Data de publicação: 28/06/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Geraldo Augusto
(...) “Deve-se perquirir, em verdade, uma interpretação extensiva, em que se garante o vínculo entre mãe e filho, independentemente da origem da filiação e da gestação, concretizando não apenas o direito social da proteção à maternidade, como também o princípio do melhor interesse da criança.” (...)
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDORA PÚBLICA - MÃE NÃO GESTANTE - FERTILIZAÇÃO IN VITRO - UNIÃO HOMOAFETIVA - LICENÇA MATERNIDADE - DIREITO SOCIAL - RECONHECIDO - SENTENÇA MANTIDA. Não obstante a literalidade do texto constitucional, em que se refere tão somente à mãe gestante, entende-se que a licença maternidade não pode ser interpretada como benefício voltado exclusivamente para a recuperação da gestante após o parto. Deve-se perquirir, em verdade, uma interpretação extensiva, em que se garante o vínculo entre mãe e filho, independentemente da origem da filiação e da gestação, concretizando não apenas o direito social da proteção à maternidade, como também o princípio do melhor interesse da criança.
(TJ-MG - Remessa Necessária: 50025949520208130313, Relator: Des.(a) Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 11/07/2023, 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/07/2023)
Inteiro Teor
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDORA PÚBLICA - MÃE NÃO GESTANTE - FERTILIZAÇÃO IN VITRO - UNIÃO HOMOAFETIVA - LICENÇA MATERNIDADE - DIREITO SOCIAL - RECONHECIDO - SENTENÇA MANTIDA.
Não obstante a literalidade do texto constitucional, em que se refere tão somente à mãe gestante, entende-se que a licença maternidade não pode ser interpretada como benefício voltado exclusivamente para a recuperação da gestante após o parto. Deve-se perquirir, em verdade, uma interpretação extensiva, em que se garante o vínculo entre mãe e filho, independentemente da origem da filiação e da gestação, concretizando não apenas o direito social da proteção à maternidade, como também o princípio do melhor interesse da criança.
REMESSA NECESSÁRIA-CV Nº 1.0000.20.056798-0/002 - COMARCA DE IPATINGA - AUTOR (ES)(A) S: W. T. DE P. F. - RÉ(U)(S): ESTADO DE MINAS GERAIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em CONFIRMAR A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO.
DES. GERALDO AUGUSTO
RELATOR
DES. GERALDO AUGUSTO (RELATOR)
V O T O
Trata-se de remessa necessária de sentença (doc. 45) que, nos autos da ação cominatória c/c pedido de tutela antecipada ajuizada por W. T. DE P. F. em face do ESTADO DE MINAS GERAIS, julgou procedentes os pedidos iniciais, para condenar o réu a conceder o benefício de licença maternidade à parte autora nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei Complementar nº 121/2011. Condenou o requerido em custas e honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa. Isento de custas ante o disposto na Lei 14.939/03.
Não foram apresentados recursos.
É o relatório.
Conhece-se do reexame necessário, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
Depreende-se dos autos que W. T. de P. F. ajuizou a presente ação em face do Estado de Minas Gerais, requerendo a concessão do benefício de licença maternidade.
A parte autora afirma que é casada com C. P. de O. e após realização da sociedade conjugal, foi realizado procedimento de fertilização.
Sustenta que a fertilização ocorreria com a estimulação ovariana da autora e após a produção dos óvulos implantados em sua companheira, C.
Aduz que é genitora biológica das crianças, tendo em vista que a carga genética dos infantes é totalmente proveniente de sua origem.
Afirma que após o procedimento, nasceram os gêmeos A. de O. T. e B. de O. T., sendo que há indicação médica para amamentação de ambas as genitoras.
Postula, desse modo, a concessão da licença maternidade.
Como visto, o MM. Juiz de Direito "a quo" julgou procedentes os pedidos iniciais, para condenar o réu a conceder o benefício de licença maternidade à parte autora nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei Complementar nº 121/2011.
Pois bem.
No caso dos autos, tem-se que a parte autora não passou pelo processo de gestação, mas recorreu à técnica de fertilização "in vitro" por meio da qual seus óvulos foram fecundados e os respectivos embriões implantados em sua esposa, que não é servidora pública.
Adentrando-se ao mérito, é sabido que o direito à licença maternidade, garantido pelo art. 7º, inciso XVIII, c/c art. 39, § 3º, da Constituição da República, assegura as gestantes a licença remunerada pelo período de cento e vinte dias.
Não obstante a literalidade do texto constitucional, em que se refere tão somente à mãe gestante, entende-se que a licença maternidade não pode ser interpretada como benefício voltado exclusivamente para a recuperação da gestante após o parto. Deve-se perquirir, em verdade, uma interpretação extensiva, em que se garante o vínculo entre mãe e filho, independentemente da origem da filiação e da gestação, concretizando não apenas o direito social da proteção à maternidade, como também o princípio do melhor interesse da criança.
Nesse sentido, inclusive, foi o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 778.889, em que foi fixada a tese de que "os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações."
O Supremo Tribunal Federal, ainda, em situação similar à dos autos, ao reconhecer a Repercussão Geral do Recurso Extraordinário 1.211.446, pontuou que "a titularidade da licença-maternidade ostenta uma dimensão plural, recaindo sobre mãe e filho (a), de modo que o alcance do benefício não mais comporta uma exegese individualista, fundada exclusivamente na recuperação da mulher após o parto. Certamente, a licença também se destina à proteção de mães não gestantes que, apesar de não vivenciarem as alterações típicas da gravidez, arcam com todos os demais papeis e tarefas que lhe incumbem após a formação do novo vínculo familiar."
Assim, reconhece-se que a licença maternidade constitui um direito social de proteção do recém-nascido, devendo-se se estender a mão não gestante.
Nesse diapasão, importante registrar trecho do voto Eminente Desembargador Renato Dresch na Remessa Necessária-Cv 1.0000.19.050986-9/001:
"É oportuno enfatizar que a Constituição Federal brasileira está sustentada em basilares totalmente progressistas, especialmente quando insere no art. 3º, dentre seus objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando ainda promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Com a evolução da sociedade, a interpretação conferida à norma fria e abstrata deve considerar os novos fatores sociais que regem os costumes nas relações intersociais, adaptando a lei ao caso concreto, a fim de assegurar uma contínua contemporaneidade do ordenamento jurídico à evolução social constante.
Essa é a função do intérprete da lei e, sobretudo, do julgador.
É importante consignar que as relações de família são relações de afeto, sem distinção de gênero, de forma que não há mais como restringir os direitos que decorrem das relações familiares aos núcleos matrimoniais e heterossexuais, destacando-se a afetividade como núcleo familiar, sem restrições quando o vínculo decorre de uma relação homoafetiva.
Neste contexto, considerando a contemporaneidade dos conceitos de entidade familiar, surge a multiparentalidade, que é a possibilidade jurídica de constar no registro civil de uma pessoa mais de um pai ou de uma mãe.
Ressalte-se que, anteriormente, a filiação levava em conta o que designava como vínculo biológico e legítimo, ou seja, apenas os filhos biológicos nascidos no casamento. No entanto, o art. 227, § 6º da Constituição equiparou em direitos e qualificações todos os filhos, biológicos ou não, havidos ou não em relação de casamento, vedando qualquer discriminação.
Como o conceito de entidade familiar vem se modificando, de forma a permitir a multiparentalidade, é de rigor que se observe os direitos que decorrem de tais relações, sendo que, quanto à licença maternidade, a concessão do benefício já não comporta mais a vinculação ao fator biológico, nem é vedada aos núcleos familiares homoafetivos multiparentais ou, até mesmo, aos monoparentais, até porque, a referida licença é também garantia assegurada ao menor.
A evolução da vida social nos impõe nova ponderação de valores na constituição de unidade familiar e sua implicação na relação de direitos.
A administração pública e sobre o Poder Judiciário devem se adaptar aos novos conceitos de entidade familiar adaptando seus reflexos nas garantias sociais.
O julgador precisa estar atento a essa realidade mantendo o máximo de isenção abstraindo-se da sua formação religiosa, familiar e social, mormente quando se trata da extensão dos novos direitos decorrentes de evolução social."
Desse modo, diante de tais premissas, e tendo em vista a demonstração de forma inconteste que a autora é genitora dos recém-nascidos (doc. 05/06 e 10/11), a manutenção da sentença é a medida que se impõe.
Com tais razões, CONFIRMA-SE A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO, por estes e por seus próprios fundamentos.
DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. MÁRCIO IDALMO SANTOS MIRANDA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "CONFIRMARAM A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO."