Data de publicação: 24/05/2024
Tribunal: TJ-SP
Relator: Daniela Cilento Morsello
(...) “O artigo 161, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a obrigatoriedade de oitiva dos pais nos procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar, quando forem identificados e estiverem em local conhecido, exceto se, citados, não comparecerem perante a Justiça.” (...)
EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. OBRIGATORIEDADE DA OITIVA DA GENITORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 161, § 4º, DO ECA. INOBSERVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. 1. Sentença que julgou procedente a pretensão inicial para o fim de destituir os genitores da autoridade parental. Irresignação da requerida. 2. Preliminar de cerceamento de defesa acolhida. Genitora que foi citada e apresentou contestação. Obrigatoriedade de sua oitiva em juízo. Inteligência do art. 161, § 4º, do ECA. Inobservância. Estudos técnicos que não dispensam aludida inquirição. Garantia do contraditório e ampla defesa que deve ser assegurada. Sentença anulada. 3. Recurso provido.
(TJ-SP - AC: 10004422920238260620 Taquarituba, Relator: Daniela Cilento Morsello, Data de Julgamento: 27/07/2023, Câmara Especial, Data de Publicação: 27/07/2023)
Inteiro Teor
Registro: 2023.0000628700
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000442-29.2023.8.26.0620, da Comarca de Taquarituba, em que é apelante L. D. L., é apelado M. P. DO E. DE S. P.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).
São Paulo, 27 de julho de 2023.
DANIELA CILENTO MORSELLO
Relatora
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO Nº 1000442-29.2023.8.26.0620
APELANTE: L.D.L.
APELADO: Ministério Público do Estado de São Paulo
INTERESSADOS: M.M.P. e ouros (menores)
COMARCA: Taquarituba
JUÍZA: Diana Cristina Silva Spessotto
VOTO Nº 10.966
APELAÇÃO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. OBRIGATORIEDADE DA OITIVA DA GENITORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 161, § 4º, DO ECA. INOBSERVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.
1. Sentença que julgou procedente a pretensão inicial para o fim de destituir os genitores da autoridade parental. Irresignação da requerida. 2. Preliminar de cerceamento de defesa acolhida. Genitora que foi citada e apresentou contestação. Obrigatoriedade de sua oitiva em juízo. Inteligência do art. 161, § 4º, do ECA. Inobservância. Estudos técnicos que não dispensam aludida inquirição. Garantia do contraditório e ampla defesa que deve ser assegurada. Sentença anulada.
3. Recurso provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto em face da r. sentença (fls. 104/105), cujo relatório se adota, que julgou procedente a ação de destituição do poder familiar, promovida pelo Ministério Público em face de L.D.L. e M.H.P., em relação aos menores M.M.P.; M.H.P. e M.A.
Irresignada, argui a genitora (fls. 120/128), preliminarmente, cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, pois privada de produzir prova testemunhal e de ser ouvida em juízo, conforme exige o artigo 161, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de não ter sido realizado estudo técnico nos autos. No mérito, alega ausência de provas em seu desfavor a ensejar a destituição do poder familiar.
Apresentadas contrarrazões (fls. 127/130), a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo reconhecimento da nulidade da r. sentença combatida e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 139/151).
É o relatório.
O artigo 161, § 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a obrigatoriedade de oitiva dos pais nos procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar, quando forem identificados e estiverem em local conhecido, exceto se, citados, não comparecerem perante a Justiça.
Segundo o escólio de LUCIANO ALVES ROSSATO, PAULO EDUARDO LÉPORE e ROGÉRIO SANCHES CUNHA:
"É obrigatória a oitiva dos pais sempre que eles forem identificados e estiverem em local conhecido, ressalvados os casos de não comparecimento perante a Justiça quando devidamente citados (art. 161, § 4º, com redação dada pela Lei n. 13.509/2017). Constata-se que a oitiva dos pais será dispensada na hipótese em que estes forem citados e não oferecerem resposta. Em tal hipótese, estando concluído o estudo social ou a perícia realizada por equipe interprofissional ou multidisciplinar, a autoridade judiciária dará vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) dias, salvo quando este for o requerente, e decidirá em igual prazo. Acarretando o pedido em modificação de guarda, desde que possível e razoável, será obrigatória a oitiva da criança ou adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida (art. 161, § 3º, do Estatuto)." (Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069/90 Comentado artigo por artigo, 11a ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 742).
No caso em testilha, a genitora dos infantes foi devidamente citada (fls. 63) e apresentou contestação (fls. 77/80).
Após a apresentação da resposta pelo demandado por negativa geral e manifestação do Ministério Público, foi proferida a sentença de procedência do pleito vestibular.
No entanto, estando a requerida em local conhecido e tendo se manifestado nos autos, a sua oitiva era medida imprescindível, de forma a garantir-lhe o contraditório e a ampla defesa, conforme disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal.
A existência de estudos técnicos com a recorrente nos autos da ação de acolhimento institucional não dispensava a providência prevista em norma cogente, sobretudo considerando a gravidade dos efeitos da destituição do poder familiar.
Em casos análogos, já decidiu esta Colenda Câmara Especial:
"APELAÇÃO. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS GENITORES. Prolação de sentença sem a prévia oitiva dos réus localizados. Providência obrigatória. Nulidade absoluta. Descumprimento de previsão expressa no art. 161, § 4º., do ECA. Vício insanável. Violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Petição apresentada pelos recorrentes, na forma do art. 1.012, § 3º., I, do CPC, requerendo a atribuição de efeito suspensivo à apelação. Deferimento. Instrução retomada na origem. Oitiva dos genitores perante o Juízo. Necessidade de novo julgamento pelo juízo de origem, diante das novas provas produzidas. Sentença anulada, de ofício. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO, PREJUDICADO O RECURSO, COM DETERMINAÇÃO."(Apelação Cível nº 1001051-42.2022.8.26.0201; Relator Sulaiman Miguel; j. 26.06.2023).
"APELAÇÃO - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR- Sentença de procedência prolatada sem prévia inquirição do genitor, que está em local conhecido e foi devidamente citado - Providência obrigatória atrelada ao exercício do contraditório e da ampla defesa - Descumprimento de previsão expressa do art. 161, § 4º, do ECA - Vício insanável - Decisão anulada - Necessidade de retomada da instrução para conferir oportunidade do genitor ser ouvido em Juízo - Decretação de nulidade, de ofício, com determinação - Recurso prejudicado." (Apelação Cível nº 1010119-34.2021.8.26.0077; Relator Wanderley José Federighi; j. 16.05.2023).
Por isso, de rigor o provimento do recurso para anular a r. sentença, determinando-se o prosseguimento do feito para o cumprimento do disposto no artigo 161, § 4º, do Estatuto da Criança e Adolescente.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso.
DANIELA CILENTO MORSELLO
Relatora