.
Embora se trate de outros autores e de outros vínculos familiares, as razões que levaram ao indeferimento dos pedidos de guarda e visitação formulados pela tia são as mesmas que levam ao indeferimento do pedido formulado pelos avós paternos.
Por sua relevância, colaciono a fundamentação do 5029003-05, evento 8, DESPADEC1:
Para além da manifestação do Ministério Público exarada no evento 4, posteriormente ao ajuizamento desta ação de guarda foi realizada audiência concentrada nos autos da medida de proteção. O termo de audiência, trasladado ao evento 7, TRASLADO1, assim consignou:
Aberta a audiência, presentes o MP, a DPE, a equipe técnica do abrigo, a assistente social do SSPJ, o assistente social Peterson, os representantes dos Conselhos Tutelares Leste e Oeste e do SAE. A assistente social do SAE, Glaer, e o assistente social que realizou as perícias relataram todo o histórico de acompanhamento da família, situação que perdura desde que Nome era recém-nascido até o acolhimento atual, que é o terceiro de M. (1a9m) e segundo de R. (6m). Foi dito que, apesar de não haver nada que desabone a tia que reside em Arambaré, não há como garantir a proteção dos infantes frente ao funcionamento da família, que reiteradamente apelou pela guarda de familiares e retornou as crianças aos genitores, que não possuem crítica sobre suas condutas violentas e negligentes. Desta forma, não há possibilidade de concessão da guarda às tias. Determinou-se vista ao Ministério Público para ajuizar ação de destituição. Foi consignado, desde já, que os futuros pretendentes deverão residir fora da Comarca, em razão do risco apresentado pela família de origem. Além disso, cogitou-se, desde já, a possibilidade de separação dos irmãos, considerando a ausência de vínculo, também em razão da idade, e das demandas de saúde - M. com HIV e R. com perda de visão por sequelas neurológicas - que dificultariam e até inviabilizariam a colocação na mesma família, por ausência de pretendentes com perfil para adoção de ambos. Em atenção ao evento 72, OFIC1, autorizo a juntada da íntegra desta medida de proteção ao expediente criminal. Por fim, foi mantido o acolhimento institucional de Nome e Nome. Registre-se a reavaliação, em audiência concentrada, no SNA.
Como já apontado no termo de audiência, não há possibilidade de concessão da guarda das crianças à família extensa, tampouco à autora Nome, tanto pela inexistência de vínculos afetivos, pela reiterada tentativa de reintegração familiar, pelo risco que os genitores apresentam, como pela decisão de vista ao Ministério Público para ajuizar ação de destituição do poder familiar.
Não se desconhece a previsão legal acerca da prioridade da manutenção na família natural, contudo, as peculiaridades do caso em concreto demonstram que não há como manter Nome e R. em sua família de origem. Isso porque Nome, com 1 ano e 9 meses, já está em seu terceiro acolhimento institucional, não caminha, não se mantém firme sentado e não fala, em razão de sequelas neurológicas decorrentes do não tratamento do HIV, doença que ambos os genitores também possuem e não tratam. Segundo a assistente social do SAE, presente em audiência, a carga viral de M. foi a mais alta do que a de todos os pacientes atendidos pela profissional no Serviço de Saúde, e a criança desenvolveu resistência à medicação, em razão de não ter tratado corretamente. Além disso, R., de 6 meses, está em seu segundo acolhimento institucional e, nos cerca de 40 dias em que esteve fora do abrigo, sob a responsabilidade dos genitores, foi vítima de asfixiamento pelo genitor, sofreu traumatismo craniano, teve um AVC e perdeu a visão por sequela neurológica, situação que pode perdurar durante toda a vida, dada a ausência de previsão médica sobre a regeneração da capacidade de visão.
A situação das crianças é extremamente grave e foi demonstrado, especialmente pela extensa prova pericial produzida nos autos da medida de proteção (5027845-12, evento 39, LAUDO1 e 5027845-12, evento 62, LAUDO1) e dos documentos extraídos dos processos que tramitaram anteriormente em Cachoeirinha, que os genitores são um risco para os filhos e que a família extensa, além de não possuir a crítica necessária acerca das condutas dos pais, não detém a capacidade de proteger as crianças e garantir que não sejam novamente expostas ao contato com os genitores. No ponto, ressalto que nas prévias institucionalizações de M., os familiares foram apontados como alternativas de responsabilização e apoio, mas demonstraram a insuficiência protetiva, culminando no retorno dos bebês ao abrigo, com sequelas neurológicas severas.
Diante deste contexto, mantendo hígida a decisão proferida em audiência concentrada acerca do encaminhamento das crianças à adoção, indefiro os pedidos de concessão de guarda e visitação formulados por Nome. (...)
Destaco, especialmente, que a autora Nome já foi avaliada por assistente social nos autos da medida de proteção, conforme evento 39 daqueles autos. Naquela ocasião, o perito apontou o seguinte com relação à avó paterna:
(...) 4.3. Entrevista com Sra. Nome, avó paterna na entrevista realizada com Sra. Nome, 65 anos, avó paterna de Nome e Nome, várias informações importantes foram compartilhadas: Sra. Nome mora com seu esposo, Sr. Nome, 56 anos, que ainda trabalha, embora tenha se aposentado. Eles vivem em uma casa própria na Rua Porteira do Ipiranga, Bairro Costa do Ipiranga, Gravataí/RS. A casa onde Nome, Nome e as crianças residiam está vazia devido a uma medida protetiva, e Nome estava morando temporariamente com Sra. Nome. A entrevistada é mãe de dois filhos, Nome (38 anos) e Nome (47 anos), esta última morando na Parada 63 de Gravataí e com uma filha de 27 anos, neta de Sra. Nome. Sra. Nome compartilhou que soube que Nome usava drogas desde os 15 anos, embora não fosse viciado, na sua opinião. Ela afirmou que Nome amava seus filhos e que, embora não frequentasse muito a casa do casal, nunca presenciou situações de violência entre Nome e Nome. Ela soube da situação envolvendo Nome porque esteve na residência na segunda-feira, um dia antes da internação da criança. Na ocasião, os pais informaram que Nome não estava bem. Sra. Nome sugeriu levá-la ao médico, mas, na terça-feira, soube que eles primeiro foram à UPA antes de levar R. ao hospital, sendo esse o procedimento padrão. Ela não acompanhou a situação de perto, pois estava ocupada com seu esposo. No entanto, foi surpreendida quando o Conselho Tutelar chegou com a polícia e retirou Nome enquanto ele estava com a criança em sua casa. Sra. Nome negou ser a responsável pela denúncia e pediu que seu filho, Nome, soubesse que não foi ela quem o denunciou. Ela não defende comportamentos errados, mas também não acredita que ele tenha prejudicado R. Sra. Nome afirmou não estar ciente do estado atual de R. nem das circunstâncias que levaram à sua hospitalização. Ela mencionou que Nome e Nome haviam se separado e voltado várias vezes, e que eles ainda se amam. Ela não descartou a possibilidade de eles se reconciliarem. Quando questionada sobre a violência doméstica, Sra. Nome disse que nunca testemunhou essa violência, embora Nome tenha mencionado ter batido em Renata, afirmando que" essas mulheres se avançam nele ". Ela afirmou que só conhece casos de violência doméstica envolvendo Nome e a ex-esposa de Nome, filha da outra filha dele. Sra. Nome também compartilhou informações sobre os filhos de Nome: • L., a primeira filha de Nome, faleceu aos 4 anos de idade devido a convulsões enquanto dormia. • L. (11 anos), filha de J., mora com a genitora e teve crises de ansiedade após o acolhimento de M. • J. (7 anos), filha de C., também mora com a genitora. • M. (1 ano e 8 meses), filho de Nome, está atualmente sob acolhimento em Gravataí pela terceira vez. • R. (5 meses), também filha de Nome, foi acolhida ao nascimento e retornou para casa com os pais há um mês, embora Sra. Nome não tenha informações detalhadas sobre o estado atual da criança. A avó manifestou sua crença de que seu filho, Nome, não tenha causado danos a R., mas também expressou preocupações sobre a possibilidade de ficar com a guarda dos netos, pois não teria condições de impedir que o pai tivesse acesso às crianças, caso houvesse uma ordem nesse sentido. Em relação à família materna das crianças, Sra. Nome mencionou que tinha um bom relacionamento com eles e os descreveu como pessoas corretas. Ela enfatizou que não deseja o mal de Nome, mas acredita que o comportamento de Nome e Nome prejudicava as crianças.
Não se desconsidera que o encaminhamento de crianças à adoção é medido extrema e que a prioridade de permanência sob os cuidados da família natural deve ser observada. Contudo, no caso em concreto, houve avaliação pericial e análise do histórico de acompanhamento prévio das crianças, pelo Juízo de Cachoeirinha, e o respectivo descarte da possibilidade de inserção dos infantes sobre a guarda dos ora autores.
Assim, à míngua de elementos aptos a modificar a decisão proferida em audiência concentrada acerca do encaminhamento das crianças à adoção, indefiro o pedido de concessão de guarda formulado por Nome e Nome."
Para a concessão da tutela provisória de urgência, nos moldes do art. 300 do Código de Processo Civil, se mostra necessária a presença concomitante da probabilidade do direito invocado pela parte bem como o fundado receio de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
O dispositivo legal em comento dispõe:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1 o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Ainda, o art. 995 do CPC dispõe que os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso. Já o parágrafo único do precitado artigo preleciona que "a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se dá imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso".
Por sua vez, o art. 1.019, inciso I, do CPC, autoriza o relator a atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir a antecipação da tutela recursal, total ou parcialmente.
Sobre o tema em análise, importante frisar a redação dos artigos 19, § 3º e 101, § 1º do ECA, que versam sobre a provisoriedade do acolhimento institucional e sobre a preferência de reintegração da criança à família desde que o ambiente garanta seu desenvolvimento integral, vejamos:
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
(...)
§ 3 o A manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será está incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção, nos termos do § 1 o do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
(...)
§ 1 O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
No caso em comento, em cognição sumária, não verifico os requisitos para deferimento da antecipação de tutela, porquanto não vislumbrado perigo de dano aos protegidos, ou risco ao resultado útil do processo.
Isso porque, pelo que se pode verificar nos autos de origem, aliado à prova já realizada nos demais processos conexos (medida de proteção nº 50278451220238210015, processo de guarda nº 50290030520238210015, processo de perda do poder familiar nº 50325011220238210015), os infantes R., de 11 meses de idade (4.1), e M., de 02 anos de idade (4.2), foram negligenciados por seus genitores, usuários de drogas, os quais não demonstraram a capacidade de exercer a parentalidade.
A primeira infante foi vítima de tentativa de homicídio por seu genitor, que tentou asfixiá-la, quando tinha alguns meses de vida. Foi hospitalizada com suspeitas de maus-tratos, "e há a trágica informação de que ela perdeu a visão, com risco de ser permanente" (39.1, pág. 12).
O segundo infante nasceu portador de HIV, e quando institucionalizado, estava com altíssima carga viral, muito provavelmente devido à ausência de uso correto dos medicamentos (71.1 e 39.1, pág. 06):
"está em tratamento para o HIV e requer medicação contínua e foi informada sobre a possibilidade de sequelas neurológicas decorrentes da condição de frequente negligência ao ministrar a medicação, o que adiciona uma camada de complexidade à situação".
De acordo com o que constou no relatório técnico realizado pelo serviço assistencial da instituição em que abrigadas as crianças, houve tentativa de reinserção na família extensa paterna, sem êxito. In verbis (evento 17, RELT1):
"Desde o acolhimento de Nome, foram realizadas articulações com a rede de atendimento da família; foram feitos contatos colaterais com o assistente social Nome (perito que realizou estudos sociais em outubro de 2022 e junho de 2023) e com a conselheira tutelar Nome) que atendeu a denúncia. Diante das articulações, obtivemos informação sobre o histórico familiar: Nome foi institucionalizado 3 (três) vezes, sendo a última junto a R. na situação do seu nascimento, visto negligência dos genitores. Nos relatos, evidencia-se os padrões de violações de direitos perpetrados contra Nome e R. pelos genitores. Há informações de uso abusivo de substância, violência doméstica, negligência de saúde, bem como de cuidados básicos e pessoais das crianças, violência física e psicológica etc. Além disso, em tentativas de reinserção na família extensa, tanto materna quanto paterna, foi informado que os familiares possuem os mesmos padrões violadores de direitos, mantendo-se negligentes nos cuidados com as crianças, bem como, por vezes, permitiam a reintegração familiar das crianças aos genitores, descumprindo o compromisso de guardiões e colocando Nome e Nome em situação de alto risco."
A avó paterna ora agravante, Nome, foi entrevistada no bojo do processo de aplicação da medida de proteção nº 50278451220238210015, tendo informado que o seu filho Nome, pai dos infantes protegidos, estava residindo consigo, modo temporário, devido a uma medida protetiva imposta contra ele, com relação aos filhos (R. e M.), e à ex-companheira Nome, mãe dos infantes - 39.1, pág. 10.
Também se observa que o juízo de origem determinou o afastamento do genitor Nome, e das tias paternas Nome e Nome, com relação aos protegidos, diante da conduta inadequada da tia ao visitar o abrigo por duas vezes sem autorização, consoante se verifica na decisão do 139.1.
Nessa linha, ausente prova cabal da existência de vínculos afetivos seguros entre os agravantes e os netos, não vislumbro quaisquer fundamentos que recomendem, por ora, a desinstitucionalização das crianças e a concessão da guarda provisória, liminarmente, aos agravantes, devendo o feito aguardar realização de novos estudos com a família extensa, e a eventual recomendação técnica.
Nesse sentido, os precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. MEDIDA DE PROTEÇÃO. CRIANÇA ACOLHIDA INSTITUCIONALMENTE. VULNERABILIDADE CONSTATADA. PLEITO MATERNO DE DESACOLHIMENTO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. ACERVO PROBATÓRIO INDICA QUE A CRIANÇA ENFRENTA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DESDE O NASCIMENTO, COM ALTERAÇÕES DA GUARDA EM VIRTUDE DE PRISÕES DOS GENITORES E AVÓS, POR ENVOLVIMENTO EM TRÁFICO DE ENTORPECENTES E DELITOS CORRELATOS. HISTÓRICO DE CRIMINALIDADE ENGLOBANDO A EXTENSÃO BIOLÓGICA DO ACOLHIDO, SITUAÇÃO QUE O COLOCA SOB CONSTANTE NEGLIGÊNCIA E ABANDONO. AUSÊNCIA DE FAMILIARES APTOS A ASSUMIR OS CUIDADOS DO MENOR, NO MOMENTO. EVENTUAL DEFERIMENTO DE PRISÃO DOMICILIAR À GENITORA COM O OBJETIVO DE CUIDAR DA PROLE, POR SI, NÃO SIGNIFICA SER A MELHOR ALTERNATIVA, NO MOMENTO. ANTES MESMO DE TER SIDO SEGREGADA, A GENITORA JÁ NÃO DISPENSAVA CUIDADOS AO FILHO. NECESSÁRIA A PRÉVIA AVALIAÇÃO SOCIAL DO NÚCLEO DA GENITORA, JÁ DETERMINADA NA ORIGEM. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL PARA OPORTUNO EXAME DA POSSIBILIDADE DE DESACOLHIMENTO, À LUZ DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE INFANTOJUVENIL. IMPERATIVA A MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 53791790920238217000, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 19-02-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. AÇÃO DE GUARDA. TUTELA DE URGÊNCIA. DESACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E CONCESSÃO DE GUARDA PROVISÓRIA AOS TIOS-AVÓS PATERNOS. DESCABIMENTO. No atual momento processual, merece manutenção a decisão hostilizada, não se podendo acolher a pretensão à guarda provisória deduzida pelos demandantes/agravantes, devendo o infante permanecer com a família substituta, haja vista que a modificação da guarda causará prejuízos à criança. Hipótese em que não restou demonstrada a existência de vínculos afetivos seguros e estáveis ou a existência de cuidados com o infante por parte da família extensa de que trata o parágrafo único do art. 25 do ECA. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento, Nº 51305817620218217000, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 05-08-2021)
ECA. PEDIDO DE GUARDA FORMULADO PELOS TIOS-AVÓS MATERNOS. CRIANÇA QUE FOI ACOLHIDA INSTITUCIONALMENTE EM RAZÃO DA SITUAÇÃO DE RISCO A QUE FOI EXPOSTA E AGORA JÁ SE ENCONTRA INSERIDA EM FAMÍLIA SUBSTITUTA. 1. O instituto da guarda destina-se à proteção da criança ou do adolescente, em situação emergencial, quando se achar privado, transitoriamente, da proteção moral e material, bem como da vigilância dos pais, ficando na posse de fato de terceiro. 2. Se a criança estava em situação de risco, culminando com o seu acolhimento institucional e colocação em família substituta há cerca de dois anos, descabe deferir agora a guarda dela aos tios-avôs paternos. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento, Nº 70081460834, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nome, Julgado em: 14-08-2019)
Por tais fundamentos, tenho que deve ser mantida a decisão recorrida.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
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