Data de publicação: 26/04/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado)
(...) “Nos termos do artigo 24, do Código de Processo Civil, a ação ajuizada no estrangeiro não induz litispendência e não obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, devendo ser observadas as disposições em contrário em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. A justiça brasileira é competente para julgar e processar ação de guarda e alimentos em que figuram como partes crianças e adolescentes domiciliados no Brasil. Melhor Interesse da Criança a ser preservado. Precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.” (...)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO INTERNACIONAL E DE FAMÍLIA - AÇÃO DE GUARDA E ALIMENTOS - AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE EM FORO ESTRANGEIRO - LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - DEMANDA QUE VERSA SOBRE DIREITO DE CRIANÇAS DOMICILIADAS NO BRASIL - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A SER PRESERVADO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do artigo 24, do Código de Processo Civil, a ação ajuizada no estrangeiro não induz litispendência e não obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, devendo ser observadas as disposições em contrário em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 2. A justiça brasileira é competente para julgar e processar ação de guarda e alimentos em que figuram como partes crianças e adolescentes domiciliados no Brasil. Melhor Interesse da Criança a ser preservado. Precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
(TJ-MG - AI: 12286935320238130000, Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado), Data de Julgamento: 29/09/2023, Câmara Justiça 4.0 - Especiali, Data de Publicação: 02/10/2023)
Inteiro Teor
Número do 1.0000.23.122868-5/001 Numeração 1228693-
Relator: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado)
Relator do Acordão: Des.(a) Francisco Ricardo Sales Costa (JD Convocado)
Data do Julgamento: 29/09/2023
Data da Publicação: 02/10/2023
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO INTERNACIONAL E DE FAMÍLIA - AÇÃO DE GUARDA E ALIMENTOS - AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE EM FORO ESTRANGEIRO - LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - DEMANDA QUE VERSA SOBRE DIREITO DE CRIANÇAS DOMICILIADAS NO BRASIL - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A SER PRESERVADO - RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do artigo 24, do Código de Processo Civil, a ação ajuizada no estrangeiro não induz litispendência e não obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, devendo ser observadas as disposições em contrário em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.
2. A justiça brasileira é competente para julgar e processar ação de guarda e alimentos em que figuram como partes crianças e adolescentes domiciliados no Brasil. Melhor Interesse da Criança a ser preservado. Precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0000.23.122868-5/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - AGRAVANTE (S): J.D.M.D. - AGRAVADO (A)(S): A.B.A., L.A.D., S.A.D.
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc. Acorda, em Turma, a Câmara Justiça 4.0 -
Especializada Cível-4 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
JD. CONVOCADO FRANCISCO RICARDO SALES COSTA
RELATOR
JD. CONVOCADO FRANCISCO RICARDO SALES COSTA (RELATOR)
VOTO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por J.D.M.D. contra a r. decisão de doc. 70, proferida pelo d. Juízo de Direito da 02a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia, que nos autos da "Ação de Guarda e Alimentos" ajuizada por L.A.D. e S.A.D., representadas por A.B.A., rejeitou a arguição de incompetência do juízo nacional para julgar a presente ação, bem como as que lhe são conexas.
Inconformado, o agravante alegou que as menores nasceram no Estados Unidos da América, sendo que lá viveram até o ajuizamento da presente ação, que é conexa com a de divórcio e a de execução de alimentos, de forma que a competência para julgamento do feito seria daquele país.
Narrou que as presentes ações foram distribuídas no Brasil apenas após 2 (dois) anos do ajuizamento, nos Estados Unidos da América, de ação com o mesmo objeto e partes, o que induz litispendência.
Asseverou que o Juízo do Estado da Califórnia é o prevento para
conhecer e julgar os fatos a respeito do divórcio, da guarda e dos alimentos, sendo que possuem conexão.
Pontuou que o declínio está amparado pelo "Código de Bustamante" que determina que há o reconhecimento tácito da competência quando da escolha para o aforamento da ação em determinado país, de sorte que, como a agravante ajuizou primeiro ação com mesmo objeto nos Estados Unidos da América, deve-se reconhecer como juízo exclusivo para a resolução deste litígio.
Ressaltou que o ajuizamento dessas ações no Brasil tem como objetivo utilizar de forma indevida das vias judiciais brasileiras para escolher o foro que melhor convir, ferindo o princípio do juiz natural.
Asseverou que o judiciário brasileiro não pode conhecer a questão de mérito que se encontra em análise perante o judiciário estadunidense.
Salientou que compete ao juízo estadunidense julgar o presente feito, já que como o ex-casal possui domicílios diversos, valerá o regramento do primeiro domicílio conjugal, que no caso dos autos seria nos Estados Unidos da América.
Apontou que houve erro de premissa na decisão agravada, uma vez que o registro de casamento internacional do Brasil apenas tem o condão de comprovar a existência do casamento, e não se trata de homologação de casamento internacional no Brasil, sendo que nesse caso seria necessário que houvesse a homologação do casamento pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, requereu a suspensão da eficácia da decisão agravada para que fossem suspensos os trâmites das ações em curso perante a 2a Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia, sob os números 5020642-31.2022.8.13.0702, 5052384-74.2022.8.13.0702 e 5061539- 04.2022.8.13.0702. No mérito, que seja julgado procedente o presente recurso para que seja reconhecida a competência do Juízo dos Estados Unidos da América para julgar os feitos.
Preparo ao doc. 03.
Informações prestadas ao doc. 76.
Contrarrazões recursais ao doc. 77.
Parecer da i. Procuradoria-Geral da Justiça ao doc. 91, no sentido de dar provimento ao recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, eis que presente os pressupostos de admissibilidade.
No caso dos autos, a A.B.A., por si e representando suas filhas L.A.D. e S.A.D. ajuizou a presente ação de guarda e alimentos em face do agravante (J.D.M.D.), requerendo, liminarmente, a guarda unilateral dos menores, com regulamentação de visitas em favor do genitor e o arbitramento de alimentos em favor das filhas.
O juízo de origem ao analisar os pedidos, indeferiu o pedido de guarda unilateral, fixou alimentos em favor de L.A.D. e S.A.D., que contam atualmente com 5 (cinco) (doc. 10) e 3 (três) anos (doc. 11), respectivamente, no patamar de 5 (cinco) salários-mínimos, tendo também regulamentado o direito de visitas em prol do genitor.
Devidamente citado, o agravante apresentou petição em que requereu o declínio da competência do feito para que o processo fosse julgado pela Justiça do Estado da Califórnia, já que lá havia sido ajuizada ação em que se discutia o divórcio, a guarda e os alimentos em favor das menores.
O Ministério Público, no parecer de doc. 68, opinou pela extinção do feito por ausência de jurisdição, devendo ser apreciada também a possibilidade de se aplicar multa de litigância de má-fé à parte agravada, em razão de não ter informado a existência de litígio com o mesmo objeto que corre atualmente nos Estados Unidos da América.
O juízo de origem, na decisão de doc. 70, rejeitou a arguição de incompetência, reconhecendo a competência brasileira para julgar a presente ação e as que lhe são conexas, quais sejam, as ações de divórcio e de execução de alimentos, bem como determinou que o requerente junte aos autos, no prazo de 15 (quinze) dias, a tradução dos documentos em língua estrangeira colacionados aos autos.
Dessa decisão que se recorre.
Sobre o tema, o artigo 7º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, estabelece que é a lei do domicílio da pessoa que determina quais as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. Confira-se:
Art. 7o A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1o Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4o O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país
em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.
§ 7o Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8o Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. (sem grifos no original).
Além disso, os limites à jurisdição nacional são tratados nos artigos 21 a 25 do Código de Processo Civil, dentre os quais sobreleva mencionar os artigos 21 e 24, que fixam o sistema de jurisdição internacional concorrente, adotado pelo Brasil, que dispõe que o julgamento da questão no estrangeiro não prejudica sua análise pelo Poder Judiciário.
Confira-se:
Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I - O réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - No Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III - O fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil. (sem grifos no original).
Como se vê no parágrafo único do artigo 24, é possível que a litispendência seja estabelecida em razão de tratado ao qual o Brasil se submeta.
Nesse aspecto, vige no Brasil, por força do Decreto nº 18.871/1929, a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana - "Código de Bustamante".
Dentre outros temas, o referido tratado versa sobre regras gerais de competência cível e comercial, sendo que o artigo 322 da Convenção dispõe que há submissão tácita do autor à jurisdição do Estado em que primeiro comparece em juízo para propor a demanda. No entanto, o mesmo tratado prevê exceções, dentre as quais a do artigo 394:
Art. 322. Entender-se-á que existe a submissão tácita do autor quando este comparece em juízo para propor a demanda, e a do réu quando esta prática, depois de chamado a juízo, qualquer ato que não seja a apresentação formal de declinatória. Não se entenderá que há submissão tácita se o processo correr à revelia.
Art. 394. A litispendência, por motivo de pleito em outro Estado contratante poderá ser alegada em matéria cível, quando a sentença, proferida em um deles, deva produzir no outro os efeitos de coisa julgada.
Nessa senda, a determinação no pacto convencional parece limitar a litispendência apenas quando há sentença proferida por uma país que deva produzir efeitos em outro, o que ocorre, no Estado brasileiro, apenas após sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
No caso dos autos, a controvérsia a ser equacionada diz respeito ao juízo competente para que se processe a presente ação de guarda cumulada com alimentos, tendo em vista o ajuizamento de demanda idêntica perante o Juízo do Estado da Califórnia, Estados Unidos da América.
Com efeito, como asseverado acima, o sistema processual brasileiro adota, em regra, a competência internacional concorrente. Ou seja, a existência de ações com o mesmo objeto e as mesmas partes em estado estrangeiro não prejudicam seu ajuizamento no Brasil, quando há elemento que atraia a competência brasileira, salvo previsão em tratado internacional em sentido contrário, o que não é o caso dos autos.
Assim, nos termos do que preleciona o artigo 24 do Código de Processo Civil, a ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência perante o juízo brasileiro.
Nessa esteira, por questões de soberania, os efeitos de decisões estrangeiras passam a produzir efeitos em nosso ordenamento jurídico tão-somente por via de sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Nessa senda, a doutrina é clara ao dispor que a restrição à jurisdição nacional encontra azo apenas quando há sentença estrangeira devidamente homologada no Brasil.
Confira-se:
¿ 2. Prevalência da competência internacional da autoridade jurisdicional brasileira.
Enquanto a autoridade brasileira for competente, na forma do CPC 21 I a III e 23 I e II, e não houver homologação da sentença estrangeira no Brasil (CF 105 i i), remanesce para o Estado brasileiro o poder de julgar a causa já ajuizada (não se induz litispendência), ou já julgada (não se reconhece coisa julgada) em outro país.
¿ 3. Litispendência. À justiça brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país estrangeiro, que seja idêntica a outra que aqui tramite. O juiz brasileiro deve ignorá-la e permitir o regular prosseguimento da ação.
(NERY JÚNIOR, ANDRADE NERY. Nelson, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado. 17 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2018. p. 155). (sem grifos no original).
1. Ineficácia da Litispendência Estrangeira. A ação intentada perante órgão jurisdicional estrangeiro não tem a eficácia de obstar o exame da mesma causa e das que lhe são conexas pela jurisdição nacional. Se há concurso de jurisdições e há duas ações idênticas tramitando simultaneamente no Brasil e no estrangeiro há, por óbvio, litispendência. Essa, contudo, não determina a extinção do segundo processo sem resolução de mérito (art. 485, V, CPC). Vale dizer: há litispendência, mas não há eficácia de litispendência. À jurisdição brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país estrangeiro, ainda que idêntica à outra que aqui tramite (STJ, 4.a
Turma, REsp 251.438/RJ, rel. Min. Barros Monteiro, j. 08.08.2000, DJ 02.10.2000, p. 173). (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO. Luiz Guilherme, Sérgio Cruz, Daniel. Curso de Processo Civil Comentado. 7a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 49). (sem grifos no original).
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre a competência no sistema processual brasileiro, reforçou seu caráter concorrente com a estrangeira, de sorte que não há impeditivo para que tramitem ações com a mesma causa de pedir no Brasil e no estrangeiro, nos termos da doutrina e legislação acima transcritas:
(...)
Segundo o sistema processual adotado em nosso País em tema de competência internacional (CPC, arts. 88 a 90), não é exclusiva, mas concorrente com a estrangeira, a competência da Justiça brasileira para, entre outras, a ação de divórcio, de alimentos ou de regime de guarda de filhos, e mesmo a partilha de bens que não sejam bens situados no Brasil. Isso significa que "a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas" (CPC, art. 90) e vice-versa.
(...) (SEC n. 4.127/EX, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 29/8/2012, DJe de 27/9/2012.) (sem grifos no original).
A esse respeito, confira-se também o que estabelece a doutrina especializada em Direito Internacional Privado:
Cumpre observar, ainda, que se a ação no exterior se iniciar simultaneamente àquela proposta do território nacional, a justiça brasileira dar-se-á por competente, independentemente do que venha a ocorrer na justiça estrangeira. A decisão estrangeira não poderá ser homologada depois de resolvida a questão no foro brasileiro, porque a proposição da ação perante juízo estrangeiro não tem o condão de transferir a competência para o exterior, nem previne a competência do juiz nacional.487 Ademais, na esteira do que aduzia o Art. 90 do antigo CPC, não há litispendência no plano internacional. O novel Art. 24 fez questão de esclarecer a questão da coincidência entre duas ações, uma aqui e outra no exterior, dispondo que somente depois da homologação da sentença estrangeira, a ação aqui proposta e que ainda não teve o trânsito em julgado terá seu prosseguimento interrompido. (ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. 6a ed. Porto Alegre: Revolução eBook, 2016. p. 120). (sem grifos no original).
Com efeito, apenas após a homologação do decisum estrangeiro é que este produz efeitos no Brasil, de sorte que eventual conflito com ação pré- existente no território nacional não ocorrerá em razão da litispendência, mas sim em razão da coisa julgada. Nessa senda, existentes duas ações, uma nacional e outra estrangeira, produzirá efeitos, no Brasil, em regra, a que for primeiro conferida caráter de imutabilidade.
Inclusive, a existência de sentença estrangeira não obsta os efeitos de pronunciamento judicial brasileiro, mesmo que posterior, já que, repise-se, a sentença estrangeira produz efeitos apenas após sua homologação. Nesse sentido, caso a decisão proferida no Brasil seja contrária ao conteúdo da sentença estrangeira, resta defesa a homologação desta última (HDE 1.396/EX, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 23/09/2019, DJe 26/09/2019).
Por outro lado, também não merece amparo a interpretação que o agravante pretende conferir ao artigo 322, da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana, posto que essa convenção, firmada em 1929, deve ser interpretação à luz do ordenamento jurídico brasileiro e, sobretudo, da Constituição da República.
Destarte, como bem pontuado no juízo de origem, este artigo vai de encontro ao artigo 394, da mesma convenção, que passa a indicar que a litispendência só encontra amparo pós-sentença.
Por outro lado, frise-se que embora esteja pendente a tradução dos documentos apresentados pelo agravante, é possível extrair que na ação ajuizada pela agravada nos Estados Unidos da América em 16.06.2020, ainda não foi proferida decisão judicial de caráter definitivo. Registre-se, ainda, nos termos do doc. 88, a viagem das menores ao Brasil foi autorizada pelo genitor, inclusive "por tempo indeterminado", pelo que não se trata mesmo de hipótese de sequestro internacional.
Destaque-se, além disso, que a presente ação possui ainda outras particularidades, vez que, por se tratar de guarda e alimentos, as sentenças, proferidas no estrangeiro ou no Brasil não possuem caráter definitivo, podendo serem revistas a qualquer tempo, desde que haja modificação do estado de fato.
Em adição, em casos em que se discute direitos de crianças e de adolescente deve sempre ser considerado o princípio do melhor interesse dos menores, de forma que, no caso dos autos, a extinção do processo em âmbito nacional em prol de procedimento estrangeiro, ainda em face incipiente, não se demonstra proporcional ou adequado, posto que expõe a risco o bem-estar das menores, já que, repise-se, a sentença estrangeira apenas produzirá efeitos no Brasil após sua homologação, de maneira que caso persiste o entendimento perseguido pelo agravante instituir-se-ia um vácuo no regramento da manutenção, guarda e visitação dos filhos ao pai, em prejuízo das crianças.
Assim, as crianças, residentes e domiciliadas no Brasil, ficariam submetidas a um Tribunal que não possui qualquer competência para valer suas decisões em território brasileiro.
A esse respeito, confira-se a doutrina especializada:
Quando o menor e o detentor de sua guarda tiverem o seu domicílio no Brasil, a Justiça brasileira, basicamente, sempre é internacionalmente competente para decidir em relação à guarda e ao direito de visitação de menor. (RECHSTEINER, Beat Walter. Direito
Internacional Privado: Teoria e Prática. 15a ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 229). (sem grifos no original).
Ressalte-se, por oportuno, que a consideração do domicílio conjugal para análise das questões atinentes às relações familiares é limitada pela própria LINDB, de sorte que os parágrafos § 3º e § 4º do artigo 7, devem ser considerados apenas para fins de invalidade do matrimônio e regime de bens, não fixando competência para processar e julgar casos atinentes à guarda e alimentos de crianças, de forma a ser observado o atual domicílio dos infantes para o processamento dessa questão.
Desse modo, tendo em vista o que dispõem os artigos 21 a 24 do Código de Processo Civil, 7º do LINDB, depreende-se que há competência nacional para julgar e processar, mesmo em concorrência, a ação de guarda e alimentos em favor das menores que atualmente residem no Brasil com sua genitora.
Nessa esteira, afira-se o precedente deste eg. Tribunal de Justiça sobre o tema:
EMENTA: AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO, CUMULADA COM GUARDA DE MENOR, PEDIDO DE ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS - DIREITO DE FAMÍLIA - GRATUIDADE DA JUSTIÇA - RECOLHIMENTO DO PREPARO - PRECLUSÃO LÓGICA - CARACTERIZAÇÃO - CASAMENTO OCORRIDO NO BRASIL - DISSOLUÇÃO DOS VÍNCULOS - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - PRESENÇA - BENS MÓVEIS E IMÓVEIS - PARTILHA - DELIBERAÇÃO EXCLUSIVA DO JUDICIÁRIO PÁTRIO - CONSTATAÇÃO - ALIMENTANTE - MANUTENÇÃO DE VÍNCULOS COM O PAÍS - JULGAMENTO DO PEDIDO PERANTE O JUÍZO BRASILEIRO - POSSIBILIDADE - GUARDA - DOMICÍLIO DA GENITORA EM SOLO NACIONAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA - PRESENÇA - RESIDÊNCIA NO EXTERIOR - IRRELEVÂNCIA.
- Conforme enunciado da Súmula de nº. 82 deste TJMG "o recolhimento do preparo é ato incompatível com o requerimento da justiça gratuita e configura preclusão lógica da questão".
- Se o casamento é celebrado em território nacional, o Judiciário brasileiro tem competência concorrente para deliberar sobre o respectivo divórcio, ainda que os envolvidos atualmente residam em solo estrangeiro. Inteligência do disposto no art. 21, inciso III, do CPC/2015.
- Por aplicação da previsão constante ao art. 23, inciso III, do CPC/2015 compete ao Judiciário brasileiro, exclusivamente, proceder à partilha, em ação de divórcio, de bens situados no Brasil, independentemente da nacionalidade do titular ou de fixação de domicílio fora do território nacional.
- Nos termos do art. 22, inciso I, alínea b, do CPC/2015 compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações de alimentos quando o alimentante mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos.
- O Judiciário brasileiro tem competência para apreciação do pedido de guarda em hipótese na qual a genitora, detentora da guarda fática, mantém domicílio em solo pátrio (art. 147, inciso I, do ECA), mostrando-se irrelevante a circunstância de a mãe e os adolescentes, atualmente, terem fixado residência nos Estados Unidos. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.288697- 0/001, Relator (a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, 8a Câmara Cível Especializada, julgamento em 13/04/2023, publicação da súmula em 17/ 04/ 2023)
Registre-se, por fim, que quanto a ação de divórcio, esta questão possui contornos jurídicos próprios e diversos deste, de forma que está sendo tratado no Agravo de Instrumento conexo a esse (nº 1.0000.23.122776- 0/001).
Dessa forma, inexistindo litispendência entre as ações, uma vez que o sistema processual brasileiro adota a competência internacional concorrente e à luz do que determina o melhor interesse da criança e do adolescente, demonstra-se prudente a determinação de que a ação seja processada perante a justiça brasileira.
À conta de tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO para manter incólume a decisão recorrida.
Custas pelo agravante.
É como voto.
DESEMBARGADORA LÍLIAN MACIEL - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."