#1 - Guarda Compartilhada. Convivência Desarmônica dos Genitores.

Data de publicação: 12/06/2024

Tribunal: TJ-GO

Relator: Des(a). Wilton Muller Salomão

Chamada

(...) “A guarda e a convivência familiar devem ser vistas sob a ótica conferida ao instituto pela Constituição de 1998, como forma de efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, visando sempre a garantir-lhes condições adequadas ao seu desenvolvimento pleno (CR/88, art. 227).” (...)

Ementa na Íntegra

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA E VISITAS. GUARDA COMPARTILHADA COMO REGRA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA HARMÔNICA ENTRE OS GENITORES. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. SENTENÇA INALTERADA. 1. A guarda e a convivência familiar devem ser vistas sob a ótica conferida ao instituto pela Constituição de 1998, como forma de efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, visando sempre a garantir-lhes condições adequadas ao seu desenvolvimento pleno (CR/88, art. 227). 2. Com o advento da Lei nº 13.058/2014, a guarda compartilhada deixou de ser mera prioridade, e passou a ser de aplicação obrigatória, no sistema jurídico brasileiro, quando ambos os pais se encontrarem aptos a exercer o poder familiar, a não ser que um deles expressamente manifeste o desejo de não exercer a guarda, ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, conforme entendimentos do Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso em tela, restou demonstrado que a guarda compartilhada não é recomendável, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 4. Restou comprovado no feito situações envolvendo agressões, desavenças e total desarmonia entre os genitores? inclusive, fixação de medidas protetivas em desfavor do genitor/apelante - o que impede a fixação da guarda compartilhada neste momento. 5. Nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, os honorários sucumbenciais foram majorados nesta oportunidade. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS.

(TJ-GO - Apelação Cível: 5592173-18.2022.8.09.0093 JATAÍ, Relator: Des(a). Wilton Muller Salomão, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

PODER JUDICIÁRIO 

  

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 

  

Gabinete do Desembargador Wilton Müller Salomão 

  

11a Câmara Cível 

  

APELAÇÃO CÍVEL N. 5592173-18.2022.8.09.0093 

  

COMARCA DE JATAÍ 

  

APELANTE: M. L. DE A. 

  

APELADA: E. O. A. 

  

RELATOR: DES. WILTON MÜLLER SALOMÃO 

  

VOTO 

  

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 

  

Inicialmente, concedo ao apelante os benefícios da gratuidade em sede recursal. 

  

Consoante relatado, cuida-se de Apelação Cível interposta por M. L. DE A., nos autos de "ação de guarda", ajuizada pela apelada E. O. A. em face do apelante, oportunidade em que o Magistrado a quo, Dr. Daniel Maciel Martins Fernandes julgou o feito procedente. 

  

Em suas razões recursais (movimentação n. 71), o apelante defende a) a ausência de qualquer ato desabonador que impeça a fixação da guarda compartilhada do filho menor H. A. de A.; b) necessidade de regulamentação das visitas em relação a filha M. A. de A. 

  

Passo à análise pretendida. 

  

A guarda e a convivência familiar devem ser vistas sob a ótica conferida ao instituto pela Constituição de 1998, como forma de efetivação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, visando sempre a garantir-lhes condições adequadas ao seu desenvolvimento pleno (CR/88, art. 227). 

  

Na definição da guarda, o julgador deve levar em consideração os princípios do melhor interesse do menor, da parentalidade responsável e da proteção integral, observando, diante das peculiaridades do caso concreto, aquele que possui melhores condições de atender às necessidades do incapaz, não apenas financeiras, mas, primordialmente, psicológicas e afetivas. 

  

Ocorre que, com o advento da Lei nº 13.058/2014 (que alterou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do CC/2002, para estabelecer o significado da expressão "guarda compartilhada" e dispor sobre sua aplicação), este modelo deixou de ser mera prioridade, e passou a ser de aplicação obrigatória, no sistema jurídico brasileiro, quando ambos os pais se encontrarem aptos a exercer o poder familiar. 

  

Como regra, portanto, os filhos devem permanecer sob a guarda compartilhada dos genitores, ainda que não haja acordo entre eles, a não ser que um deles expressamente manifeste o desejo de não exercer a guarda, ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, caso em que será estabelecida a guarda unilateral, nos termos dos artigos 1.584, § 2º e 1.586, ambos do CC/2002. 

  

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela adoção da guarda compartilhada como regra, pontuando ainda que a guarda unilateral, por sua vez, somente será fixada se um dos genitores declarar que não deseja a guarda do menor, se o Juiz entender que um deles não está apto a exercer o poder familiar ou em situações excepcionais, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Este também é o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Vejamos: 

  

CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. GUARDA UNILATERAL. MELHOR INTERESSE DO MENOR. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283/STF. FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. SÚMULA N. 284 DO STF. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULAS N. 83 E 568 DO STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO- PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO 

  

STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283/STF. 2. É firme a orientação do STJ de que a impertinência temática do dispositivo legal apontado como ofendido resulta na deficiência das razões do recurso especial, fazendo incidir a Súmula n. 284 do STF. 3. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmulas n. 83 e 568 do STJ). 4. Segundo a jurisprudência desta Corte, "após a edição da Lei n. 13.058/2014, a regra no ordenamento jurídico pátrio passou a ser a adoção da guarda compartilhada, ainda que haja discordância entre o pai e a mãe em relação à guarda do filho, permitindo-se, assim, uma participação mais ativa de ambos os pais na criação dos filhos. A guarda unilateral, por sua vez, somente será fixada se um dos genitores declarar que não deseja a guarda do menor ou se o Juiz entender que um deles não está apto a exercer o poder familiar, nos termos do que dispõe o art. 1584, § 2º, do Código Civil, sem contar, também, com a possibilidade de afastar a guarda compartilhada diante de situações excepcionais, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente" (REsp n. 1.773.290/MT, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/5/2019, DJe de 24/5/2019). 5. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 6. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela necessidade de manter a guarda unilateral, a considerar o melhor interesse do menor. Entender de modo contrário demandaria nova análise dos demais elementos fáticos dos autos, inviável em recurso especial, ante o óbice da referida súmula. 7. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.208.536/SP, relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.) 

  

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. FILHA MENOR. GUARDA COMPARTILHADA. ALIMENTOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. I. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos decorrentes do poder familiar (art. 229, 1a parte, da CC/88, art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 1.566, IV, 1630, 1634 e 1635, inciso III, do Código Civil). II. Com o advento da Lei n. 13.058/2014, que alterou o art. 1.584 do Código Civil, adotou-se, como regra, a guarda compartilhada, ressalvadas eventuais peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação. III. A fixação dos alimentos deve levar em consideração a necessidade do alimentando e a possibilidade econômica do alimentante, à luz do princípio da proporcionalidade (inteligência do art. 1.694, § 1º, do CC). APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJGO, Apelação Cível 0193423-39.2012.8.09.0175, Rel. Des (a). SIVAL GUERRA PIRES, 4a Câmara Cível, julgado em 01/03/2021, DJe de 01/03/2021) 

  

Ressalte-se ainda que, em conflitos envolvendo interesse de menores, a solução da controvérsia deve estar pautada pelos Princípios da Proteção Integral e do Superior Interesse da Criança (melhor interesse do menor), expressos no artigo 100, parágrafo único, incisos II e IV, respectivamente, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e no artigo 227 da CF/88, para que a criança seja protegida de modificações suscetíveis de prejudicar a sua estabilidade emocional, resguardando seus direitos, no intuito de causar-lhe mínimos prejuízos, de cunho moral, físico, ou social. 

  

In casu, vê-se que o apelante/demandado manifestou interesse na guarda compartilhada do filho menor H., contudo, entendo que razão não assiste o recorrente. Explico. 

  

Muito embora a guarda compartilhada não dependa, necessariamente, de boa convivência entre os genitores - já que tal modalidade foi implementada, exatamente, para os casos de pais separados - não há dúvidas de que a guarda compartilhada preza pelos interesses dos infantes para com seus genitores, de modo que desavenças e problemas parentais deverão ser colocados em segundo plano. 

  

Contudo, entendo que no caso em tela a guarda compartilhada não é recomendável, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Isso porque, tal divisão do encargo carece de uma relação de, no mínimo, colaboração e confiança entre os genitores que, segundo se extrai dos autos, especialmente das manifestações processuais de ambos, inexiste na espécie. Tal modalidade de guarda só alcançará êxito se existir entre os genitores capacidade mínima de diálogo, respeito e entendimento mútuo, a fim de permitir que ambos participem e contribuam ao desenvolvimento do menor, o que não é visualizado no caso em testilha. 

  

De uma simples análise dos autos, verifica-se extenso conjunto probatório que confirma o elevado nível de agressividade e problematização envolvendo os genitores e os filhos menores. Ou seja, não há diálogo civilizado entre os genitores, o que impede a tomada de decisões em conjunto e, por óbvio, a concessão de guarda compartilhada. 

  

Os genitores não são capazes de juntos, assumirem a guarda dos filhos dos menores, o que ficou satisfatoriamente demonstrado no feito, em especial, pelos prints de mensagens enviadas pelas partes, os quais confirmam as ameaças e até indícios de agressões do genitor/apelante em face de sua filha. 

  

Inclusive, é de bom alvitre destacar que, tal postura agressiva do genitor contra sua filha M. A. de A. culminou em registro de ocorrência junto à autoridade policial, bem como a concessão de medidas protetivas em favor da menor, o que só confirma a falta de equilíbrio e o temperamento agressivo por parte do apelante, prejudicando a vida e o desenvolvimento dos filhos. 

  

Além disso, como se não bastasse os indicadores acima expostos, o Laudo Social apresentado pela Equipe Interprofissional Forense concluiu, de forma clara e segura, pela necessidade de alteração da guarda. Veja-se (movimentação n. 58): 

  

"Através de atividades lúdicas, pedimos para o infante realizar desenhos relacionados às pessoas da família por quem tem mais afeição. Nesse momento, ele desenhou a genitora, o genitor, as irmãs Á. e M. e fez menção à família extensa materna. Na sequência, verbalizou que gosta da casa da genitora e da casa do genitor, mas prefere morar na casa da genitora, porque tem mais espaço para brincar e, também, porque pode ficar mais perto das irmãs. 

  

A mudança de núcleo familiar e as características identificadas no relacionamento hostil entre os genitores do Infante H. podem comprometer o desenvolvimento físico, mental, moral e social desse. Nesse sentido, faz-se se mister buscar um equilíbrio para garantir a simetria entre os direitos e deveres de cada genitor, sem se afastar do melhor interesse da criança. Nessa trajetória constata-se que a ruptura afeta diretamente a vida dos filhos, em especial a qualidade na relação entre pai e filho/filha, uma vez que modifica a estrutura da família e atinge a organização de um de seus subsistemas, o parental, visto que os conflitos antes existentes na relação conjugal, são transferidos para a relação parental." 

  

Nesse contexto, verifica-se que o próprio menor H. verbalizou claramente o seu desejo de residir com a genitora, chamando a atenção o fato de que ele manifestou claramente a sua vontade de ficar mais perto das irmãs. Logo, coaduno com o parecer da Procuradoria de Justiça, já que "estando no lar materno, H. poderá ter um maior tempo de convivência com a sua genitora e com as suas irmãs, a fim de que possam crescer juntos, preservando e fortalecendo os laços fraternos." 

  

Destaco, oportunamente, que a necessidade de atribuição da guarda unilateral do menor H. em favor de sua genitora não possui nenhuma relação com o fato de que o genitor/apelante recebe ajuda da família extensa. 

  

Isso porque, não há dúvidas de que a rede de apoio familiar é extremamente importante ao desenvolvimento da criança e do adolescente, contudo, não se pode ignorar toda a situação de agressividade e problematização criada pelo genitor, o que têm, inclusive, prejudicado a qualidade da relação entre pai e filhos, como bem pontuado pela Equipe Interprofissional Forense. 

  

Logo, conclui-se que a guarda compartilhada poderá gerar mais danos à criança em tela do que benefícios, promovendo ainda mais desentendimentos entre os genitores, que podem impactar negativamente na educação e desenvolvimento da criança 

  

Convém sublinhar que o genitor, ainda que a guarda seja unilateral, poderá exercer o poder de supervisão, podendo solicitar informações ou prestações de contas que influem na saúde física e psicológica do menor. Nessa toada, diante da inexistência de relacionamento harmônico entre os pais e atendendo o melhor interesse da criança, consoante posicionamento consagrada na colenda Corte da Cidadania, a guarda compartilhada resta inviabilizada, de modo que a manutenção da sentença é medida que se impõe. 

  

Por fim, o apelante ainda pretende, nesta via recursal, regularizar as visitas com relação à filha M. A. de A. Contudo, a sentença recorrida estabeleceu o regime de convivência paterna, pontos estes que não foram impugnados especificadamente, de modo que não há que se falar em reforma nesse aspecto. Portanto, superadas as teses do apelante, entendo que o desprovimento deste recurso é medido que se impõe. 

  

Ante o exposto, conheço do apelo e nego-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida inalterada, por seus próprios fundamentos. 

  

Considerando o desprovimento da apelação, majoro os honorários advocatícios para o percentual de 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. 

  

É o voto. 

  

Após o transcurso do prazo recursal, determino que a Secretaria desta Câmara promova a baixa do feito do acervo desta Relatoria. 

  

Goiânia, datado e assinado digitalmente. 

  

DES. WILTON MÜLLER SALOMÃO 

  

Relator 

  

D 

  

ACÓRDÃO 

  

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N. 5592173-18.2022.8.09.0093, acordam os integrantes da 1a Turma Julgadora da 11a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, por unanimidade de votos, EM CONHECER DA APELAÇÃO CÍVEL E NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do RELATOR. 

  

VOTARAM com o RELATOR, o Desembargador BRENO BOSS CACHAPUZ CAIADO e o Desembargador JOSÉ CARLOS DUARTE. 

  

PRESIDIU a sessão o Desembargador WILTON MÜLLER SALOMÃO. 

  

PARTICIPOU da sessão o Procurador de Justiça, Dr. HENRIQUE CARLOS DE SOUSA TEIXEIRA. 

  

Custas de lei. 

  

Goiânia, datado e assinado digitalmente. 

  

DES. WILTON MÜLLER SALOMÃO 

  

Relator 

  

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás 

  

Documento Assinado e Publicado Digitalmente em 13/05/2024 14:51:44 

  

Assinado por 

  

WILTON MULLER SALOMAO Localizar 

  

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