Data de publicação: 10/04/2024
Tribunal: STJ
Relator: Min. Nancy Andrighi
(...) O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal (...)
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO NAS RAZÕES DO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. SÚMULA 284/STF. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS E RECONVENÇÃO COM PEDIDO DE MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. VÍNCULO FORTE ENTRE DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE a natureza personalíssima do direito E a incapacidade econômica da criança ou adolescente. PREVALÊNCIA Da regra do art. 99, § 3º, do cpc/15. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA Da criança ou adolescente. CONTROLE JURISDICIONAL POSTERIOR. possibilidade.preservação do acesso à justiça e contraditório. relevância do direito material. alimentos. impossibilidade de restrição injustificada ao exercício do direito de ação. 1- Recurso especial interposto em 24/06/2022 e atribuído à Relatora em 28/03/2023.2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por criança ou adolescente, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.3- Não se conhece do recurso especial ao fundamento de violação ao art. 1.022, II, do CPC/15, quando as razões recursais somente se limitam a apontar genericamente a existência de omissões e apenas se reportam aos embargos de declaração opostos na origem, sem, contudo, especificá-las e demonstrá-las nas razões do especial.4- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.5- Em se tratando de crianças e adolescentes representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica da criança ou adolescente, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderiam fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.6- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica das crianças e adolescentes consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, § 3º, do CPC/15, deferindo-se o benefício em razão da presunção da insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/15, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório.7- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque a fixação, o arbitramento ou o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.8- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada ou o elevado valor da obrigação alimentar não podem, por si só, servir de impedimento à concessão da gratuidade de justiça às crianças e adolescentes credoras de alimentos, especialmente quando incerta e ainda pendente severa controvérsia entre os pais a respeito de suas efetivas necessidades.9- Recurso especial conhecido e provido, para deferir o benefício da gratuidade da justiça ao recorrente, prejudicado o exame da questão sob a ótica do dissenso jurisprudencial.
(STJ - REsp: 2057894 SP 2023/0078097-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 17/10/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2023)
Inteiro Teor
RECURSO ESPECIAL Nº 2.057.894 - SP (2023/0078097-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L D M
REPR. POR : F D R
ADVOGADOS : NATÁLIA LUCIANA PAVAN IMPARATO - SP146216 MICHELLE REICHER - SP155203
RECORRIDO : J J M
ADVOGADO : FABÍOLA ABRAHÃO DOS SANTOS FORTES ELY - RS046389
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO NAS RAZÕES DO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. SÚMULA 284/STF. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS E RECONVENÇÃO COM PEDIDO DE MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. VÍNCULO FORTE ENTRE DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE A NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO E A INCAPACIDADE ECONÔMICA DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA REGRA DO ART. 99, § 3º, DO CPC/15. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONTROLE JURISDICIONAL POSTERIOR. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E CONTRADITÓRIO. RELEVÂNCIA DO DIREITO MATERIAL. ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO INJUSTIFICADA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO.
1- Recurso especial interposto em 24/06/2022 e atribuído à Relatora em 28/03/2023.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por criança ou adolescente, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.
3- Não se conhece do recurso especial ao fundamento de violação ao art. 1.022, II, do CPC/15, quando as razões recursais somente se limitam a apontar genericamente a existência de omissões e apenas se reportam aos embargos de declaração opostos na origem, sem, contudo, especificá-las e demonstrá-las nas razões do especial.
4- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.
5- Em se tratando de crianças e adolescentes representados pelos seus pais, haverá
sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica da criança ou adolescente, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderiam fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.
6- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica das crianças e adolescentes consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, § 3º, do CPC/15, deferindo-se o benefício em razão da presunção da insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/15, a posteriori , a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório.
7- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque a fixação, o arbitramento ou o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
8- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada ou o elevado valor da obrigação alimentar não podem, por si só, servir de impedimento à concessão da gratuidade de justiça às crianças e adolescentes credoras de alimentos, especialmente quando incerta e ainda pendente severa controvérsia entre os pais a respeito de suas efetivas necessidades.
9- Recurso especial conhecido e provido, para deferir o benefício da gratuidade da justiça ao recorrente, prejudicado o exame da questão sob a ótica do dissenso jurisprudencial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiï¿1⁄2a, na conformidade dos votos e das notas taquigrï¿1⁄2ficas constantes dos autos. por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasï¿1⁄2lia (DF), 17 de outubro de 2023 (Data do Julgamento).
MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Presidente
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RECURSO ESPECIAL Nº 2.057.894 - SP (2023/0078097-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L D M
REPR. POR : F D R
ADVOGADOS : NATÁLIA LUCIANA PAVAN IMPARATO - SP146216 MICHELLE REICHER - SP155203
RECORRIDO : J J M
ADVOGADO : FABÍOLA ABRAHÃO DOS SANTOS FORTES ELY - RS046389 RELATÓRIO Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI Cuida-se de recurso especial interposto por L D M, representado por
sua genitora F D R, com base no art. 105, III, alínea a e c, da Constituição
Federal, contra o acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, negou provimento ao
agravo de instrumento por ele interposto.
Recurso especial interposto em: 24/06/2022.
Atribuído ao gabinete em: 28/03/2023.
Ação : de guarda, visitação e revisional de alimentos ajuizada pelo recorrido, J J M, contra o recorrente em 09/02/2021 (fls. 32/65, e-STJ), seguida de reconvenção ajuizada pelo recorrente em face do recorrido, em que pleiteia a majoração dos alimentos.
Decisão interlocutória : indeferiu o benefício da gratuidade judiciária pleiteado pelo recorrente e a concessão de tutela provisória de urgência por ele formulada em reconvenção (fl. 25, e-STJ).
Acórdão do TJ/SP : por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa:
Alteração de guarda, visitas e alimentos. Decisão guerreada que indeferiu o pedido de majoração da obrigação alimentar, bem como os benefícios da assistência judiciária. Insurgência. Pretensa majoração dos alimentos. Dilação probatória. Ausência, no momento, de comprovação das reais necessidades do agravante.
Indeferimento do benefício da assistência judiciária. A presunção legal, face à declaração de pobreza, é relativa. Condições pessoais da parte que desautorizam o reconhecimento da presunção. Ausência de comprovação quanto à momentânea dificuldade financeira . Decisão mantida. Recurso improvido (fls. 418/423, e-STJ).
Embargos de declaração : opostos pelo recorrente, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 434/437, e-STJ).
Recurso especial: alega-se, em síntese: (i) violação ao art. 1.022 2, II, do CPC/15 5, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissão relevante; e (ii) violação aos arts. 98 8, caput , e 99 9, § 2ºº, do CPC/15 5, ao fundamento de que se trata de gratuidade judiciária pleiteada por incapaz, criança de tenra idade que pleiteia majoração de alimentos em ação em que pai postula a redução, de modo que haveria presunção de hipossuficiência econômica e de necessidade da concessão do benefício, apontando dissídio jurisprudencial com acórdãos do TJ/RJ e do TJ/MG (fls. 442/459, e-STJ).
Juízo de admissibilidade no TJ/SP : o recurso especial foi admitido na origem, mas indeferido o pedido de efeito suspensivo (fls. 471/476, e-STJ).
Ministério Público Federal : opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 488/492, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 2.057.894 - SP (2023/0078097-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L D M
REPR. POR : F D R
ADVOGADOS : NATÁLIA LUCIANA PAVAN IMPARATO - SP146216 MICHELLE REICHER - SP155203
RECORRIDO : J J M
ADVOGADO : FABÍOLA ABRAHÃO DOS SANTOS FORTES ELY - RS046389
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO NAS RAZÕES DO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. SÚMULA 284/STF. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS E RECONVENÇÃO COM PEDIDO DE MAJORAÇÃO DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. VÍNCULO FORTE ENTRE DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE A NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO E A INCAPACIDADE ECONÔMICA DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA REGRA DO ART. 99, § 3º, DO CPC/15. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE. CONTROLE JURISDICIONAL POSTERIOR. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E CONTRADITÓRIO. RELEVÂNCIA DO DIREITO MATERIAL. ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO INJUSTIFICADA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO.
1- Recurso especial interposto em 24/06/2022 e atribuído à Relatora em 28/03/2023.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por criança ou adolescente, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.
3- Não se conhece do recurso especial ao fundamento de violação ao art. 1.022, II, do CPC/15, quando as razões recursais somente se limitam a apontar genericamente a existência de omissões e apenas se reportam aos embargos de declaração opostos na origem, sem, contudo, especificá-las e demonstrá-las nas razões do especial.
4- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.
5- Em se tratando de crianças e adolescentes representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos
e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica da criança ou adolescente, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderiam fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.
6- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica das crianças e adolescentes consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, § 3º, do CPC/15, deferindo-se o benefício em razão da presunção da insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/15, a posteriori , a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório.
7- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque a fixação, o arbitramento ou o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
8- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada ou o elevado valor da obrigação alimentar não podem, por si só, servir de impedimento à concessão da gratuidade de justiça às crianças e adolescentes credoras de alimentos, especialmente quando incerta e ainda pendente severa controvérsia entre os pais a respeito de suas efetivas necessidades.
9- Recurso especial conhecido e provido, para deferir o benefício da gratuidade da justiça ao recorrente, prejudicado o exame da questão sob a ótica do dissenso jurisprudencial.
RECURSO ESPECIAL Nº 2.057.894 - SP (2023/0078097-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : L D M
REPR. POR : F D R
ADVOGADOS : NATÁLIA LUCIANA PAVAN IMPARATO - SP146216 MICHELLE REICHER - SP155203
RECORRIDO : J J M
ADVOGADO : FABÍOLA ABRAHÃO DOS SANTOS FORTES ELY - RS046389
VOTO
Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI
Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há omissões relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por criança ou adolescente, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.
1. DA SUPOSTA EXISTÊNCIA DE OMISSÕES RELEVANTES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, II, DO CPC/15.
1. De início, sublinhe-se não ser admissível o recurso especial ao fundamento de violação ao art. 1.022, II, do CPC/15, na medida em que as razões recursais somente se limitaram a apontar genericamente a existência de omissões, sem, contudo, especificá-las.
2. Com efeito, verifica-se que o recorrente apenas se reportou ao teor dos embargos de declaração opostos na origem, que, segundo se alega, apontava a existência de relevantes omissões, mas não se desincumbiu do ônus de demonstrar, nas razões deste recurso especial, quais seriam essas omissões, de modo a tornar compreensível o recurso nesse particular, razão pela qual se aplica à
hipótese a Súmula 284/STF.
2. PRESSUPOSTOS DA CONCESSÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA EM AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS POR CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 98, CAPUT, E 99, § 2º, AMBOS DO CPC/15.
3. Para melhor contextualização da controvérsia, sublinhe-se que o recorrido ajuizou ação revisional em que pretende a redução dos alimentos devidos ao filho, recorrente representado por sua genitora, que, citado, reconveio pleiteando a majoração dos alimentos, inclusive a título de tutela provisória de urgência.
4. Por intermédio da decisão interlocutória de fl. 25 (e-STJ), foi indeferido o pedido de gratuidade judiciária ao recorrente, "eis que o padrão de vida usufruído é muito superior ao alegado estado de hipossuficiência" . Na mesma oportunidade, foi também indeferido o pedido de tutela de urgência.
5. O agravo de instrumento interposto pelo recorrente contra a referida decisão, impugnando ambos os capítulos, foi desprovido pelo TJ/SP (acórdão de fls. 418/423, e-STJ). No que se refere à gratuidade judiciária, a única devolvida no recurso especial, a fundamentação adotada foi a seguinte:
No presente caso, verifica-se que a obrigação alimentar foi fixada em favor da menor no montante aproximado de R$10.000,00 (dez mil reais).
(...)
Ora, os artigos 98 e 99 do Novo Código de Processo Civil, ao trazerem a isenção das custas judiciais para os reconhecidamente pobres na acepção jurídica do termo, não prevê um direito absoluto da parte que almeja a gratuidade.
Constitui tal benefício uma exceção ao princípio legal de que o serviço judiciário é retribuído por taxas corretamente calculadas pela contraprestação.
Pobre, na acepção jurídica do termo, é o litigante sem recursos financeiros suficientes para investir nas demandas judiciais sem que com isso haja prejuízo para o sustento próprio ou de sua família. E alargar este conceito para abranger aqueles que, a olhos vistos, dispõem de meios para custear o serviço prestado pelo Poder Judiciário, é sobrecarregar o Estado com os gastos dirigidos a pessoas certas e determinadas, fazendo-o dispor, para tanto, dos meios recolhidos por toda a coletividade.
No caso em tela, equivocado o entendimento esposado no recurso, pois, por obvio, que a documentação para comprovação da insuficiência econômico-financeira será da representante legal do menor.
Deste modo, diante da ausência de comprovação quanto à momentânea dificuldade financeira, claro está que não faz jus os benefícios da gratuidade, tendo em vista que possui perfil diferente da maioria dos postulantes que são verdadeiramente destinatários do benefício, e esse perfil diferenciado rompe a presunção de miserabilidade, tanto que o juiz indeferiu a gratuidade. Com acerto.
6. Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados sob os
seguintes fundamentos:
Verifica-se que o embargante pleiteia que seja dada nova manifestação em relação a concessão dos benefícios da gratuidade em favor do menor.
Contudo, em que pese os apontamentos do embargante em relação ao entendimento exarado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, esta relatoria entende que a documentação para comprovação da insuficiência econômica será da representante do menor e, no caso, não há comprovação da impossibilidade de arcar com as custas e despesas processuais.
7. A tese deduzida no recurso especial, em síntese, é de que a
concessão da gratuidade de justiça deve ser examinada sob o prisma da criança que é beneficiária dos alimentos, e não de sua representante legal, havendo presunção de insuficiência de recursos justamente em virtude da natureza da prestação e, inclusive, porque se pretende justamente, na ação de origem, a majoração da referida obrigação.
8. Na forma do art. 10 da revogada Lei nº 1.060/50, já se consignava
que "são individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de assistência judiciária , que se não transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário , podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais favores, na forma estabelecida nesta Lei" .
9. O referido dispositivo legal revelava, pois, que o direito ao benefício da gratuidade de justiça possuía natureza individual e personalíssima , não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão.
10. Conquanto não tenha havido expressa revogação do art. 10 da Lei nº 1.060/50, conforme se depreende do art. 1.072, III, do novo CPC, fato é que norma de igual sentido se encontra prevista no art. 99, § 6º, da nova lei processual, que prevê que "o direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário , salvo requerimento e deferimento expressos" .
11. A natureza personalíssima do direito à gratuidade de justiça, aliás, é objeto de amplo consenso na doutrina, como bem destacam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
12. Individualização do pedido de gratuidade. O pedido de gratuidade é personalíssimo. Evidentemente, a situação econômica que justifica o pagamento, ou não, das custas e despesas processuais é de cunho igualmente individual . Permitir que tal benefício se estenda aos litisconsortes ou sucessores é dar margem ao seu uso indevido. (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 523).
12. Embora a regra do art. 99, § 6º, do novo CPC, limite-se a enunciar que o benefício não é automaticamente extensível ao litisconsorte, tampouco é automaticamente transmissível ao sucessor, é da natureza personalíssima do direito à gratuidade que os pressupostos legais para a sua concessão
deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte e não pelo seu representante legal .
13. É evidente que, em se tratando de crianças ou adolescentes representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica da própria criança e adolescente, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderiam fazer jus à luz da situação financeira de seus pais.
14. Para melhor resolver essa questão controvertida, é preciso examinar, em primeiro lugar, a aparente contradição que há entre o art. 99, §§ 2º e § 3º, do CPC/15, que assim dispõem, in verbis:
Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
15. A aparente contradição reside no fato de que, de um lado, há a presunção de veracidade da alegação de insuficiência deduzida pela pessoa natural (art. 99, § 3º) que, de outro lado, poderá ser afastada se houver elementos que evidenciem que a referida declaração não é verossímil (art. 99, § 2º).
16. O problema não escapou do crivo de Fernando da Fonseca
Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr. :
4. Presunção de insuficiência de recursos para a pessoa física (§ 3º) . O § 3º traz a presunção de insuficiência de recursos, apenas para a pessoa física. Consequentemente, o ônus da prova na impugnação à gratuidade é, em regra, do impugnante (vide artigo 100, item 4). 4.1. Há um leve grau de colidência entre esse § 3º (que aponta a presunção de necessidade) e § 2º do artigo 99 (que afirma ser possível ao juiz indeferir de ofício, após oitiva da parte). Ou seja, apesar de existir a presunção de necessidade, trata-se de presunção relativa , pois o juiz pode, conforme sua análise da causa, indeferir o benefício - e nesse caso a presunção de gratuidade será afastada pelo magistrado em relação ao que consta dos autos. 4.2. Na prática, a leve divergência legislativa permite que a jurisprudência seja variável. Como já mencionado anteriormente, há juízes mais rígidos para a concessão, que prestigiam o § 2º (possibilidade de indeferimento); e há juízes mais condescendentes, que dão maior relevância para o § 3º (forte presunção de necessidade). (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2022. p. 166).
17. Em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por criança ou adolescente , é apropriado que, inicialmente, incida a regra do art. 99, § 3º, do CPC/15, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de sua insuficiência de recursos decorrente de sua alegação, ressalvando-se, todavia, a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, CPC/15, a posteriori , a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício concedido.
18. Essa forma de encadeamento dos atos processuais privilegia, a um só tempo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição , pois não impede o imediato ajuizamento da ação e a prática de atos processuais eventualmente indispensáveis à tutela do direito vindicado, e também o princípio do contraditório , pois permite ao réu que produza prova, ainda que indiciária, de que não se trata de hipótese de concessão do benefício.
19. Em segundo lugar, deve também ser levada em consideração a natureza do direito material que é objeto da ação e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do
direito de ação em que se busque a fixação, arbitramento, revisão ou adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
20. Com efeito, o fato de a representante legal do beneficiário
possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da execução não podem, por si só, servir de impedimento à concessão da gratuidade de justiça às crianças ou adolescentes que são os credores dos alimentos , em favor de quem devem ser revertidas as prestações com finalidades bastante específicas e relevantes.
21. Tratando, especificamente, de ações que envolviam alimentos,
esse foi o entendimento, unânime, desta 3a Turma:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA DE ALIMENTOS. DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. NATUREZA INDIVIDUAL E PERSONALÍSSIMA. EXTENSÃO A TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES A PARTIR DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DE PESSOA DISTINTA DA PARTE, COMO A REPRESENTANTE LEGAL DE MENOR. VÍNCULO forte ENTRE DIFERENTES SUJEITOS DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO MENOR. AUTOMÁTICO EXAME DO DIREITO À GRATUIDADE DE TITULARIDADE DO MENOR À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS PAIS. IMPOSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. TENSÃO ENTRE A NATUREZA PERSONALÍSSIMA DO DIREITO E INCAPACIDADE ECONÔMICA DO MENOR. PREVALÊNCIA DA REGRA DO ART. 99, § 3º, DO NOVO CPC. ACENTUADA PRESUNÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DO MENOR. CONTROLE JURISDICIONAL POSTERIOR. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E CONTRADITÓRIO. RELEVÂNCIA DO DIREITO MATERIAL. ALIMENTOS. IMPRESCINDIBILIDADE DA SATISFAÇÃO DA DÍVIDA. RISCO GRAVE E IMINENTE AOS CREDORES MENORES. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO INJUSTIFICADA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. REPRESENTANTE LEGAL QUE EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL. VALOR DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. IRRELEVÂNCIA.
1- Recurso especial interposto em 18/05/2018 e atribuído à Relatora em 13/02/2019.
2- O propósito recursal é definir se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por menor, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.
3- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se
pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.
4- Em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.
5- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica do menor consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, § 3º, do novo CPC, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de sua insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do novo CPC, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório.
6- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
7- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da execução não podem, por si só, servir de empeço à concessão da gratuidade de justiça aos menores credores dos alimentos.
8- Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1.807.216/SP, 3a Turma, DJe 06/02/2020).
22. Mais recentemente, esse mesmo tema voltou a ser examinado
nesta Corte, agora sob a perspectiva de uma ação de reparação de danos morais, e o entendimento se manteve, ainda que por maioria de votos:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. AÇÃO PROPOSTA POR MENOR. EXAME DO DIREITO AO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE À LUZ DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DOS GENITORES. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA PERSONALÍSSIMA. PRESSUPOSTOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS PELA PARTE REQUERENTE.
1. Ação de compensação por danos morais ajuizada em 31/12/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 03/10/2022 e concluso ao gabinete em 09/03/2023.
2. O propósito recursal consiste em definir se é admissível condicionar a concessão da gratuidade de justiça a menor à demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.
3. O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e
personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal.
4. Em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.
5. Em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor, é apropriado que, inicialmente, incida a regra do art. 99, § 3º, do CPC/2015, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de insuficiência de recursos decorrente de sua alegação. Fica ressalvada, entretanto, a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/2015, a ausência dos pressupostos legais que justificam a concessão gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício.
6. Na hipótese dos autos, a Corte de origem indeferiu o benefício pleiteado pelo recorrente (menor), consoante o fundamento de que não foi comprovada a hipossuficiência financeira de seus genitores, o que não se revela cabível.
7. Recurso especial conhecido e provido (REsp 2.055.363/MG, 3a Turma, DJe 23/06/2023).
3. RESOLUÇÃO DA HIPÓTESE EM EXAME.
23. Na hipótese em exame, constata-se que o acórdão recorrido
manteve a decisão interlocutória que havia indeferido o benefício ao simples fundamento de que o padrão de vida era incompatível com a gratuidade judiciária e de que o valor de base deveria ser examinado sob a perspectiva dos rendimentos auferidos pela representante legal da criança ou do adolescente, afastando-se, pois, da orientação desta Corte.
24. Ademais, anote-se que há ampla controvérsia entre as partes a
respeito do valor dos alimentos, atualmente fixados em R$ 10.000,00 , e das reais necessidades da criança que deles se beneficiará, pois, enquanto o recorrido pleiteia a redução para R$ 3.000,00 , o recorrente busca a majoração dos alimentos para quase R$ 30.000,00.
25. Nesse contexto, não há dúvida de que se tratam de pais com poder aquisitivo acima da média nacional e também é indiscutível que, com a ruptura da vida conjugal, poderá eventualmente haver a necessidade de adaptações a respeito das necessidades da criança diante de um novo cenário econômico que se apresentará.
26. Essas adaptações são naturais e gradativas e poderão repercutir no valor que virá a ser arbitrado a título de alimentos, com a possibilidade, por óbvio, de vir a ser indeferida a gratuidade judiciária se se comprovar que é possível, diante dessa nova realidade que virá a ser concretizada, a alocação de recursos para o custeio das despesas processuais sem prejuízo do custeio das necessidades da criança e do adolescente.
27. Nesse momento, contudo, em que tudo ainda é bastante incerto e no qual ainda se discutem quais seriam as reais necessidades do recorrente, não tendo havido sequer impugnação do recorrido sobre a gratuidade judiciária, é prematuro o indeferimento apenas com base na condição socioeconômica da genitora ou com base no valor nominal dos alimentos em vigor.
4. DISPOSITIVO
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE e, nessa extensão, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de deferir o benefício da gratuidade da justiça ao recorrente, prejudicado o exame da questão sob a ótica do dissenso jurisprudencial.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2023/0078097-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 2.057.894 / SP
Números Origem: 000142202110123367820218260100 10123367820218260100
142202110123367820218260100 22433213820218260000
PAUTA: 17/10/2023 JULGADO: 17/10/2023
SEGREDO DE JUSTIÇA Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. OSNIR BELICE
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : L D M
REPR. POR : F D R
ADVOGADOS : NATÁLIA LUCIANA PAVAN IMPARATO - SP146216 MICHELLE REICHER - SP155203
RECORRIDO : J J M
ADVOGADO : FABÍOLA ABRAHÃO DOS SANTOS FORTES ELY - RS046389
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Relações de Parentesco - Guarda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.