Data de publicação: 15/03/2024
Tribunal: STF
Relator: Min. Gilmar Mendes
(...) Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei nº 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários.
AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 16, § 2º, DA LEI N.º 8.213/1991. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 9.528/1997. MENOR SOB GUARDA. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA. ART. 227, CRFB. INTERPRETAÇÃO CONFORME, PARA RECONHECER O MENOR SOB GUARDA DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DESDE QUE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1. Julgamento conjunto da ADI nº 4.878 e da ADI nº 5.083, que impugnam o artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, na redação conferida pela Lei nº 9.528/1997, que retirou o “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins de concessão de benefício previdenciário. 2. A Constituição de 1988, no art. 227, estabeleceu novos paradigmas para a disciplina dos direitos de crianças e de adolescentes, no que foi em tudo complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. º 8.069/1990). Adotou-se a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, que ressignificam o status protetivo, reconhecendo-se a especial condição de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento. 3. Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei nº 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários. 4. O deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários. 5. A interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB. 6. ADI 4878 julgada procedente e ADI 5083 julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei n.º 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da Republica, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999). (STF - ADI: 4878 DF 9984969-55.2012.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 08/06/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/08/2021)
Inteiro Teor
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08/06/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO : MIN. EDSON FACHIN
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE
PREVIDÊNCIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS -ANEPREM
ADV.(A/S) : BRUNO SA FREIRE MARTINS
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 16, § 2º, DA LEI N.º 8.213/1991. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 9.528/1997. MENOR SOB GUARDA. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA. ART. 227, CRFB. INTERPRETAÇÃO CONFORME, PARA RECONHECER O MENOR SOB GUARDA DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DESDE QUE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.
1. Julgamento conjunto da ADI nº 4.878 e da ADI nº 5.083, que impugnam o artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, na redação conferida pela Lei nº 9.528/1997, que retirou o “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins de concessão de benefício previdenciário.
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ADI 4878 / DF
2. A Constituição de 1988, no art. 227, estabeleceu novos paradigmas para a disciplina dos direitos de crianças e de adolescentes, no que foi em tudo complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. º 8.069/1990). Adotou-se a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, que ressignificam o status protetivo, reconhecendo-se a especial condição de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento.
3. Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei nº 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários.
4. O deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários.
5. A interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB.
6. ADI 4878 julgada procedente e ADI 5083 julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei n.º 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da Republica, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que
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exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999).
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário de 28 de maio a 7 de junho de 2021 , sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar procedente a ação, de modo a conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Nunes Marques e Luiz Fux (Presidente).
Brasília, 8 de junho de 2021.
Ministro EDSON FACHIN
Redator para o acórdão
Documento assinado digitalmente
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08/06/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO : MIN. EDSON FACHIN
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE
PREVIDÊNCIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS -ANEPREM
ADV.(A/S) : BRUNO SA FREIRE MARTINS
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de ações diretas de inconstitucionalidade, propostas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Conselho Federal da OAB, respectivamente, com o objetivo de ver declarada a inconstitucionalidade do § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei 9.528/97 (MP 1.596/97), em razão da exclusão do menor sob guarda dentre os dependentes do segurado do INSS para fins de pensão por morte.
Eis o teor do dispositivo impugnado:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(…)
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ADI 4878 / DF
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”
Na ADI 4.878, a Procuradoria-Geral da República alega que a redação originária previa o benefício ao menor que, por determinação judicial, estivesse sob a guarda do beneficiário. Com a nova redação, o INSS passou a entender que as crianças e adolescentes sob guarda não possuem direito a receber pensão por morte, posição confirmada pelo STJ, o que violaria o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, assegurado na CF.
Sustenta que tal interpretação afronta o princípio constitucional da proteção integral à criança e ao adolescente e a norma do art. 227, § 3º, da CF, que determina ao legislador assegurar direitos previdenciários e o estímulo do Poder Público, inclusive mediante incentivos fiscais e subsídios, ao acolhimento, sob a forma de guarda, dos órfãos ou abandonados.
Infere que a nova redação dada ao art. 16 da Lei 8.213 não tem o condão de revogar o art. 33, § 3º, do ECA, norma especial de proteção das crianças e adolescentes, que confere ao menor sob guarda a condição de dependente, inclusive para fins previdenciários.
Pede o deferimento de medida cautelar e, ao final, a procedência da ação para que seja dada interpretação conforme à Constituição ao art. 16, § 2º, da Lei 8213/91, de modo a incluir dentre os beneficiários do RGPS as crianças e adolescentes sob guarda.
Apliquei o rito do art. 12 da Lei 9868/99 (eDOC 4).
O Superior Tribunal de Justiça (eDOC 9) consigna que o menor sob guarda não possui direito à pensão previdenciária por morte quando o falecimento do instituidor tiver ocorrido após o advento da Medida Provisória 1.596, de 10 de novembro de 1997, no Ag no EREsp 961.230/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Dje 20.2.2009, porquanto entende que a norma previdenciária, de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do ECA, de cunho
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ADI 4878 / DF
genérico, conforme EREsp 696.299/PE, Terceira Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, Dje 4.8.2009.
O Senado Federal, em informações (eDOC 15), registra que a nova redação da norma questionada teve sua origem na Medida Provisória 1.596-14/97, foi mantida no Projeto de Lei de Conversão 13 de 1997, o qual resultou na Lei 9.528/97, não tendo sido objeto de veto presidencial. Na Comissão Mista criada no Congresso Nacional, teve sua constitucionalidade analisada por meio do Parecer 53 de 1997, de autoria do Senador José Fogaça, que consignou como objetivo da alteração justamente excluir o menor sob guarda para fins previdenciários.
A Presidência da República encaminhou as informações elaboradas pela AGU (eDOC 19), a qual se manifesta pela improcedência do pedido (eDOC 21). Sustenta que a norma atacada se justifica diante da falta de dependência econômica, para fins previdenciários, do menor sob guarda em relação ao segurado, devido à natureza transitória da relação jurídica estabelecida entre eles.
A Procuradoria-Geral da República, em atenção ao art. 12 da Lei 9.868, reporta-se às razões deduzidas na inicial para fins de manifestação pelo conhecimento e procedência da ação (eDOC 23).
A AGU solicita preferência para julgamento do feito (eDOC 25).
A PGR junta o Acórdão 5.235/2016, da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União, que corrobora o pedido formulado na inicial (eDOC 26).
Admiti (eDOC 32 e 53) a participação, na condição de amici curiae, do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, da Associação Nacional de Entidade de Previdência dos Estados e Municípios – ANEPREM, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP e da Defensoria Pública da União – DPU.
Na ADI 5.083 , o Conselho Federal da OAB alega a inconstitucionalidade da revogação parcial do art. 16, § 2º, da Lei 8.213, por violação ao princípio da proibição do retrocesso social, ao princípio da isonomia e ao princípio da proteção integral e prioritária das crianças e adolescentes.
A ação foi inicialmente distribuída ao Ministro Dias Toffoli, que
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ADI 4878 / DF
aplicou o rito do art. 12 e admitiu a participação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, da Defensoria Pública da União – DPU e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP na condição de amici curiae.
A Advocacia-Geral da União manifesta-se pela improcedência do pedido (eDOC 31).
A Procuradoria-Geral da República apresenta parecer pelo conhecimento da ação e, no mérito, pela procedência do pedido alternativo de atribuição de interpretação conforme à Constituição (eDOC 34).
Redistribuído o processo à Ministra Cármen Lúcia, foi suscitada a distribuição por prevenção à ADI 4.878, sendo a ação encaminhada a meu gabinete (eDOC 69).
Determinei o apensamento e o julgamento conjunto das ações.
É o relatório.
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Voto-MIN.GILMARMENDES
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08/06/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de duas ações diretas, apresentadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Conselho Federal da OAB, que questionam, em síntese, a exclusão do “menor sob guarda” dos beneficiários equiparados a filhos para fins de recebimento de pensão por morte de segurado do INSS, como consequência da revogação parcial do § 2º do art. 16 da Lei Federal 8.213/91 pela Medida Provisória 1.523/96, convertida na Lei Federal 9.528/97.
Cabe analisar, portanto, se a alteração legislativa violou os princípios e as normas constitucionais, mais especificamente os princípios da igualdade, proibição do retrocesso e da proteção integral da criança e do adolescente, como suscitado pelos autores.
I – Princípio da absoluta prioridade e da proteção integral de crianças e adolescentes
Inicialmente, destaco que a Constituição de 1988, em seu artigo 227, determina, com absoluta prioridade, a proteção integral das crianças e adolescentes. Seu parágrafo 3º, inclusive, prevê proteção especial, em relação ao trabalho, apenas para maiores de quatorze anos, a “garantias de direitos previdenciários e trabalhistas”, ao acesso à escola do jovem trabalhador, à defesa técnica em caso de ato infracional, a “estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado” e a programas especializados em caso de dependência de entorpecentes. Ainda, o parágrafo 6º estabelece a igualdade entre os filhos, havidos ou não da relação do casamento ou por adoção.
Tendo como pressuposto os princípios da absoluta prioridade e da proteção integral da criança e do adolescente, tanto o Código Civil como
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ADI 4878 / DF
o Estatuto da Criança e do Adolescente versam sobre as disposições relativas à capacidade, representação, filiação e proteção, bem como a outras normas de proteção, previstas em leis especiais, como é o caso da norma aqui em exame.
II – Proteção das crianças e adolescentes pela Lei 8.213/91
A Lei 8.213, de 1991, é norma especial que regulamenta os Planos de Benefícios da Previdência Social.
