Data de publicação: 29/02/2024
Tribunal: TJ-DF
Relator: Des. Fátima Rafael
(...) O artigo 42, § 1º, do ECA veda a adoção de descendentes por ascendentes. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte admitem exceções à regra legal, a depender das particularidades do caso concreto. 2. A vedação à adoção avoenga não é absoluta, devendo-se observar o princípio do melhor interesse da criança, o que deve ser aferido na instrução da causa. 3. Apelação conhecida e provida.
DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTE. PROIBIÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EXCEÇÃO. CIRCUSTÂNCIAS ESPECIAIS DO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. 1. O artigo 42, § 1º, do ECA veda a adoção de descendentes por ascendentes. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte admitem exceções à regra legal, a depender das particularidades do caso concreto. 2. A vedação à adoção avoenga não é absoluta, devendo-se observar o princípio do melhor interesse da criança, o que deve ser aferido na instrução da causa. 3. Apelação conhecida e provida. Sentença desconstituída. Unânime. (TJ-DF 07055072120228070013 1714389, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 09/06/2023, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 23/06/2023)
Inteiro Teor
TERRITÓRIOS
Órgão 3a Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0705507-21.2022.8.07.0013
APELANTE (S)
APELADO (S)
Relatora Desembargadora FÁTIMA RAFAEL
Acórdão Nº 1714389
EMENTA
DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTE. PROIBIÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EXCEÇÃO. CIRCUSTÂNCIAS ESPECIAIS DO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
1. O artigo 42, § 1º, do ECA veda a adoção de descendentes por ascendentes. Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte admitem exceções à regra legal, a depender das particularidades do caso concreto.
2. A vedação à adoção avoenga não é absoluta, devendo-se observar o princípio do melhor interesse da criança, o que deve ser aferido na instrução da causa.
3. Apelação conhecida e provida. Sentença desconstituída. Unânime.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 3a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, FÁTIMA RAFAEL - Relatora, MARIA DE LOURDES ABREU - 1º Vogal e ROBERTO FREITAS FILHO - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ROBERTO FREITAS FILHO, em proferir a seguinte decisão: CONHECER E DAR PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 19 de Junho de 2023
Desembargadora FÁTIMA RAFAEL
Relatora
RELATÓRIO
Adoto o relatório da r. sentença Id. 42926996, assim transcrito:
"Cuida-se de ação de adoção ajuizada por B.F.D.S., em favor da criança A.A.D.S., nascida em
27/06/16, filha de A.F.D.S.J. e sem registro de genitor (ID 142244210 - fl. 02).
A requerente informou na inicial que é progenitora materna da infante em tela e possui a guarda definitiva da infante desde os 02 (dois) meses de vida. Esclareceu que a genitora, alguns dias após o nascimento de sua filha, a abandonou na residência da ora postulante. Explicou que a genitora
frequentemente visita a filha sob efeito de substâncias ilícitas, colocando sua integridade física em risco e ameaçando retomar a guarda da criança.
Afirmou que o convívio entre avó e neta é de afeto e que Alice chama a postulante de" mãe ".
Asseverou que exerce todas as responsabilidades inerentes ao poder familiar, sob os aspectos físico, afetivo, psicológico e social.
Defendeu a possibilidade de adoção dos netos pelos avós e transcreveu precedente do c. Superior Tribunal de Justiça. Invocou o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Requereu a procedência do presente pedido, a fim de conceder a adoção de A.A.D.S.
O Ministério Público pugnou pela possibilidade jurídica do pedido para fins de prosseguimento desta ação, bem como requereu a intimação da postulante para emendar a inicial, nos termos do artigo 197-A do ECA.
É o relatório. Decido."
Acrescento que o pedido de adoção foi julgado improcedente, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
Irresignada, a Autora apela.
Nas razões recursais Id. 42927001, preliminarmente, aponta a nulidade do julgado por cerceamento de defesa, pois o juízo sentenciou antes de oportunizar a produção de prova testemunhal para comprovar que, para todos os efeitos, é a mãe da criança há 6 anos.
Ressalta a necessidade de se avaliar o melhor interesse da criança.
Argumenta que a criança foi efetivamente integrada à família que a acolheu e demonstra carinho pela avó materna, que tem sua guarda desde os 2 meses de idade.
Aduz que a criança não tem pai conhecido, a genitora constituiu família e não se opõe à adoção da filha pela avó.
Pontua que a adoção é necessária para preservar a integridade física da criança, por ser a genitora usuária de drogas.
Tece considerações acerca da adoção avoenga e da permissão pelo Superior Tribunal de Justiça da mitigação, em casos excepcionais, da proibição contida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Aponta que o Conselho Tutelar local visitou sua residência e verificou que a criança está bem cuidada e que seus direitos e garantias estão protegidos.
Por fim, pede que a Apelação seja provida, haja vista o cerceamento de defesa e não observância do melhor interesse da criança.
Sem preparo, ante a gratuidade de justiça deferida à Autora.
Sem contrarrazões.
A douta Procuradoria de Justiça pugna pelo conhecimento e não provimento da Apelação (Id. 4335 3132).
É o relatório.
VOTOS
A Senhora Desembargadora FÁTIMA RAFAEL - Relatora
Recebo a Apelação nos efeitos devolutivo e suspensivo, nos termos dos artigos 1.012 e 1.013, caput, do CPC.
Cuida-se de Apelação contra a r. sentença que julgou improcedente o pedido de adoção avoenga, ao fundamento de impossibilidade jurídica do pedido, ante a vedação contida no artigo 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.
A Apelante alega, em preliminar, a nulidade do julgado por cerceamento de defesa, pois o juízo sentenciou antes de lhe oportunizar produzir prova testemunhal para comprovar que, para todos os efeitos, é a mãe da criança há 6 anos.
Referida preliminar se confunde com o mérito e com ele será examinada.
No caso, o MM. Juiz a quo, na sentença Id. 42926996, pautado na legislação de regência, reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido de adoção por ascendente, o que implicou na improcedência do pedido autoral.
A improcedência do pedido adveio da vedação legal de adoção de descendente por ascendente, e não da ausência ou insuficiência de provas.
Isto é, ao adotar o posicionamento de que é juridicamente impossível o pedido deduzido na petição inicial, restou inviabilizada a produção da prova pretendida para formar o convencimento do juiz.
O artigo 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente assim dispõe:
"Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando."
A aludida regra tem por objetivo evitar inversões e confusões nas relações familiares, bem como impedir a utilização do instituto da adoção com finalidade meramente patrimonial.
No entanto, referida vedação vem sendo mitigada pela jurisprudência ao analisar concretamente o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
O Superior Tribunal de Justiça admite a excepcionalidade da adoção por ascendentes quando: a) o pretenso adotando seja menor de idade; b) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; c) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; d) o adotando reconheça os adotantes como seus
genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; e) inexista conflito familiar a respeito da adoção; f) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; g) não se funde a
pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e
h) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.
Sendo assim, é cabível a mitigação da regra legal em hipóteses excepcionais, como decidiu o STJ no REsp n. 1.586.477/SC, in verbis:
"RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ARTIGO 42 DO ECA. POSSIBILIDADE.
1. A Constituição da Republica de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes, segundo a qual tais"pessoas em desenvolvimento"devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico.
2. Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90 - reconhecida internacionalmente como um dos textos normativos mais avançados do mundo -, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que significa a opção por medidas que, concretamente, venham a preservar sua saúde mental, estrutura emocional e convívio social.
3. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem por escopo salvaguardar"uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia do tudo ou nada"(PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 588/589).
4. É certo que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós, a fim de evitar inversões e confusões (tumulto) nas relações familiares - em decorrência da alteração dos graus de parentesco -, bem como a utilização do instituto com finalidade
meramente patrimonial.
5. Nada obstante, sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da chamada adoção avoenga, revela-se cabida sua mitigação excepcional quando: (i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os - adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando. Precedentes da Terceira Turma.
6. Na hipótese dos autos, consoante devidamente delineado pelo Tribunal de origem: (i) cuida-se de pedido de adoção de criança nascida em 17.3.2012, contando, atualmente, com sete anos de idade; (ii) a pretensão é deduzida por sua avó paterna e seu avô por afinidade (companheiro da avó há mais de trinta anos); (iii) os adotantes detém a guarda do adotando desde o seu décimo dia de vida, exercendo, com exclusividade, as funções de mãe e pai da criança; (iv) a mãe biológica padece com o vício de drogas, encontrando-se presa em razão da prática do crime de tráfico de entorpecentes, não tendo contato com o filho desde sua tenra idade; (v) há estudo psicossocial nos autos, atestando a parentalidade socioafetiva entre os adotantes e o adotando; (vi) o lar construído pelos adotantes reúne as condições necessárias ao pleno desenvolvimento do menor; (vii) o adotando reconhece os autores como seus genitores e seu pai (filho da avó/adotante) como irmão; (viii) inexiste conflito familiar a respeito da adoção, contra qual se insurge apenas o Ministério Público estadual (ora recorrente); (ix) o menor encontra-se perfeitamente adaptado à relação de filiação de fato com seus avós; (x) a pretensão de adoção funda-se em motivo mais que legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida em criminalidade na comarca apontada, o que já resultou nos homicídios de seu irmão biológico de apenas nove anos de idade e de primos adolescentes na guerra do tráfico de entorpecentes; e (xi) a adoção apresenta reais vantagens para o adotando, que poderá se ver livre de crimes de delinquentes rivais de seus parentes maternos.
7. Recurso especial a que se nega provimento."( REsp n. 1.587.477/SC, relator Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 27/8/2020.)
Este egrégio Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido, conforme os julgados seguintes: "APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. MATÉRIA DE MÉRITO. CASO CONCRETO. ADOÇÃO SOCIOAFETIVA. CARÁTER CONTENCIOSO.
1. O que se afirma na exordial e a realidade vertente dos autos tratam do mérito e devem ser enfrentadas em sede de eventual procedência ou improcedência dos pedidos formulados na demanda, à luz da teoria da asserção.
2. Em situações excepcionais e de acordo com o caso concreto, admite-se a adoção avoenga, desde que cumprido alguns requisitos, a exemplo da constatação de reais vantagens ao adotando; inexistência de confusão psicológica; parentalidade afetiva devidamente comprovada; que se funde em motivos legítimos e não meramente econômicos; os avós exerçam a função de pai ou mãe com exclusividade, dentre outros. Assim, eventual discussão acerca da legitimidade ativa que envolva pretensão entre avó e neto, nesse ponto e em situações análogas de paternidade/maternidade afetiva, devem ser processadas como matéria de mérito.
3. A discussão acerca da paternidade socioafetiva pelos avós possui caráter contencioso, com observância de seu rito legal próprio, inadmissível de ser tratada em processo de exclusiva jurisdição voluntária.
4. Deu-se provimento ao recurso."(Acórdão 1616815, 07021832620228070012, Relator: FABRÍCIO
FONTOURA BEZERRA, 7a Turma Cível, data de julgamento: 14/9/2022, publicado no DJE:
14/10/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO AVOENGA. ART. 42, § 1º, DO ECA. REGRA. POSSIBILIDADE DE EXCEÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS DO CASO CONCRETO. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. PRECEDENTE DO E. STJ. JULGAMENTO
LIMINIARMENTE IMPROCEDENTE. CASSAÇÃO DA R. SENTENÇA. RETORNO DOS
AUTOS. PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
O § 1º do art. 42 do ECA consigna regra geral de vedação de adoção por ascendentes almejando, prioritariamente, resguardar direitos das crianças e adolescentes. Contudo, o referido dispositivo não pode ser considerado norma de caráter absoluto e, a despeito de proteger os menores, vir justamente a causar-lhes prejuízos ainda mais significativos. A jurisprudência, tanto da Corte Superior, quanto desta Casa, em estrita ponderação de circunstâncias específicas, afastou a regra de impossibilidade de adoção pelos ascendentes (STJ - Resp nº 1.587.477/SC, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão). A relevância de circunstâncias particulares justifica o processamento excepcional de ação de adoção por ascendentes, cassando-se a r. sentença, que julgou liminarmente improcedente o pedido, com retorno dos autos para a devida instrução processual."(Acórdão 1601064, 07012400620228070013, Relatora: CARMELITA BRASIL, 5a Turma Cível, data de julgamento: 27/7/2022, publicado no PJe: 15/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
No caso concreto, a r. sentença julgou improcedente o pedido sem a devida instrução processual para que se analisasse o vínculo socioafetivo existente entre os envolvidos.
No entanto, a avó, detentora da guarda da menor, é responsável pelos seus cuidados desde os 2 meses de vida e há concordância expressa da genitora com a adoção pretendida (Ids. 42926981 e 42926982).
A Promotora de Justiça atuante em primeira instância, assim se manifestou acerca da possibilidade jurídica do pedido e da necessidade de o processo prosseguir (Id. 42926995):
"(...) Em verdade, a não-aceitação pura e simples da adoção por ascendentes, como proibido em lei, sem verificação da realidade fática do caso, é a negação da regularização de realidades sociais cada vez mais presentes no dia a dia.
A lei e o ordenamento jurídico devem seguir os avanços sociais, que, em se tratando de assuntos de família, são rápidos e incessantes. A realidade social e as diferentes formações de família não podem ser ignoradas pelo ordenamento jurídico, sob pena de vivenciarmos realidades familiares excluídas do cenário legal e jurídico.
Cabe ressaltar que o Direito de Família passa por variadas modificações, levando em conta a
necessidade de preservação das questões atinentes às relações em âmbito privado (VASCONCELOS, 2020). Nesse sentido, é importante salientar que, na atualidade, releituras do instituto são essenciais, haja vista a intensa produção doutrinária e jurisprudencial sobre as relações familiares, de maneira a se buscar manter a harmonia com a base de princípios constitucionais que norteiam o direito privado (VASCONCELOS, 2020). Assim, com as novas concepções de família apresentadas no direito brasileiro, é necessário observar que inovações nas possibilidades de adoção podem ocorrer, conforme a verificação do melhor interesse da criança e do adolescente (BORBA; ARTIGAS, 2020). Ademais, com a ampliação do conceito de família trazido pela Constituição Federal de 1988, cabe destacar a afetividade como base para a possibilidade da adoção avoenga (BORBA; ARTIGAS, 2020).
Cumpre ressaltar que a adoção avoenga é aceita juridicamente no Brasil, em caráter excepcional, quando caracterizado e verificado, no caso concreto, o atendimento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (PFEIFER; TRENTIN, 2020).
Destaca-se que as relações jurídicas voltadas ao Direito Civil possuem teor humanístico, quando da perspectiva da família, isto é, há uma interlocução entre a norma constitucional e infraconstitucional, como vistas a se promover harmonia e racionalidade hermenêutica dentro do ordenamento jurídico pátrio, de modo a se possibilitar a efetividade dos direitos e garantias fundamentais nas relações
privadas (VASCONCELOS, 2020).
Nesse contexto, ressalta-se que o princípio da afetividade, trazido ao âmbito do Direito de Família e como alicerce à garantia de direitos da criança e do adolescente no caso de adoção, é particularmente interligado ao princípio da dignidade humana e, em vista disso, passa por críticas fundadas na
discricionariedade e no decisionismo judicial, sendo tal princípio considerado uma interpretação
expansiva do princípio da dignidade da pessoa humana (LIMA, 2019).
Depreende-se seja o princípio da afetividade fator jurídico imprescindível para configuração da
adoção avoenga, devendo-se observar o melhor interesse da criança e do adolescente e,
paulatinamente, a construção dos relacionamentos familiares advindos da constituição da família
formada mediante a adoção avoenga, ou seja, fazendo-se necessária a observância dos laços afetivos formadores da relação entre avós e netos, bem como a possibilidade de mitigação da disposição do art. 42, § 1º do ECA, a fim de se priorizarem a proteção integral e os direitos constitucionais assegurados a esses indivíduos.
A situação ora em análise existe, independentemente de a lei aceitá-la/reconhecê-la ou não. Não
apreciá-la e não lhe dar contornos legais/jurídicos apenas colocará a adotanda em situação de violação de direitos fundamentais.
O superior interesse da criança/adolescente é o bem maior a ser tutelado e o norte a ser seguido. Dessa forma, não pode ser desprestigiado em razão de extremo formalismo.
Assim, o Ministério Público entende seja o presente pedido de adoção juridicamente possível e, para o prosseguimento desta Ação, impõe-se seja determinada a intimação da requerente para juntar a
documentação faltante, conforme indicado no art. 197-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. É o que resta requerido."
Concluo que a regra do art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que veda a adoção de descendente por ascendente, não tem caráter absoluto, devendo-se observar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Portanto, devem os autos retornar à origem para a devida instrução processual e análise da
possibilidade de se relativizar a regra proibitiva contida no ECA.
Ante o exposto, CONHEÇO eDOU PROVIMENTO à Apelação para desconstituir a r. sentença e determinar o prosseguimento do feito, nos termos da fundamentação.
É como voto.
A Senhora Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU - 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROBERTO FREITAS FILHO - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
CONHECER E DAR PROVIMENTO, UNÂNIME