Data de publicação: 13/03/2024
Tribunal: STF
Relator: Ministro Edson Fachin
(…) O direito da criança à convivência familiar deve ser colocado a salvo de toda a forma de negligência e omissão estatal, consoante preconizam os arts. 6º, caput, 201, II, 203, I, e 227, caput, da Constituição da República, impondo-se a interpretação conforme à Constituição do § 1º do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) e do art. 71 da Lei nº. 8.213/1991 4. Não se verifica critério racional e constitucional para que o período de licença à gestante e salário-maternidade sejam encurtados durante a fase em que a mãe ou o bebê estão alijados do convívio da família, em ambiente hospitalar, nas hipóteses de nascimentos com prematuridade e complicações de saúde após o parto. 5. A jurisprudência do STF tem se posicionado no sentido de que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, conforme precedente do RE nº. 778889, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016.(…)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONVERTIDA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. POSSIBILIDADE. CONTAGEM DE TERMO INICIAL DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE SALÁRIO-MATERNIDADE A PARTIR DA ALTA HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE, O QUE OCORRER POR ÚLTIMO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO § 1º DO ART. 392, DA CLT, E DO ART. 71 DA LEI 8.213/1991. NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE E À INFÂNCIA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Cumpridos os requisitos da Lei nº. 9.882/99, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) entende possível a fungibilidade entre ADI e ADPF. 2. A fim de que seja protegida a maternidade e a infância e ampliada a convivência entre mães e bebês, em caso de internação hospitalar que supere o prazo de duas semanas, previsto no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto nº. 3.048/99, o termo inicial aplicável à fruição da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade deve ser o da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se ambos os benefícios por igual período ao da internação. 3. O direito da criança à convivência familiar deve ser colocado a salvo de toda a forma de negligência e omissão estatal, consoante preconizam os arts. 6º, caput, 201, II, 203, I, e 227, caput, da Constituição da Republica, impondo-se a interpretação conforme à Constituição do § 1º do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) e do art. 71 da Lei nº. 8.213/1991 4. Não se verifica critério racional e constitucional para que o período de licença à gestante e salário-maternidade sejam encurtados durante a fase em que a mãe ou o bebê estão alijados do convívio da família, em ambiente hospitalar, nas hipóteses de nascimentos com prematuridade e complicações de saúde após o parto. 5. A jurisprudência do STF tem se posicionado no sentido de que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, conforme precedente do RE nº. 778889, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. A prorrogação de benefício existente, em decorrência de interpretação constitucional do seu alcance, não vulnera a norma do art. 195, § 5º, da Constituição Federal. 6. Arguição julgada procedente para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99. (STF - ADI: 6327 DF, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 24/10/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 04-11-2022 PUBLIC 07-11-2022)
Inteiro Teor
24/10/2022 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.327 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : SOLIDARIEDADE
ADV.(A/S) : GUILHERME PUPE DA NOBREGA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONVERTIDA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. POSSIBILIDADE. CONTAGEM DE TERMO INICIAL DE LICENÇA-MATERNIDADE E DE SALÁRIO-MATERNIDADE A PARTIR DA ALTA HOSPITALAR DO RECÉM-NASCIDO OU DA MÃE, O QUE OCORRER POR ÚLTIMO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DO § 1º DO ART. 392, DA CLT, E DO ART. 71 DA LEI 8.213/1991. NECESSÁRIA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE E À INFÂNCIA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1. Cumpridos os requisitos da Lei nº. 9.882/99, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) entende possível a fungibilidade entre ADI e ADPF.
2. A fim de que seja protegida a maternidade e a infância e ampliada a convivência entre mães e bebês, em caso de internação hospitalar que supere o prazo de duas semanas, previsto no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto nº. 3.048/99, o termo inicial aplicável à fruição da licença- maternidade e do respectivo salário-maternidade deve ser o da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, prorrogando-se ambos os benefícios por igual período ao da internação.
3. O direito da criança à convivência familiar deve ser colocado a salvo de toda a forma de negligência e omissão estatal, consoante preconizam os arts. 6º, caput , 201, II, 203, I, e 227, caput , da Constituição da Republica, impondo-se a interpretação conforme à Constituição do § 1º do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) e do art. 71 da Lei nº. 8.213/1991
4. Não se verifica critério racional e constitucional para que o período de licença à gestante e salário-maternidade sejam encurtados durante a fase em que a mãe ou o bebê estão alijados do convívio da família, em ambiente hospitalar, nas hipóteses de nascimentos com prematuridade e complicações de saúde após o parto.
