#1 - Adolescente em Situação de Risco. Medida Protetiva e Acolhimento.

Data de publicação: 06/05/2024

Tribunal: TJ-AL

Relator: Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario

Chamada

(...) “O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente tem atribuição de fiscalizar as entidades de acolhimento institucional, de forma que é inegável a obrigação do Município em garantir seu funcionamento. O ECA estabelece a municipalização do atendimento como regra prioritária no atendimento às crianças e adolescentes.” (...)

Ementa na Íntegra

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA PROTETIVA DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RISCO. RECURSO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO EM FACE DE DECISÃO QUE DETERMINOU A OBRIGAÇÃO MUNICIPAL DE GARANTIR O ATENDIMENTO DA ADOLESCENTE EM ENTIDADE DE ACOLHIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. MUNICIPALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO. PREVISÃO EXPRESSA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INAPLICABILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL. JURISPRUDÊNCIA DO STF. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

(TJ-AL - AI: 08081832720228020000 Comarcar não Encontrada, Relator: Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario, Data de Julgamento: 29/05/2023, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

Gabinete do Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Agravo de Instrumento n. 0808183-27.2022.8.02.0000 

Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução 

4a Câmara Cível 

Relator: Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Agravante: Município de Delmiro Gouveia. 

Advogado: Henrique Bulhoes Brabo Magalhaes (OAB: 18804/AL). 

Agravado: Ministério Público do Estado de Alagoas. 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA PROTETIVA DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOLESCENTE EM SITUAÇÃO DE RISCO. RECURSO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO EM FACE DE DECISÃO QUE DETERMINOU A OBRIGAÇÃO MUNICIPAL DE GARANTIR O ATENDIMENTO DA ADOLESCENTE EM ENTIDADE DE ACOLHIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. MUNICIPALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO. PREVISÃO EXPRESSA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. ATENDIMENTO PRIORITÁRIO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INAPLICABILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL. JURISPRUDÊNCIA DO STF. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

CONCLUSÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso interposto, para, no mérito, em idêntica votação, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do relator. 

Participaram do julgamento os Desembargadores constantes na certidão. 

Maceió, 29 de maio de 2023. 

Gabinete do Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Des. Fábio Ferrario 

Relator 

Gabinete do Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Agravo de Instrumento n. 0808183-27.2022.8.02.0000 

Efeito Suspensivo / Impugnação / Embargos à Execução 

4a Câmara Cível 

Relator: Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Agravante: Município de Delmiro Gouveia. 

Advogado: Henrique Bulhoes Brabo Magalhaes (OAB: 18804/AL). 

Agravado: Ministério Público do Estado de Alagoas. 

RELATÓRIO 

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Município de Delmiro Gouveia, com o fim de reformar a decisão proferida pelo Juízo da 1a Vara de Delmiro Gouveia, que concedeu a tutela de urgência requerida pelo autor para determinar ao agravante que viabilize o acolhimento institucional da adolescente T. M. V., em razão da suposta situação de risco em sua família natural. 

Em suas razões recursais, o agravante sustenta que não há responsabilidade do Município, em razão de ser um Município de pequeno porte. Alega que a política de internação em tal caso é da União e do Estado, em razão da Programação Pactuada e Integrada definir a repartição de competências entre os entes federativos de acordo com suas possibilidades. Assim, alega ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação. 

Ademais, sustenta que a medida inviabiliza que o Município atenda aos interesses gerais da população, bem como alega o princípio da reserva do possível, diante da suposta incapacidade financeira de arcar com a obrigação. 

Ao final, pede efeito suspensivo ao agravo. 

Gabinete do Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

Com o fim de comprovar suas alegações, juntou documentos às fls. 17/80. 

Devidamente intimado (fls. 85), o Ministério Público não apresentou contrarrazões, nem ofereceu parecer, sob fundamento de desnecessidade de sua intervenção quando ajuíza a demanda (fls. 86/87). 

É o relatório, no essencial. 

VOTO 

Por estarem presentes os pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) e extrínsecos (preparo, tempestividade e regularidade formal) de admissibilidade recursal, toma-se conhecimento do presente agravo de instrumento e passa-se à análise do pedido de antecipação da tutela recursal. 

O cerne do recurso interposto reside na possibilidade de obrigar o ente municipal a custear o acolhimento institucional da criança e do adolescente submetido à situação de risco. 

Quanto à alegação do Município de que não é parte legítima para custear o acolhimento institucional em razão das repartições de competência entre o ente federativo, tal alegação não merece prosperar. Conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente: 

Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: 

(...) 

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IV - Acolhimento institucional; § 1º As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. § 3º Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento: (grifos nossos) 

Vê-se que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente tem atribuição de fiscalizar as entidades de acolhimento institucional, de forma que é inegável a obrigação do Município em garantir seu funcionamento. 

Não bastasse o artigo supramencionado, o ECA estabelece a municipalização do atendimento como regra prioritária no atendimento às crianças e adolescentes. In verbis: 

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: 

I - Municipalização do atendimento; 

(...) 

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. 

(...) 

III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; 

(sem grifos no original) 

Dessa forma, resta evidente a responsabilidade do Município por garantir que a criança e ao adolescente tenham acesso à entidade de acolhimento, em havendo 

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situação de risco que justifique a retirada da família natural. 

Dando continuidade, no tocante às alegações de que deve ser reconhecida a reserva do possível no caso em tela e que a medida pleiteada compromete a realização de demais políticas públicas, deve-se tecer algumas considerações sobre o tratamento jurídico diferenciado conferido à criança e ao adolescente. 

Há uma inerente vulnerabilidade das crianças e adolescentes, em razão de sua peculiar condição de desenvolvimento, de forma que incumbe à família, à comunidade e ao Estado atender todas as suas necessidades básicas. Esse também é o entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme precedente estabelecido no caso Ramirez Escobar vs Guatemala, principal julgado no sistema interamericano sobre os direitos da criança e do adolescente: 

A. Considerações gerais sobre os direitos da criança 

As meninas e meninos são titulares dos direitos estabelecidos na Convenção Americana, além de contar com as medidas especiais de proteção contempladas no seu artigo 19. Essa disposição irradia os seus efeitos na interpretação de todos os demais direitos quando o caso se refira a menores de idade, em virtude da sua condição com o tal. O Tribunal entende que a devida proteção dos direitos das meninas e meninos, na sua condição de sujeitos de direitos, deve considerar as suas características próprias e a necessidade de favorecer o seu desenvolvimento, oferecendo-lhes as condições necessárias para que vivam e desenvolvam as suas aptidões com pleno aproveitamento das suas potencialidades. As meninas e meninos exercem por si próprias os seus direitos de forma progressiva, à medida que desenvolvem maior nível de autonomia pessoal. Por esse motivo, a Convenção dispõe que as pertinentes medidas de proteção em favor das meninas e meninos sejam especiais ou mais específicas que aquelas declaradas para os adultos. As medidas de proteção que devam ser adotadas em virtude do artigo 19 da Convenção devem ser definidas segundo as circunstâncias específicas de cada caso em concreto. 

3. Por outra parte, especificamente a respeito da vida familiar, as meninas e meninos têm o direito a viver com a sua família, a qual está convocada a satisfazer as suas necessidades materiais, afetivas e 

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psicológicas. Este Tribunal informou que o gozo mútuo da convivência entre pais e filhos constitui um elemento fundamental da vida em família. Nesse sentido, as meninas e meninos devem permanecer no seu núcleo familiar, exceto quando existem razões determinantes, em função do seu melhor interesse, para optar por separá-los da sua família. Em todo caso, a separação deve ser excepcional, e preferencialmente temporária. 

4. Em qualquer situação que envolva meninas e meninos, devem- se aplicar e respeitar, transversalmente, quatro princípios reitores, sendo eles: i) a não discriminação; II) o interesse supremo da criança; III) o direito a ser ouvido e a participar; e IV) o direito à vida, à sobrevivência e desenvolvimento. Qualquer decisão pública, social ou familiar que envolva qualquer limitação ao exercício de qualquer direito de uma menina ou menino, deve levar em consideração o melhor interesse da criança e ajustar-se rigorosamente às disposições que regem a matéria. A Corte reitera que o melhor interesse da criança está fundado na própria dignidade do ser humano, nas características próprias das crianças, e na necessidade de participar no seu desenvolvimento, com pleno aproveitamento das suas potencialidades. 

5. A Corte destacou que a determinação do melhor interesse da criança, em casos de cuidado e custódia de menores de idade, deve ser feita a partir da avaliação dos comportamentos parentais específicos e o seu impacto negativo no bem-estar e desenvolvimento da criança, segundo o caso, os danos ou riscos reais, comprovados e não especulativos ou imaginários, e o bem-estar da criança. Portanto, não são admissíveis as especulações, presunções, estereótipos ou considerações generalizadas sobre características pessoais dos pais ou preferências culturais a respeito de determinados conceitos tradicionais de família. (sem grifos no original) 

As crianças e adolescentes, em razão da sua condição de vulnerabilidade, recebem um tratamento jurídico diferenciado e prioritário, com o intuito de atender suas peculiaridades e garantir o seu pleno desenvolvimento. Adota-se, assim, a Doutrina da Proteção Integral, já prevista na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), vindo a possuir força vinculante no cenário internacional pela Convenção sobre os Direitos da Criança. Prevê esta última: 

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Artigo 3 

1. Todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança. 

2. Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores legais ou outras pessoas legalmente responsáveis por ela e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. 

