Data de publicação: 18/03/2024
Tribunal: TJ-MG
Relator: Des.(a) Alice Birchal
A guarda compartilhada tornou-se regra para que ambos os pais possam exercer o pleno poder familiar, quanto aos interesses e bem-estar dos filhos (Lei nº 13.058/14)- Apenas a inexistência de interesse de um dos pais e a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar justificam a não fixação da guarda compartilhada - Prudente estipular entre os genitores o regime de convivência em determinados períodos para que seja mantido o equilíbrio das relações, preservado o melhor interesse da criança.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - GUARDA - ALTERAÇÃO - COMPARTILHADA - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - FATOS DESABONADORES DO GENITOR - INEXISTÊNCIA - REGIME DE CONVIVÊNCIA - GARANTIA - AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO - A guarda compartilhada tornou-se regra para que ambos os pais possam exercer o pleno poder familiar, quanto aos interesses e bem-estar dos filhos (Lei nº 13.058/14)- Apenas a inexistência de interesse de um dos pais e a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar justificam a não fixação da guarda compartilhada - Prudente estipular entre os genitores o regime de convivência em determinados períodos para que seja mantido o equilíbrio das relações, preservado o melhor interesse da criança. (TJ-MG - Apelação Cível: 5003187-14.2021.8.13.0694, Relator: Des.(a) Alice Birchal, Data de Julgamento: 08/02/2024, 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 15/02/2024)
Inteiro Teor
Número do 1.0000.23.228328-3/001 Númeração 5003187-
Relator: Des.(a) Alice Birchal
Relator do Acordão: Des.(a) Alice Birchal
Data do Julgamento: 08/02/2024
Data da Publicação: 15/02/2024
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - GUARDA - ALTERAÇÃO - COMPARTILHADA - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - FATOS DESABONADORES DO GENITOR - INEXISTÊNCIA - REGIME DE CONVIVÊNCIA - GARANTIA - AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO
- A guarda compartilhada tornou-se regra para que ambos os pais possam exercer o pleno poder familiar, quanto aos interesses e bem-estar dos filhos (Lei nº 13.058/14).
- Apenas a inexistência de interesse de um dos pais e a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar justificam a não fixação da guarda compartilhada.
- Prudente estipular entre os genitores o regime de convivência em determinados períodos para que seja mantido o equilíbrio das relações, preservado o melhor interesse da criança.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.228328-3/001 - COMARCA DE TRÊS PONTAS - APELANTE (S): K.S.O.C. - APELADO (A)(S): H. C.C. REPRESENTADO (A)(S) P/ MÃE L.S.O.C.
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4a Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
DESA. ALICE BIRCHAL
RELATORA
DESA. ALICE BIRCHAL (RELATORA)
VOTO
Trata-se de recurso de Apelação interposto por K.S.O.C., contra a r. sentença (doc. ordem 49), proferida pela MM. Juíza de Direito da 2a Vara Cível da Comarca de Três Pontas que, nos autos da Ação de Alimentos c/c Regulamentação de Visitas, proposta por H. C.C., REPRESENTADA P/ MÃE L.S.O.C., em face do Apelante, julgou procedentes os pedidos iniciais para:
a) condenar o Réu ao pagamento de 30% do salário mínimo para a filha, bem como custear 50% das despesas com consultas médicas, medicamentos, vestuário e material escolar; b) deferir a guarda definitiva da menor, ora Autora, a sua genitora, mediante livre visitação do genitor. Condenou o Requerido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme artigo 85, § 2º do CPC/2015. Suspendeu, contudo, a exigibilidade de tais verbas sucumbenciais, tendo em vista a gratuidade de justiça.
Em suas razões recursais (doc. ordem 53), o Apelante sustenta que tem boa convivência com a filha e que, no decurso do tempo, sempre teve bom diálogo com a genitora da criança não havendo empecilhos para a fixação da guarda compartilhada.
Afirma que o próprio Parquet concordou com a ausência de situação conflituosa entre os genitores, tampouco inaptidão para o exercício da guarda compartilhada.
Alega que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a guarda compartilhada deve prevalecer, por entender que o importante é o bem-estar da criança; que o entendimento majoritário é pela fixação da guarda compartilhada diante da ausência de conflito entre as partes e havendo previsão legal no art. 1583, do CC.
Ressalta que a guarda compartilhada irá beneficiar a criança no sentido do compartilhamento das responsabilidades, devendo-se definir a residência principal como aquela da genitora; que, visando não gerar conflito entre os genitores, bem como resguardar o bom convívio, deve ser fixado, pelo juízo, o regime de convivência ou de visita.
Argumenta que a própria Requerente destaca que ele tem boa convivência com a filha e que, por tal fato, já fica evidente o cabimento da guarda compartilhada, não bastasse o próprio Ministério Público ter se manifestado pela guarda compartilhada.
Ao final requer o provimento do recurso e a reforma da sentença para que seja decretada a guarda compartilhada, mantida a residência da genitora como residência principal e que seja fixado o regime de convivência ou de visitas, concedendo as férias de meio do ano a um genitor e as do final do ano a outro genitor, bem como natal, réveillon, férias e feriados sucessivamente revezando entre os genitores.
Foram apresentadas contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso (doc. ordem 60).
O douto Procurador de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso (doc. ordem 63).
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se a controvérsia do presente recurso sobre a guarda da criança, estipulada em sentença, de forma unilateral em favor da mãe, bem como a necessidade de fixação do regime de convivência do pai com a filha.
É dos autos que H. C.C., nascida em 30/07/2014 (doc. ordem 8), é filha das partes, reside com a mãe, mas convive com o pai de forma livre, sem regulamentação sobre o regime de convivência.
O i. Magistrado concedeu a guarda unilateral da criança à genitora com o fundamento de que a filha encontra-se adaptada com a mãe e que o Réu, mesmo citado, deixou de se manifestar no processo, não havendo demonstração de interesse do genitor, que sequer apresentou defesa; assim, concluiu que deve ser mantida a guarda unilateral em favor da genitora, por se tratar de situação fática consolidada.
No entanto, com a devida vênia, após detida análise do conjunto probatório, entendo que a guarda unilateral não deve ser aplicada ao caso sub judice.
Em primeiro lugar, importante anotar que não se aplicam os efeitos da revelia quando a causa versar sobre direito indisponível, nos termos do art. 345, II, do CPC, como no presente caso, em que se debate a guarda de uma criança.
Não se trata apenas do direito indisponível, pois, embora o Réu tenha deixado de apresentar sua peça de Contestação no momento oportuno, deve o Julgador proceder à ponderação das evidências apresentadas nos autos, porquanto a ausência de defesa não corresponde à procedência do pedido inicial, impreterivelmente.
Assim, é relativa a presunção de veracidade dos fatos gerada pela
revelia e, ainda que se reconheça a aplicação de seus efeitos diante da ausência de contestação da Ré (art. 344 do CPC), o julgamento há de considerar o conteúdo dos autos, porquanto a falta de manifestação da parte não corresponde, necessariamente, à efetiva garantia de procedência do pedido inicial.
Nesse sentido, conforme jurisprudência firmada no STJ, a presunção de veracidade dos fatos, em caso de revelia, só será absoluta se não contrariarem a convicção do julgador, diante das provas existentes nos autos:
"P R O C E S S U A L C I V I L . R E C U R S O E S P E C I A L . A Ç Ã O D E RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DOS BENS ARROLADOS. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. EFEITOS DA REVELIA.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 282 DO STF. PRESUNÇÃO RELATIVA DA VERACIDADE DOS FATOS AFIRMADOS NA INICIAL. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Esta Corte já proclamou que a extensão do pedido devolutivo se mede pela impugnação feita pela parte nas razões do recurso, consoante enuncia o brocardo latino"tantum devolutum quantum appellatum' e que a apelação, transfere ao conhecimento do tribunal a matéria impugnada, nos limites dessa impugnação, salvo matérias examináveis de ofício pelo juiz (REsp nº 280.887/MT, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIRÊDO TEIXEIRA).
2. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior tem orientação pacificada de que a compreensão da pretensão deduzida em juízo requer interpretação lógico-sistemática das razões apresentadas a partir da análise de todo o seu conteúdo e não apenas do que foi pedido. Precedentes.
3. A tese da recorrente de que não estava presente hipótese capaz de afastar os efeitos da revelia não foi discutida no acórdão recorrido, de
modo que ausente o indispensável requisito do prequestionamento. Incidência da Súmula nº 282 do STF.
4. O STJ já decidiu que, em caso de revelia, a presunção de veracidade dos fatos afirmados na inicial somente será absoluta se não contrariarem a convicção do julgador, diante das provas existentes nos autos, podendo este inclusive deixar de acolher o pedido. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1482953/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 17/03/2015)
Desse modo, diante do conjunto probatório apresentado, o MM. Juiz a quo deve proceder à formação do seu convencimento, afastando ou acolhendo as alegações fáticas firmadas na inicial.
Dito isso, após análise dos autos, infiro que não há qualquer indício de elementos desabonadores da conduta de K.S.O.C., de modo a justificar a imposição da guarda unilateral.
Extrai-se dos autos que as partes, embora intimadas, não indicaram provas a produzir. Porém, restou demonstrado que o Apelante é presente na vida da filha, embora com ela não resida. Além disso, como bem manifestou o Ministério Público, em primeiro grau de jurisdição, não há situação conflituosa entre os genitores da criança, tampouco inaptidão para o exercício da guarda compartilhada (doc. ordem 48).
Contudo, o Juízo de origem fixou a guarda uniliteral em favor da genitora considerando os elementos fáticos constantes dos autos que demonstram o ambiente do lar materno como favorável à criança e que essa já se encontra adaptada com a mãe, tratando-se de situação fática consolidada. Entretanto, não considerou que o ambiente paterno lhe fosse desfavorável.
Com efeito, consigno que a Constituição da Republica preceitua a
proteção da criança, amoldada ao princípio da proteção integral, prevista no art. 227, instituindo como dever da família, da sociedade e do Estado à preservação do indivíduo em desenvolvimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), por sua vez, estabelece ser direito da criança e do adolescente o convívio familiar e social, bem como o direito de serem criadas e educadas no seio de sua família.
A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser decretada pelo Juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe (art. 1.584 CC/02).
Tal medida sempre deverá ser tomada em observância ao melhor interesse da criança/adolescente, haja vista a previsão constitucional de proteção integral aos seus direitos e vedação a toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput, CR/88).
Desde 2014, quando foi sancionada a Lei nº 13.058, tornou-se regra a guarda compartilhada, para que ambos os pais possam exercer o pleno poder familiar quanto aos interesses e bem-estar dos filhos. Logo, apenas a inexistência de interesse de um dos pais e a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar justificariam a não fixação da guarda compartilhada, o que não é o caso dos autos.
Nesse sentido, temos posicionamento do STJ:
"R E C U R S O E S P E C I A L . D I R E I T O D E F A M Í L I A . G U A R D A COMPARTILHADA. REGRA DO SISTEMA. ART. 1.584, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. CONSENSO DOS GENITORES.DESNECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE.MELHOR INTERESSE DO MENOR.
1. A instituição da guarda compartilhada de filho não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais desavenças
entre cônjuges separados.
2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposto no art. 1.584 do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis nºs 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais peculiariedades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação, porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
3. Recurso especial provido." (REsp 1591161/SE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017).
Ressalto que o interesse dos filhos sempre deve suplantar aqueles dos próprios pais e, submetê-los à instabilidade provocada pelo eventual comportamento inadequado de seus genitores poderá comprometer o seu desenvolvimento psicológico.
Ademais, urge que a criança e o adolescente não devem ser expostos a qualquer realidade que possa comprometer o seu desenvolvimento - em seus diversos aspectos: emocionais, psicológicos e físicos - de maneira íntegra e preservada.
Nesse contexto, verifico que, embora a genitora tenha alegado que possui melhores condições para o exercício da guarda da filha, não traz elementos robustos que demonstrem incapacidade do genitor para exercer a guarda da mesma. Outrossim, conforme se infere das alegações e documentos apresentados pelo genitor, este possui aptidão para o exercício da guarda da criança.
Desta feita, assegurado o bem-estar da filha e, sendo do interesse de ambos os genitores o exercício da guarda, fixo a guarda compartilhada da criança, mantida a residência materna como domicilio e base de sua moradia, nos termos do art. 1.583, § 2º do
Código Civil, de forma a preservar a atual situação em que se encontra.
Quanto ao regime de convivência, o Apelante requer sejam estabelecidos os períodos de férias com cada genitor, bem como a convivência nas datas festivas de natal e réveillon, além dos feriados.
Embora os genitores mantenham uma boa convivência, não havendo situação conflituosa entre eles, o que justifica a fixação da guarda compartilhada e o regime de convivência de forma livre, entendo prudente estipular, entre os genitores da criança, o regime de convivência em referidos períodos e datas, mantida como está a convivência livre quanto ao mais.
Desse modo, estabeleço o direito do Apelante de ter com ele a filha nas festas de fim de ano, alternadamente, iniciando o Natal de 2024 com a genitora e o Ano Novo de 2023/2024 com o Apelante. Os períodos de férias deverão ser divididos entre os genitores e as datas especiais de Dia das Mães, Dia dos Pais e os aniversários do Apelante e da genitora, com os respectivos genitores. Além disso, cada um dos pais terá o direito de ter a filha consigo em feriados alternados, tendo o Recorrente tal direito no primeiro feriado subsequente à publicação deste acórdão.
Com tais considerações, dou provimento à Apelação, para reformar a sentença, no que tange à guarda da criança H. C.C., que passará a ser exercida na modalidade compartilhada entre os pais, mantida a residência no lar materno; reformo também a sentença quanto ao regime de convivência no que diz respeito aos períodos de férias, datas festivas de Natal e Réveillon, Dia das Mães, dos Pais e dos aniversários, além dos feriados.
Custas recursais pela Apelada, suspensa a exigibilidade, diante da gratuidade da justiça deferida à parte, conforme art. 98, § 3º, do CPC.
Quanto aos honorários recursais previstos no artigo 85, § 1º e 11, do CPC, tratando-se de condenação em que não é possível mensurar o proveito econômico e sendo muito baixo o valor atribuído à causa, fixo os honorários em R$3.000,00, nos termos do § 8º e 8º-A do mesmo artigo, com aplicação dos valores recomendados pela Tabela de Honorários da OAB/MG, suspensa também a exigibilidade de tais verbas sucumbenciais por litigar sob o pálio da justiça gratuita.
DES. ROBERTO APOLINÁRIO DE CASTRO - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. KILDARE CARVALHO - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO"