Data de publicação: 25/10/2023
Tribunal: TJ-MG
Relator: Ivone Campos Guilarducci Cerqueira
(...) '' Anulado o testamento público, inexistindo herdeiros necessários, os parentes colaterais irão suceder, razão pela qual os apelados, irmãos da testadora teriam irrefutável interesse no feito e, portanto, legitimidade ativa - Na data do testamento, o testador deverá ter capacidade plena, ou seja, vontade não afetada por deficiência que afete sua vontade e seu entendimento. É nulo o testamento feito por pessoa incapaz.''
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO - TESTAMENTO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA - INCAPACIDADE DA TESTADORA - ALZHEIMER - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. - Anulado o testamento público, inexistindo herdeiros necessários, os parentes colaterais irão suceder, razão pela qual os apelados, irmãos da testadora teriam irrefutável interesse no feito e, portanto, legitimidade ativa - Na data do testamento, o testador deverá ter capacidade plena, ou seja, vontade não afetada por deficiência que afete sua vontade e seu entendimento. É nulo o testamento feito por pessoa incapaz - Os apelados desincumbiram do ônus probatório o qual lhes recaiam - Restou incontroverso que a testadora apresentava comorbidades próprias da doença de Alzheimer à época em que lavrou o testamento em favor da apelante - Não provido o recurso.
(TJMG - AC: 10000220930077001 MG, Relator: Ivone Campos Guilarducci Cerqueira (JD Convocado), Data de Julgamento: 07/07/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 13/07/2022)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO - TESTAMENTO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA - INCAPACIDADE DA TESTADORA - ALZHEIMER - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
- Anulado o testamento público, inexistindo herdeiros necessários, os parentes colaterais irão suceder, razão pela qual os apelados, irmãos da testadora teriam irrefutável interesse no feito e, portanto, legitimidade ativa.
- Na data do testamento, o testador deverá ter capacidade plena, ou seja, vontade não afetada por deficiência que afete sua vontade e seu entendimento. É nulo o testamento feito por pessoa incapaz.
- Os apelados desincumbiram do ônus probatório o qual lhes recaiam.
- Restou incontroverso que a testadora apresentava comorbidades próprias da doença de Alzheimer à época em que lavrou o testamento em favor da apelante.
- Não provido o recurso.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.22.093007-7/001 - COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO - APELANTE (S): SOLANGE APARECIDA NOGUEIRA CHICONATTO - APELADO (A)(S): OEZER SOARES
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
JD. CONVOCADA IVONE CAMPOS GUILARDUCCI CERQUEIRA
RELATORA
JD. CONVOCADA IVONE CAMPOS GUILARDUCCI CERQUEIRA (RELATORA)
V O T O
Trata-se de Recurso de Apelação Cível, à ordem de n.207, interposta por S. A. N. C., em desfavor do apelado O. S. insurgindo-se em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de São Sebastião do Paraíso, à ordem de n. 198, que, na Ação Anulatória de Testamento Público ajuizada pelo apelado, julgou procedente o pedido.
A apelante destaca que o i. Magistrado foi induzido a erro, restando a sentença baseada em elementos de provas insuficientes para sustentar a anulação do testamento.
Ataca o atestado médico utilizado como fundamento hábil a caracterizar a incapacidade da Sra. G., por ter sido realizado em sede de ação de interdição da falecida.
Outrossim, ressalta que o apelado não é herdeiro necessário, sendo possível discutir sua legitimidade ativa para demandar contra a testadora e a legatária, sobretudo por ter sido excluído por expressa vontade da testadora.
Aduz que o laudo pericial de ID 29507929 foi realizado de forma precária, ausente o CID da suposta moléstia que acometia a testadora, tendo sido confeccionado na cidade de Passos.
Outrossim, ataca o documento de ID 48508139, alegando ter sido elaborado em 05 de julho de 2018, após o óbito da testadora, restando desprovido de qualquer identificação, sendo certo que a internação é datada de 09 de outubro de 2009, enquanto o termo de responsabilidade da paciente fora assinado em fevereiro de 2014.
Argumenta que a incapacidade superveniente do testador não invalida o testamento, nos termos do art. 1861 do Código Civil, e quando do recebimento da paciente nos hospitais, nada foi mencionado sobre o acometimento da doença de Alzheimer.
Pontua que as medicações para o tratamento da doença só foram realizadas em novembro de 2012, conforme documento de ID 48508139 - Pág. 6.
Alega que a intenção do apelado é se apropriar dos bens de sua irmã, sem nunca ter cuidado dela, usando do patrimônio da falecida como se fosse seu, inclusive dispondo de terrenos.
Outrossim, ressalta que o magistrado de primeiro grau confirma que a interdição da testadora ocorreu 16 meses após a confecção do documento público, tendo sido realizada perícia tempos depois.
Enfatiza que o magistrado de primeiro grau utilizou de provas indiretas e inconclusivas no que diz respeito à incapacidade da testadora. Também, reforça que a testadora era acometida de patologias próprias da idade, sendo que o relatório de ID 48508139 - Pág. 03 não menciona a doença de Alzheimer.
Com esses argumentos, pugna pela improcedência dos pedidos constante na peça inaugural, reformando a sentença, sobretudo para reconhecer válido o Testamento em todos os seus termos, bem como a ilegitimidade ativa ad causam do autor nos termos do art. 18 do Código Civil, e art. 1.845 e 1.850 do Código de Processo Civil.
Em contrarrazões, à ordem 211, o apelado alega que a legatária trabalhou para a testadora por alguns meses, tendo interrompido o vínculo trabalhista em razão da instauração de processo criminal a fim de apurar o crime de estelionato, tendo como vítima a falecida. Ressalta que a apelante incorreu em diversas contradições, sendo desmentida pela testemunha (...), que esclareceu não conhecer G.S., nada saber sobre o testamento, tampouco ter participado de algum ato como testamenteiro. Ademais, pontua que à época da lavratura do testamento, a falecida não possuía saúde física e mental, chamando atenção pelo fato de ter sido lavrado o testamento na cidade de Santo Antônio da Alegria, no estado de São Paulo. Ainda, refuta a credibilidade do laudo pericial apresentado quando da lavratura do testamento, eis que o profissional não é especialista em psiquiatria e não acompanhava o tratamento clínico da falecida testadora. Aponta que a r. sentença hostilizada não merece reforma, haja vista o acervo probatório dos autos corroborando as alegações dos apelados, sendo um contrassenso acreditar que a apelante seria beneficiária da falecida, quando investigada por crime em face da testadora. Assim, pugna pelo desprovimento do recurso e pela fixação de honorários sucumbenciais.
É o relatório.
Passo ao voto.
De início, importa analisar a prejudicial aposto nas razões recursais, quanto à ilegitimidade ad causam dos apelados, haja vista não serem herdeiros necessários da falecida e terem sido excluídos da sucessão por disposição testamentária, consoante disposto nos arts. 1845 e 1850 do CCB.
Entretanto razão não assiste à apelante, data venia.
Certo que, se nulo o testamento público da Sra. G.S., inexistindo herdeiros necessários, os parentes colaterais irão suceder, razão pela qual os apelados, irmãos da testadora teriam irrefutável interesse no feito e, portanto, legitimidade ativa, conforme art. 1.829, IV do Código Civil.
Por tais razões, rejeito preliminar de ilegitimidade ad causam dos apelados.
Compulsando os autos, verifica-se que a demanda tem o objeto de declarar a nulidade do testamento público da Sra. G. S., ao argumento de que o instrumento foi lavrado por pessoa desprovida de pleno discernimento, por estar, à época, acometida de doença de Alzheimer.
De início, o deslinde da questão encontra-se em verificar a capacidade, ou não, da testadora à época da lavratura do testamento público, datado de 8 de setembro de 2009, o qual contemplou a apelante como legatária.
Cediço que a capacidade e o pleno discernimento são pressupostos legais a habilitar o testador como pessoa apta a testar, nos termos do art. 1.860 do Código Civil, vejamos:
"Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. (...)"
A respeito da capacidade de exercício das pessoas, leciona Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Júnior:
"As regras atinentes à capacidade de exercícios das pessoas, em geral, servem para a aferição da capacidade de testar, salvo a prescrição específica do CC 1860, par. ún, nesse particular criadora de capacidade especial para testar. Na data do testamento, o testador há de ter capacidade plena, ou seja, vontade não afetada por deficiência cerebral ou mental, deficiências essas que eliminem sua vontade e entendimento. É nulo o testamento feito por pessoa incapaz, com a ressalva do CC 1860 par. ún." (Nery, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil: volume IV: família e sucessões/ Rosa Maria de Andrade Nery, Nelson Nery Junior. 3Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.)
A fim de salvaguardar o princípio da dignidade da pessoa humano ( CF, art1º, III), a partir da nova sistemática imposta pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, sentença de curatela tem de considerar os aspectos pessoais, individualizados, daquela pessoa humana, alcançando atos de índole econômica, podendo ser nulos ou anuláveis, a depender do grau de incapacidade do indivíduo.
Assim leciona Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
"(...) a curatela somente alcança atos de índole econômica, como os negócios jurídicos de disposição patrimonial, dentre os quais a compra e venda, a doação, o empréstimo, a assunção de dívidas, a transferência de bens e direitos, etc. Tais atos serão nulos ou anuláveis, a depender do grau de incapacidade."
In casu, insurge a apelante contra sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau, ao argumento de que o magistrado fora induzido a erro, haja vista a precariedade das provas utilizadas para embasar a sentença, sobretudo o laudo pericial em ID 29507929 produzido em sede de ação de interdição da falecida, bem como o laudo colacionado em ID 48508139, este elaborado após o óbito da testadora, desprovido de identificação.
O apelado, por sua vez, fundamentou o pedido de nulidade de testamento ao argumento de que a testadora, à época, era acometida com doença de Alzheimer, capaz de afastar, ou, ao menos, pôr em dúvida a sanidade da testadora.
Emerge do processado, que os apelados desincumbiram do ônus probatório o qual lhes recaiam, haja vista que colacionaram laudo médico indicando que a Sra. G. S. já apresentava quadro de Alzheimer desde junho de 2009, corroborando com a declaração do médico responsável da casa de repouso, na qual a Sra. G. permaneceu internada desde outubro de 2009 até o seu falecimento.
Restou incontroverso, portanto, que a testadora apresentava comorbidades próprias da doença de Alzheimer à época em que lavrou o testamento em favor da apelante, conforme laudo subscrito pelo médico psiquiatra Carlos Luiz Maia, em 20 de junho de 2009, ID 29507929 e em 22 de outubro de 2009, à ordem de n.186, sendo prova do seu estado precário de sanidade mental em momento anterior à lavratura do ato.
Ademais, embora a decisão de interdição provisória é datada de 02 de dezembro de 2009, e a respectiva sentença declaratória de 13 de janeiro de 2011, é possível afastar a presunção da veracidade do testamento, diante da prova pericial produzida aos autos de interdição, tendo em vista haver sido realizado com mais elementos contextualizados do que os apresentados para corroborar a tese da apelante e atestar o pleno discernimento da testadora.
Nesse contexto, oportuno consignar as discussões acerca da natureza da sentença de interdição, se declaratória operando efeitos ex tunc, ou considerada constitutiva possuindo efeito ex nunc. De todo modo, a maioria da doutrina afirma que a natureza da sentença de interdição é declaratória, havendo quem entenda pela natureza constitutiva ou, até mesmo, natureza mista.
Todavia, a despeito do posicionamento doutrinário, harmonizo com o posicionamento do STJ quanto à natureza constitutiva da sentença de interdição, pois, muito embora haja um decreto de interdição, para invalidar os atos praticados antes da decisão judicial será necessário o ajuizamento de ação autônoma - como a dos autos, a fim de resguardar o direito do interditado e do terceiro de boa-fé.
A respeito dessa temática, confira-se, a doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenval:
"(...) É certo que a sentença de procedência de curatela produz efeitos não retroativos (ex nunc) e imediatos, mesmo na hipótese de interposição de recurso. Isso é indiscutível. Com isso, em linha de princípio, os atos e negócios jurídicos praticados pelo incapaz, antes da sentença de curatela independentemente da sua extensão e do projeto individualizado ali determinado, são válidos. Bem por isso, com o fito de preservar o princípio basilar da boa-fé, negocia com o interditado, desde que não seja visível a incapacidade e não cause prejuízo ao incapaz. Por isso, somente será reputado inválidos o negócio celebrado pelo incapaz antes de sua curatela" se era notório o estado de loucura, isto é, de conhecimento público geral, ou se lhe causar prejuízo. "(Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil: famílias - 14 ed. Ver. Atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2022)
Mais adiante, o autor explana ser essa a solução mais adequada e segura, conciliando os diferentes interesses subjacentes, mostrando-se mais razoável.
Nesse sentido, os dizeres de Maria Berenice Dias:
"(...) Como a incapacidade não passa a existir a partir da sentença, é possível a propositura de ação anulatória dos atos praticados em momento anterior - quer para assegurar a segurança das relações jurídicas, quer para prestigiar o princípio da boa-fé. Somente em casos muito excepcionais cabe a desconstituição de atos pretéritos. De qualquer forma, é necessário o uso da via judicial e a prova da evidente deficiência do interditando para evitar prejuízo a terceiros. (...)"Dias, Maria Berenice. Manual de direito das famílias - 10 Ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Em sintonia, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CITAÇÃO EM NOME DE INCAPAZ. INCAPACIDADE DECLARADA POSTERIORMENTE. NULIDADE NÃO RECONHECIDA. INTERVENÇÃO DO MP. NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI N. 13.146/2015. DISSOCIAÇÃO ENTRE TRANSTORNO MENTAL E INCAPACIDADE. 1. A sentença de interdição tem natureza constitutiva, caracterizada pelo fato de que ela não cria a incapacidade, mas sim, situação jurídica nova para o incapaz, diferente daquela em que, até então, se encontrava. 2. Segundo o entendimento desta Corte Superior, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc. Precedentes. 3. Quando já existente a incapacidade, os atos praticados anteriormente à sentença constitutiva de interdição até poderão ser reconhecidos nulos, porém não como efeito automático da sentença, devendo, para tanto, ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com demonstração de que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização do ato a ser anulado. (...) 8. Nos termos do novel Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146 de 2015, pessoa com deficiência é a que possui impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 2º), não devendo ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (conforme os arts. 6º e 84). 9. A partir do novo regramento, observa-se uma dissociação necessária e absoluta entre o transtorno mental e o reconhecimento da incapacidade, ou seja, a definição automática de que a pessoa portadora de debilidade mental, de qualquer natureza, implicaria na constatação da limitação de sua capacidade civil deixou de existir. 10. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 1694984 MS 2017/0012081-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 14/11/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2018) (grifo nosso)
Nessa mesma linha, já se posicionou este eg. TJMG:
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO CIVIL - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - PROVA: SUFICIÊNCIA - JULGAMENTO ANTECIPADO: CABIMENTO - SENTENÇA: NATUREZA CONSTITUTIVA - EFICÁCIA PARA O FUTURO - INCAPACIDADE ANTERIOR - INOVAÇÃO OBJETIVA - OMISSÃO: NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1. É válido o julgamento antecipado se suficientes as provas já produzidas nos autos. 2. É desnecessária a produção de prova acerca de questão que extrapola o objetivo da lide. 3. A sentença da ação de interdição tem natureza constitutiva, com efeitos não retroativos (ex nunc). 4. A pretensão de declaração de incapacidade do interditando em determinado período anterior ao ajuizamento da ação constitui intolerável inovação no pedido originalmente deduzido na inicial, que objetivava só a interdição. 5. Não há omissão na sentença que deixa de se manifestar sobre questão que não se contém no pedido inicial. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.546405-0/002, Relator (a): Des.(a) Oliveira Firmo, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/07/2021, publicação da sumula em 13/ 07/ 2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - TUTELA ANTECIPADA - REINTEGRAÇÃO ÀS FILEIRAS DA PMMG - REQUISITOS AUSENTES - IMPOSSIBILIDADE. 1- A tutela de urgência deve ser concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2- A sentença de interdição tem natureza constitutiva, sendo que, em regra, produz efeitos ex nunc. 3- Conforme salientado pelo STJ "Quando já existente a incapacidade, os atos praticados anteriormente à sentença constitutiva de interdição até poderão ser reconhecidos nulos, porém não como efeito automático da sentença, devendo, para tanto, ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com demonstração de que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização do ato a ser anulado" ( REsp 1694984/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018). (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.042304-6/001, Relator (a): Des.(a) Jair Varão, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/09/2019, publicação da sumula em 19/ 09/ 2019)
Volvendo ao caso, merece destaque os relatórios da Fundação São João da Escócia, à ordem de n.70/72, de onde é possível ter acesso à evolução do quadro clínico da testadora. E, ainda, que esta foi admitida na casa de repouso em outubro de 2009, permanecendo lá até o seu falecimento, recebendo assistência e acompanhamento de seu irmão, ora apelado, conforme declaração à ordem de n. 74.
Ainda, restou evidenciado a existência de investigação criminal em face da legatária, a fim de averiguar a prática de crime de estelionato tendo como vítima a testadora.
Com isso, ergue-se dúvida razoável quanto à postura da apelante e a credibilidade da confecção do testamento público, ainda mais por inexistir provas a corroborar suas alegações, notadamente pelo depoimento da testemunha João Batista.
Colhe-se o depoimento do Sr. João Batista de Paiva Neto, ID 56899184, indicado como testamenteiro, que:
"...nem o depoente nem a Sra. Dominga participaram da realização do testamento objeto da presente anulação; que não dirigiram até Santo Antônio da Alegria; que não sabe quem participou deste ato; (...) que seus contatos com Glícia se resumiam a cumprimentos durante os cultos religiosos"
Observo que o magistrado de primeiro grau, de forma acertada, julgou procedente a anulatória do testamento, eis que incontroverso que a testadora já era portadora da doença de Alzheimer quatro meses antes da lavratura do testamento.
Em casos similares já decidiu este eg. TJMG:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - TESTAMENTO PÚBLICO - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE AFASTADA - INCAPACIDADE DO TESTADOR NO MOMENTO DO ATO - NULIDADE. Ao registrador é atribuída força de presunção de veracidade nas declarações que externa, convalidando o que lhe se apresenta no momento da lavratura do ato, inclusive do testamento público, cuja validade somente é passível de ser desconstituída com produção de prova exaustiva, certa e clara da ocorrência de nulidade. Não poderão lavrar testamento aqueles que no ato de fazê-lo não tiverem pleno discernimento, conforme o art. 1.860 do CC. É nulo o testamento, ainda que lavrado por instrumento público, quando efetivado por testador que não tinha capacidade para fazê-lo naquele momento. (TJ-MG - AC: 10000210089561001 MG, Relator: Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 07/04/2021, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/04/2021)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO REVOGATÓRIO - AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO DO TESTADOR - DECADÊNCIA - TEORIA DA CAUSA MADURA. 1. Nos termos do art. 1.969 do Código Civil, o testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito. 2. O termo inicial do prazo decadencial de cinco anos para a invalidação do testamento revogatório eivado de vício é o seu registro em juízo, após o óbito do testador. 3. Dispõe o art. 1.860 do Código Civil que não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. 4. É nulo o testamento revogatório realizado por testadora portadora de Alzheimer quando há prova robusta nos autos de que, à época do ato, não podia manifestar livremente sua vontade. (TJ-MG - AC: 10000200009256001 MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 05/03/2020, Data de Publicação: 11/03/2020)
DIREITO CIVIL. TESTAMENTO. INCAPACIDADE DO TESTADOR. ATO PRATICADO ANTES DA INTERDIÇÃO. EXIGÊNCIA DE PROVA CUMPRIDA. - Não há óbice de que seja anulado o ato jurídico praticado pelo interditado, antes da sentença de interdição, estando bem provada a sua incapacidade ao tempo em que foi praticado. (TJMG - Apelação Cível 1.0145.14.033561-6/001, Relator (a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/03/2018, publicação da sumula em 09/ 03/ 2018)
Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo na íntegra a sentença proferida.
Mantenho a condenação da apelante na proporção de 1/3 (um terço), majoro os honorários advocatícios em 5% do valor fixado na sentença, contudo, suspendo sua exigibilidade, eis que está sob o pálio da assistência judiciária, nos termos do art. 98 do Código de Processo Civil.
É como voto.
JD. CONVOCADO PAULO TAMBURINI - De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"