3. Os Estados Partes devem garantir que as instituições, as instalações e os serviços destinados aos cuidados ou à proteção da criança estejam em conformidade com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde da criança, ao número e à adequação das equipes e à existência de supervisão adequada. (...) 

Artigo 27 

1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social. 

2. Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança. 

3. Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação. 

(sem grifos no original) 

Já no âmbito interno, crianças e adolescentes passam a ser reconhecidas como sujeitos de direito, adotando expressamente a Doutrina da Proteção Integral, a partir da CRFB/88: 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à 

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convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (sem grifos no original) 

Na mesma linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê: 

Art. 3º A criança e ao adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. 

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (sem grifos no original) 

Assim, o ordenamento jurídico brasileiro adotou expressamente a Doutrina da Proteção Integral, em conformidade com as normas internacionais, as quais foram expressamente aderidas pelo Estado. E, como consequência, eventuais lesões aos direitos das crianças e adolescentes devem ser analisadas sob o prisma do seu estágio de desenvolvimento físico e moral, tendo em vista a desigualdade de fato presente nas relações familiares e comunitárias, o que implica uma atuação estatal voltada para garantir sua proteção absoluta e prioritária. 

Ainda, isso implica em uma atuação estatal proativa, que exige dos três entes federativos que adotem políticas públicas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, os quais recebem, por disposição 

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expressa, prioridade em sua elaboração e realização. 

Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal demonstra, em sua jurisprudência, uma tendência em não reconhecer a reserva do possível diante de direitos fundamentais de crianças e adolescentes: 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010)- MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL - CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO - DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) - COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) - A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) - O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO - A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO - A TEORIA DA "RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES" (OU DA "LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES") - CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE ( CF, ARTS. 6º, 196 E 197) - A QUESTÃO DAS "ESCOLHAS TRÁGICAS" - A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO - CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA 

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OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA (RTJ 174/687 - RTJ 175/1212-1213 - RTJ 199/1219-1220) - EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. 

(STF - ARE: 745745 MG, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/12/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014) (sem grifos no original) 

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. GARANTIA DE VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA ÀS CRIANÇAS DE ZERO A CINCO ANOS DE IDADE. AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 208IV, DA CF/88. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSÍVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que assegura às crianças de zero a cinco anos de idade a primeira etapa do processo de educação básica mediante o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (art. 208IV, da Constituição Federal). 

2. O Estado tem o dever constitucional de garantir o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão estatal e violação a direito subjetivo, sanável pela via judicial. Precedentes: ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 15/9/2011; AI 592.075-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 4/6/2009, e RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 3/8/2007. 3. O Poder Judiciário pode impor à Administração Pública a efetivação de matrícula de crianças de zero a cinco anos de idade em estabelecimento de educação infantil, sem haja violação ao princípio constitucional da separação dos poderes. 4. Ex positis, voto no sentido de, no caso concreto, NEGAR PROVIMENTO ao recurso extraordinário 

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interposto pelo Município de Criciúma. 5. A tese da repercussão geral fica assim formulada: 1. A educação básica em todas as suas fases educação infantil, ensino fundamental e ensino médio constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. 3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica. (RE 1008166, Relator (a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 19-04-2023 PUBLIC 20-04-2023) (sem grifos no original) 

Assim, não é cabível a alegação da reserva do possível, em face de evidente risco ao núcleo essencial de direitos fundamentais da adolescente em situação de risco. 

Portanto, reconhecida a prioridade absoluta dada pelo ordenamento jurídico brasileiro à criança e ao adolescente, não é possível alegar a reserva do possível nem eventual comprometimento de outras políticas públicas, tendo em vista que o próprio ordenamento jurídico estabeleceu a que o atendimento, neste caso, é prioritário, diante dos interesses envolvidos, que, se comprometidos, podem trazer implicações nocivas ao desenvolvimento da criança e do adolescente. 

E, como demonstrado acima, em relação à política de atendimento, esta é municipalizada. Então, como consequência, impõe-se ao Poder Público a criação e manutenção de entidades de acolhimento, sendo a responsabilidade, neste caso, do Município, por expressa disposição no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Diante do exposto, voto no sentido de CONHECER do recurso interposto, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do relator, mantendo a decisão vergastada em todos os seus termos. 

Gabinete do Des. Fábio Costa de Almeida Ferrario 

É como voto. 

Maceió, 29 de maio de 2023. 

Des. Fábio Ferrario 

Relator