#1 - Substituição de nome Biológico para Socioafetivo. Registro Civil.

Data de publicação: 28/06/2024

Tribunal: TJ-RJ

Relator: Des(a). MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS

Chamada

(...) “Destarte, o reconhecimento da paternidade socioafetiva demonstrado nos autos, não concede à parte o direito de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo, de modo que correta a sentença que determinou como viável a inclusão no registro civil da autora dos dados do pai socioafetivo.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO CÍVEL. Direito Constitucional. Direito de família. Alteração do assento de nascimento. Pretensão de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo. Impossibilidade. Paternidade biológica que nunca foi contestada pelo declarante, nem pela autora e que se mostra incontroversa. Parentalidade socioafetiva, ainda que reconhecida e declarada no Registo Civil, não tem o condão de romper o vínculo biológico previamente declarado no Registro Civil. Entendimento consolidade no Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 898.060/SC, em rito de repercussão geral, pelo que se privilegiou a pluriparentalidade. Tese fixada: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". Correta a sentença ao estabelecer que o reconhecimento da paternidade socioafetiva não concede à parte o direito de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo do registro de nascimento, mas sim a possibilidade de sua inclusão. Sentença que se mantém. DESPROVIDO O RECURSO.

(TJ-RJ - APL: 01871340720198190001 202300156399, Relator: Des(a). MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS, Data de Julgamento: 30/08/2023, TERCEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 18ª CÂM, Data de Publicação: 31/08/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0187134-07.2019.8.19.0001 

  

VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DA CAPITAL 

  

APELANTE: P. G. S. 

  

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 

  

RELATORA: DES. MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS 

  

EMENTA 

  

APELAÇÃO CÍVEL. Direito Constitucional. Direito de família. Alteração do assento de nascimento. Pretensão de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo. Impossibilidade. Paternidade biológica que nunca foi contestada pelo declarante, nem pela autora e que se mostra incontroversa. Parentalidade socioafetiva, ainda que reconhecida e declarada no Registo Civil, não tem o condão de romper o vínculo biológico previamente declarado no Registro Civil. Entendimento consolidade no Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 898.060/SC, em rito de repercussão geral, pelo que se privilegiou a pluriparentalidade. Tese fixada: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". Correta a sentença ao estabelecer que o reconhecimento da paternidade socioafetiva não concede à parte o direito de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo do registro de nascimento, mas sim a possibilidade de sua inclusão. Sentença que se mantém. DESPROVIDO O RECURSO. 

  

ACÓRDÃO 

  

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0187134-07.2019.8.19.0001, ACORDAM os Desembargadores deste Egrégia Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto desta Relatora. 

  

Relatório já acostado aos autos. 

  

VOTO 

  

O recurso é tempestivo e estão satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade, razão por que deve ser conhecido. 

  

Trata-se de pedido de alteração de assento de nascimento requerido por P. G. S., no qual alegou a autora, em síntese, que desde a separação de seus pais, ocorrida em 1983, o contato com seu pai biológico não ocorreu de forma amistosa. 

  

Relatou a autora episódios de maus tratos psíquicos causados por seu pai biológico, e afirmou que seu padrasto R. S. T. passou a tratá-la como se filha fosse, pelo que requereu o reconhecimento da paternidade socioafetiva, com a substituição do nome de seu pai biológico pelo nome de seu padrasto em seu registro de nascimento, bem como a alteração de seu patronímico para P. G. T. 

  

A sentença determinou a averbação do nome de família do padrasto da autora em seu assento de nascimento, passando a autora a se chamar P. G. T., conforme requerido, e outrossim, determinou que acrescentasse na respectiva certidão o nome do padrasto R. S. T. como paternidade socioafetiva. 

  

Inconformada, apela a autora pelo deferimento da substituição da sua paternidade, com a exclusão do nome do pai biológico e, por conseguinte, a inclusão da paternidade socioafetiva do seu padrasto. 

  

No caso em tela não se discute a situação de paternidade biológica da autora, e muito menos a situação da paternidade socioafetiva, pois essa última teve seu reconhecimento voluntário, conforme compravam os documentos acostados às pastas 000127 a 000160, sendo certo que cumpridos estão os critérios do artigo 10º, do Provimento nº 83, do CNJ. 

  

A questão recursal versa sobre o registro da paternidade da autora, que pugna pela substituição do nome de seu pai biológico pelo nome de seu padrasto, em sua certidão de nascimento, situação que, assim como outras hipóteses de direito de família, foi solucionada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 898.060/SC em rito de repercussão geral, que privilegiou a pluriparentalidade. Veja-se: 

  

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO 

  

CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO - POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ - CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3 º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4 º, CRFB). VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6 º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART 226, § 7 º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES. 

  

1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 

  

2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 

  

3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobre princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 

  

4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 

  

5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobre princípio da dignidade humana. 

  

6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico- político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de 

  

escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 

  

8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada "família monoparental" (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 

  

9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por 

  

vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 

  

10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 

  

11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 

  

12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 

  

13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 

  

14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de "dupla paternidade" (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina.  

 

15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 

  

16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios" (STF Tribunal Pleno RE nº 898.060/SC - Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em: 21/09/2016). (Grifou-se). 

  

Destarte, o reconhecimento da paternidade socioafetiva demonstrado nos autos, não concede à parte o direito de substituição do nome do pai biológico pelo nome do pai socioafetivo, de modo que correta a sentença que determinou como viável a inclusão no registro civil da autora dos dados do pai socioafetivo. 

  

Por tais razões e fundamentos,  

 

VOTO por 

 

 NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se a sentença conforme lançada. 

  

Rio de Janeiro,30 de agosto de 2023. 

  

MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS 

  

DESEMBARGADORA RELATORA