Data de publicação: 24/04/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Geraldo Augusto
(...) “Nos termos do art. 227 da CR/88 e dos artigos 1º, 86 e 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm os Municípios o dever constitucional e legal de promover programas de assistência integral à proteção da criança e do adolescente, especialmente aquelas que se encontram em situação de risco, que inegavelmente detêm o direito de serem amparadas pelo Poder Público.” (...)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL DE ACOLHIMENTO FAMILIAR E INSTITUCIONAL - INJUSTIFICÁVEL OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL - EXCEPCIONAL ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO - POSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO DE FIRMAR CONVÊNIO COM INSTITUIÇÃO ESPECÍFICA - AFASTADA - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. Como regra, não compete ao Poder Judiciário a formulação e implementação de políticas públicas, pois, nessa seara, a atuação incumbe, prioritariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo. Contudo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, em face do princípio da supremacia da Constituição, é lícito ao Poder Judiciário adotar, excepcionalmente, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efetiva a implantação de políticas públicas, se e quando se registrar situação caracterizadora de inescusável omissão estatal. Nos termos do art. 227 da CR/88 e dos artigos 1º, 86 e 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm os Municípios o dever constitucional e legal de promover programas de assistência integral à proteção da criança e do adolescente, especialmente aquelas que se encontram em situação de risco, que inegavelmente detêm o direito de serem amparadas pelo Poder Público. Demonstrada a inércia contumaz do Município, ao permanecer por significativo período sem firmar qualquer contrato/convênio com instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes, deve ser acolhida a pretensão exordial, para que seja suprida a omissão. Não merece subsistir o provimento exarado na sentença, que impõe ao ente público requerido, de menor capacidade, ônus excessivo, através de obrigação de firmar convênio com instituição específica, quando já adotadas providências suficientes junto a instituição diversa.
(TJ-MG - AC: 00573170220188130514, Relator: Des.(a) Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 25/04/2023, 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/04/2023)
Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL DE ACOLHIMENTO FAMILIAR E INSTITUCIONAL - INJUSTIFICÁVEL OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL - EXCEPCIONAL ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO - POSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO DE FIRMAR CONVÊNIO COM INSTITUIÇÃO ESPECÍFICA - AFASTADA - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Como regra, não compete ao Poder Judiciário a formulação e implementação de políticas públicas, pois, nessa seara, a atuação incumbe, prioritariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo. Contudo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, em face do princípio da supremacia da Constituição, é lícito ao Poder Judiciário adotar, excepcionalmente, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efetiva a implantação de políticas públicas, se e quando se registrar situação caracterizadora de inescusável omissão estatal.
Nos termos do art. 227 da CR/88 e dos artigos 1º, 86 e 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, têm os Municípios o dever constitucional e legal de promover programas de assistência integral à proteção da criança e do adolescente, especialmente aquelas que se encontram em situação de risco, que inegavelmente detêm o direito de serem amparadas pelo Poder Público.
Demonstrada a inércia contumaz do Município, ao permanecer por significativo período sem firmar qualquer contrato/convênio com instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes, deve ser acolhida a pretensão exordial, para que seja suprida a omissão.
Não merece subsistir o provimento exarado na sentença, que impõe ao ente público requerido, de menor capacidade, ônus excessivo, através de obrigação de firmar convênio com instituição específica, quando já adotadas providências suficientes junto a instituição diversa.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.22.250371-6/001 - COMARCA DE PITANGUI - APELANTE (S): M.M. - APELADO (A)(S): M.P.-.M.
A C Ó R D Ã O
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. GERALDO AUGUSTO
RELATOR
DES. GERALDO AUGUSTO (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença (doc. 73) que, nos autos da ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS em face do MUNICÍPIO DE MARAVILHAS, julgou procedente o pedido inicial, extinguindo a ação com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para confirmar a tutela antecipada e condenar o Município à obrigação de fazer, consistente na celebração de convênio para implementação do Programa de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes junto à APAM, instituição voltada para acolhimento no âmbito da Comarca de Pitangui/MG; bem como a se manter adimplente quanto aos repasses, sob pena de multa diária, esta arbitrada em R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada ao valor da subvenção em atraso. Sem custas e honorários.
Inconformado recorre o Município de Maravilhas, aduzindo, preliminarmente, que a sentença apresenta vício 'extra petita', pois durante três anos não houve direcionamento de criança ou jovem para Programa de Acolhimento Institucional em seu território. Aduz que providenciou edital para credenciamento de instituições especializadas no abrigamento de menores em situação de risco (Processo Licitatório n. 017/2019 - Edital de Credenciamento nº 008/2018), contudo, não houve interessados. Assevera que diligenciou junto a outros Municípios para a realização de consórcio com este fulcro. Alude que o juízo, para além do solicitado, reconheceu a probabilidade do direito alegado com base na falta de repasses para instituição que não prestava qualquer serviço à municipalidade. Diz que foi celebrado "Convênio de Cooperação com o Município de Sete Lagoas, por intermédio da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos. Enfatiza que o Ministério Público reconheceu expressamente a preliminar de perda do objeto, com a celebração de convênio para a prática do ato que se buscou tutelar na inicial. Afirma que a decisão judicial não buscou tutelar interesses de menores, mas o interesse de uma associação específica. Entende que o pleito formulado pelo Parquet foi para a formalização do convênio junto a uma instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Salienta que ao tempo da ação, já havia sido firmado convênio entre o apelante e o Município de Sete Lagoas. Registra que possui reduzido número de habitantes e sucinta estrutura administrativa, além de diversos entraves financeiros e, especificamente para a situação descrita, conta com ínfimo número de crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social. Que, ao determinar a manutenção de parceria com exclusiva entidade assistencial, a sentença acarretou situação de insegurança jurídica para a administração, que possui dois instrumentos jurídicos para a mesma finalidade. Entende que a decisão acaba por inaplicar o que dispõe o art. 88, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto rechaçou medida que comunga da diretriz da política de atendimento de descentralização político-administrativa. Que a sentença viola a razoabilidade e a proporcionalidade. Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais (doc. 79).
Contrarrazões, em síntese, pelo desprovimento do recurso (doc. 82).
Parecer da d. Procuradoria de Justiça pela manutenção da sentença (doc. 84).
É o relatório.
Conhece-se do recurso, presentes os requisitos de admissibilidade necessários.
Depreende-se dos autos que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou a presente ação civil pública em face do Município de Maravilhas, aduzindo que o referido ente público deixou de renovar contrato de convênio antes mantido com a APAM - Associação de Proteção e Amparo ao Menor, para prestação de serviços de acolhimento institucional de crianças em situação de risco, expondo-os a potencial e grave situação de risco, caso houvesse necessidade de atendimento. Assim, pugnou pela condenação do Município a formalizar e apresentar convênio, firmado junto a instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes, bem como a implementar Programa de Acolhimento Institucional.
Como visto, o d. sentenciante julgou procedente o pedido inicial, condenando o Município na obrigação de fazer consistente em celebrar convênio para implementação do Programa de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes junto à APAM, instituição voltada para acolhimento no âmbito da Comarca de Pitangui/MG, devendo, ainda, se manter adimplente quanto aos repasses.
Assiste parcial razão ao recorrente.
O Estado, em sentido amplo, tem o dever de promover programas de assistência integral à proteção da criança e do adolescente que se encontre em situação de risco.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, preconiza a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente (art. 1º), prevendo, para tanto, uma Política de Atendimento aos direitos destes que será exercida através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 86).
E dentre as diretrizes dessa política de atendimento está a" municipalização do atendimento "(art. 88, I) e a" criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa "(art. 88, III).
Vê-se, assim, que a citada Política de Atendimento será exercida de forma descentralizada, mas com ênfase na atuação dos Municípios, diante da proximidade destes em relação à população.
É certo, portanto, que o Município tem o dever constitucional e legal de promover programas de assistência integral à proteção da criança e do adolescente, especialmente aquelas que se encontram em situação de risco, que inegavelmente detêm o direito de serem amparadas pelo Poder Público.
Entretanto, também é certo que, como regra, não compete ao Poder Judiciário a formulação e implementação de políticas públicas, pois, nessa seara, a atuação incumbe, prioritariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, em face do princípio da supremacia da Constituição, é lícito ao Poder Judiciário adotar, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efetiva a implantação de políticas públicas, se e quando se registrar situação caracterizadora de inescusável omissão estatal.
Explicitando o tema, assim se manifestou a Corte:
"A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental (...)"(EDC no AI 598.212/PR, Rel. Min. Celso de Mello).
Portanto, na esteira do entendimento do STF, o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação ao princípio da separação dos poderes. Porém, devem estar presentes três requisitos, quais sejam, a natureza constitucional da política pública reclamada, a existência de correlação entre ela e os direitos fundamentais, e a prova de que há omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo justificativa razoável para tal comportamento.
No caso, estão presentes os aludidos requisitos, pois restou demonstrada a natureza constitucional da Política de Atendimento a crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco, nos moldes do art. art. 227 da CR/88, e a inércia contumaz do Município de Maravilhas, que permaneceu por significativo período sem qualquer contrato/convênio com instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes.
Nesse contexto, entende-se que o provimento pretendido pelo Ministério Público deve ser acolhido.
Contudo, vê-se que o d. sentenciante determinou que a implementação do Programa de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes no âmbito do Município requerido ocorra junto a instituição específica, qual seja, a APAM (Associação de Proteção e Amparo ao Menor), quando o pedido exordial se limitou a requerer a adoção da providência, de modo genérico, junto a qualquer instituição voltada ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes.
A circunstância é relevante ao caso, já que o Município demonstrou à ordem nº 13 que firmou convênio de cooperação com o Município de Sete Lagoas, em dezembro de 2018, com vistas a estabelecer ação articulada entre os partícipes para acolhimento institucional temporário e excepcional de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e/ou em situação de risco.
A situação não conduz ao reconhecimento de perda de objeto da ação, pois, ao que se extrai, a liminar concedida nos autos é anterior à assinatura do referido ajuste.
Entretanto, nesse contexto, a determinação contida na sentença, que impõe obrigação de celebrar convênio, especificamente, junto à APAM, além de se revelar mais restritiva, não é razoável, na espécie, onerando de sobremaneira o Município em questão, que parece não possuir, atualmente, demanda capaz de justificar a manutenção de duas instituições de acolhimento, como sinalizado pela Coordenadora da APAM à ordem nº 09 - pág. 07.
Com tais razões, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando-se a d. sentença recorrida, tão somente para determinar que o Município de Maravilhas mantenha a celebração de convênio para Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes junto a instituição voltada à referida finalidade, sob pena de multa diária.
Sem custas e honorários.
DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. JULIANA CAMPOS HORTA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:"DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."