5. A jurisprudência do STF tem se posicionado no sentido de que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, conforme precedente do RE nº. 778889, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016. A prorrogação de benefício existente, em decorrência de interpretação constitucional do seu alcance, não vulnera a norma do art. 195, § 5º, da Constituição Federal.
6. Arguição julgada procedente para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém- nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário de 14 a 21 de outubro de 2022 , sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer da ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental e, ratificando a medida cautelar, julgar procedente o pedido formulado para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei 8.213/1991 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto 3.048/1999), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando a internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto 3.048/1999, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 24 de outubro de 2022.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
Documento assinado digitalmente
24/10/2022 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.327 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : SOLIDARIEDADE
ADV.(A/S) : GUILHERME PUPE DA NOBREGA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): O partido Solidariedade ajuizou a presente ação direta de inconstitucionalidade, a fim de obter interpretação conforme à Constituição do § 1º, do art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) e do art. 71 da Lei nº. 8.213, de 1991.
A petição inicial narra que decisões judiciais proferidas em território nacional têm dado interpretações distintas às normas impugnadas, pois, mesmo em caso de nascimento de bebês prematuros e submetidos, por variadas causas, a períodos longos de internação, o termo inicial de fruição do benefício de licença-maternidade tem sido fixado na data do parto.
A agremiação argumenta que a interpretação restritiva e literal quanto à forma de contagem da licença-maternidade tem reduzido substancialmente o lapso de convívio entre mães e filhos e prejudica o aleitamento materno recomendado pelas autoridades de saúde.
Defende que se formou um cenário de verdadeira proteção deficiente de direitos fundamentais e de conflito interpretativo na jurisprudência, o que exigiria intervenção judicial para fixar o termo inicial do direito à licença-maternidade na data da efetiva alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último. Reforça seu pleito enfatizando que "não se pode conceber que a recuperação médica a exigir internação decote período de licença que se destina a convívio familiar". Haveria, pois, necessidade de se conferir proteção à maternidade e à infância, notadamente no que se refere à convivência familiar prevista no art. 227 da Constituição Federal.
A parte autora informa, ainda, a partir de dados do Ministério da Saúde, que o Brasil registra o nascimento de 279.300 bebês prematuros por ano, sendo frequentes os casos de internação hospitalar de mães e bebês por longos períodos. Sustenta, por força de tais circunstâncias, e "considerando a necessidade de tratamento isonômico e por imperativo humanitário", que se garanta o direito da genitora e do bebê para que "possam eles, juntos, se adaptar e desenvolver plenamente sua relação de mãe e filho no contexto social e familiar em que efetivamente se constituirá a trajetória da criança, sem a mediação da intervenção médica".
Foram apontadas como parâmetro de controle as normas dos artigos 5º, caput; 6º, caput ; 201, II e 227, todas da Constituição Federal, requerendo-se medida cautelar, à vista de alegado risco grave de danos advindos da interpretação literal das regras especificadas.
Houve a juntada de documentos essenciais ao ajuizamento do feito, inclusive do comprovante da devida representação da agremiação no Congresso Nacional (eDOC 3).
Em decisão cautelar, conheci a presente ação como uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), dada a precedência temporal da Consolidação das Leis do Trabalho em relação à Constituição de 1988 e a observância de todos os requisitos legais e constitucionais da espécie.
No mérito do pedido liminar, depreendendo presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora , deferi a medida a fim de conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a assentar a necessidade de se prorrogar o benefício, bem como de se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, sempre que o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99.
Expedidas as comunicações para cumprimento da medida, o Ministério da Economia, por meio de nota técnica (eDOC 23), sustentou que: i) historicamente, desde a edição da Lei nº 8.213, de 1991, a definição do marco inicial do benefício de salário-maternidade, sempre esteve atrelada ao momento do parto ou a um curto período de tempo anterior a este, normalmente fixado em 28 (vinte e oito) dias; ii) eventual alteração de interpretação da norma, embora possa diferir o marco inicial do benefício de salário-maternidade para o momento da alta hospitalar, pode trazer prejuízos à renda familiar ou até mesmo criar distinções no mercado de trabalho da mulher; iii) que a ampliação de prazo de licença- maternidade depende de lei em sentido estrito; iv) haver violação ao princípio constitucional que exige prévia fonte de custeio para criação ou ampliação ou majoração de benefícios da seguridade social; v) que, como a decisão protela o início da licença para o momento da alta, não haverá proteção previdenciária para as seguradas até esse aludido marco.
Em 03.04.2020, o Plenário deste Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida. Após, foram rejeitados os embargos de declaração opostos pela Advocacia-Geral da União.
O Senado Federal, por meio de informações, arguiu que a ação não poderia ser conhecida como ADPF. No mérito, referiu que a decisão deste STF se imiscuiu em competência legislativa e que há projetos sobre a matéria em estágio de tramitação avançada. Transcrevo, no ponto, excerto da peça:
"Não há imputação de inconstitucionalidade formal ou material das normas atacadas. O que há, em verdade, é a imputação de uma omissão do legislador em regular determinada situação fática. Tanto é assim que o próprio Ministro-relator baseou sua decisão pela existência de uma"omissão inconstitucional relativa".
A Câmara dos Deputados, a seu turno, explicou que a Lei nº. 10.710,
de 2003, alteradora do art. 71 da Lei nº. 8.213, de 1991, tramitou regularmente (eDOC 59).
A Consultoria-Geral da União sustentou que não há fonte de custeio que ampare a prorrogação da licença-maternidade, bem como que não há possibilidade de interpretação conforme na hipótese. Informou que a interpretação proposta especificamente ao artigo 71 da Lei 8.213/91 poderia resultar não em favorecimento, mas, antes, em prejuízo a muitas seguradas (eDOC 60).
A Presidência da República, em seu arrazoado, manifestou que não haveria proteção deficiente de direitos. Esclareceu que a Lei nº. 11.770/2008 garantiu a possibilidade de prorrogação desse prazo por 60 (sessenta) dias, nos termos de seu art. 1º, podendo, então, atingir 180 (cento e oitenta) dias de licença-maternidade. Além disso, enfatizou haveria diversas outras normas garantidoras de direitos às mães e a seus filhos, a exemplo da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (eDOC 61).
A parte autora, ao fazer vista das informações carreadas aos autos, reiterou o seu pedido de confirmação da medida cautelar proferida por esta Corte (eDOC 64).
Após, em novo petitório, informou haver indícios de descumprimento da decisão deste STF por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), porquanto a Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros (ONG Prematuridade.com) teria alertado que:
"(...) o INSS estaria na prática obstando a produção de efeitos das decisões emanadas desse STF". Requereu, em seguida, que"o INSS intimado com urgência, na pessoa de seu Presidente, a comprovar a implementação de todas as providências necessárias ao cumprimento do acórdão emanado desse STF, mais especificamente no que toca ao pagamento do salário maternidade, na forma do artigo 71 da Lei n. 8.213, desde o afastamento da gestante - entre o vigésimo oitavo dia que anteceder o parto e esse, propriamente dito -, sem prejuízo de a contagem do prazo legal de cento e vinte dias, previsto naquele mesmo dispositivo, somente se iniciar a partir da alta da mãe e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último"(eDOCs 66, 67 e 68).
A Advocacia-Geral da União apresentou opinativo por meio do qual sustentou que a técnica de interpretação conforme à Constituição seria sempre limitada pela clareza e especificidade do texto da norma objeto de controle. No caso, as previsões dos dispositivos questionados não teriam plurissignificação, sendo caracterizadas por um sentido unívoco, circunstância que teria o condão de impossibilitar a aplicação do referido método.
O arrazoado da AGU posiciona-se no sentido de que seria"necessária ponderação entre o proveito obtido e a realidade financeira do Estado, a qual demanda a elaboração de estudos técnicos que assegurem sua exequibilidade, haja vista que o § 5º do artigo 195 da Constituição Federal proíbe, expressamente, a criação, majoração ou extensão de benefício da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio".
Frisou-se, ainda, que o ordenamento jurídico tutelaria a maternidade e a infância de diversas formas, inexistindo, para o órgão, proteção deficiente ao direito das mulheres e crianças (eDOC 70).
Ante a notícia de descumprimento da medida cautelar, ordenei a intimação da AGU e do Presidente do INSS, na forma do art. 103, § 2º, da CRFB, a fim de que adotassem as medidas necessárias ao cumprimento da decisão, no prazo de trinta dias.
Em resposta, na data de 23.03.2021, a Presidência do INSS asseverou ter efetivado medidas para cumprimento da ordem desta Corte.
Na oportunidade, promoveu-se a juntada da Portaria Conjunta DIRBEN/DIRAT/PFE/INSS nº. 28, de 19 de março de 2021, a qual teria disciplinado administrativamente a concretização do decisum.
A manifestação da Procuradoria-Geral da República deu-se no sentido da improcedência do pedido, notadamente pela ausência de fonte de custeio. Transcrevo excerto do parecer:
"Sem a expressa previsão da fonte de custeio, é inviável a concretização do pagamento do salário-maternidade nos moldes requeridos. A extensão ou ampliação de hipóteses de pagamento de benefícios previdenciários demandam nova fonte de custeio da previdência social que, consoante o art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da CF, somente pode ser estabelecida por lei complementar.
A instituição de extensão de benefício por decisão judicial, sem a respectiva fonte de custeio da previdência social, afronta, além do disposto no art. 195, § 5º, e no 113 do ADCT, a reserva constitucional de lei complementar estabelecida pelo art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da CF, que exclui a disciplina da matéria por qualquer outra espécie normativa ( ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18.5.2001; ADI 2.436/PE, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 9.5.2003; entre outros julgados).
Concluída a tramitação regular, nos termos da Lei nº. 9.868/99, retornaram-me os autos conclusos para julgamento final.
É o relatório.
24/10/2022 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.327 DISTRITO FEDERAL
VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (Relator): A pretensão veiculada por meio da presente ação direta de inconstitucionalidade, convertida em ADPF, recai, essencialmente, sobre a interpretação que deve ser conferida ao § 1º do art. 392, da CLT, e ao art. 71 da Lei 8.213/1991, à luz da Constituição da Republica. Passo a transcrever os citados dispositivos:
"Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença- maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
§ 1 o A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28º (vigésimo oitavo) dia antes do parto e ocorrência deste.
§ 2 o Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados de 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico.
§ 3 o Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos neste artigo".
"Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade".
Diante da elevada quantidade de nascimentos prematuros e de complicações de saúde após o momento do parto, os quais podem ensejar longos períodos de internação de mães e bebês, discute-se, nos autos, o termo inicial aplicável à fruição da licença-maternidade e do respectivo benefício previdenciário de salário-maternidade.
Ultimada a análise dos argumentos apresentados no curso desta ação, mantenho a convicção no sentido de conferir interpretação conforme à Constituição aos preceitos normativos impugnados, reiterando o quanto decidido em sede de cautelar.
Reputo que, a se acolher uma exegese restritiva e literal das aludidas normas, o período de convivência fora do ambiente hospitalar entre mães e recém-nascidos acaba por ser reduzido de modo irrazoável e conflitante com o direito social de proteção à maternidade e à infância, assegurado pelos art. 6º, caput, 201, II, 203, I, e 227, caput , da Constituição, bem como por tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário. Confira-se:
"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância , a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (...) II - proteção à maternidade, especialmente à gestante".
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice".
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade , o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência , discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil" (Grifei).
Por ocasião deste julgamento meritório, renovo, portanto, os fundamentos da decisão cautelar anteriormente proferida, os quais reproduzo e incorporo a este voto:
"Partindo-se do princípio de que a Constituição não traz palavras vazias, é dizer que algo absoluto não comporta relativização. A doutrina da proteção integral deve ser, assim, compreendida na sua máxima efetividade, assim como o direito da criança à convivência familiar, colocando-a a salvo de toda a forma de negligência, e o dever constitucional de que percentual de recursos da saúde seja destinado à assistência materno-infantil.
São essas premissas que devem orientar a interpretação do art. 7º, XVIII, da Constituição, que prevê o direito dos trabalhadores à"licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias."Logo, os cento e vinte dias devem ser considerados com vistas a efetivar a convivência familiar, fundada especialmente na unidade do binômio materno-infantil. (...)
É indisputável que essa importância seja ainda maior em relação a bebês que, após um período de internação, obtêm alta, algumas vezes contando com já alguns meses de vida, mas nem sempre sequer com o peso de um bebê recém-nascido a termo, demandando cuidados especiais em relação a sua imunidade e desenvolvimento.
O período de internação neonatal guarda as angústias e
limitações inerentes ao ambiente hospitalar e à fragilidade das crianças. Ainda que possam eventualmente amamentar e em alguns momentos acolher nos braços seus filhos, é a equipe multidisciplinar que lhes atende, de modo que é na ida para casa que os bebês efetivamente demandarão o cuidado e atenção integral de seus pais, e especialmente da mãe, que vivencia também um momento sensível como é naturalmente, e em alguns casos agravado, o período puerperal. Não é por isso incomum que a família de bebês prematuros comemorem duas datas de aniversário: a data do parto e a data da alta. A própria idade é corrigida. A alta é, então, o momento aguardado e celebrado e é esta data, afinal, que inaugura o período abrangido pela proteção constitucional à maternidade, à infância e à convivência familiar. É este, enfim, o âmbito de proteção.
Há uma unidade a ser protegida: mãe e filho. Não se trata apenas do direito do genitor à licença, e sim do direito do recém-nascido, no cumprimento do dever da família E do Estado de ter assegurado com" absoluta prioridade "o seu" direito à vida, à saúde, à alimentação "," à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ", além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência." (art. 227). Esse direito, no caso, confere-lhe, neste período sensível de cuidados ininterruptos (qualificados pela prematuridade), o direito à convivência materna.
Assim, a partir do art. 6º e do art. 227 da CF, vê-se que há, sim, uma omissão inconstitucional relativa nos dispositivos impugnados, uma vez que as crianças ou suas mães que são internadas após o parto são desigualmente privadas do período destinado à sua convivência inicial.
E não se pode invocar o óbice do art. 195, § 5º: "Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total."
O benefício e sua fonte de custeio já existem. A Seguridade Social, deve ser compreendida integralmente, como sistema de proteção social que "compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social."
Mantida, pois, a linha adotada em sede de juízo de cognição sumária, passo a tratar das alegações deduzidas pelas partes e a desenvolver aspectos relevantes para o deslinde da questão constitucional posta à apreciação.
Adoto, como premissa, a compreensão de que a efetividade do núcleo social da Constituição depende de atuação do Poder Judiciário, a qual deve, no caso, suprir indevida omissão legislativa quanto à proteção das mães e crianças internadas após o parto, haja vista não se erigir critério discriminatório racional e constitucional para que o período de licença seja encurtado na hipótese.
Contrariamente à noção de que o desenvolvimento e a justiça social florescem com maior facilidade em meio à omissão do Estado, estudiosos do welfare state têm demonstrado que resultados redistributivos emergem com a universalização de cobertura e não com a sua redução e amesquinhamento.
Célia Kerstenetzky, na obra "O Estado do bem-estar social na Idade da Razão", detalha quais são as três ondas de implementação de direitos sociais no Brasil.
Segundo a autora, de 1930 a 1964, teríamos experimentado anos de "bem-estar corporativo" . Em seguida, no período que medeia os anos de 1964 a 1984, vimos surgir o que ela denomina como um "universalismo básico" para, só enfim, no período pós-1988, chegarmos a um "universalismo estendido". A lição da professora do Instituto de Economia da UFRJ é, então, a de que as vicissitudes do estado social brasileiro decorreram da exclusão e não da inclusão de indivíduos. O alijamento do amparo estatal se deu primeiro em desfavor da população escravizada e depois daquela não-formalizada, ou seja, dos trabalhadores sem registro. Veja-se:
"Há vários condicionantes a iluminar esse estado de coisas, relacionados ao ponto de partida na economia agrário- exportadora de base escravista, sua economia política e seu legado, à inserção desfavorável do país na economia e na geopolítica internacional e à duração da política autoritária, características que nos singularizam na comparação com os pioneiros. É certo, porém, que a ausência de providências significativas para a incorporação dos ex-escravos ao mainstream da vida brasileira na agenda pública da jovem República de 1889 - à qual se somaram uma abstinência quase que completa de iniciativas de regulação das relações entre capital e trabalho na indústria e no comércio e nas condições de trabalho e remuneração do mesmo no campo, e inação no front fundiário -, contribuiu a sua parte. Quando, na República de Vargas, ineditamente na história do país, direitos sociais passaram a ser reconhecidos, inicialmente pela via da legislação ordinária, logo devidamente constitucionalizados, o país contabilizava um gigantesco passivo de problemas e iniciativas. Naturalmente a atenção se dirige à específica configuração assumida pela distribuição de direitos sociais inaugurada pelo experimento Vargas. Esta se caracteriza por uma estratificação social corporativista (baseada na institucionalização das categorias profissionais do núcleo urbano-industrial) e a dinâmica de reivindicação de direitos que lhe é conexa (sempre por categorias, sempre direitos afetos aos riscos do trabalho mercantilizado)". (KERSTENETZKY, Celia Lessa. O estado do bem-estar social na idade da razão: A reinvenção do estado social no mundo contemporâneo. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 63).
Assim, ao contrário da realidade vivida em países da Europa continental, o Brasil expandiu seus direitos de forma lenta e com parca cobertura. A crise brasileira é de falta de estado de bem-estar e não de gastos com bem-estar.
A emergência da Constituição de 1988, garantidora de direitos justiciáveis, acentuou o papel do Poder Judiciário nesta equação de efetividade de prestações positivas como consequência natural do caminhar dos acontecimentos.
Externei igual posicionamento voltado à maximização e efetividade do cerne social da Constituição no RE nº. 999435 (intervenção sindical prévia à dispensa em massa); ADI nº. 5938 (trabalhadoras gestantes e lactantes e ambiente insalubre); ADI nº. 5.766 (assistência judiciária); MC na ADI nº. 7.222 (piso salarial), dentre outros.
Refuto, assim, os argumentos que dão conta de não haver fonte de custeio para o cumprimento da decisão desta Corte, porquanto observo não haver a criação de nova prestação social nem tampouco afronta ao art. 195, § 5º , da Constituição Federal. Tal qual manifestei em decisão monocrática, "o benefício e sua fonte de custeio já existem. A Seguridade Social, deve ser compreendida integralmente, como sistema de proteção social que" compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social ".
De outra parte, a jurisprudência deste Tribunal tem demonstrado que a ausência de previsão de fonte de custeio não é óbice para extensão do prazo de licença-maternidade, à vista do quanto decidido no RE 778889, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016, o qual versou sobre equiparação do prazo de licença adotante ao de licença-gestante.
Quanto à alegação de que as leis impugnadas não comportariam interpretação conforme à Constituição, por conterem supostamente regras de sentido unívoco, lembro que um dispositivo legal só pode ser excluído quando não puder ser interpretado, de nenhum modo, segundo a Constituição. (Nesse sentido, v. MARINONI, L. G. Processo Constitucional e Democracia. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021,
p. 401). Não há, pois, empecilho à utilização da técnica de interpretação conforme no modo preconizado neste feito.
Em nosso sistema, os direitos fundamentais irradiam-se horizontalmente para conformar não apenas a interpretação de normas infralegais, mas das próprias relações privadas, senão vejamos o teor do julgado do RE nº. 639138, do qual fui relator para acórdão (Tema 452 da repercussão geral):
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CÁLCULO DO VALOR DO BENEFÍCIO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA DEVIDA POR ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA FECHADA. CONTRATO QUE PREVÊ A APLICAÇÃO DE PERCENTUAIS DISTINTOS PARA HOMENS E MULHERES. QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A isonomia formal, assegurada pelo art. 5º, I, CRFB, exige tratamento equitativo entre homens e mulheres. Não impede, todavia, que sejam enunciados requisitos de idade e tempo de contribuição mais benéficos às mulheres, diante da necessidade de medidas de incentivo e de compensação não aplicáveis aos homens. 2. Incidência da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, com prevalência das regras de igualdade material aos contratos de previdência complementar travados com entidade fechada. 3. Revela-se inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia (art. 5º, I, da Constituição da Republica), cláusula de contrato de previdência complementar que, ao prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor tempo de contribuição. 5. Recurso extraordinário conhecido e desprovido". (Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Redator (a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN, Julgamento: 18/08/2020, Publicação: 16/10/2020).
No que tange à proteção da maternidade e à infância, esta Corte saiu de um estado de coisas em que teve que garantir que a previdência social arcasse com os custos do salário-maternidade sem limitação ao teto (ADI nº. 1946) até o momento atual em que reconheceu o direito à licença estendida de 180 dias para um genitor monoparental (RE nº. 1348854).
No precedente da ADI nº. 1946, cuja relatoria coube ao e. Ministro
Sydney Sanches, o STF deixou assente que a previsão do art. 7º, XVIII, da Constituição, acerca da licença à gestante não poderia se submeter a retrocesso social submetido pela reforma previdenciária de então.
Em julgados mais recentes, de lavra do i. Ministro Alexandre de Moraes, este Supremo Tribunal tratou de firmar que a proteção à maternidade e à infância, operada pela licença e benefício em relação aos quais se contende nesta ação, são"verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal". Cuidam-se, assim, de direitos fundamentais instrumentais, consoante expressa a ementa da ADI nº. 5938:
"Ementa: DIREITOS SOCIAIS. REFORMA TRABALHISTA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE. PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE DA CRIANÇA. GARANTIA CONTRA A EXPOSIÇÃO DE GESTANTES E LACTANTES A ATIVIDADES INSALUBRES. 1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. 2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. 3. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre ( CF, art. 227). 4. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido. 5. Ação Direta julgada procedente". (Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator (a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Julgamento: 29/05/2019, Publicação: 23/09/2019).
Igualmente notável é o precedente do RE nº. 778.889, por meio do qual o Pleno desta Corte, uma vez mais, expandiu a compreensão acerca da licença, encarando-a como direito essencial à infância, de modo a ampliar o prazo de fruição aos pais adotantes, cuja ementa é a que segue:
"DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas. 5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII, CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da mãe gestante. 8. Tese da repercussão geral: "Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo
Enfim, há muito este STF tem se posicionado, com firmeza, no sentido da afirmação das cláusulas constitucionais ora invocadas como parâmetro para interpretação conforme, de forma ainda a garantir a plena aplicabilidade do artigo 24 da Convenção sobre os Direitos da Criança, Decreto n.º 99.710/1990, que prevê:
"1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.
2. Os Estados Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a:
a) reduzir a mortalidade infantil;
(...)
d) assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós- natal;
e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;".
Sobre o ponto do melhor interesse da criança e da inovação trazida à época pela Convenção, colho a lição de André de Carvalho Ramos no sentido de que se trata de preceito que se irradia para conformar a atuação administrativa e legislativa, reconhece-se, pois, às crianças o direito a uma proteção social, senão vejamos:
"O art. 3º, por sua vez, determina a consideração do melhor interesse da criança (best interest of child) em todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos e que se assegure à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres dos seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão as medidas legislativas e administrativas adequadas. (...)
No art. 26, reconhece-se o direito das crianças de usufruir da previdência social, inclusive do seguro social. Assim, os estados devem adotar medidas necessárias para alcançar a plena consecução desse direito, em conformidade com sua legislação nacional". (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos, 9a ed., São Paulo: Saraiva, 2022, p. 262 a 268).
Em suma, a jurisprudência desta Corte tem considerado que a ausência de previsão legal não é óbice legítimo à denegação do pleito. A ausência de lei não significa, afinal, ausência da norma. Na esteira do quanto aduzi em sede cautelar, a omissão acarreta, na espécie, proteção deficiente dos direitos constitucionais que se busca resguardar por meio da presente demanda. Confira-se, novamente, a posição externada na decisão monocrática:
"Existe um defeito de protecção quando as entidades sobre quem recai um dever de protecção (Schutzpflicht) adoptam medidas insuficientes para garantir uma protecção constitucionalmente adequada aos direitos fundamentais. A verificação de uma insuficiência de juridicidade estatal deverá atender à natureza das posições jurídicas ameaçadas e à intensidade do perigo de lesão de direitos fundamentais."(CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 6ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 273)
Trata-se, assim, de reconhecer uma omissão legislativa. O Min. Barroso defende que a omissão parcial comporta duas espécies: a chamada omissão relativa e a omissão parcial propriamente dita. Nesta, o legislador atua de modo insuficiente ou deficiente em relação à obrigação que lhe cabia, o exemplo clássico é o salário mínimo (ADI n.º 1458). Naquela, a lei exclui do seu âmbito de incidência determinada categoria que nele deveria estar abrigada, privando-a de um benefício, em violação à isonomia, deixando o ato impugnado de prever o alcance do dispositivo a outras categorias (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 298). É o caso".
Tampouco cabe obstar a atuação do Poder Judiciário sob argumento de tramitarem proposições legislativas acerca do tema, mormente em se tratando de direito em relação ao qual a omissão possui consequências diretas de violação constitucional. Assim, o fato de a questão sobre a prorrogação da licença nos casos de parto prematuro encontrar-se em debate no âmbito legislativo, por meio da PEC n. 181/2015 e do PL nº. 5.186/2020, que visa a ampliar o direito para 240 dias, não impede a omissão de ser conformada judicialmente.
Ao contrário. O fato de tramitar proposição há mais de cinco anos denota que a via legislativa não será um caminho célere para proteção dos direitos invocados. A realidade dos fatos se impõe. Conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o país "registrou 300 mil nascimentos prematuros em 2019, sendo o 10º país no ranking mundial de prematuridade. Cabe destacar também que 11,7% dos partos ocorrem antes das 37 semanas de gestação no país". Ainda:
"o bebê que nasce com menos de 37 semanas de gestação (36 semanas e 6 dias) é considerado prematuro, ou pré-termo. No Brasil, o nascimento de bebês prematuros corresponde a 12,4% dos nascidos vivos, de acordo com dados do Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Ministério da
Saúde. A prematuridade aumenta a chance de internações dos bebês em UTI, pois é na fase final da gestação que o sistema cardiorrespiratório amadurece, sendo assim, bebês prematuros perdem a oportunidade de estarem mais preparados para lidar com a adaptação à vida fora do útero. Além disso, podem desenvolver outros problemas, tais como, asma e alergias" . (Ver: "ANS alerta gestantes para o Dia Mundial da Prematuridade", disponível em: https://www.gov.br/ans).
No que se refere ao argumento da União de que as mães seguradas quedar-se-iam sem nenhuma proteção social no interregno da extensão da licença, observo que esta não foi a solução que a próprio INSS conferiu ao problema, haja vista que o benefício do salário-maternidade, nos termos da medida cautelar, deve protrair-se pelo tempo de licença acrescido.
Tanto é assim que, após ser intimado a dar cumprimento à medida cautelar, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) editou a Portaria Conjunta nº. 28/2021, que bem regulamentou a forma do benefício de salário-maternidade em caso de prematuridade, senão vejamos o seu teor:
"Art. 1º Comunicar que, em decisão cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6.327, o Supremo Tribunal Federal - STF determinou que o benefício de Salário- Maternidade seja prorrogado quando, em decorrência de complicações médicas relacionadas ao parto, houver necessidade de internação hospitalar da segurada e/ou do recém nascido.
§ 1º A decisão do STF recai sobre os requerimentos de Salário-Maternidade que têm o parto como fato gerador, objetivando resguardar a convivência entre mãe e filho para preservar seu contato no ambiente residencial, de forma a impedir que o tempo de licença seja reduzido nas hipóteses de partos com complicações médicas.
§ 2º Para efeitos administrativos, a data de início do benefício e data de início do pagamento continuam sendo fixadas na data do parto ou até 28 dias antes do parto mas, nos casos em que mãe (segurada) e/ou filho necessitarem de períodos maiores de recuperação, o Salário-Maternidade será pago durante todo o período de internação e por mais 120 dias, contados a partir da data da alta da internação do recém nascido e/ou de sua mãe, o que acontecer por último, desde que presente o nexo entre a internação e o parto e observado o § 3º e o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 3º.
§ 3º Nos casos em que a Data de início do benefício - DIB e a Data de início do pagamento - DIP do benefício forem fixadas em até 28 dias antes do parto, o período em benefício anterior ao parto deverá ser descontado dos 120 dias a serem devidos a partir da alta hospitalar.
§ 4º O período de internação passou a ser considerado um acréscimo no número de dias em que o benefício será pago, ou seja, não será limitado aos 120 dias.
§ 5º Não cabe adoção dos procedimentos previstos nesta Portaria nas situações em que o período de repouso anterior ou posterior ao parto for aumentado em duas semanas, uma vez que o pagamento desse período já é previsto no § 3º do artigo 93 do Decreto n.º 3.048/99.
§ 6º O desconto de que trata o § 3º não se aplica aos casos em que o benefício é aumentado por mais duas semanas, em virtude de repouso anterior ao parto, previsto no § 3º do art. 93 do Decreto nº 3.048/99.
Art. 2º A segurada deverá requerer a prorrogação do benefício de salário-maternidade pela Central 135, por meio do protocolo do serviço de"Solicitar prorrogação de Salário- Maternidade", a partir do processamento da concessão do benefício.
§ 1º O comprovante do protocolo de requerimento inicial de Salário-Maternidade conterá a informação de que é necessário requerer o serviço de prorrogação na forma do caput para os casos em que a segurada e/ou seu recém nascido precisarem ficar internados após o parto, por motivo de complicações médicas relacionadas a este.
§ 2º Em caso de internação superior a 30 dias, deverá solicitar sua prorrogação a cada período de 30 dias, observado que o novo pedido de prorrogação poderá ser feito após a conclusão da análise do pedido anterior.
§ 3º O servidor responsável pela análise do requerimento de prorrogação deverá solicitar documento médico que comprove a internação ou a alta, conforme o caso, bem como o período de internação ou alta prevista, se houver, expedido pela entidade responsável pela internação e encaminhar o requerimento para análise da Perícia Médica Federal por meio da subtarefa" Análise Processual de Prorrogação de Salário- Maternidade "(Grifei).
Como se pode observar, o próprio INSS compreendeu que a decisão desta Corte foi no sentido de estender a fruição do benefício, sem limitação de 120 dias. Logo, em relação às internações que excederem o período de duas semanas previsto no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Regulamento da Previdência Social, há que que se permitir a prorrogação tanto da licença quanto do respectivo salário-maternidade, mantendo-se a cobertura social. A contagem do termo inicial do período de 120 dias dá-se a partir da alta hospitalar da criança ou de sua mãe, o que ocorrer por último.
Ante o exposto, mantenho a decisão de conhecer a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e, ratificando a medida cautelar, julgo procedente a ação para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n.º 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n.º 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período o benefício, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99.
É como voto.
Ministro Edson Fachin
Relator
PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.327
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : SOLIDARIEDADE
ADV.(A/S) : GUILHERME PUPE DA NOBREGA (29237/DF) E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental e, ratificando a medida cautelar, julgou procedente o pedido formulado para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei n. 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu Regulamento (Decreto n. 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário- maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período o benefício, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n. 3.048/99, nos termos do voto do Relator. Falaram: pela requerente, a Dra. Sofia Cavalcanti Campelo; e, pela Advocacia- Geral da União, a Dra. Natália de Rosalmeida, Advogada da União. Plenário, Sessão Virtual de 14.10.2022 a 21.10.2022.
Composição: Ministros Rosa Weber (Presidente), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário