Data de publicação: 06/06/2024
Tribunal: TJ-GO
Relator: SEBASTIÃO LUIZ FLEURY
(...) “A princípio, a autoridade suscitante esclarece que o pedido cuida de suprimento de outorga paterna para viagem internacional da criança, na companhia da genitora, com mudança de residência para Irlanda e com oposição do genitor.” “(...) Não se nega que o pedido de suprimento de autorização paterna para viagem ao exterior deve ser apreciado pelo Juizado da Infância e Juventude, entretanto, a questão não se limita a este pedido, pois busca-se mudança de residência e pela informação constante na própria petição inicial o genitor pretende a guarda da filha, que é de competência da Vara de Família.” (...)
EMENTA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE VIAGEM INTERNACIONAL COM SUPRIMENTO DE CONSENTIMENTO PATERNO. 1. A ação para suprimento de autorização de viagem, em que a genitora da menor pretende fixar residência em país estrangeiro, por ser mais abrangente, implica em questões próprias do Direito de Família, de modo que a competência para sua apreciação e julgamento é da Vara de Família e não do Juizado da Infância e da Juventude. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JD DA 3ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE GOIÂNIA.
(TJ-GO 5165008-66.2017.8.09.0051, Relator: SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, 2ª Seção Cível, Data de Publicação: 29/11/2023)
Inteiro Teor
2a SEÇÃO CÍVEL
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 5165008.66.2017.8.09.0051
Comarca de Goiânia
Suscitante: JD do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Goiânia
Suscitado: JD da 3a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia
Relator: Dr. Sebastião Luiz Fleury
Juiz Substituto em 2º Grau
EMENTA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE VIAGEM INTERNACIONAL COM SUPRIMENTO DE CONSENTIMENTO PATERNO. 1. A ação para suprimento de autorização de viagem, em que a genitora da menor pretende fixar residência em país estrangeiro, por ser mais abrangente, implica em questões próprias do Direito de Família, de modo que a competência para sua apreciação e julgamento é da Vara de Família e não do Juizado da Infância e da Juventude. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JD DA 3a VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE GOIÂNIA.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Conflito de Competência nº 5165008.66.2017.8.09.0051 da Comarca de Goiânia.
ACORDAM os integrantes da Segunda Seção Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, julgar procedente o conflito suscitado, nos termos do voto do relator.
VOTARAM, além do relator Dr. Sebastião Luiz Fleury (Substituto do Des. Kisleu Dias Maciel Filho), os Des. Alan S. de Sena Conceição, Jeová Sardinha de Moraes, Fausto Moreira Diniz, Norival Santomé, Francisco Vildon José Valente, Elizabeth Maria da Silva, Olavo Junqueira de Andrade, Roberto Horácio de Rezende (Substituto do Des. Geraldo Gonçalves da Costa), Nelma Branco Ferreira Perilo e Des. Carlos Escher.
Ausente justificado: Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis.
PRESIDIU a sessão o Desembargador Norival de Castro Santomé.
PRESENTE a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Eliete Sousa Fonseca Suavinha.
Custas de lei.
Goiânia, 29 de novembro de 2023.
Dr. Sebastião Luiz Fleury
Relator
RELATÓRIO E VOTO
Trata-se de incidente processual atinente ao Conflito Negativo de Competência suscitado pelo JD do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Goiânia, em face do JD da 3a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia, que declinou de sua competência para processar e julgar o pedido de Autorização Judicial de Viagem Internacional, com suprimento de consentimento paterno, proposta por H. S. L., menor impúbere, representada por sua genitora F. R. de S., em face de J. R. L. S.
A princípio, a autoridade suscitante esclarece que o pedido cuida de suprimento de outorga paterna para viagem internacional da criança, na companhia da genitora, com mudança de residência para Irlanda e com oposição do genitor.
Na linha de seu raciocínio: "(...) não se nega que o pedido de suprimento de autorização paterna para viagem ao exterior deve ser apreciado pelo Juizado da Infância e Juventude, entretanto, a questão não se limita a este pedido, pois busca-se mudança de residência e pela informação constante na própria petição inicial o genitor pretende a guarda da filha, que é de competência da Vara de Família."
