#1 - Medida de Proteção ao Menor. Guarda concedida aos avós. Melhor Interesse da Criança

Data de publicação: 02/05/2024

Tribunal: TJ-SP

Relator: Daniela Cilento Morsello

Chamada

(...) “Sentença que julgou procedente o pedido inicial para atribuir a guarda da menor à avó materna e aplicar outras medidas de proteção à família. Genitora dependente química que negligenciava os cuidados da filha. Violência doméstica praticada pelo genitor na presença da criança. Menor que demanda atenção especial em virtude do possível quadro de atraso no seu desenvolvimento.” (...)

Ementa na Íntegra

APELAÇÃO. MEDIDA DE PROTEÇÃO. MENOR SUBMETIDA A SITUAÇÃO DE RISCO. GUARDA CONCEDIDA À AVÓ MATERNA. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE. Sentença que julgou procedente o pedido inicial para atribuir a guarda da menor à avó materna e aplicar outras medidas de proteção à família. Irresignação dos requeridos. Genitora dependente química que negligenciava os cuidados da filha. Violência doméstica praticada pelo genitor na presença da criança. Menor que demanda atenção especial em virtude do possível quadro de atraso no seu desenvolvimento. Guarda concedida à progenitora materna que atende ao postulado normativo do interesse superior da criança e dos metaprincípios da proteção integral e da prioridade absoluta. Recurso desprovido.

 

(TJ-SP - AC: 10000445920238260369 Monte Aprazível, Relator: Daniela Cilento Morsello, Data de Julgamento: 27/07/2023, Câmara Especial, Data de Publicação: 27/07/2023)

Jurisprudência na Íntegra

Inteiro Teor 

Registro: 2023.0000628691 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000044-59.2023.8.26.0369, da Comarca de Monte Aprazível, em que são apelantes P. C. B. e A. A. R., é apelado M. P. DO E. DE S. P. 

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO). 

São Paulo, 27 de julho de 2023. 

DANIELA CILENTO MORSELLO 

Relatora 

Assinatura Eletrônica 

APELAÇÃO Nº 1000044-59.2023.8.26.0369 

APELANTES: P.C.B. e A.A.R. 

APELADO: Ministério Público do Estado de São Paulo 

INTERESSADA: S.V.R.B. (menor) 

(SEGREDO DE JUSTIÇA) 

COMARCA: Monte Aprazível 

JUIZ: Luis Gonçalves da Cunha Junior 

VOTO Nº 10.889 

APELAÇÃO. MEDIDA DE PROTEÇÃO. MENOR SUBMETIDA A SITUAÇÃO DE RISCO. GUARDA CONCEDIDA À AVÓ MATERNA. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE. Sentença que julgou procedente o pedido inicial para atribuir a guarda da menor à avó materna e aplicar outras medidas de proteção à família. Irresignação dos requeridos. Genitora dependente química que negligenciava os cuidados da filha. Violência doméstica praticada pelo genitor na presença da criança. Menor que demanda atenção especial em virtude do possível quadro de atraso no seu desenvolvimento. Guarda concedida à progenitora materna que atende ao postulado normativo do interesse superior da criança e dos metaprincípios da proteção integral e da prioridade absoluta. Recurso desprovido. 

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença (fls. 107/109), cujo relatório se adota, que nos autos da ação de aplicação de medida de proteção à criança S.V.R.B., julgou procedente o pedido inicial para atribuir a guarda unilateral da menor à avó materna; determinar a inclusão de todo o grupo familiar em programa de orientação, apoio e acompanhamento temporários; a disponibilização à criança de atendimento médico, acesso a programas de transferência de renda, se possível, e matrícula na escola infantil mais próxima de sua residência; e disponibilização à corré P.C.B. de tratamento psiquiátrico e acompanhamento psicológico, vertidos ao combate do uso excessivo de álcool e/ou drogas ilícitas. 

Sustentam os genitores, em suma, que, atualmente, vivem em harmonia, portanto os fatos que ensejaram a perda da guarda da filha não mais subsistem, não havendo motivo para a manutenção da guarda com a avó materna (fls. 126/129). 

Apresentadas contrarrazões (fls. 135/138), a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 144/145). 

É o relatório. 

O artigo 227, caput, da Constituição Federal, proclama ser dever da família assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, além de repetir a norma constitucional, dispõe acerca dos direitos fundamentais da criança, impondo o respeito a sua integridade física, psíquica e moral, o dever de velar pela sua dignidade e a observância do seu direito de viver em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. 

Trata-se, pois, de prerrogativas conferidas às crianças e de deveres impostos primordialmente aos pais, os quais detêm o poder familiar e a quem incumbe zelar pelos filhos, prestando-lhes, de forma satisfatória, toda a assistência moral e material de que necessitam para o pleno desenvolvimento social e psicológico. 

A violação desses deveres, além de poder dar azo à suspensão ou extinção do poder familiar, também autoriza a concessão de medidas de proteção, como por exemplo a atribuição da guarda a terceiros, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, nos termos insculpidos nos artigos 98 e 129VII, do Estatuto da Criança e do Adolescente, com vistas aos princípios basilares do Estatuto Menorista do melhor interesse da criança e de sua integral proteção. 

PAULO LÔBO leciona que o princípio do melhor interesse: "Significa que a criança - incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança - deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade. (...) O princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como "critério significativo na decisão e aplicação da lei", tutelando-se os filhos como seres prioritários". O desafio é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, "deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos" (Famílias, Editora Saraiva, 2008, p.53-54). 

GUILHERME GONÇALVES STRENGER, por sua vez, ressalta que: "O interesse do menor é princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. O interesse do menor, pode dizer-se sem receio, é hoje verdadeira instituição no tratamento da matéria que ponha em questão esse direito. Tanto na família legítima como na natural e suas derivações, o interesse do menor é princípio superior. Em cada situação cumpre ao juiz apreciar o interesse do menor e tomar medidas que o preservem, devendo a apreciação do caso ser procedida segundo dados de fato que estejam sob análise" (Guarda de Filhos, Editora Revista dos Tribunais, 1998, p.90). 

No caso em testilha, o representante do Ministério Público ajuizou a presente demanda visando à aplicação de medidas de proteção à infante S.V.R.B., de três anos de idade, após o Conselho Tutelar ser acionado por policiais militares, no dia 16 de janeiro de 2023, para comparecer em um bar, uma vez que os requeridos haviam se agredido na presença da filha (fls. 05/10). 

Os conselheiros foram informados de que a genitora havia chegado ao bar por volta das 14h00 e estava bebendo desde então, tendo saído apenas para buscar a filha na creche por volta das 17h00, e retornado ao local. Ao chegar do trabalho, o requerido percebeu que sua esposa e filha não estavam em casa, saiu à procura delas e as encontrou naquele estabelecimento. Ao notar que a demandada estava embriagada e sem condições de cuidar da filha, o casal começou a discutir e se agredir na presença da petiz. 

O colegiado do órgão, então, optou pelo afastamento da criança do conturbado ambiente familiar e sua entrega, por meio de termo de responsabilidade e compromisso, à progenitora materna, pois, não obstante as diversas tentativas da rede de fortalecimento do vínculo familiar, a genitora continuava negligenciando os cuidados da filha, colocando em risco a sua integridade física. 

Realizado estudo psicológico com a genitora (fls. 35/36), constatou-se que a infante possui quadro de transtorno global de desenvolvimento, o que demanda tratamento especializado multidisciplinar contínuo. No entanto, embora a genitora tenha afirmado que sempre levou a filha aos médicos, não fez referência a tratamentos específicos e ainda relatou suspeita de a filha ter sido vítima de abuso sexual, sendo que já havia notificado o caso. 

O psicólogo considerou a existência de indicativos de que a criança estava sendo negligenciada e sugeriu que o casal fosse acompanhado pelo CREAS, assim como pelo serviço de saúde mental do município, em virtude dos sinais e sintomas de dependência química alcoólica por parte da demandada e também da situação de violência doméstica praticada pelo requerido contra a esposa. Considerou, ainda, a necessidade de averiguação das providências tomadas acerca da suspeita de abuso sexual. 

O estudo social (fls. 42/44), por sua vez, apontou relatos da escola frequentada pela infante de que ela apresentava alguns atrasos, possivelmente por falta de maior estímulo no meio familiar, bem como falta de higiene. Também havia denúncias da rede de saúde ao Conselho Tutelar sobre a questão de falta de higiene. 

Consignou que a menor convive em ambiente tumultuado, em razão relação conflituosa dos genitores, havendo indicativos de negligência em seus cuidados e, por via de consequência, de situação de vulnerabilidade e riscos. Por isso, recomendou a manutenção da criança sob os cuidados da avó materna e encaminhamento dos recorrentes ao CREAS. 

No estudo psicossocial realizado na Comarca de São José do Rio Preto (fls. 87/92), o genitor relatou às técnicas que a dependência química da requerida comprometeu de maneira significativa o relacionamento conjugal e os cuidados relacionados à filha, gerando conflitos frequentes entre eles, que culminaram com a separação. Ele afirmou não ter condições de assumir os cuidados integrais da criança, no momento, em virtude da jornada de trabalho, aparentando depositar na sogra a confiança necessária para tanto, e tem colaborado financeiramente para o atendimento de suas necessidades, responsabilizando-se também pelo pagamento do convênio médico. Mantém contato frequente com a filha, por meio de visitas na residência dos avós maternos, havendo forte vínculo afetivo entre eles. 

A genitora também realiza visitas à menor, porém com menor frequência e, devido ao uso abusivo de substâncias psicoativas, a família proibiu as visitas maternas durante um determinado período. 

A progenitora materna, por sua vez, apresenta demandas em saúde, mas conta com apoio de sua filha, que reside com os pais, para zelar pela infante. O núcleo familiar tem apresentado movimento positivo para organizar a rotina de forma a atender as necessidades da criança, tendo, inclusive, mudado o local de moradia. Além disso os avós revelam disposição e interesse em mantê-la sob sua guarda, razão pela qual foi considerado que esta medida é a que melhor atende ao seu interesse. 

Ressaltaram as técnicas, no entanto, que, em face do histórico familiar e da condição de saúde da infante, havia a necessidade de acompanhamento do núcleo familiar pela Proteção Básica do Município para apoio e orientações necessárias, inclusive relacionados ao uso do convênio médico e à busca de atendimentos, bem como a inserção da criança em creche próxima do domicílio dos avós. 

Diante desse contexto, os elementos de convicção coligidos aos autos evidenciam que a atribuição da guarda à progenitora materna é a medida mais adequada para assegurar o melhor interesse da menor. 

É certo que os recorrentes estão separados atualmente, no entanto, a situação de risco à petiz, ao contrário do alegado, ainda não foi superada, uma vez que a genitora, por ser dependente química, não apresenta, no momento, condições e capacidade de promover a proteção e os cuidados de que necessita a petiz, a qual demanda atenção especial, em virtude do possível quadro de atraso no seu desenvolvimento. 

O genitor tampouco manifestou condições de se responsabilizar integralmente pela filha e denota concordância com cuidados exercidos pela avó materna. 

A família materna, por outro lado, tem proporcionado ambiente mais saudável ao desenvolvimento da criança, de modo que a situação atual é que melhor atende ao princípio da proteção integral. 

Por fim, imperioso ressaltar que a guarda poderá ser revista a qualquer tempo, sempre que o interesse da menor assim o exigir, consoante disposto no artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Em caso análogo, já decidiu esta Colenda Câmara Especial: 

"APELAÇÃO. PERDA OU MODIFICAÇÃO DE GUARDA. Ação ajuizada pela tia avó visando a fim de obter a guarda da infante. Denúncias ao Conselho Tutelar a respeito da falta de cuidados da infante, exposição ao risco de saúde (ausência de higiene na residência e excesso de animais no quintal) e maus tratos (criança fica chorando por muito tempo/fome). Sentença de procedência que concedeu a guarda da criança à tia avó. Estudos técnicos que confirmaram a ausência de capacidade protetiva da genitora. Situação de abandono da infante que não foi caso isolado. Provas produzidas sobre as demais situações de exposição da infante a risco, que se mostra permanente e ainda não superada. Genitora que não apresenta condições para exercer a guarda e cuidados da filha. Criança que, sob a guarda da tia avó, apresenta bom desenvolvimento e com seus direitos fundamentais assegurados. Ausência de comprovação de efetiva reestruturação a justificar o retorno dos cuidados da criança pela genitora. Princípios da proteção integral e do melhor interesse que devem prevalecer. Sentença de procedência mantida por seus próprios fundamentos. Recurso desprovido. (Apelação Cível nº 1002994-39.2020.8.26.0533; Relatora Ana Luiza Villa Nova; j. 14.06.2023). 

Pelo exposto, nego provimento ao recurso. 

DANIELA CILENTO MORSELLO 

Relatora