#1 - Guarda provisória. Adotantes não inscritos no CNA. Melhor interesse da criança

Data de publicação: 21/03/2024

Tribunal: TJ-GO

Relator: Des(a). JEOVA SARDINHA DE MORAES

Chamada

(...) Em que pese a utilidade do cadastro de pretendentes à adoção de que trata o art. 50 do ECA, o qual, além de facilitar a apuração dos requisitos legais, assegura a celeridade e lisura às adoções, tal regramento deve ser relativizado, mormente quando demonstrado que os postulantes já assistem o menor há aproximadamente 02 (dois) anos, desde que ele foi abandonado pelos seus genitores (...)

 

Ementa na Íntegra

EMENTA: AÇÃO DE GUARDA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE GUARDA PROVISÓRIA. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA. PRESERVAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. I ? Em que pese a utilidade do cadastro de pretendentes à adoção de que trata o art. 50 do ECA, o qual, além de facilitar a apuração dos requisitos legais, assegura a celeridade e lisura às adoções, tal regramento deve ser relativizado, mormente quando demonstrado que os postulantes já assistem o menor há aproximadamente 02 (dois) anos, desde que ele foi abandonado pelos seus genitores, ambos dependentes químicos, não sendo razoável tirá-lo de seu meio de convívio, onde está plenamente adaptado e vinculado afetivamente, para colocá-lo em uma instituição de acolhimento, razão pela qual a eles deve ser deferida a guarda provisória almejada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. (TJ-GO - AI: 04281906420188090000, Relator: Des(a). JEOVA SARDINHA DE MORAES, Data de Julgamento: 22/06/2020, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 22/06/2020)

 

Jurisprudência na Íntegra

 

Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO

 

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

 

6ª Câmara Cível

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5428190.64.2018.8.09.0000

 

COMARCA DE PIRACANJUBA

 

AGRAVANTE: MARCELUS ELIAS DE CASTRO E OUTRA

 

AGRAVADO: MARIA APARECIDA RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO

 

RELATOR: DESEMBARGADOR JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

 

SEGREDO DE JUSTIÇA

 

VOTO

 

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, conheço-o e passo à sua apreciação.

 

Conforme relatado, cuida-se de Agravo de Instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto por MARCELUS ELIAS DE CASTRO e ANA MARIA ELIAS DE SOUZA E CASTRO, contra decisão inserta no Evento 16 – autos originários, proferida pela MM. Juíza de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Piracanjuba-GO, Drª. Heloísa Silva Mattos, nos autos da Ação de Guarda do menor Miguel Adriano de Souza Silva, com pedido de liminar, ajuizada em desfavor de MARIA APARECIDA RIBEIRO DE SOUZA e MILLER DA SILVA.

 

No ato decisório agravado, a julgadora de primeva indeferiu o pedido liminar de guarda provisória do menor Miguel Adriano de Souza Silva , com fundamento nos princípios do superior interesse da criança e da prevalência da família. Argumentando, ainda, que eventual interesse

 

pela adoção da criança não pode implicar em burla ao Cadastro Nacional de Adoção, Evento 16 – autos originários.

 

Em suas razões recursais a parte autora, afirma que, após várias denúncias de negligência e abandono do menor Miguel, em 06/05/2018, o mesmo foi encaminhado pelo Conselho Tutelar para a Casa de Passagem “Dona Lia”, e desde 09/06/2018 foi acolhido pelos agravantes, na condição de Família Acolhedora, onde tem recebido cuidados, atenção e amor nos finais de semana.

 

Aduz que o longo tempo de acolhimento institucional comprovam a situação de risco e vulnerabilidade do menor, tendo em vista o desinteresse e incapacidade dos pais, os quais são dependentes químicos, bem ainda da família extensa, configurado pela declaração da avó do menor ao Conselho Tutelar de que não possui interesse, nem condições financeiras de assumir a guarda da criança.

 

Pondera que é impossível presumir que um local de acolhimento institucional, no qual se encontra crianças de todas as idades e adolescentes, possa ser preferível a um lar estruturado, onde o menor pode gozar de momentos de bem-estar com uma família, com tratamento individualizado, lhe assegurando condições para um melhor desenvolvimento.

 

Diz que o Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao deferimento da liminar, ressaltando que o argumento de que o deferimento da guarda implicaria em burla do Cadastro Nacional de Adoção não pode ser utilizado em detrimento do bem-estar físico e psíquico do menor.

 

Destaca o caráter provisório da guarda vindicada, aduzindo que a liminar deferida poderá ser revogada, caso a família biológica ou extensa comprove a capacidade para o exercício da guarda, observando-se o melhor interesse da criança. Requer, assim, a provimento do recurso interposto, para reformar a decisão agravada, confirmando-se a guarda provisória do menor em favor dos agravantes.

 

Ab initio, esclareço que o agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, e deve limitar-se ao exame do que ficou soberanamente decidido pelo juízo singular, não podendo extrapolar o seu âmbito para matéria estranha ao ato judicial atacado.

 

Adentrando ao caso, verifica-se que os elementos e provas constantes dos autos permitem inferir a verossimilhança das alegações dos autores.

 

Isso porque, embora não se possa olvidar os nobres propósitos contidos no artigo 50 do

 

Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de um registro de pessoas interessadas na adoção, excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista da criança, na hipótese de existir vínculo afetivo entre o infante e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre cadastrado no referido registro, mormente considerando que a ordem de preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar infantes não é imutável.

 

Desta feita, além da aferição da imprescindível capacidade e aptidão do casal pretendente à adoção em exercer efetivamente o Poder Familiar, sendo relevante para tanto, o parecer psicossocial em conjunto com toda a instrução processual, o que se dará durante o curso do processo, in casu, preponderantemente, deve-se perscrutar o estabelecimento por parte do menor de vínculo afetivo com os ora recorridos, que, como visto, poderá tornar legítima a adoção.

 

Saliento que, in casu, não há prova de que os requerentes agiram de má-fé com intuito de burlar o regramento da fila de adoção. A criança já conta com 03 (três) anos de idade e vive aos cuidados dos agravantes há aproximadamente 02 (dois) anos, desde que foi abandonada pelos seus genitores, ambos dependentes químicos, não sendo razoável tirá-la de seu meio de convívio, onde está plenamente adaptada e vinculada afetivamente, para colocá-la em uma instituição de acolhimento.

 

Aliás, no mesmo sentido é o parecer ministerial, in verbis:

 

“(…) Oportuno destacar, ainda, que se revela preferível o exercício da guarda da criança por uma família substituta apta para tanto, do que mantê-lo acolhido em instituição, mormente quando o Ministério Público de 1º grau, mais próximo ao caso, apontou problemas relacionados ao abrigo institucional onde o menor se encontrava, como o quadro reduzido de funcionários e a presença de adolescente que respondeu por ato infracional análogo ao estupro de vulnerável supostamente praticado no referido local.” (sic, evento nº 61).

 

Ao teor dessa exegese, tem decidido esta Corte, in verbis:

 

“ AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ADOÇÃO C/C LIMINAR DE GUARDA. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL. PERMANÊNCIA DO MENOR COM OS ADOTANTES DESDE OS PRIMEIROS MESES DE VIDA. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA. PEDIDOS DE MEDIDA PROTETIVA E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL INDEFERIDOS. AFETIVIDADE QUE SE SOBREPÕE AO CADASTRO. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. I- Pretende o recorrente a reversão da decisão proferida pelo juízo

 

originário, com o encaminhamento do infante para uma instituição social sobre a qual não se tem maiores informações no feito. II- A observância ao prévio cadastro de adotantes, em hipóteses excepcionalíssimas, deve ser mitigada, máxime quando bem demonstrado o vínculo afetivo e familiar existente entre os candidatos à adoção e o menor (Precedentes do STJ). III- A convivência estabelecida entre o infante e os adotantes, com a entrega voluntária pela genitora e o procedimento legal devidamente instaurado, inclusive com a emenda à inicial antes da citação da requerida de sorte a restringir o pedido principal apenas à regulamentação da guarda da criança, portanto, sem qualquer demonstração de mácula capaz de infirmar o procedimento de futura adoção, impede a retirada abrupta da criança do lar adotivo, sob pena de violação ao princípio do melhor interesse do menor. IV- Dado o transcurso de considerável lapso temporal entre a interposição do presente recurso e este momento, infere-se que houve a dissipação do requisito do perigo na demora. Na verdade, diante da situação fática dos presentes autos, ressai indiscutível o periculum in mora reverso, diante do receio concreto de dano à criança em caso de reforma da medida liminar neste momento processual e o seu encaminhamento a uma instituição de acolhimento familiar. V- Desta forma, mostrando-se ainda provisória a medida deferida pela Magistrada singela, e diante da situação atual do feito, somente no bojo dos autos principais é que será possível viabilizar a dilação probatória necessária ao deslinde do processo, possibilitando a realização de estudo social na residência dos guardiães e da criança, bem como sobre os demais envolvidos, por meio da equipe interdisciplinar, para, ao final, aferir se o melhor interesse da criança é o deferimento definitivo ou não do pedido de guarda. Sendo assim, tendo em vista a necessidade de se resguardar os superiores interesses da criança, e mostrando-se temerária a retirada da posse da criança do casal agravado neste momento, não merece reforma a decisão atacada, sendo o desprovimento do presente recurso medida que se impõe. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, Agravo de Instrumento ( CPC ) 0236733-96.2016.8.09.0000, Rel. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Câmara Cível, julgado em 05/04/2019, DJe de 05/04/2019)

 

“ Apelação Cível. Ação de colocação em família substituta. Modalidade guarda. Guardiões não inscritos no Cadastro Nacional de Adoção. I - A observância ao prévio cadastro de adotantes deve ser mitigada, em hipóteses excepcionalíssimas, máxime quando demonstrada no caso concreto a existência de vínculo afetivo e familiar existente entre os candidatos à adoção e a criança (Precedentes do STJ). II - Guarda/adoção intuitu personae. Excepcional situação de fato consolidada há mais de 6 (seis) anos. Princípio do melhor interesse da criança. Em cotejo com o princípio da prevalência da família natural, não deve ser olvidado o princípio maior que regulamenta a adoção, qual seja, o do bem-estar ou do melhor interesse das crianças e adolescentes. In casu, a criança foi entregue pela genitora à tia que, posteriormente a entregou aos autores/apelados, permanecendo sob os cuidados destes desde então, estando plenamente adaptada e vinculada afetivamente ao

 

casal. Assim, a situação concreta autoriza o deferimento da guarda da infante aos autores/apelados, pretensos adotantes, sob pena de violação ao princípio do melhor interesse da criança. Apelação cível desprovida.” (TJGO, APELAÇÃO CÍVEL 0086604-54.2015.8.09.0052, Rel. Des. CARLOS ALBERTO FRANÇA, 2ª Câmara Cível, DJe 07/02/2019).

 

“ AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ADOÇÃO. TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA. GUARDA. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO OU RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO VISUALIZADOS. DEFERIMENTO. OBSERVÂNCIA DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. DECISÃO REFORMADA. 1. O deferimento de tutela de urgência apenas será concedida se observados, concomitantemente, os requisitos do artigo 300, caput, do Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, bem como não se vislumbre a possibilidade irreversibilidade do provimento antecipado.2. A guarda, uma das formas de colocação em família substituta, é um dever de assistência educacional, material e moral, a ser cumprido em proveito do menor, garantindo-lhe a sobrevivência física e o pleno desenvolvimento psíquico. 3. O princípio do melhor interesse orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador do Direito, determina a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos ou mesmo para a elaboração de futuras regras, inclusive no que diz respeito à colocação em família substituta.4. A observância da preferência das pessoas cronologicamente inscritas no Cadastro Nacional de Adoção merece ser relativizada, sobretudo porque demonstrado que os pretensos adotantes já vinham assistindo a infante desde que ela contava com poucos meses de idade, após ser abandonada pelo suposto pai e pela genitora dependente química, não se revelando medida salutar a sua alocação em abrigo, rompendo-se os vínculos afetivos constituídos, de modo que a eles deve ser deferida a guarda provisória almejada.5. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJGO, Agravo de Instrumento ( CPC ) 5025404-49.2017.8.09.0000, Rel. DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO, 4ª Câmara Cível, julgado em 11/05/2017, DJe de 11/05/2017)

 

Por fim, impende registrar que pode ser a guarda revogada a qualquer tempo, mediante decisão fundamentada, ouvido o Ministério Público, nos termos do artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Nesse contexto, presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar perseguida, forçosa se torna a conclusão de que a reforma do decisum impugnado é medida impositiva.

 

Na confluência do exposto, conheço o agravo de instrumento e lhe confiro

 

provimento, para, reformando a decisão combatida, deferir a medida liminar vindicada, conferindo aos autores/recorrentes a guarda provisória do menor Miguel Adriano de Souza Silva, pelas razões já alinhavadas.

 

É como voto.

 

Goiânia, 22 de junho de 2020.

 

Desembargador JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

 

Relator

 

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5428190.64.2018.8.09.0000

 

COMARCA DE PIRACANJUBA

 

AGRAVANTE: MARCELUS ELIAS DE CASTRO E OUTRA

 

AGRAVADO: MARIA APARECIDA RIBEIRO DE SOUZA E OUTRO

 

RELATOR: DESEMBARGADOR JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

 

SEGREDO DE JUSTIÇA

 

EMENTA: AÇÃO DE GUARDA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA DE GUARDA PROVISÓRIA. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA. PRESERVAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA . I – Em que pese a utilidade do cadastro de pretendentes à adoção de que trata o art. 50 do ECA, o qual, além de facilitar a apuração dos requisitos legais, assegura a celeridade e lisura às adoções, tal regramento deve ser relativizado, mormente quando demonstrado que os postulantes já assistem o menor há aproximadamente 02 (dois) anos, desde que ele foi abandonado pelos seus genitores, ambos dependentes químicos, não sendo razoável tirá-lo de seu meio de convívio, onde está plenamente adaptado e vinculado afetivamente, para colocá-lo em uma instituição de acolhimento, razão pela qual a eles deve ser deferida a guarda provisória almejad a. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5428190.64.2018.8.09.0000, acordam os componentes da Primeira Turma Julgadora da Sexta Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe provimento nos termos do voto do relator.

 

Votaram com o relator o Desembargador Fausto Moreira Diniz e o Desembargador Norival de Castro Santomé.

 

Presidiu a sessão o Desembargador Jeová Sardinha de Moraes.

 

Fez-se presente como representante da Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Waldir Lara Cardoso.

 

Goiânia, 22 de junho de 2020.

 

Desembargador JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

 

Relator

 

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