Redarguiu ainda que apesar de o Juizado da Infância e da Juventude ser competente para expedir autorização para viagem de criança e/ou adolescente ao exterior, quando falta a anuência de um dos pais, "No caso em análise, não se trata apenas de uma simples autorização para viagem, já que pretende a genitora modificar o domicílio da criança, fixando residência no exterior, mais precisamente na Irlanda. A questão abrange, na verdade, a regulamentação da guarda, o direito do genitor à visitação e ao convívio com a filha", razão pela qual, suscitou o presente conflito negativo de competência, nos termos do art. 66, II, c/c 951, ambos do CPC.
Por força da decisão preliminar encartada no evento 5, o juízo suscitante foi designado para resolver, em caráter provisório, as medidas que sob seu exame lhe pareçam urgentes, nos exatos termos do que prescreve o art. 955, do CPC.
Embora tenha sido regularmente intimada, a autoridade suscitada não prestou as informações solicitadas, como se vê dos eventos 7 a 11.
Por sua vez, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do presente conflito negativo de competência, "declarando-se a competência do juízo suscitado para processar e julgar o pedido de autorização de viagem da menor".
É, em síntese, o relatório.
Passo ao VOTO.
Conheço do presente conflito negativo, por preencher os requisitos de admissibilidade, uma vez que ambos os Juízes se consideram incompetentes para conhecer a lide.
Como visto, cuida-se de conflito negativo de competência em razão de o JD da 3a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia, ter declinado de sua competência para processar e julgar o pedido de Autorização Judicial de Viagem Internacional, com suprimento de consentimento paterno, proposta por H. S. L., menor impúbere, representada por sua genitora F. R. de S., em face de J. R. L. S. e, determinado a remessa dos autos ao JD do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Goiânia.
De início, impende esclarecer que não há controvérsias acerca da competência do Juízo da Infância e da Juventude, para expedir autorização para viagem de criança e/ou adolescente ao exterior, quando falta a anuência de um dos pais, conforme preconizam os arts. 84 e 148, IV, da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Porém, no caso vertente cumpre destacar que a questão a ser decidida diz respeito ao Juízo competente para conhecer do pedido de suprimento de autorização do pai da criança, para viagem ao exterior, acompanhada da mãe que detém sua guarda. Mas não se esgota nesse ponto. A viagem se destina a alterar a residência da criança, uma vez que a intenção da genitora da menor é residir em país estrangeiro, mais precisamente na Irlanda, o que envolve a guarda e o direito de visita do genitor, que inclusive decidiu postula modificação de guarda da filha, ou seja, o pedido constante dos autos não se limita a simples autorização judicial para viagem internacional de turismo da menor infante, sendo mais abrangente, discutindo-se questões concernentes ao Direito de Família, dentre elas, a própria guarda da menor.
Sendo assim, a meu sentir, não se trata de mero suprimento de autorização para viagem, já que se cuida de autorização para residência em outro país (IRLANDA), mais abrangente, o que implica na restrição do direito de visitas do pai, no bem-estar da criança, face à ausência do contato paterno, e no direito/dever do pai de participar da educação da filha.
Acerca do tema, oportunas colocações veem-se do parecer do ilustrado Procurador de Justiça oficiante no feito, do qual destaco os seguintes fragmentos:
"Conforme narrado pela Juíza suscitante, a genitora da menor não está indo apenas realizar uma viagem de turismo fora do país, mais precisamente, na Irlanda, mas sim uma mudança de residência que, por óbvio, abrange a regulamentação da guarda, do direito de visitas do genitor e o convívio deste com a filha. Ademais, não bastasse isso, fora formulado pelo genitor pedido de modificação de guarda.
Nesse diapasão, não resta dúvidas de que o cerne da questão é muito mais amplo, englobando questões relevantes do Direito de Família que influirão diretamente na decisão acerca do pedido de autorização para viagem.
Dessa forma, embora exista previsão no art. 148, parágrafo único, alínea a, do ECA de que a ação de guarda, que também se discute no caso em tela, é de competência do Juízo da Infância e Juventude, isso não quer dizer que será assim em todo e qualquer caso, tratando-se de verdadeira exceção os casos que são resolvidos perante este juízo especializado.
Com efeito, o fator determinante da competência aqui é a presença do risco à criança ou adolescente, nos termos do art. 98 do ECA, porém, em razão da ausência de risco, a competência é da Vara de Família.
A propósito:
'CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. SITUAÇÃO DE RISCO NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. 1. A COMPETÊNCIA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE SE DÁ APENAS NOS CASOS EM QUE O MENOR SE ENCONTRA EM RISCO FÍSICO OU PSICOLÓGICO. EXEGESE DOS ARTIGOS 98 E 148 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 2. SENDO ASSIM, CONSTATADO, NO CURSO DA DEMANDA, MEDIANTE RELATÓRIO PSICOSSOCIAL, QUE A CRIANÇA NÃO SE ENCONTRA EM RISCO OU ABANDONO, A COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS É DA VARA DE FAMÍLIA. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE PARA DECLARAR COMPETENTE O JUIZ O SUSCITADO.' (TJGO, CONFLITO DE COMPETENCIA 19062-44.2016.8.09.0000, REL. DES. ALAN S. DE SENA CONCEICAO, 2A SEÇÃO CIVEL, JULGADO EM 04/05/2016).
Se a autorização perseguida implica em verdadeira mudança para o exterior, com transtornos evidentes ao direito de visitas do genitor, o qual, repita- se, postula a concessão da guarda em seu favor, há de ser julgada a ação de guarda juntamente com o pedido de autorização para viagem, pois, do contrário, tem-se o risco de decisões conflitantes.
Insta salientar ainda que, se estivéssemos diante de duas ações autônomas, ainda assim a competência seria da Vara de Família pois haveria continência que, em suma, é uma conexão específica, pois é a reunião de demandas que tenham as mesmas partes e causa de pedir, mas o objeto de uma abrange o da outra (art. 56, CPC).
In casu, patente a necessidade de análise da concessão da autorização para viagem, com mudança de residência, em conjunto da nova regulamentação de visitas e definição de guarda, que é de competência da Vara de Família.
(...)
Face ao todo exposto, opina o Ministério Público, em segundo grau de
jurisdição, pelo conhecimento e provimento do presente conflito negativo de competência, declarando-se a competência do juízo suscitado para processar e julgar o pedido de autorização de viagem da menor, sob o protocolo de n. 201700884900".
Por conseguinte, entendo que a matéria pertinente ao Direito de Família se inclui no núcleo do pedido, pela magnitude da mudança na vida da criança.
A respaldar esse entendimento:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE DE MENOR. CONEXÃO. 1. Há conexão entre as ações de "guarda e responsabilidade de menor" e "autorização de viagem", já que discutem a mesma relação jurídica, sendo que a decisão proferida em uma das demandas influenciará, inevitavelmente, a outra. (...)." (TJGO, 6a Câmara Cível, in Ap. Cível nº 147622-64.2008.8.09.0103, DJ 891 de 29/08/2011, Rel. Des. Fausto Moreira Diniz);
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE RECONHECIDA. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. 1. Nos termos do art. 98 cumulado com o parágrafo único, alínea a, do art. 148, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, compete ao Juizado da Infância e Juventude apreciar os pedidos de guarda, quando a criança ou o adolescente se encontrarem em situação de risco ou na iminência de sofrer alguma violação a seus direitos fundamentais. 2. Compete ao Juízo da Vara de Família processar e julgar a ação de guarda e responsabilidade proposta pela avó, que vem proporcionado aos netos toda proteção material e afetiva, imprescindível ao pleno desenvolvimento biopsicossocial dos infantes, cujos direitos fundamentais não estão sendo violados, nem ameaçados de lesão, de modo que não concorrem nenhuma das situações de risco social, positivadas no art. 98 do ECA, capazes de justificar o julgamento da causa perante o Juizado da Infância e Juventude. Precedentes do TJGO. 3. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO." (TJGO, 2a Seção Cível, in CC nº 19067-66.2016.8.09.0000, DJ 2035 de 30/05/2016, Rela. Desa. Elizabeth Maria da Silva).
Na confluência do exposto, acolhendo parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, julgo procedente o conflito, para firmar a competência do Juízo suscitado, 3a Vara de Família e Sucessões desta Capital, para processar e julgar o pedido de Autorização Judicial de Viagem Internacional, com suprimento de consentimento paterno, proposta por H. S. L., menor impúbere, representada por sua genitora F. R. de S., em face de Jhosefh Roberto Lima Silva., protocolizada sob o nº 201700884900.
É o voto.
Goiânia, 29 de novembro de 2023.
Dr. Sebastião Luiz Fleury
Relator