#1 - Adoção. Ação de Destituição do Poder Familiar.

Data de publicação: 07/06/2024

Tribunal: TJ-SP

Relator: Wanderley José Federighi (Pres. da Seção de Direito Público)

Chamada

(...) “Assevera não ter ocorrido busca efetiva pela família extensa da menor. Alega que só soube que a menor estava em acolhimento quando cientificada para contestar a presente ação e que foi colocada em adoção antes do trânsito em julgado e em instituição de acolhimento em cidade próxima da futura adotante e não da família natural da menor. Pede a reforma da r. decisão para o retorno da criança à família natural ou extensa, a anulação do processo.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO – AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - ADOÇÃO INTUITU PERSONAE – Prática vedada - Hipótese de perda do poder familiar, nos termos do art. 1638, V, CC – Preliminar de cerceamento de defesa afastada - Demonstrado nos autos da ação de destituição do poder familiar que a genitora descumpriu os deveres inerentes ao poder familiar, visto que entregou a filha recém-nascida a terceiros, de forma irregular, para fins de adoção intuito personae, burlando o cadastro nacional de adoção – Pai registral que não é o pai biológico da infante – Registro de nascimento realizado pelo recorrente que encobriu interesses particulares - Imposição da destituição do poder familiar - Prevalência dos princípios da proteção integral e do superior interesse da criança - Sentença de procedência confirmada - Recursos não providos.

(TJ-SP - AC: 10031930320228260368, Relator: Wanderley José Federighi (Pres. da Seção de Direito Público), Data de Julgamento: 06/09/2023, Câmara Especial, Data de Publicação: 06/09/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

 

Registro: 2023.0000774350 

  

ACÓRDÃO 

  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003193-03.2022.8.26.0368, da Comarca de Monte Alto, em que são apelantes M. D. DOS 

  

S. DE O. e P. C. R., é apelado M. P. DO E. DE S. P. 

  

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. 

  

O julgamento teve a participação dos Desembargadores GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). 

  

São Paulo, 6 de setembro de 2023. 

  

WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI 

  

Presidente da Seção de Direito Público 

  

Relator. 

  

Assinatura Eletrônica 

  

Câmara Especial 

  

Apelação nº 1003193-03.2022.8.26.0368 Comarca de Monte Alto 

  

Apelantes: M. D. dos S. de O. (genitora) e P. C. R. (pai registral) 

  

Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo 

  

Interessada: L. F. R. (menor) 

  

Voto n. 41.632 

  

APELAÇÃO AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR - ADOÇÃO INTUITU PERSONAE Prática vedada - Hipótese de perda do poder familiar, nos termos do art. 1638, V, CC Preliminar de cerceamento de defesa afastada - Demonstrado nos autos da ação de destituição do poder familiar que a genitora descumpriu os deveres inerentes ao poder familiar, visto que entregou a filha recém-nascida a terceiros, de forma irregular, para fins de adoção intuito personae, burlando o cadastro nacional de adoção Pai registral que não é o pai biológico da infante Registro de nascimento realizado pelo recorrente que encobriu interesses particulares - Imposição da destituição do poder familiar - Prevalência dos princípios da proteção integral e do superior interesse da criança - Sentença de procedência confirmada - Recursos não providos. 

  

Vistos, 

  

Trata-se de sentença na ação de destituição de poder familiar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra M. D. dos S. O. (genitora) e P. C. R. (pai registral), no tocante à criança L.F.R., nascida aos 14/03/2022 que, julgou procedente o pedido inicial, destituindo o poder familiar, com fundamento no artigo 1.638, inciso V, do Código Civil c.c. artigo 24, da Lei nº 8.069/90 (fls. 314/324). 

  

Irresignada da r. sentença, apela a genitora M. D. dos S. de O., aduzindo, em preliminar, cerceamento de defesa por falta de acesso para oferecer defesa no processo de adoção sob o nº 1000848-64.2022.8.26.0368. No mérito, defende que as alegações da assistente social não foram provadas, nem que a infante foi entregue a família dos padrinhos. Assevera não ter ocorrido busca efetiva pela família extensa da menor. Alega que só soube que a menor estava em acolhimento quando cientificada para contestar a presente ação e que foi colocada em adoção antes do trânsito em julgado e em instituição de acolhimento em cidade próxima da futura adotante e não da família natural da menor. Pede a reforma da r. decisão para o retorno da criança à família natural ou extensa, a anulação do processo nº 1000848-64.2022.8.26.0368, bem como o deferimento da guarda provisória a genitora até o final do processo (fls. 331/354). 

  

O recorrente P. C.R. (pai registral da infante), interpõe apelo, dando conta de não ter efetivado a chamada "adoção a brasileira" e ter somente seguido orientação profissional para inserir o seu nome como pai biológico da menor, para, como padrinho, ter a autorização de trazê-la na viagem de Mansidão/Barreira - Estado da Bahia para o de São Paulo, não havendo abandono por parte da mãe que na sequência viria buscar e morar nesse Estado. Sustenta equívocos dos profissionais anteriores que os orientaram, em especial, porque tinham a intenção de pedir a guarda e não intentar com ação de adoção, sendo surpreendidos em maio de 2022 com a busca e apreensão da menor. Defende inexistir a intenção de adoção, somente o apadrinhamento e rede de apoio à família que passava por dificuldades. Pugna a reforma da sentença, a fim da presente ação ser julgada improcedente, restituindo o poder familiar à mãe biológica, bem como que lhe seja concedido perdão, pois foi induzido a erro, e se a punição sobrevier que venha na forma de destituição do poder familiar somente em sua relação (fls. 355/364). 

  

Com resposta aos recursos (fls. 368/376), opinou a douta Procuradoria Geral da Justiça pelo não provimento dos apelos (fls. 384/394). 

  

Não há oposição ao julgamento virtual. 

  

É o relatório. 

  

Presentes os pressupostos processuais, conheço dos recursos 

  

interpostos e, adianto, não merecem provimento. 

  

Inicialmente, quanto a preliminar de cerceamento de defesa no processo nº 1000848- 64.2022.8.26.0368 verifica-se que mencionado processo já foi objeto de julgamento em segundo grau, tendo sido afastada a tese de cerceamento de defesa da genitora, não sendo possível a reapreciação da matéria no presente recurso. O direito a ampla defesa se viu respeitado naquele processo, sendo permitido o acesso aos autos da genitora na ação de adoção, consoante se constada no voto do recurso da Apelação nº 1000848- 64.2022.8.26.0368, a saber (fls. 265 daqueles autos): 

  

"Foi proferido despacho por esta Relatoria, determinando a remessa dos autos à origem para que se procedesse à citação da apelada (genitora biológica) para responder ao recurso, nos termos do art. 331, § 1º, do CPC (fls. 176/177), o que se efetivou às fls. 218, via carta precatória. 

  

Uma vez verificado que a advogada da genitora/apelada (Dra. Karoline Pedroza de Souza OAB/BA 62713) estava sem acesso aos autos, restou determinado, novamente, o aludido acesso, bem como a restituição do prazo para interpor apelação e/ou contrarrazoar o recurso da pretendente à adoção (fls. 229/230); todavia, decorreu o prazo (fls. 239)." 

  

Deste modo, não há que se falar em cerceamento de defesa ou violação ao devido processo legal, pelo que a preliminar fica afastada. 

  

No mérito, consabido que o poder familiar está subentendido naqueles direitos que se harmonizam com a paternidade responsável, com a tutela especial à família, ao dever de convivência familiar e com a proteção integral da criança e do adolescente. 

  

O poder parental exercido pelos genitores tem como característica fundamental ser um encargo público. Ausente a efetiva demonstração de que os genitores, ou um deles, estejam cumprindo a contento tal múnus, ostenta-se imprescindível a intervenção estatal para afastar a criança ou o adolescente de situação de risco ou contrária ao seu interesse. 

  

O artigo 229 da Constituição Federal estabelece que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores e o para os que ainda não alcançaram a maioridade. O art. 227 da Constituição Federal, dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

  

No mesmo sentido o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente afirmar que "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária". 

  

Nesse sentir, é dever básico dos genitores estarem presentes (acompanharem, prestarem auxílio, socorrerem, ampararem, guardarem) na vida dos filhos, não bastando apenas prestar-lhes alimentos. Devem se interessar por sua integridade física, moral e psíquica, concedendo-lhes suporte bastante e necessário para o amplo desenvolvimento. 

  

De outra ponta, nos casos em que os genitores não cumprem com suas obrigações parentais, e estando a criança ou o adolescente em situação de risco, possível a destituição do poder familiar nos termos da regulamentação constante nos arts. 1635 e 1.638 do Código Civil e nos artigos 19, 22 e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

  

Sabe-se que a destituição do poder familiar é medida excepcional, vez que exclui dos genitores o exercício de um direito natural, mostrando-se justificável somente nas hipóteses em que a inobservância dos deveres inerentes ao poder parental atenta contra os direitos fundamentais dos filhos cuja integridade competia aos pais resguardar e desenvolver. A carência de recursos materiais não constitui motivo satisfatório para a perda ou suspensão do poder familiar; porém, o abandono afetivo e/ou material, que se traduz na falta de cuidados e de comprometimento, impõe a perda do poder familiar. 

  

Não obstante a preferência que a legislação confere à manutenção ou reintegração das crianças ou adolescentes na família biológica, não há olvidar que o princípio maior que norteia as normas atinentes ao direito posto em liça é o interesse dos menores. É, e sempre deverá ser, sob essa ótica, e não sob a ótica do interesse dos pais ou de terceiros, que as situações deverão ser analisadas judicialmente. 

  

Conta a narrativa dos autos que, L. F. R., nascida aos 14 de março de 2022, é filha biológica da apelante M. D. dos S. O., sendo que o apelante P. C. R., indevidamente, a registrou como se sua filha fosse e, ato contínuo, de forma irregular, juntamente com a esposa R. C. R., poucos dias após o nascimento, trouxeram a criança para a Comarca de Monte Alto, pressupondo "adoção à brasileira". Descoberta a irregular situação, a criança foi acolhida, porquanto se encontrava em patente situação de risco e vulnerabilidade. 

  

No caso concreto, não há qualquer indicativo de que o melhor, do ponto de vista da criança L. F. R., seja a manutenção do poder familiar da apelante/genitora, cuja pretensão recursal mostra-se dissociada dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente e, objetivamente, dos interesses da infante. Isso porque, ficou incontroverso nos autos que a menor, ainda recém-nascida, foi entregue pela apelante/genitora a terceiros desconhecidos (dentre eles o apelante), com demonstração clara da inexistência de qualquer resquício de afeto e apego, descumprindo de forma grave seus deveres inerentes ao poder familiar. E, ainda, comprovado que o apelante, de forma fraudulenta, registrou a criança como se fosse o genitor biológico dela. 

  

Ainda que os apelantes insistam em afirmar que não houve o abandono da criança, tampouco a intenção na adoção da criança, sob a justificativa de que só seria prestada ajuda temporária, o acervo probatório demonstra situação diversa. 

  

Primeiro, genitora, pai registral e esposa deste efetivaram declaração de guarda às fls. 36, depois, o casal ajuizou ação de guarda provisória para posterior conversão em adoção c.c. com destituição do poder familiar (autos nº 1000848-64.2022.8.26.0368) em clara tentativa de praticar adoção intuitu personae e burlar o cadastro de adoção. 

  

O Relatório Social de fls. 41/45 (extraído do processo nº 1000848-64.2022.8.26.0368) descreve que a genitora queria entregar a criança por não ter condições de cuidados, depois do parto não quis nem conhecer, nem amamentar, nem escolher o nome. Constou do parecer social que: "O casal Roseli e Paulo Cesar, apresenta um histórico de relação conjugal de apoio mútuo e companheirismo, ambos destacam a ansiedade pelo desejo de ter um filho, bem como, as dificuldades que passaram com a frustração de não conseguirem ser pais. 

  

Apresentam o entendimento de que a criança Lorena chegou até eles, por uma intervenção suprema, acreditam que por Deus chegaram até essa criança, haja vista, que uma tia de Roseli residente em Barreiras/BA, viu no grupo de mensagens do grupo de oração do qual participava que uma mulher gestante não tinha condições de cuidar do bebê e queria entregar a uma família que cuidasse bem. 

  

Destacam que se achavam aptos a receber a criança, haja vista, estarem habilitados a adotar, nos contatos telefônicos com a genitora da criança a mesma demonstrou estar segura da entrega do filho, bem como, pelo desejo de não ficar com a criança e caso eles não recebessem a criança ela seria entregue a outrem. 

  

O casal apresenta consciência de que não seguiram os tramites de adoção preconizados pela justiça, porém não apresentam o entendimento das reais implicações de tais atos, expõem a interpretação de que fizerem algo bom, pois consideram que a criança poderia ter sido entregue às pessoas que não cuidariam tão bem da criança quanto eles. 

  

No atendimento foi reforçado as orientações já dadas 

  

anteriormente acerca dos procedimentos de adoção via SNA, com a habilitação, inclusão na fila de pretendentes habilitados, bem como, o período de aguardarem para serem chamados, também foi reforçada a importância de realizar os tramites dentro da legalidade, pois tal legislação foi criada com o objetivo da defesa dos direitos da criança/adolescente em um processo de adoção. 

  

O casal aponta que constataram que a vivência no interior da Bahia é diferente de nossa localidade, sendo que souberam que esta foi a segunda entrega de filho desta genitora, o casal permanece com a ideia cristalizada de que receber a criança da genitora foi um ato de cuidado para com a criança."(fls. 87/91 autos nº 1000848-64.2022.8.26.0368). 

  

No mesmo sentido, o relatório psicológico (fls. 46/47), quanto ao desejo da apelante/genitora entregar a criança, de não ter familiares maternos com interesse em assumir a menor e de não desejar, após o parto, ter contato com a infante. Pontuou-se a consciência dos envolvidos na inadequação da situação do momento da entrega, mas não das possíveis consequências, razão pela qual, prosseguiram com o registro de paternidade pelo apelante (pai registral) e, em seguida, ajuizaram a ação de adoção, com pedido de guarda provisória pela esposa do pai registral, a qual foi julgada extinta, com determinação de acolhimento da infante (fls. 95/96 - Processo nº 1000848- 64.2022.8.26.03680 1). 

  

A Assistência Social Municipal da Comarca de Mansidão informou que a recorrente teve outros filhos, os quais estavam na guarda do ex- companheiro que, ao passar a viver com outra pessoa, os deixou na porta da casa da avó paterna que os pegou para criar. Confirmou que a genitora resolveu doar sua filha nos primeiros meses de gravidez, porque sua família não aceitou ajudá-la, não tendo dúvidas quanto sua decisão. 

  

1 "APELAÇÃO - AÇÃO DE ADOÇÃO COM PEDIDO DE GUARDA PROVISÓRIA Sentença de extinção 

  

do feito, sem julgamento do mérito, com determinação de busca e apreensão de criança com 2 meses, em razão da entrega irregular e burla ao cadastro de adotantes/SNA - Irresignação da apelante - Criança entregue logo após o nascimento pela genitora, de forma irregular, a terceiros sem vínculo de parentesco, para fins de adoção - Período de convivência curto e a tenra idade da infante denotam a inexistência de vínculo afetivo sólido e definitivo apto a afastar a exigência de observância à ordem do cadastro nacional de adotantes - O art. 50, § 13, do ECA, contém exigências que visam a impedir que pessoas ou casais interessados em adotar, estejam ou não previamente habilitados à adoção, tentem burlar a ordem de inscrição no cadastro de adoção - Decisão que deve ser mantida Criança já inserida em família substituta, apta a adotá-la, há quase 6 meses - Prevalência do melhor interesse da criança com vistas à sua proteção integral, objetivo primordial do ECA Recurso não provido."(AC nº 1000848-64.2022.8.26.0368, desta Relatoria, DJ 31.07.2023). 

  

Consta que o pai biológico da criança foi comunicado da gravidez, mas não demonstrou interesse e a genitora não soube mais como encontrá-lo, motivos pelos quais, decidiu entregar a filha ao casal de São Paulo, sem interesse financeiro, só querendo que a menor fosse cuidada. Ainda, a profissional pontuou a situação de vulnerabilidade da genitora e que o fato, em análise, não foi um caso isolado, porque, em época anterior, a genitora entregou outro filho para a adoção e, por fim, ressaltou a existência de negligências cometidas com os filhos mais velhos, ainda menores, que hoje vivem com a avó - 171/176 e 193/200. 

  

Com efeito, do conjunto probatório presente nos autos, restou comprovada a inaptidão da apelante/genitora para o exercício do poder familiar da menor, visto que entregou a filha recém-nascida para o casal desconhecido, para fins de adoção irregular, postura ensejadora da perda do poder familiar, conforme dispõe o art. 1.638, V, do Código Civil. Assim, resulta inquestionável que a apelante/genitora infringiu os deveres alusivos ao poder familiar, autorizando a destituição, a fim de permitir que a criança tenha a oportunidade de ser inserida em uma família substituta, mediante processo regular de adoção, que lhe forneça amor e qualidade de vida. Também clarificado não existir interesse da família extensa com pretensão de acolher a menor. 

  

Melhor sorte não socorre o recorrente/pai-registral, pois, sobressai dos autos que não é o pai biológico da criança (conforme confessado em suas manifestações nos autos) e que o registro de nascimento por ele realizado encobriu interesses particulares, merecendo que fossem adotadas todas as providências necessárias para a mais ampla proteção do interesse da infante. 

  

Além disso, em que pesem os argumentos do recorrente que apenas pretendia a guarda da menor, verifica-se que a esposa do recorrente ajuizou ação, com pedido de adoção judicial da criança (processo nº 1000848- 64.2022.8.26.03680), a demonstrar a real intenção do casal. Ademais, o casal informou que já foi inscrito no cadastro de adoção, pressupondo-se que ambos tinham conhecimento de como se dá o processo legal de adoção no Brasil. 

  

Independente das intenções positivas do recorrente e sua esposa, 

  

entende-se que, quando o constituinte consagrou um sistema especial protecionista às crianças e aos adolescentes, esse norteado pela doutrina da proteção integral, não o fez visando a possibilidade de se permitir a validação indiscriminada de qualquer ato, em nome desses direitos fundamentais próprios dos infantes. Nenhuma criança pode ser vista como um objeto, devendo, em qualquer hipótese, imperar os preceitos do melhor interesse da criança, visando o combate à cultura de que o desejo dos adultos se sobreponha aos dos infantes e às regras legais. Essa é a meta estipulada quando da criação do Cadastro Nacional de Adoção, devendo ser rechaçado, de pronto, qualquer indicativo de burla ao sistema. 

  

Nesse sentido, precedentes desta Câmara Especial: 

  

"APELAÇÃO CIVIL. INFÂNCIA E JUVENTUDE. Destituição do poder familiar. Cabimento. Violação dos deveres do poder familiar. Criança, com poucos meses de vida, deixada sob os cuidados de pessoa sem vínculo de parentesco ou relação prévia de amizade. Genitora que não tentou retomar a filha. Situação de abandono. Ausência de organização para exercer a maternidade de forma protetiva. Inviabilidade da colocação da criança na família extensa. Prioridade do direito da criança ao convívio familiar sadio e protetivo. Sentença que deferiu o pedido de destituição do poder familiar mantida. Recurso não provido." (TJSP: Apelação Cível 1002883-14.2021.8.26.0115; Relator (a): Silvia Sterman; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Campo Limpo Paulista - 2a Vara; Data do Julgamento: 21/07/2023; Data de Registro: 21/07/2023); 

  

"APELAÇÃO CÍVEL INFÂNCIA E JUVENTUDE - Estatuto DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E CÓDIGO CIVIL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR ENTREGA IRREGULAR DA CRIANÇA PELA MÃE BIOLÓGICA - Sentença que julgou procedente ação de destituição do poder familiar da mãe biológica Contexto em que a genitora, ainda gestante, fez pacto e cumpriu acordo de entrega da criança recém-nascida a casal não inscrito em fila de adoção, burlando o Sistema Nacional de Adoção Aproximação que se deu por meio de plataforma de mensagens instantâneas, grupo de "WhatsApp" Insurgência da genitora (apelante) alegando que fora enganada e manipulada à entrega da criança Alega que participaria da criação do filho junto com o casal Tese não comprovada Evidenciada a entrega voluntária irregular e registro civil da criança em nome do pai não biológico Não provada a alegada indução da genitora a erro e coação promovida pelo casal interessado Carência de recursos materiais que não justifica o desinteresse no cumprimento do poder familiar - Acolhimento institucional do recém-nascido Ausência de interesse e condições mínimas da genitora para o sustento, a guarda e a educação da criança Apelante que possui outras 2 crianças que não estão na sua guarda de fato - Circunstância em que cabível a destituição do poder familiar imposta à genitora Descumprimento dos deveres insculpidos nos arts. 1.634 e 1.638 do Código Civil; 19, 22 e 24 do ECA e 227 e 229 da Constituição Federal Conjunto probatório de que se procedeu o registro com fins de burla ao Cadastro de Adoção - Caracterizada a situação de colocar a criança em risco ao entregar a casal conhecido por meio de plataforma de mensagens instantâneas, grupo de "WhatsApp"- Recurso não provido." (TJSP: Apelação Cível 1024709-08.2019.8.26.0361; Relator (a): Xavier de Aquino (Decano); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Mogi das Cruzes - Vara da Infância e Juventude; Data do Julgamento: 29/05/2023; Data de Registro: 29/05/2023). 

  

No mais, a menor se encontra com a guarda provisória - como início de estágio de convivência à adoção futura - deferida desde fevereiro de 2023 a pessoa interessada, devidamente cadastrada no Cadastro Nacional de Adotantes e, portanto, apta a adotá-la. 

  

Diante dos elementos de convicção existentes nos autos, verifica-se que a manutenção dos termos da r. sentença vai ao encontro dos interesses das crianças e é medida incontornável. 

  

Com isso, nego provimento aos recursos. 

  

WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI 

  

Presidente da Seção de Direito Público 

  

Relator. 

  

(assinado eletronicamente)