Em observância ao art. 227, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, o art. 13 da Lei 8.213 prevê que o menor, a partir de 14 anos, possa contribuir ao INSS na qualidade de segurado facultativo, desde que não incluído nas disposições do art. 11, que o enquadrem nas hipóteses de segurado obrigatório.
Assim, os direitos trabalhistas e previdenciários ficam garantidos aos menores de 18 e maiores de 16 anos, que podem ser contratados como empregados, nos termos da legislação pertinente, e aos menores de 18 e maiores de 14 anos, que podem ser contratados na condição de menor aprendiz, conforme prevê o art. 427 da CLT.
Por outro lado, enquanto pessoa vulnerável em razão da condição de criança ou adolescente, os filhos do segurado, menores de 21 anos, desde que não emancipados, e os maiores de 21 anos que sejam inválidos, possuam deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave são incluídos entre os beneficiários do segurado (art. 16, I, da Lei 8.213/91), hipótese em que a dependência econômica será presumida (art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91).
Aqui, cabe registrar que a redação originária da Lei 8.213 foi mais abrangente ao tratar do filho menor de 21 anos, porquanto não distinguia “qualquer condição”. Os emancipados foram excluídos apenas com a alteração promovida pela Lei 9.032, de 1995. Por outro lado, a partir da redação dada pela Lei 12.470, de 2011, a proteção aos filhos maiores de 21 anos passou a ser mais abrangente, incluindo, além dos filhos inválidos, os que tenham deficiência intelectual ou mental e, a partir da Lei 13.146, de 2015, os que tenham deficiência grave.
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Ainda, o art. 16, III, ampara a criança, adolescente ou jovem, irmão do segurado, que seja seu dependente econômico, menor de 21 anos ou inválido, deficiente intelectual ou mental ou deficiente grave, quando inexistirem dependentes das classes dos incisos I e II.
A terceira hipótese de proteção de menores operada na Lei 8.213, art. 16, § 2º, equipara a filho o enteado ou menor tutelado, desde que comprovada sua dependência econômica com o segurado. Esta é a hipótese em exame.
III – Redação do art. 16, § 3º, da Lei 8.213 e exclusão do menor sob guarda
A redação originária da Lei 8.213, de 1991 equiparava a filho, nas condições do inciso I, o enteado, o menor sob guarda e o menor tutelado, nos seguintes termos:
“§ 2º. Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.”
A Medida Provisória 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, excluiu o menor sob guarda, ao mesmo tempo em que passou a exigir a comprovada dependência econômica do enteado e do tutelado:
“§ 2º. O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”
Cabe aqui registrar que, naquele momento, era comum que avós, segurados do INSS ou servidores públicos, assumissem a guarda dos netos, de modo a torná-los potenciais beneficiários de sua pensão por morte. Esse fato, de todos conhecidos, é registrado por Maria Berenice
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Dias, em seu Manual de Direito das Famílias, nos seguintes termos:
“Há uma prática bem difundida, de os avós buscarem a guarda dos netos exclusivamente para fins previdenciários. Ainda que muitas vezes os pais residam juntos e na dependência econômica dos avós, estes desempenham o dever de cuidado em decorrência da solidariedade familiar. Estando os genitores no exercício do poder familiar, não se justifica a concessão da guarda aos avós.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. Rev. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 561-562.)
Conforme Parecer 53 de 1997, do Senador José Fogaça, aprovado pela Comissão Mista instituída no Congresso Nacional para analisar a MP 1.596, a alteração legislativa objetivou retirar o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado, para fins previdenciários, como medida para alcançar o equilíbrio financeiro do INSS:
“(...) A nova redação do art. 16, § 2º (1ª edição) visou impedir que o menor que, sob determinação judicial, esteja sob a guarda de segurado seja seu dependente, par fins previdenciários.
(…) De acordo com o Governo, os gastos com benefícios da Previdência Social ‘tem-se constituído fonte de crescente pressão sobre as contas fiscais nos últimos anos’. Assim, ele tem argumentado que, enquanto não for aprovada a reforma constitucional da Previdência Social, são imprescindíveis as mudanças empreendidas na legislação infraconstitucional por intermédio da medida provisória em análise, as quais têm permitido trabalhar com a hipótese de equilíbrio financeiro do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Informa, ainda, o Executivo que, se tais mudanças não forem aprovadas, o déficit previdenciário será bastante superior aos valores verificados nos últimos anos. (Diário do Senado Federal. Parecer nº 53 de 1997. Ano LII, nº 219. Brasília, 27 de novembro de 1997, p. 26409-26414).
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ADI 4878 / DF
Recentemente, a reforma previdenciária, realizada também com o objetivo de alcançar a saúde financeira do sistema previdenciário brasileiro, repetiu, no texto da Emenda Constitucional 103, de 2019, a redação dada ao artigo 16 da Lei 8.213, mantendo a exclusão do menor sob guarda dentre os dependentes do segurado, nos seguintes termos:
“Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquele a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
(…)
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, dede que comprovada a dependência econômica.”
A análise do processo legislativo que levou à nova redação da norma aqui impugnada, somada à doutrina e à recente alteração constitucional, demonstra que foi a intenção do legislador excluir o menor sob guarda dentre os possíveis beneficiários do segurado, mudança que objetivou reduzir os gastos da previdência (segundo informações do Senado, eDOC 26 da ADI 5.083 , p. 9), inclusive em razão do desvio de finalidade identificado nos casos em que avós recebiam a guarda dos netos, que continuavam submetidos ao poder familiar dos genitores, com o objetivo de deixar o neto como beneficiário da previsão no caso da sua morte.
Verificar se a alteração legislativa violou os princípios da igualdade, da proteção integral da criança e do adolescente e da vedação ao retrocesso, depende, a meu ver, do exame do instituto da guarda, de modo a identificar quais são os menores amparados pelo art. 16 e, em relação aos excluídos, quem responde por eles no caso da morte do
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guardião.
IV – O instituto da guarda de menores
O ordenamento jurídico brasileiro utiliza o termo guarda para tratar de dois institutos jurídicos distintos: a guarda dos filhos, instituto derivado da própria autoridade parental exercida pelos pais; e a guarda de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, enquanto medida protetiva prevista no ECA.
Maria Berenice Dias assinala que o tratamento do instituto da guarda em instrumentos normativos distintos, Código Civil e ECA, tem dado margem para confusão sobre a legislação aplicável, inclusive quanto à identificação do juízo competente para a ação, suscitando conflito de competência entre as varas de família e as varas da infância e da juventude (DIAS, Maria Berenice, p. 562). De forma sintética, aplicam-se as normas do Código Civil, sendo competente o juízo da vara de direito de família, quando o conflito disser respeito à regularização da guarda envolvendo a relação entre os genitores; por outro lado, aplicam-se as normas do ECA, sendo competente a vara da infância e da juventude, quando a criança ou adolescente encontrar-se em situação de risco.
4.1. A guarda enquanto instituto inerente ao exercício do poder familiar:
No direito de família, a guarda dos filhos está implicitamente relacionada ao exercício do poder familiar. Os genitores, titulares do poder familiar, quando vivem juntos, acabam por exercer conjuntamente a guarda dos filhos, de forma implícita. Quando os genitores se separam e passam a ter residências diferentes, é necessário individualizar a guarda dos filhos.
Como regra geral, a guarda tende a ser compartilhada entre os genitores, sendo necessário detalhar o regime de convivência. Em outros casos, a guarda poderá ser deferida unilateralmente a um dos genitores, ficando o outro com o direito de visitas. Mesmo que o genitor não fique com a guarda do filho, permanece titular do poder familiar, mantendo
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ADI 4878 / DF
seus direitos e deveres.
É possível, ainda, que os genitores, titulares do poder familiar, compartilhem a guarda com um terceiro, como um avô, por exemplo, ou cedam a este terceiro a guarda, ficando com o direito de visitas regulamentado, sempre em atenção ao princípio do melhor interesse da criança.
Eis o que determina o Código Civil:
“Art. 1583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivem sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
§ 6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
Art. 1585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra
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sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584.
Art. 1586. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.
Art. 1587. No caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 1.584 e 1.586.
Art. 1588. O pai ou a mãe que contrair novas núpcias não perde o direito de ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados por mandado judicial, provado que não são tratados convenientemente.
Art. 1589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.
Art. 1590. As disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos maiores incapazes.”
Em relação à pensão por morte, o filho do segurado do INSS terá direito ao seu recebimento, estando ele, ou não, sob a guarda do genitor falecido, sendo irrelevante se o genitor, titular do poder familiar, exercia a guarda em conjunto com o outro genitor, ou a guarda unilateral, ou mantinha apenas direito de visitas em relação ao menor. Nesse sentido estabelece a norma do art. 16, I, da Lei 8.213:
“Art. 16. São Beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado:
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I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (...)”
Portanto, estar, ou não, sob a guarda do segurado, não é relevante para o estabelecimento da condição de beneficiário. O importante, aqui, é que o segurado não tenha perdido o poder familiar em relação ao filho.
Isso aplica-se, inclusive, nos casos de guarda deferida a terceiros, de forma unilateral ou compartilhada, quando os pais mantêm o poder familiar em relação aos filhos, sendo deles dependentes para fins previdenciários.
4.2 Guarda enquanto instituto de direito assistencial
Flávio Tartuce refere-se à guarda existente fora do âmbito familiar, prevista no artigo 28 e regulamentada nos artigos 33 a 35 do ECA, como um instituto de direito assistencial (Flavio Tartuce, p. 704). Nos termos do art. 28 do ECA, a guarda, assim como a tutela e a adoção, é considerada forma de colocação em família substituta. O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a guarda nos seguintes termos:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição
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de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
§ 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.
Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar.
§ 1º A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei.
§ 2º Na hipótese do § 1º deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei.
§ 3º A União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em família acolhedora como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção.
§ 4º Poderão ser utilizados recursos federais, estaduais, distritais e municipais para a manutenção dos serviços de acolhimento em família acolhedora, facultando-se o repasse de recursos para a própria família acolhedora.
Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.”
Assim, passamos a ter a guarda como uma forma provisória de
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colocação de criança, que se encontra em situação de vulnerabilidade, em família substituta.
No caso dos processos de adoção e tutela, a guarda provisória poderá ser concedida para regularização da guarda de fato, até a conclusão do processo.
Uma vez concluída a adoção, a criança torna-se filha, os adotantes passam a ser pais, exercendo o poder familiar e a guarda, naturalmente. Nesses casos, o adotado é filho e, nessa condição, beneficiário para fins previdenciários.
Caso o adotante venha a falecer no curso do processo de adoção, enquanto detém apenas a guarda provisória do menor, há duas possibilidades: ou o processo de adoção será concluído favoravelmente, caso o adotante já tenha manifestado a vontade pela adoção após o estágio de convivência, e o menor passará a filho e, nessa condição, beneficiário previdenciário; ou a adoção não poderá ser concluída, e o menor será reencaminhado ao acolhimento estatal, tendo sua guarda deferida, provisoriamente, a outra família substituta.
Em relação à tutela, importante registrar que ela se aplica aos casos em que a criança ou adolescente deixa de estar sob o poder familiar dos genitores, especialmente em razão de sua morte, ou desaparecimento, ou suspensão do poder familiar. Nesses casos, é preciso que outrem se responsabilize pelo menor, dada a ausência dos pais, até que complete a maioridade. O tutor ocupa o lugar jurídico deixado pelo vazio da autoridade parental, mas não cria vínculo de filiação com o tutelado. O tutor recebe os poderes necessários para a proteção dos menores, incluindo sua educação, saúde e desenvolvimento, mas também a administração de seus bens. Aliás, boa parte da doutrina é crítica ao fato da tutela ter sido pensada para os órfãos ricos (DIAS, Maria Berenice. p. 695), em que o interesse do tutor, em alguns casos, envolve justamente o patrimônio herdado.
Em relação ao menor tutelado, uma vez deferida a tutela, o tutor passa a exercer sobre o tutelado os deveres correspondentes ao poder familiar, até que o menor complete a maior idade, até que o tutor solicite
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a adoção do tutelado ou até que seja alterada, por decisão judicial, a tutela. No caso de o tutelado ser dependente econômico do tutor, sua condição de beneficiário para fins previdenciários está garantida. Não sendo, pode ser até que o tutelado receba pensão por morte em razão do falecimento de seus genitores, mas, de qualquer forma, não há a dependência econômica a causa vulnerabilidade.
Observe-se o art. 34:
“O Poder Público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. Essa é a regra do art. 34, caput, do ECA, que traz, segundo a doutrina, uma forma de guarda especial, destinada a crianças e adolescentes de difícil colocação, excluídos ordinariamente da adoção e da tutela. A Lei 12010/2009 procurou regulamentar essa guarda especial.
De início, a inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida (art. 34, § 1º, do ECA). Em casos tais, a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou o adolescente se sente melhor do que em uma instituição. Além disso, procura-se dar uma função social da família incontestável, atendendo às suas finalidades coletivas.
Por fim, sem qualquer alteração, determina o art. 35 da Lei 8069/1990 que a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público, sempre tendo como parâmetro o princípio de proteção integral ou de melhor interesse da criança. Justamente por isso é que a jurisprudência tem apontado que a decisão quanto à guarda não faz coisa julgada material.” (Flávio Tartuce, p. 706-707)
Portanto, a guarda coloca-se como um instituto temporário, para
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regulamentar a situação do menor que aguarda o curso do processo de adoção, a consolidação da tutela, ou o retorno à família, quando os genitores estão com o poder familiar suspenso por qualquer questão que gere vulnerabilidade da criança. No último caso, o ECA prefere que a criança, ou adolescente, seja acolhida por família substituta, que ficará com sua guarda provisória até que o juizado decida pelo retorno aos pais ou responsáveis, ou pela adoção.
Essa temporalidade da guarda prevista no ECA fica clara ao examinarmos o disposto no art. 35 do ECA: “A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”.
V – Inexistência de violação aos princípios constitucionais de igualdade, proteção integral à criança e ao adolescente e vedação de retrocesso
Nos procedimentos de adoção e tutela, a guarda se destina a regularizar a posse de fato de criança ou adolescente. Nestes casos, os tutelados e adotados continuam a usufruir da condição de dependentes para fins previdenciários.
A guarda poderá ser decidida em processos entre genitores que, não mais vivendo juntos, mas em posse do poder familiar, precisam definir com quem ficará os filhos menores de 18 anos. Nesses casos, igualmente, na condição de filhos, os menores serão dependentes para fins de pensão por morte dos genitores segurados do INSS.
Poderá, ainda, a guarda ser deferida a terceiros, de forma temporária, em razão de situações peculiares envolvendo os pais ou representantes legais. Essa é a hipótese em que o menor deixa, então, de ser beneficiário do segurado do INSS que detém sua guarda – ausência de dependência econômica, para fins previdenciários, do menor sob guarda em relação ao segurado, devido à natureza transitória da relação jurídica estabelecida entre eles. A guarda, inclusive, não gera efeitos sucessórios.
Assim, verifico que o fato de o menor estar sob guarda de um
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terceiro não determina, necessariamente, sua condição de dependente deste, quer pela provisoriedade da guarda, quer pela manutenção, em muitos casos, do poder familiar e da condição de dependente de seu genitor, mesmo que falecido, quer por estar sob os cuidados do Estado.
VI - Inexistência de direito adquirido a regime jurídico
O problema relativo à modificação das situações subjetivas em virtude da mudança de um instituto de direito não passou despercebido a Carlos Maximiliano, que assinala, a propósito, no clássico Direito intertemporal:
“Não há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos jurídicos. Aplica-se logo, não só a lei abolitiva, mas também a que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza. Em nenhuma hipótese granjeia acolhida qualquer alegação de retroatividade, posto que, às vezes, tais institutos envolvam certas vantagens patrimoniais que, por equidade, o diploma ressalve ou mande indenizar.” (MAXIMILIANO, Carlos, Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 62)
Em acórdão proferido no RE 94.020 , de 4.11.1981, o Supremo deixou assente, mediante voz do Ministro Moreira Alves:
“(...) em matéria de direito adquirido vigora o princípio – que este Tribunal tem assentado inúmeras vezes – de que não há direito adquirido a regime jurídico de um instituto de direito. Quer isso dizer que, se a lei nova modificar o regime jurídico de determinado instituto de direito (como é o direito de propriedade, seja ela de coisa móvel ou imóvel, ou de marca), essa modificação se aplica de imediato.” ( RE 94.020 , rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 104 (1)/269 [272])
No que concerne ao direito dos servidores públicos, é pacífica a orientação doutrinária e jurisprudencial no sentido de que não se pode invocar direito adquirido para reivindicar a continuidade de um modelo
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ADI 4878 / DF
jurídico referente ao sistema de remuneração, férias, licenças ou enquadramento ou qualquer benefício, exatamente por não se poder invocar direito adquirido a um dado estatuto jurídico, ressalvada a irredutibilidade de vencimentos.
Também no julgamento da ADI 3.105 , considerou-se a inexistência de direito adquirido a um dado estatuto jurídico. A não incidência inicial da contribuição sobre os proventos dos inativos não assegurava aos aposentados imunidade em relação à tributação, e o fato de não se ter estabelecido a tributação até então não legitimava, do ponto de vista do direito adquirido, a preservação indefinida desse status.
Vê-se, assim, que o princípio constitucional do direito adquirido não se mostra apto a proteger as posições jurídicas contra eventuais mudanças dos institutos jurídicos ou dos próprios estatutos jurídicos previamente fixados.
No caso dos autos, entender que a legislação previdenciária não poderia ser alterada para excluir o menor sob guarda do rol de beneficiários do segurado implicaria reconhecer um “direito adquirido” desse menor a um determinado regime jurídico, o que é claramente rechaçado pela jurisprudência desta Corte.
VII – A não recepção do art. 33, § 3º, do ECA pela EC 103/2019
Por fim, registro que o aparente conflito entre o art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90 e o art. 16, § 2º, da Lei 8.113/91 não se coloca mais.
Isso porque, o artigo 33, § 3º, da Lei 8069/90, na parte em que dispõe que a guarda torna o menor dependente, para todos os fins, inclusive previdenciário, não foi recepcionado pela EC 103 de 2019, ao menos com a interpretação que se busca, de equipará-lo a filho para fins de pensão por morte.
Veja-se que a EC 103, em seu art. 23, § 6º, repetiu a redação do art. 16, § 2º, da Lei 8.213, aqui impugnado, fazendo constar que apenas se equiparam a filho, para fins de pensão por morte, “ exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica”.
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Portanto, a exclusão do menor sob guarda da condição de dependente para fins de pensão por morte decorre, agora, de norma constitucional, estando superada a discussão sobre a prevalência do ECA ou da lei previdenciária.
VIII - Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento às ações diretas e declarar a constitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.528/97.
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08/06/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO : MIN. EDSON FACHIN
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE
PREVIDÊNCIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS -ANEPREM
ADV.(A/S) : BRUNO SA FREIRE MARTINS
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor Presidente, cumprimento Vossa Excelência, Ministro Luiz Fux, as eminentes Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, os eminentes pares e, de modo especial, o eminente Ministro Gilmar Mendes, Relator da ADI 4878 e da ADI 5083 .
Saúdo as sustentações orais que fizeram aportar, por meio eletrônico, a Dra. Bruna Maria Palhano Medeiros, pelo Instituto Nacional do Seguro Social; o Dr. Antonio Ezequiel Inacio Barbosa, pela Defensoria Pública da União; a Dra. Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, pela Advocacia-Geral da União; o Dr. Bruno Sá Freire Martins, pela Aneprem – Associação Nacional de Entidades de Previdência dos Estados e Municípios e a Dra. Manuela Elias Batista, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
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VotoVogal
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ADI 4878 / DF
Conforme consta do acutíssimo relatório apresentado pelo e. Ministro Gilmar Mendes, que adoto, ambas as ações diretas questionam o § 2º do art. 16 da Lei 8213/1991.
A ADI 4878, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, contém pedido de interpretação conforme do dispositivo; ao passo em que, na ADI 5083 , aforada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, requer-se a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo ou, subsidiariamente, atribuição de interpretação conforme.
O “menor sob guarda”, após a alteração promovida pela Lei nº 9.528/97, deixou de figurar na categoria de equiparado a filho, no rol de dependentes do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos do § 2º do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, objeto de ambas as ações, cujo teor reproduzo:
“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)
§ 2o O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)”.
Conforme argumenta a PGR na ADI 4878, haveria, então, ofensa ao art. 227, § 3º, da Constituição da Republica, que dispõe acerca da proteção integral à criança e ao adolescente:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
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VotoVogal
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ADI 4878 / DF
(...)
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins."
Na ADI 5083 , o Conselho Federal da OAB argumenta que a alteração operada pela Lei nº 9.528/1997 feriu os princípios da vedação ao retrocesso e da proporcionalidade.
Registro, Senhor Presidente, que estou de acordo com as balizas fixadas em seu percuciente voto pelo e. Ministro Relator, no que se refere ao princípio da absoluta prioridade e da proteção integral, nos termos do art. 227, CRFB; bem como em relação à proteção previdenciária conferida às crianças e aos adolescentes pela Lei n.º 8.213/1991.
Manifesto, ainda, Senhor Presidente, minha concordância em relação à distinção que traça o e. Ministro Relator entre a guarda como instituto
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ADI 4878 / DF
inerente ao exercício do poder familiar, nos termos dos arts. 1583 e seguintes do Código Civil, e enquanto instituto de direito assistencial, conforme o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Considero, ademais, Senhor Presidente, para o julgamento em tela, fundamental a definição teórica de guarda, tutela e adoção, nos termos em que traçada pelo e. Ministro Relator em seu voto, para a qual Sua Excelência se valeu das lições dos ilustres Professores Maria Berenice Dias e Pablo Stolze Gagliano, as quais subscrevo integralmente.
Conquanto esteja, portanto, de inteiro acordo com o e. Ministro Relator em relação aos institutos de Direito Civil e de Direito Previdenciário, bem como em relação aos princípios de regência da matéria em debate, sublinhando os princípios da absoluta prioridade e da proteção integral, que têm estatura constitucional, peço vênia, Senhor Presidente, para apresentar, respeitosamente, voto divergente.
Principio por traçar distinção que, em meu sentir, é imprescindível para o deslinde da controvérsia, entre segurados e dependentes. Segurados e dependentes são duas grandes categorias nas quais se dividem os beneficiários da Previdência Social (art. 201, CRFB). Os primeiros são pessoas físicas que, em razão do exercício de atividade laborativa ou mediante o recolhimento voluntário de contribuições, vinculam-se diretamente ao Regime Geral de Previdência Social. Os segundos são as pessoas físicas que possuem vínculo com o segurado e, em virtude deste liame, recebem a proteção social previdenciária.
Os filhos são dependentes dos pais e, portanto, na falta destes, beneficiários da pensão por morte. Este direito encontra guarida no art. 16, I, da Lei n.º 8213/1991, que considera dependentes do segurado, além do cônjuge, companheira ou companheiro, o filho.
Os filhos serão considerados dependentes, quando não emancipados, até a idade de 21 (vinte e um) anos. Para além desta idade, também serão dependentes, nos termos da legislação específica, os filhos inválidos, que tenham deficiência mental ou intelectual ou, ainda, deficiência grave.
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VotoVogal
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ADI 4878 / DF
Equiparam-se, ademais, a filhos, nos termos do § 2º do art. 16, o enteado e o “menor” tutelado, desde que haja declaração do segurado e que reste comprovada a dependência econômica, na forma do Regulamento (Decreto 3048/1999).
Até o advento da Medida Provisória n.º 1523/1996, posteriormente convertida na Lei n.º 9528/1997, o “menor sob guarda” também se equiparava a filho para fins previdenciários. Após a alteração, em obediência ao princípio da legalidade, o INSS deixou de considerá-lo como dependente, a não ser para o fim de concessão de pensão por morte nas hipóteses em que o óbito foi anterior à alteração legislativa, de modo a observar o princípio tempus regit actum.
Embora o “menor sob guarda” tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990), como se vê:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
(...)
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.”
O dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente confere a condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária.
A norma previdenciária, como se verifica da redação do dispositivo objeto da presente ação direta, deixou de considerar o “menor sob guarda” como dependente, mantendo-se em sua abrangência da proteção apenas o “menor sob tutela”.
É preciso ter em dimensão crítica a nomenclatura eleita pelo legislador previdenciário, ao tratar da criança e do adolescente, em sua
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condição de pessoa em desenvolvimento, com o vocábulo “menor”, que remonta à legislação já revogada, ou seja, ao Código de Menores, Lei n.º 6697/1979.
A Constituição de 1988 alterou significativamente a disciplina dos direitos das crianças e dos adolescentes, ao estabelecer novos paradigmas na matéria, no que foi em tudo complementada com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990.
Trata-se da transição de paradigma, em verdadeira “virada copernicana”. O ordenamento abandona a doutrina da situação irregular, em que a criança e o adolescente, então referidos como “menores”, eram tidos como objeto do direito e passa a adotar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, nos termos do art. 227, CRFB.
A doutrina da proteção integral ressignifica o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito. Seus direitos e garantias devem, portanto, ser universalmente reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Garantem-se, assim, todas as suas necessidades, de modo não mais restrito à ambiência penal, como se dava no paradigma anterior. Nesse sentido:
“Em suma, o ordenamento jurídico cindia a coletividade de crianças e adolescentes em dois grupos distintos, os menores em situação regular e os menores em situação irregular, para usar a terminologia empregada no Código de Menores brasileiro de 1979. E ao fazê-lo não reconhecia a incidência do principio da igualdade à esfera das relações jurídicas envolvendo crianças e adolescentes. Hoje não. Se o Direito se funda num sistema de garantias dos direitos fundamentais das pessoas, e no tocante a crianças e adolescentes um sistema especial de proteção, as pessoas (entre elas crianças e adolescentes) necessariamente têm um mesmo status jurídico: aquele que decorre dos artigos 227, 228, e 226 da CF e se cristalizou, na lei ordinária, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há mais uma dualidade no ordenamento jurídico envolvendo a coletividade crianças e adolescentes ou a
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categoria crianças e adolescentes: a categoria é uma e detentora do mesmo conjunto de direitos fundamentais; o que não impede, nem impediu, o ordenamento de reconhecer situações jurídicas especificas e criar instrumentos para o tratamento delas, como aliás, ocorre em qualquer ramo do direito.” (MACHADO, Martha de Toledo, “A proteção constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos”, 1ª edição, Barueri – SP, Manole, 2003,. Pág. 146).
A doutrina da proteção integral, como se pode depreender, consagra a proteção absoluta que deriva não apenas do caput do art. 227 da Constituição de 1988, mas, também, dos tratados internacionais vigentes sobre o tema, dos quais sobressai a Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto 99710/1990).
A prioridade absoluta, conforme Valter Kenji Ishida, significa primazia dos direitos das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse, incluindo a judicial, a extrajudicial e a administrativa (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e Adolescente: doutrina e jurisprudência. 15ed. São Paulo: Atlas, 2014, p; 14). Neste sentido, decisão do e. Ministro Celso de Mello:
“A ineficiência administrativa e o descaso governamental com direitos básicos da pessoa, a incapacidade de gerir recursos públicos, a falta de visão política do enorme significado social de que se reveste a proteção à criança e ao adolescente não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma do art. 227, CF que impõe ao Estado um dever inafastável.” (Min Celso de Mello no Re 482.611/SC, 2010).
A justificativa normativa para a exclusão do “menor sob guarda” do rol de dependentes para fins previdenciários calcava-se na afirmação de que haveria muitas fraudes em processo de guarda, nos quais os avós requereriam a guarda de seus netos apenas para fins de concessão do direito à pensão. O e. Ministro Relator, em seu voto, faz referência a tais
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fatos, invocando não apenas a doutrina da Professora Maria Berenice Dias nesse sentido, mas também o Parecer nº 53 de 1997. Ano LII, nº 219, do Senado Federal.
Tal argumento, contudo, não deve ser acolhido. Sublinho, neste passo, os relevantes fundamentos aduzidos pelo Dr. Antonio Ezequiel Inacio Barbosa, na sustentação oral que fez aportar, em via eletrônica. Não se trata de chancelar qualquer tipo de fraude, ao revés. Em primeiro lugar, porque o argumento pauta-se na presunção de má-fé. Em segundo lugar, porque pretensas fraudes supostamente ocorridas em processos de guarda não são justificativa para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus direitos previdenciários, assegurados tanto pelo art. 227, CRFB, quanto pelo art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Há, como ressaltou a Defensoria Pública da União, meios de combater as fraudes sem que, com isso, haja privação de direitos.
Ao assegurar a qualidade de dependente ao “menor sob tutela” e negá-la ao “menor sob guarda”, a legislação previdenciária priva crianças e adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais. A guarda, vale ressaltar, é situação de fato. Consubstancia dever que incumbe aos pais, ou ao tutor, na falta destes, como se depreende do art. 1566 e 1724 do Código Civil:
“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
(...)
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
(…)
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”
Nos termos do § 5º do art. 1584 do Código Civil, se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida,
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considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990), a seu turno, dispõe que guarda pode ser conferida, nos termos do art. 33, § 1º, no trâmite de processo judicial de adoção ou tutela, regularizando-se, assim, a situação de quem já está, na prática, atuando como guardião. Há também a hipótese do § 2º do art. 33, quando se defere guarda fora dos casos de tutela e de adoção para atender a situações excepcionais ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, como se vê:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
§ 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.”
Ao deferir judicialmente a guarda, portanto, seja na hipótese do § 5º
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do art. 1584 do Código Civil, seja nas hipóteses descritas no art. 33 do ECA, o magistrado observará as formalidades legais, com intervenção obrigatória do Ministério Público. A observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, ou seja, de hipóteses em que os avós requeiram a guarda tão somente para que os netos permaneçam beneficiários da Previdência Social na falta deles. À toda evidência, se o guardião falecer, sem que a criança ou adolescente tenha sido colocada sob tutela ou adoção, é preciso que os direitos previdenciários sejam resguardados, em observância ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, como exige a legislação previdenciária.
O e. Superior Tribunal de Justiça tem precedente reconhecendo esta linha interpretativa:
“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXCEPCIONAL ADMISSIBILIDADE. MITIGAÇÃO. PENSÃO POR MORTE DO AVÔ. DEPENDÊNCIA. MENOR À DATA DO ÓBITO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA DE LONGO PRAZO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Destacadas e reconhecidas as excepcionalidades do caso concreto, são mitigadas as exigências formais para o conhecimento dos embargos de divergência, em que se mostra notório o dissídio jurisprudencial, de modo a prevalecer valores sociais e humanitários relevantes, diretamente referidos à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro ( CF, art. 1º, III).
2. Resta demonstrada a divergência entre o acórdão embargado ( AgRg nos EDcl no REsp 1.104.494/RS , SEXTA TURMA, j. em 16/12/2014) e o aresto paradigma ( RMS 36.034/MT , Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. em 26/02/2014), confronto excepcionalmente admitido pelas razões acima e por ser esse precedente o primeiro - e o mais contemporâneo à época da interposição do
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recurso -, vindo a alterar a jurisprudência anterior, firmando nova e remansosa compreensão sobre o tema, em sentido oposto ao do acórdão embargado.
3. Esta Corte de Justiça consagra o entendimento da possibilidade de concessão de pensão previdenciária, no regime geral, a menor sob guarda judicial, mesmo quando o óbito do segurado houver ocorrido na vigência da redação do § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, dada pela Lei 9.528/97. Prevalência do disposto na Carta Federal (art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º) sobre a alteração legislativa que retirou o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do segurado do INSS. Entendimento que se mantém inalterado, quando, ao atingir a maioridade, é o beneficiário da pensão pessoa portadora de severa deficiência de longo prazo, passando à tutela do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 1104494/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/02/2021, DJe 02/03/2021).” Grifos nossos.
A interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Assegura se, assim, a prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI da Constituição.
Vale ressaltar que, nos termos do texto constitucional, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas ao Estado, mas também à família e à sociedade.
A interpretação conforme a ser conferida ao art. 16, § 2º, da Lei 8213/1991, portanto, deve contemplar os “menores sob guarda” na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da Republica, desde que comprovada a
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dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999).
Não se ignora, ademais, a recente alteração promovida pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, conhecida como “reforma previdenciária”, que, no art. 23, repetiu, como salientou o e. Ministro Relator, a redação conferida ao art. 16 da Lei 8.213/1991, mantendo-se, desta forma, a exclusão do “menor sob guarda” do rol de dependentes do segurado, nos seguintes termos:
“Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquele a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
(…)
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.”
Os pedidos formulados nas ADIs 5083 e 4878, contudo, não contemplaram a redação do art. 23 da EC 103/2019, razão pela qual, ao revés do e. Ministro Relator, não procedo à verificação da constitucionalidade do dispositivo, em homenagem ao princípio da demanda. De toda sorte, os argumentos veiculados na presente manifestação são em todo aplicáveis ao art. 23 referido.
Diante do exposto, homenageando conclusões diversas, julgo procedente a ADI 4878 e parcialmente procedente a ADI 5083 , de modo a conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”.
É como voto.
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08/06/2021 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO : MIN. EDSON FACHIN
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE
PREVIDÊNCIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS -ANEPREM
ADV.(A/S) : BRUNO SA FREIRE MARTINS
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
VOTO-VOGAL
A Senhora Ministra Rosa Weber: 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade , com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Procurador-Geral da República , tendo por objeto o parágrafo 2º do art. 16 da Lei 8.213/1991 , com a redação dada pela Lei n. 9.528/97 , com o seguinte teor:
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
(...)
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no
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Regulamento."
2. Sustenta-se a inconstitucionalidade material do dispositivo indicado, sob o fundamento de que a interpretação segundo a qual a criança ou adolescente sob guarda perderam a condição de beneficiários da Previdência Social" é materialmente incompatível com os princípios constitucionais da proteção integral da criança e do adolescente e da isonomia ". Afirma que após alteração na redação do normativo, “os menores sob guarda, equiparados aos filhos na redação original, deixaram de constar expressamente do rol de beneficiários contido na Lei nº 8.213/91".
Diante disso, alega-se que "o Instituto Nacional do Seguro Social passou a entender que as crianças e adolescentes sob guarda não possuem o direito à pensão por morte, posição confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados". Nessa linha, aduz que "a única interpretação compatível com a Constituição é aquela que inclui, dentre os beneficiários do RGPS arrolados no § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, as crianças e adolescentes sob guarda".
3. A medida cautelar pleiteada, com o escopo de suspender a eficácia dos atos normativos atacados até o julgamento final da ação, baseia-se na plausibilidade jurídica da tese esposada (fumus boni juris) – haja vista os argumentos apresentados pela petição inicial – e no perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), devido ao risco que crianças e adolescentes sejam privados de recursos indispensáveis à sua saúde e subsistência.
No mérito, requer-se que se confira interpretação conforme a Constituição ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/1991 , no sentido de incluir no seu âmbito de incidência os menores sob guarda .
4. Adotado o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999 .
5. O Senado Federal manifesta-se pela improcedência do pedido. Entende não haver “correspondência fática da afirmação do impetrante de que houve supressão de direitos constitucionalmente deferidos a crianças e adolescentes”, uma vez que o instrumento foi modificado para conferir maior garantia aos dependentes dos segurados e ao sistema previdenciário. Afirma, ainda, que “estar excluído do sistema previdenciário
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por não atender às regras estabelecidas não significa a exclusão de toda a seguridade social”, pois os não beneficiados “poderão se socorrer da assistência social”.
6. A Presidente da República defende, inicialmente, o não conhecimento da ação, devido ao caráter infraconstitucional da matéria. No mérito, salienta que o dispositivo impugnado não acarreta a supressão de direitos constitucionais de que são titulares as crianças, os adolescentes e os jovens. Aduz, nessa linha, que: “A obrigação estatal é devidamente cumprida com a utilização adequada do instituto da guarda provisória ou permanente, de forma que o hipossuficiente estará sempre amparado pelo Estado e pela sociedade, sem que isso importe a obrigação de conferir-lhes benefício previdenciário”.
7. A Advocacia-Geral da União manifesta-sepela improcedência do pedid o, conforme ementa a seguir:
Previdenciário. Artigo 16, § P, da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 9.528/97. Exclusão do menor sob guarda do rol de beneficiários do Regime Geral da Previdência Social. Ausência de violação ao princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, previsto no artigo 227, caput e § 3º, inciso II, da Constituição. A norma atacada justifica-se diante da ausência de dependência econômica, para fins previdenciários, do menor sob guarda em relação ao segurado, devido à natureza transitória da relação jurídica estabelecida entre eles. Prevalência do artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91 em relação ao artigo 33, § 3º, da Lei nº 8.069/90. Manifestação pela improcedência do pedido.
8. O Procurador-Geral da República destaca as razões deduzidas na petição inicial e requer conhecimento e a procedência do pedido objeto da presente ação.
9. Deferido o pedido de admissão no feito, na qualidade de amicus curiae, do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS .
10. Como parâmetros de controle , invocam-se o princípio da
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isonomia (art. 5º, caput, CF/88) e o princípio da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, CF/88), in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
o lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
(...)
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas”.
11. A questão constitucional em debate envolve averiguar se a retirada da criança e do adolescente sob guarda do rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS – na condição de dependente do segurado viola normas constitucionais, em razão da alteração engendrada pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/91.
A legislação previdenciária passou a equiparar aos filhos, ainda que sem presunção de dependência econômica, apenas os enteados e
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tutelados .
O Código Civil assim prevê quanto à tutela:
“Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:
I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;
II - em caso de os pais decaírem do poder familiar”.
Alega-se, em defesa da constitucionalidade da distinção entre os tratamentos legais destinados à tutela e à guarda, o caráter temporário e transitório da guarda conferida em presença de situações peculiares ou para suprir a falta dos pais ou responsáveis.
Nesse sentido a manifestação da Advocacia-Geral da União :
“Como visto, a modificação determinada pela Lei n. 9.528/97 ao texto do dispositivo sob invectiva tem o efeito, tão somente, de excluir do rol de beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, na condição de dependente do segurado, ‘o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda’.
Isso se justifica porque a guarda decorrente de determinação judicial caracteriza-se pela natureza transitória da relação jurídica estabelecida entre o detentor da guarda e o menor, sendo insuficiente, portanto, para configurar a situação de dependência econômica deste em relação ao segurado para fins previdenciários.
Com efeito, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) ressalta o caráter temporário e excepcional da guarda por ele disciplinada, estabelecendo a possibilidade de que seja revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado”.
Não sobejam dúvidas quanto à temporariedade do instituto da guarda, tal como previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90) . O mesmo diploma especial, porém, prevê também a proteção previdenciária na condição de dependente . Reproduzo o teor
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das disposições do ECA:
“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
§ 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público”. (destaquei)
Quanto ao tema, relembro, outrossim, a Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/90 :
“Artigo 26
1. Os Estados Partes reconhecerão a todas as crianças o direito de usufruir da previdência social, inclusive do seguro social, e adotarão as medidas necessárias para lograr a plena consecução desse direito, em conformidade com sua legislação nacional.
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2. Os benefícios deverão ser concedidos, quando pertinentes, levando-se em consideração os recursos e a situação da criança e das pessoas responsáveis pelo seu sustento, bem como qualquer outra consideração cabível no caso de uma solicitação de benefícios feita pela criança ou em seu nome”.
Como deflui das respectivas leituras interpretativas, as normas que estabelecem uma disciplina específica sobre criança e adolescente , diferentemente da lei geral previdenciária, ainda que posterior, guardam completa sintonia com os ditames constitucionais de proteção integral e da dignidade da pessoa humana .
A retirada da previsão anterior da Lei n. 8213/91 revela-se inconstitucional , sobretudo à luz da proibição do retrocesso quanto aos direitos sociais e do seu desenvolvimento progressivo , tal como previsto no a rtigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos : “Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.
Na doutrina , pronunciando-se sobre a inconstitucionalidade da alteração, leciona Fábio Zambitte Ibrahim:
“(...) acredito que o enquadramento do menor sob guarda, como dependente do RGPS, seja correto, pois o princípio da preexistência do custeio em relação ao benefício não seria aplicável ao caso, já que o menor sob guarda já constava da relação de dependentes, sendo a exclusão inconstitucional. Como se sabe, a Constituição assegura a proteção especial da criança e do adolescente, incluindo prerrogativas previdenciárias (art. 227, § 3º, II, CRFB/88).
A aplicação da legislação infraconstitucional deve,
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necessariamente, ser cotejada com o texto constitucional, de modo que seus dispositivos sejam interpretados em perfeita compatibilidade com as normas cogentes da Carta de 1988. Ademais, não haveria motivo razoável que autorizasse a distinção entre o menor sob guarda e o tutelado, de modo a incluir este no rol de beneficiários e excluir aquele. O devido processo legal, na abordagem substantiva, impõe o tratamento equânime a ambas as situações” 1 .
Na jurisprudência , consabido que nesta Casa, durante muitos anos o tema foi objeto de inúmeros recursos não apreciados quanto ao mérito em razão seja da violação reflexa da Constituição no caso subjacente, seja da necessidade de reexame de provas . Colho precedentes:
“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. 3. Menor sob guarda. Inclusão no rol de dependentes 4. Matéria infraconstitucional. Ofensa reflexa à Constituição Federal. Necessidade de reexame do acervo probatório. Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento”. ( RE 1150680 AgR, Relator (a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 23/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-256 DIVULG 29-11-2018 PUBLIC 30-11-2018, destaquei)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA. DEPENDENTE. ANÁLISE PRÉVIA DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DE ÍNDOLE LOCAL E REEXAME DE PROVAS . SÚMULAS 279 E 280 DO STF. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. MAJORAÇÃO DE
1 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro:
Impetus, 2014, p. 542.
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HONORÁRIOS. 1. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem, seria necessário o reexame dos fatos e provas dos autos e da legislação local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. 2. A parte Agravante não se desincumbiu do ônus de demonstrar que a decisão recorrida desbordou dos poderes previstos no art. 932, CPC, tampouco trouxe argumentos aptos a infirmar a decisão agravada. 3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC. Verba honorária majorada em 1/4, nos termos do art. 85, §§ 2º, 3º e 11, CPC”. ( ARE 943800 AgR, Relator (a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 15-03-2017 PUBLIC 16-03-2017, destaquei)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB GUARDA. DEPENDENTE. ANÁLISE PRÉVIA DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL DE ÍNDOLE LOCAL E REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 279 E 280 DO STF. INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. 1. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem, seria necessário o reexame dos fatos e provas dos autos e da legislação local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. 2. A parte Agravante não se desincumbiu do ônus de demonstrar que a decisão recorrida desbordou dos poderes previstos no art. 932, CPC, tampouco trouxe argumentos aptos a infirmar a decisão agravada. 3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC. Verba honorária majorada em 25%, nos termos do art. 85, §§ 2º, 3º e 11, CPC”. ( ARE 906027 AgR, Relator (a): EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 21/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 08-11-9
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2016 PUBLIC 09-11-2016, destaquei)
Por outro lado, há decisões quanto à inaplicabilidade da alteração da Lei n. 9.528/97 ao Regime Próprio de Previdência Social – RPPS . Nesse sentido:
“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. PENSÃO POR MORTE INSTITUÍDA EM FAVOR DE MENOR SOB GUARDA. POSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 5º DA LEI 9.717/98. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. É devida a pensão por morte, de caráter temporário, a menor que esteja sob guarda de servidor público federal na data do seu falecimento . 2. Não se aplica à pensão por morte decorrente de relação estatutária a reforma promovida pela Lei 9.528/97, no ponto em que excluiu a equiparação do menor sob guarda judicial aos dependentes do segurado (art. 16, § 2º, da Lei 8.312/91). 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento”. ( MS 31911 MC-AgR, Relator (a): EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 30/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe223 DIVULG 19-10-2016 PUBLIC 20-10-2016, destaquei)
“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. PODERES DO RELATOR. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ATO DE CONCESSÃO DE PENSÃO. MENOR SOB GUARDA. RECUSA DE REGISTRO. 1. O art. 205 do Regimento Interno desta Casa, na redação conferida pela Emenda Regimental nº 28/2009, expressamente autoriza o Relator a julgar monocraticamente o mandado de segurança quando a matéria em debate for objeto de jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal. 2 . A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que o art. 5º da Lei 9.717/98 não teve o condão de derrogar categorias de beneficiários de pensão por morte do regime próprio de
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previdência dos servidores públicos federais, de molde a delimitá-las ao mesmo rol previsto para o regime geral. Agravo regimental conhecido e não provido”. (MS 32914 AgR, Relator (a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 13/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 03-11-2015 PUBLIC 04-11-2015)
Registro, de todo modo, que a Lei n. 13.135/2015 também retirou o menor sob guarda do rol de beneficiários da pensão por morte concedida no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social, ao efetuar alterações na Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Já no Superior Tribunal de Justiça – STJ –, a jurisprudência quanto à matéria da exclusão do menor sob guarda do rol de dependente previdenciário oscilou ao longo da tramitação da presente ação direta .
Inicialmente , à época da sua propositura (2012), a alteração legislativa em exame era chancelada pela Corte, em razão de consubstanciar norma previdenciária específica. O STJ afastava, inclusive, a apreciação de eventual alegação de inconstitucionalidade, como denotam os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO OCORRIDO APÓS ALTERAÇÃO LEGISLATIVA NO ART. 16 DA LEI N. 8.213/1991. MENOR SOB GUARDA EXCLUÍDO DO ROL DE DEPENDENTES PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. SÚMULA 83/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- Esta Corte Superior firmou compreensão de que, se o óbito do instituidor da pensão por morte ocorreu após a alteração legislativa promovida no art. 16 da Lei n. 8.213/1991 pela Lei n. 9.528/97 - hipótese dos autos -, tal benefício não é devido ao menor sob guarda.
- Não há como afastar a aplicação da Súmula 83/STJ à espécie, pois a Corte a quo dirimiu a controvérsia em harmonia
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com a jurisprudência deste Tribunal Superior, que, em vários julgados, também já rechaçou a aplicabilidade do art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069/1990, tendo em vista a natureza específica da norma previdenciária.
Agravo regimental desprovido”. ( AgRg no REsp 1285355/ES , Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 04/03/2013, destaquei)
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ART. 535 DO CPC -AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO - DIREITO PREVIDENCIÁRIO -PENSÃO POR MORTE - MENOR SOB GUARDA JUDICIAL -ÓBITO POSTERIOR À MP 1.523/96 - IMPOSSIBILIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem decide, de forma suficientemente fundamentada, as questões essenciais ao julgamento da lide.
2. É firme o entendimento neste Superior Tribunal de Justiça de que é indevida a concessão de pensão por morte a menor sob guarda nas hipóteses em que o óbito do segurado ocorreu na vigência da Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97. Precedentes.
3. Hipótese em que o óbito do segurado ocorreu em 19/04/2003 (certidão de fl. 21, e-STJ), em momento posterior, portanto, à alteração da legislação.
4. Recurso especial provido”. ( REsp 1328300/RS , Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/04/2013, DJe 25/04/2013, destaquei)
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97. Precedentes.
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2. Agravo regimental não provido”. ( AgRg no Ag 1038727/MG , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/09/2014, DJe 29/09/2014, destaquei)
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ADI N. 4878. SOBRESTAMENTO DO FEITO. NÃO CABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O disposto no art. 3º do CPC não foi objeto de manifestação pelo acórdão recorrido, faltando-lhe o requisito indispensável do prequestionamento. Incidência da Súmula n. 282 do STF.
2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97. Precedentes.
3. A pendência de julgamento no Supremo Tribunal de ação em que se discute a constitucionalidade de lei não enseja o sobrestamento dos recursos que tramitam no STJ. Precedente .
4. Agravo regimental não provido”. ( AgRg no REsp 1043924/MS , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/12/2014, DJe 18/12/2014, destaquei)
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA . ARGUIÇÃO DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. VEDAÇÃO. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL EM AGRAVO REGIMENTAL.
1. A jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de ser indevida pensão por morte a menor sob guarda se o óbito do segurado tiver ocorrido sob a vigência da MP n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97.
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2. A Corte Especial deste Tribunal decidiu, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no REsp 1.135.354/PB , ser inviável a arguição de questões constitucionais em recurso especial, tendo em vista que a via própria para o exame do pleito de declaração incidental de inconstitucionalidade é o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.
3. Não compete ao STJ examinar na via especial suposta violação a dispositivo constitucional, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
4. Se a argumentação suscitada não foi, oportunamente, aventada em contrarrazões ao recurso especial, observa-se a ocorrência da preclusão, afinal não se admite inovação argumentativa em sede de agravo regimental.
5. Agravo regimental improvido”. ( AgRg nos EDcl no REsp 1104494/RS , Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/02/2015, destaquei)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACÓRDÃO ASSENTADO EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. MENOR SOB GUARDA. EXCLUSÃO DO ROL DE DEPENDENTES. P REVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA SOBRE O ECA .
1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que "os entendimentos doutrinários e Jurisprudenciais, baseados na Constituição Federal, são unanimes ao afirmarem que a Lei nº 9.528/97 que modificou o § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 para excluir o menor sob regime de guarda do rol dos dependentes do segurado, não beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, tal alteração não atinge o disposto no art. 33 e seu parágrafo 3º, da lei nº 8.069/90 - ECA, o qual confere ao menor sob guarda, a condição de dependente, tendo em vista que, a própria Constituição Federal assegura no art. 227, § 3º, II, o direito à proteção especial do menor, com garantia de direito previdenciário" 2. Assim, verifica-se que o acórdão recorrido examinou tal questão sob fundamento eminentemente constitucional, o que torna inviável sua análise em Recurso
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Especial.
3. Ainda que superado esse óbice, a alteração trazida pela Lei 9.528/1997, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes do STJ .
4. Agravo Regimental não provido”. ( AgRg no REsp 1370171/PI , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 06/04/2015, destaquei)
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.523/96 (LEI N. 9.528/97). EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA DO ROL DOS DEPENDENTES DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O art. 557 do CPC autoriza ao relator decidir o recurso, com fundamento na jurisprudência dominante, de forma monocrática, não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade.
2. O tema controvertido diz respeito à possibilidade de concessão, ao menor sob guarda, de pensão por morte. O entendimento desta Corte encontra-se uniformizado no sentido de que a Lei 9.528/97, norma previdenciária específica, prevalece em relação ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo aplicável às hipóteses em que o óbito ocorreu a partir de sua vigência.
3. Precedentes: AgRg no REsp 1.141.788/RS , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 24/11/2014; EREsp 859.277/PE, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA - DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 27/02/2013; REsp 1.328.300/RS , Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/04/2013.
Agravo regimental improvido”. ( AgRg no REsp 1482391/PR , Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
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TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 20/04/2015, destaquei)
Posteriormente , aplicando-se já naquela instância superior uma exegese constituciona l, houve alteração do entendimento em julgamento da lavra da Corte Especial do STJ :
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. ART. 16 DA LEI N. 8.213/90. MODIFICAÇÃO PELA MP N. 1.523/96, CONVERTIDA NA LEI N. 9.528/97. CONFRONTO COM O ART. 33, § 3º, DO ECA. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONFORME. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PREFERENCIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
1. Ao menor sob guarda deve ser assegurado o direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na Lei n. 8.213/90.
2. O art. 33, § 3º da Lei n. 8.069/90 deve prevalecer sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança e do adolescente.
3. Embargos de divergência acolhidos”. (EREsp 1141788/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/12/2016, DJe 16/12/2016, destaquei)
Além disso, ao apreciar o Resp 1.411.258/RS , sob a sistemática de julgamento de recursos repetitivos, foi fixada tese jurídica sobre a questão:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO E HUMANITÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/STJ. DIREITO DO
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MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR. EMBORA A LEI 9.528/97 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA, PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/90), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, A TEOR DA SÚMULA 126/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, PORÉM DESPROVIDO.
1. A não interposição de Recurso Extraordinário somente tem a força de impedir o conhecimento de Recurso Especial quando (e se) a matéria decidida no acórdão recorrido apresenta dupla fundamentação, devendo a de nível constitucional referir imediata e diretamente infringência à preceito constitucional explícito; em tema de concessão de pensão por morte a menor sob guarda, tal infringência não se verifica, tanto que o colendo STF já decidiu que, nestas hipóteses, a violação à Constituição Federal, nesses casos, é meramente reflexa. A propósito, os seguintes julgados, dentre outros: ARE 804.434/PI , Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 19.3.2015; ARE 718.191/BA , Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 17.9.2014; RE 634.487/MG , Rel. Min. ROSA WEBER, DJe 1.8.2014; ARE 763.778/RS , Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe 24.10.2013; não se apresenta razoável afrontar essa orientação do STF, porquanto se trata, neste caso, de questão claramente infraconstitucional.
2. Dessa forma, apesar da manifestação ministerial em sentido contrário, entende-se possível, em princípio, conhecerse do mérito do pedido recursal do INSS, afastando-se a incidência da Súmula 126/STJ, porquanto, no presente caso, o
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recurso deve ser analisado e julgado, uma vez que se trata de matéria de inquestionável relevância jurídica, capaz de produzir precedente da mais destacada importância, apesar de não interposto o Recurso Extraordinário.
3. Quanto ao mérito, verifica-se que, nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família, mas também à sociedade e
o Estado o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
4. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/91, pela Lei 9.528/97, ao retirar o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente.
5. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior tem avançado na matéria, passando a reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários. Precedentes: MS 20.589/DF , Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, DJe 2.2.2016; AgRg no AREsp. 59.461/MG , Rel. Min. OLINDO MENEZES, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.548.012/PE , Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 20.11.2015; AgRg no REsp. 1.550.168/SE , Rel. Min.
MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 22.10.2015; REsp. 1.339.645/MT , Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 4.5.2015.
6. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos nos benefícios da civilização e da cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes, que se encontram em situações
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sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais pessoas se esvai em palavras sonoras que não chegam a produzir qualquer alteração no panorama jurídico.
7. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de Segurado do INSS, no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente quando se vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde, a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária, combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna).
8. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia direta e imediata, impõese priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão por morte (Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva.
9. Em consequência, fixa-se a seguinte tese, nos termos do art. 543-C do CPC/1973: O MENOR SOB GUARDA TEM DIREITO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR, COMPROVADA A SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, NOS TERMOS DO ART. 33, § 3o. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, AINDA QUE O ÓBITO DO INSTITUIDOR DA PENSÃO SEJA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.523/96, REEDITADA E CONVERTIDA NA LEI 9.528/97. FUNDA-SE ESSA CONCLUSÃO NA QUALIDADE DE LEI ESPECIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
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ADOLESCENTE (8.069/90), FRENTE À LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
10. Recurso Especial do INSS desprovido”. ( REsp 1411258/RS , Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/10/2017, DJe 21/02/2018)
O Superior Tribunal de Justiça passou, pois, a rechaçar a supressão da proteção previdenciária nos casos de guarda e a fazer prevalecer o quanto disposto no ECA em razão do princípio da proteção integral e preferencial da criança e do adolescente . Confiram-se recentes julgados:
“ PREVIDENCIÁRIO . EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXCEPCIONAL ADMISSIBILIDADE. MITIGAÇÃO. PENSÃO POR MORTE DO AVÔ. DEPENDÊNCIA. MENOR À DATA DO ÓBITO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA DE LONGO PRAZO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Destacadas e reconhecidas as excepcionalidades do caso concreto, são mitigadas as exigências formais para o conhecimento dos embargos de divergência, em que se mostra notório o dissídio jurisprudencial, de modo a prevalecer valores sociais e humanitários relevantes, diretamente referidos à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro ( CF, art. 1º, III). 2. Resta demonstrada a divergência entre o acórdão embargado ( AgRg nos EDcl no REsp 1.104.494/RS , SEXTA TURMA, j. em 16/12/2014) e o aresto paradigma ( RMS 36.034/MT , Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, j. em 26/02/2014), confronto excepcionalmente admitido pelas razões acima e por ser esse precedente o primeiro - e o mais contemporâneo à época da interposição do recurso -, vindo a alterar a jurisprudência anterior, firmando nova e remansosa compreensão sobre o tema, em sentido oposto ao do acórdão embargado. 3. Esta Corte de Justiça consagra o entendimento da possibilidade de concessão de pensão previdenciária, no regime geral, a menor
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sob guarda judicial, mesmo quando o óbito do segurado houver ocorrido na vigência da redação do § 2º do art. 16 da Lei 8.213/91, dada pela Lei 9.528/97. Prevalência do disposto na Carta Federal (art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º) sobre a alteração legislativa que retirou o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do segurado do INSS. Entendimento que se mantém inalterado, quando, ao atingir a maioridade, é o beneficiário da pensão pessoa portadora de severa deficiência de longo prazo, passando à tutela do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). 4. Embargos de divergência providos”. (EREsp 1104494/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/02/2021, DJe 02/03/2021, destaquei)
“ PREVIDENCIÁRIO . PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. NETOS MENORES SOB GUARDA DO AVÔ MATERNO. REVALORAÇÃO DO SUBSTRATO FÁTICO-PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 33, CAPUT, E § 3º, DA LEI N. 8.069/90 ( ECA) E 16, I, e 77, § 2º, II, DA LEI N. 8.213/91 . 1. Verifica-se não ter ocorrido ofensa aos arts. 489, § 1º, e 1.022, II, do CPC/2015, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. A teor do art. 33, caput, do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), "A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais". Já o § 3º do mesmo dispositivo estabelece que "A guarda confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente, para todos os fins e
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efeitos de direito, inclusive previdenciário". 3. Nada obstante a prevalente responsabilidade de os pais biológicos proverem as necessidades primárias de sua prole, o que se apresenta a julgamento, na espécie, é um quadro em que a competente Justiça estadual outorgou ao avô materno dos netos recorrentes os encargos próprios da guarda disciplinada nos arts. 33/35 do ECA , daí resultando que, nos termos legais, também incumbia a esse avô prestar "assistência material" aos netos (art. 33, caput, do ECA). 4. Mediante revaloração do conjunto fático probatório, jurisprudencialmente autorizada por esta Corte, faz-se de rigor o reconhecimento, no caso concreto, da presença do vínculo de dependência econômica entre os netos recorrentes e o falecido avô guardião, como postulado pelo art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91 (cuja diretriz, embora refira apenas o vínculo da tutela, também abrange a hipótese da guarda, como a versada nestes autos). 5. Recurso especial dos menores provido. ( REsp 1842287/SP , Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 28/02/2020, destaquei)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO . DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA . RESP 1.411.258/RS JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS (TEMA 732). 1. Inicialmente, insta salientar que à hipótese dos autos não incide o óbice da Súmula 7/STJ, porquanto o contexto fático probatório está perfeitamente delineado nos termos da sentença e do acórdão vergastado. 2. Em sentença, o Juízo de piso esclareceu o seguinte: "(...) A prova documental indica que a guarda judicial do menor foi concedida à falecida Maria Aparecida Scarpinete Ribeiro em 06.06.05, nos autos da ação nº 208/03, que tramitou na 2a Vara local (fls. 12/13). Já a prova testemunhal esclarece que o menor viveu sob a guarda de fato da falecida praticamente desde que nasceu. Também demonstra a ausência dos genitores, sendo o pai residente em local incerto
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e a mãe no Estado do Pará, nada contribuindo para o sustento do menor, que atualmente está sob a guarda da avó. (...) Pretende-se apenas preservar os interesses do menor e reconhecer que, efetivamente, dependia economicamente da falecida, sem ajuda de qualquer outro parente. Em resumo, não vislumbrando a existência de fraude e demonstrada a dependência econômica, prevalece o disposto no art. 33, § 3º, da Lei nº 8.069/90." 3. In casu, percebe-se que o menor, praticamente desde o nascimento, viveu sob a guarda de fato da bisavó falecida, instituidora da pensão, e de que aquele não dispunha de qualquer ajuda de outros parentes, inexistindo dúvidas quanto à dependência econômica. 4. Dessarte, nota-se que o entendimento do Tribunal a quo não está em conformidade com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, consolidada no julgamento do REsp 1.411.258/RS , repetitivo de controvérsia (Tema repetitivo 732), de que o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/1996, reeditada e convertida na L ei 9.528/1997. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/1990), frente à legislação previdenciária. 5. Recurso Especial provido”. ( REsp 1845498/SP , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 12/05/2020, destaquei)
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO . AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO MENOR SOB GUARDA À PENSÃO POR MORTE DO SEU MANTENEDOR, EMBORA A LEI 9.528/1997 O TENHA EXCLUÍDO DO ROL DOS DEPENDENTES PREVIDENCIÁRIOS NATURAIS OU LEGAIS DOS SEGURADOS DO INSS. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS DE ISONOMIA,
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PRIORIDADE ABSOLUTA E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ART. 227 DA CF). APLICAÇÃO PRIORITÁRIA OU PREFERENCIAL DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990), POR SER ESPECÍFICA, PARA ASSEGURAR A MÁXIMA EFETIVIDADE DO PRECEITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO EM RECURSO ESPECIAL REPETITIVO, RESP 1.411.258/RS , REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. RECURSO ESPECIAL DO IPAJM A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 227 da CF, foi imposto não só à família, mas também à sociedade e ao Estado, o dever de, solidariamente, assegurar à criança e ao adolescente os direitos fundamentais com absoluta prioridade. Além disso, foi imposto ao legislador ordinário a obrigação de garantir ao menor os direitos previdenciários e trabalhistas, bem como o estímulo do Poder Público ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. 2. A alteração do art. 16, § 2o. da Lei 8.213/1991, pela Lei 9.528/1997,
o retirar o menor sob guarda da condição de dependente previdenciário natural ou legal do Segurado do INSS, não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor, e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente. 3. Não se deve perder de vista o sentido finalístico do Direito Previdenciário e Social, cuja teleologia se traduz no esforço de integração dos excluídos aos benefícios da civilização e da cidadania, de forma a proteger as pessoas necessitadas e hipossuficientes que se encontram em situações sociais adversas; se assim não for, a promessa constitucional de proteção a tais pessoas se esvai em palavras sonoras, que não chegam a produzir qualquer alteração no panorama jurídico. 4. Deve-se proteger, com absoluta prioridade, os destinatários da pensão por morte de Segurado do INSS no momento do infortúnio decorrente do seu falecimento, justamente quando se
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vêem desamparados, expostos a riscos que fazem periclitar a sua vida, a sua saúde, a sua alimentação, a sua educação, o seu lazer, a sua profissionalização, a sua cultura, a sua dignidade, o seu respeito individual, a sua liberdade e a sua convivência familiar e comunitária, combatendo-se, com pertinácia, qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227, caput da Carta Magna). 5. Considerando que os direitos fundamentais devem ter, na máxima medida possível, eficácia direta e imediata, impõe-se priorizar a solução ao caso concreto de forma que se dê a maior concretude ao direito. In casu, diante da Lei Geral da Previdência Social que apenas se tornou silente ao tratar do menor sob guarda e diante de norma específica que lhe estende a pensão por morte (Lei 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 33, § 3o.), cumpre reconhecer a eficácia protetiva desta última lei, inclusive por estar em perfeita consonância com os preceitos constitucionais e a sua interpretação inclusiva . 6. Nesse cenário, a jurisprudência desta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial 1.411.258/RS , representativo da controvérsia, consolidou a orientação de que o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3o. do Estatuto da Criança e do Adolescent e , ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/1996, reeditada e convertida na Lei 9.528/1997. 7. Recurso Especial do IPAJM a que se nega provimento”. ( AgInt no REsp 1542353/ES , Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2019, DJe 26/03/2019, destaquei)
Escorreita , portanto, a hermenêutica adotada pelo STJ à luz da Constituição Federal .
A meu juízo, deve-se conferir prevalência à norma protetiva específica do ECA sobre a lei geral previdenciária, a fim de dar concretude à previsão constitucional de absoluta prioridade à criança e ao
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adolescente quanto ao gozo de direitos, sobretudo os sociais, como o previdenciário.
A supressão efetuada pela Lei n. 9.528/97 não se coaduna com o desenho de proteção constitucionalmente erigido em prol das crianças e dos adolescentes. Configura, em verdade, insustentável retrocesso no quadro de promoção e de proteção nacional e internacional à infância e à juventude.
Pontuo que a sustentada motivação da alteração legislativa com o desiderato de evitar fraudes previdenciárias – ainda recorrente, infelizmente, no Brasil – não é suficiente para validar a nova redação legal e afastar a sua inconstitucionalidade.
Malgrado existam casos em que o guardião postule e obtenha a guarda com a finalidade única de instituir eventual benefício de pensão por morte, por exemplo, a real configuração de fraude há de ser averiguada por meios próprios, com o escrutínio dos requisitos tanto da guarda quanto do benefício previdenciário envolvido.
Tampouco prevalece, no caso em exame, a redação atual da Emenda Constitucional n.º 103/2019, que manteve a exclusão do “menor sob guarda” do rol de dependentes do segurado, in verbis:
“Art. 23. A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquele a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
(…)
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica”.
A outorga de direitos à luz da máxima proteção e da total
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prevalência deve prestigiar o arcabouço normativo elaborado a favor da criança e do adolescente em razão do dever do poder público e da sociedade de protegê-los nos termos do art. 227, caput, e § 3º, inciso II, em observância à máxima proteção, à especial prioridade e à dignidade humana.
12. Ante o exposto, conheço da ação direta e julgo procedente o pedido, para, acompanhando a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin, e rogando vênia ao eminente Relator, dar interpretação conforme a Constituição ao § 2º do art. 16 da Lei 8.213/199 1, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”.
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ExtratodeAta-08/06/2021
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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.878
PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL (00000/DF)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA DOS
ESTADOS E MUNICÍPIOS - ANEPREM
ADV.(A/S) : BRUNO SA FREIRE MARTINS (7362/O/MT)
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO -IBDP
ADV.(A/S) : GISELE LEMOS KRAVCHYCHYN (18200/SC, 356A/SE)
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - DPU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação, de modo a conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Nunes Marques e Luiz Fux (Presidente), que julgavam improcedente a ação. Falaram: pelo interessado Presidente da República, a Dra. Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União; pelo amicus curiae Associação Nacional de Entidades de Previdência dos Estados e Municípios – ANEPREM, o Dr. Bruno Sá Freire Martins; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União – DPU, o Dr. Antonio Ezequiel Inácio Barbosa, Defensor Público Federal; e, pelo amicus curiae Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a Dra. Bruna Maria Palhano Medeiros, Procuradora Federal. Plenário, Sessão Virtual de 28.5.2021 a 7.6.2021.
Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário